MARIA APARECIDA DE OLIVEIRA
(orientadora)
RESUMO: Objetivo: O presente trabalho teve como objetivo principal verificar a possibilidade de o judiciário aplicar o princípio da função social do contrato para resolver litígio decorrente de contrato bancário, realizado entre a instituição financeira e o assalariado ou aposentado, em caso de endividamento fora de sua capacidade de pagamento. Metodologia: O método de abordagem utilizado na pesquisa foi o método dedutivo, que partindo das teorias e leis, na maioria das vezes, prediz a ocorrência de fenômenos particulares. Foi utilizado o método de procedimento histórico e estatístico. A técnica de pesquisa foi a bibliográfica/documental. Resultados e discussão: O estudo mostrou que é possível a intervenção do poder judiciário para revisão ou mesmo para invalidação do contrato bancário, efetuado pelo assalariado ou pelo aposentado, com base unicamente em seu contracheque, sempre que ficar comprovada a sua real dificuldade de pagamento, sem deixar de lhe faltar os recursos necessários para uma vida digna. O princípio da função social do contrato pode tornar o objeto do contrato ilícito, e consequentemente como uma condição de validade do contrato não atendida. A função social do contrato foi incluída no nosso direito positivo e passou a ser considerada como uma cláusula geral, sendo o seu desrespeito podendo ser considerado como uma afronta à lei imperativa, e logo, também motivo para invalidação do contrato. Apontou este estudo a necessidade de uma intervenção do poder público para regulamentar o endividamento da classe de assalariados e aposentados. Por último, este estudo serviu de alerta para a possibilidade de endividamento excessivo do assalariado e do aposentado, podendo acarretar riscos à economia nacional como um todo, como aconteceu recentemente nos Estados Unidos da América, onde iniciou a atual crise econômica global, tendo como um dos seus motivos determinantes o endividamento excessivo do americano. Conclusão: Concluiu-se ao final deste trabalho que há possibilidade de o judiciário intervir na liberdade de contratar, para determinar a revisão e, no caso concreto, até mesmo a invalidade do contrato bancário. Concluiu-se também que há necessidade de intervenção do poder público, através da edição de Leis, para regulamentar e limitar o endividamento máximo permitido para a classe de assalariados e aposentado, para empréstimos efetuados exclusivamente com respaldo no contracheque.
Palavras-chave: Contrato Bancário; Endividamento; Assalariados; Aposentados; Função Social; Princípios Contratuais; Banco Central; Judiciário; Intervenção Estatal.
ABSTRACT: Objective: This study aimed meanly to verify the possibility of the judiciary to apply the principle of the contract`s social function to resolve dispute arising out of banking contract, held between the financial institution and the employee or retired, in case of debt off their ability to payment. Methodology: The method used in the research was the deductive method, which starting from the theories and laws, in most cases, predicts the occurrence of particular phenomena. Statistical and historical procedure`s method was used. The research`s technique was the bibliographic / documentary. Results and discussion: The study showed it is possible the intervention of the judiciary power to review or even to invalidate the banking contract, performed by the employee or retired, based solely on your paycheck, whenever it is proved their real difficulty of it payment, not allowing the resources necessary for a dignified life missing them. The principle of contract`s social function can become the object of the contract illegal, and therefore as a condition of validity of the contract unfulfilled. The contract`s social function was included in our positive law and came to be regarded as a general clause, and its failure can be regarded as an affront to mandatory law, and hence also reason for invalidation of the contract. This study pointed out the need for government intervention to regulate the class of employees and retirees` indebtedness . Finally, this study served as an alert to the possibility of excessive indebtedness of the employee and retired and could result in risks to the national economy as a whole, as happened recently in the United States of America, where the current global economic crisis has started, wich had as one of its decisive reasons the excessive indebtedness of the American. Conclusion: It was concluded at the end of this paper that there is possibility of the judiciary to intervene in the freedom to contract, to determine the review and, in this case, even the invalidity of the banking contract. It was also concluded that there is need for intervention by the public power, through the edition of laws to regulate and limit the maximum allowable indebtedness for the class of employees and retired to loan made exclusively by the paycheck.
Keywords: Contract Banking, Debt, Employees, Retirees, Social Function, Principles of Contract, the Central Bank; Judiciary, State Intervention
INTRODUÇÃO
Com o fim da era da inflação, os bancos perderam boa parte dos seus ganhos financeiros, provenientes da aplicação em títulos da dívida pública, que lhes proporcionava altos rendimentos, e para tornar as suas atividades atuais lucrativas, tiveram de assumir a sua verdadeira função, que é a de emprestar dinheiro. Com o crédito facilitado e a grande oferta de empréstimos por parte das instituições financeiras, principalmente para os assalariados e aposentados, que tem renda mensal garantida, estes estão se endividando cada vez mais, colocando em risco o seu sustento e o da sua família.
O propósito deste estudo é analisar a responsabilidade social dos bancos ao fazer o contrato de mútuo com os seus clientes, principalmente na verificação do seu endividamento em todo o sistema financeiro nacional, tendo em vista a possibilidade da existência de dívida junto aos demais bancos, bem como na apuração das reais condições de pagamento do empréstimo a ser realizado, de forma a não comprometer a renda do assalariado e do aposentado em valor que possa vir a colocar em risco a sua sobrevivência.
Pretende-se saber ainda até que ponto o atual endividamento dos assalariados e aposentados pode provocar conseqüências negativas na economia nacional, como, por exemplo, um calote generalizado, tendo em vista a luta natural pela sobrevivência e a natureza alimentar do salário, que impede o banco de penhorá-lo para garantir o retorno de seu crédito, colocando o sistema financeiro em dificuldade, como aconteceu recentemente nos Estados Unidos.
Vale lembrar que a atual crise econômica mundial (com efeitos nos anos de 2008 e 2009, principalmente) iniciou-se naquele país, e que um dos motivos principais foi exatamente o excessivo endividamento do norte americano, e ainda, de empréstimos feitos para devedores sem perfeitas condições de pagamento, que, tão logo entrou em dificuldade financeira, deixou de honrar os seus compromissos.
Procura este estudo verificar a possibilidade de o magistrado considerar o princípio da função social do contrato e ordenar a revisão, determinar a invalidade ou a suspensão do pagamento de prestações de empréstimo bancário, realizado por assalariado e aposentado, em virtude da impossibilidade de seu pagamento sem comprometer a sua subsistência, bem como da negligência do banco em oferecer crédito sem observar e respeitar a capacidade de pagamento do seu cliente, inclusive referente a dívidas em todo o sistema financeiro nacional, e, ainda, de possíveis conseqüências de um endividamento generalizado na economia nacional.
Ao iniciar este trabalho não havia o propósito de verificar a possibilidade da intervenção do Estado no mercado, visando o cumprimento da função social do contrato, bem como a supremacia da ordem pública, para diminuir a rigidez do princípio da liberdade de contratar. Talvez seja por meio do dirigismo contratual a forma mais adequada para evitar o endividamento excessivo de assalariados e aposentados, com a utilização do Sistema de Informações de Crédito do Banco Central - SCR, proporcionando mais segurança no mercado econômico e reduzindo as demandas judiciais, evitando sobrecarregar ainda mais o poder judiciário.
O presente trabalho tem como objetivo geral verificar a possibilidade de o magistrado aplicar o princípio da função social do contrato para resolver litígio decorrente de contrato bancário realizado com assalariado e aposentado, determinando a sua revisão, a sua invalidade ou a suspensão do pagamento das prestações, sempre que ficar caracterizado que o seu pagamento deixará o devedor desprovido de recursos para atendimento das necessidades básicas para a sua sobrevivência, e que a instituição financeira foi negligente em não observar e levar em consideração o endividamento do seu cliente em todo o sistema financeiro nacional, e, consequentemente, a sua capacidade de pagamento.
Tem ainda os seguintes objetivos específicos: conhecer os aspectos históricos do contrato, as suas condições de validade e as características dos contratos bancários; analisar os princípios do contrato, essencialmente o princípio da função social e o princípio da supremacia da ordem pública; verificar os níveis de endividamento do assalariado e dos aposentados do Brasil, os fatores que facilitam o seu endividamento, o seu impacto e consequências na economia nacional, e a possibilidade de aplicação dos princípios contratuais para solução de litígios relacionados ao endividamento, principalmente o princípio da função social do contrato.
A metodologia utilizada na pesquisa teve como método de abordagem o método dedutivo, que partindo das teorias e leis, na maioria das vezes prediz a ocorrência de fenômenos particulares. Foi utilizado o método de procedimento histórico e estatístico. A técnica de pesquisa foi a bibliográfica/documental.
O tema foi distribuído em três capítulos, com o capítulo I tratando dos contratos, seus aspectos históricos, as suas condições de validade e, de forma especial, dos contratos bancários. No capítulo II foi feita a abordagem de alguns princípios do direito contratual e, de forma mais específica, sobre o princípio da supremacia da ordem pública e do princípio da função social do contrato. No capítulo III foi analisado o endividamento geral no Brasil, o endividamento específico da classe de assalariados e aposentados no Sistema Financeiro Nacional, os fatores que facilitam o endividamento, o Sistema de Informações de Crédito do Banco Central – SCR e o paradoxo entre a “função social do contrato” e o “endividamento de assalariados e aposentados no Sistema Financeiro Nacional”. Por último foram lançadas as considerações finais.
O que se espera e pretende com este estudo é discutir e encontrar solução para o problema do endividamento excessivo da classe de assalariados e aposentados, para evitar complicações que coloquem em risco a dignidade da pessoa humana, um dano maior para a sociedade como um todo e uma possível corrida ao judiciário, para solução de conflitos, evitando assim uma sobrecarga, ainda maior, dos nossos tribunais.
Espera-se chamar a atenção para o excesso de endividamento da classe assalariada e de aposentados, bem como incentivar uma discussão sobre a possibilidade da intervenção do judiciário para resolver as demandas provenientes desse endividamento. Pretende-se também alertar para a necessidade de intervenção do poder público para regulamentar o setor financeiro, impondo comandos imperativos aos bancos e similares para observar e respeitar limites máximos de financiamento em todo o sistema financeiro nacional. Aspira-se também mostrar que o contrato bancário pode estar sendo desviado da função social do contrato, causando endividamento e empobrecimento da classe de assalariados e aposentados.
1. CONTRATOS
1.1 Aspectos Históricos
Os contratos demonstram, através da historia, grande influencia a partir do legado advindo do Direito Romano, passando pela Antigüidade, Idade Média, Renascimento até chegar ao Iluminismo, época que muito contribuiu para o direito privado do ponto de vista da autonomia da vontade.
Ressalta-se que as demonstrações de épocas históricas não esgotam as contribuições para o direito privado e também para o avanço das obrigações. Assim, deve-se destacar alguns que melhor exemplificam as fases de evolução das relações obrigacionais.
Na fase da Antigüidade, o direito romano não conheceu o termo obrigação. Esse período pode ser dividido em quatro momentos: nexum, contractus, pactum e as Constituições Imperiais.
O Nexum foi a primeira idéia de vínculo entre dois sujeitos. Por esta ligação contratual, caso o devedor não cumprisse o convencionado, ele era convertido em escravo ou respondia pela dívida com o seu próprio corpo.
Já os contractus surgiram com o jus civiles e refletiam um teor de rigidez na sua estrutura. Tal acordo preocupava-se apenas com os contratos reais ou formais, nos quais, em caso de inadimplemento, o credor poderia se utilizar da actio (forma de preservação do direito utilizada pelos credores).
O pactum era o acordo em que as partes não poderiam responsabilizar o devedor em caso de descumprimento do acordado. Tinham mero valor moral e não possuíam caráter obrigatório. Desse modo, O pacto era desprovido da actio.
Por fim, com as constituições imperiais, o formalismo dos contractus foi atenuado, criando-se, assim, uma teoria sobre contratos inominados e para os pactos mais simples.
Quanto a isso, ensina José Roberto dos Santos Bedaque (2001, p.80) "que a actio romana identificava-se mais ou menos com a noção atual de direito subjetivo". Actio seria a atuação de alguém "perante o pretor, recitando fórmulas legais solenes e sacramentais, para obtenção de um jurado particular, incumbido de dirimir a controvérsia".
Na Idade Média, entre os Séculos V e XV, a teoria das obrigações, originária da Europa, derivava dos costumes germânicos. A responsabilidade pelo descumprimento confundia-se com a vingança privada e com a responsabilidade penal.
No Renascimento, a relação obrigacional passava a ser caracterizada por dar maior valor às palavras previstas nos contratos. Houve forte influência da Igreja nos valores morais.
Por sua vez, no Século XIX, surgiu a regra da força obrigatória dos contratos, através do Código Napoleônico, em que se procurou dar mais valor à autonomia da vontade.
Neste contexto, ensina Caenegem (2000) que a filosofia do iluminismo rejeitou os velhos dogmas e as tradições (especialmente religiosas) e colocou o homem e seu bem-estar no centro de suas preocupações. Enfim, o centro de tudo passou a ser o indivíduo, a propriedade e a aquisição de bens.
O Código Civil brasileiro de 1916 recebeu forte influência da legislação francesa, inspirado no liberalismo, valorizando o indivíduo, a liberdade e a propriedade.
A base contratual do diploma civil de 1916 observou características individualistas, observando apenas uma igualdade formal, fazendo lei entre as partes (pacta sunt servanda). Segundo tal diploma, ficava assegurada a imutabilidade contratual e os contraentes celebravam livremente um acordo que deveria ser absolutamente respeitado.
Todavia a aplicabilidade do pacta sunt servanda começou a ser relativizada e a observar a cláusula rebus sic stantibus, como uma própria cobrança das necessidades sociais que não suportaram mais a predominância de relações contratuais com desequilíbrios, cláusulas abusivas e má-fé.
Assim, com o advento do Código de 2002, houve um rompimento do aspecto individualista. Os novos dispositivos legais deste código passam a disciplinar um conjunto de interesses estruturados no princípio da socialidade, em que, por exemplo, a força obrigatória dos contratos é mitigada para proteger o bem comum e a função social do contrato.
1.2 Condições de Validade do Contrato
O contrato, para a sua existência legal, deve preencher certos requisitos, apresentados como de sua validade. Na falta de um desses requisitos, o negócio é inválido, não produz o efeito jurídico desejado e é nulo ou anulável. Os requisitos ou condições de validade dos contratos são de duas espécies: a primeira é de ordem geral, comuns a todos os atos e negócios jurídicos, como a capacidade do agente, o objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e a forma prescrita ou não defesa em lei (conforme dispõe o art. 104 do Código Civil - CC); a segunda é de ordem especial, específico dos contratos: o consentimento recíproco ou acordo de vontades. Esses requisitos podem ser distribuídos em três grupos, ou seja, subjetivos, objetivos e formais, que serão analisados de forma detalhada logo a seguir.
Os requisitos subjetivos consistem na capacidade genérica dos contraentes, na aptidão específica para contratar e no consentimento.
A capacidade genérica dos contratantes é o primeiro elemento ou condição subjetiva de ordem geral para a validade dos contratos. Estes serão nulos ou anuláveis, se a incapacidade, absoluta ou relativa, não for suprida pela representação ou pela assistência.
Além da capacidade geral, exige a lei a especial para contratar. Para celebrar certos contratos, requer-se uma capacidade especial, mais intensa que a normal, como ocorre na doação, na transação, na alienação onerosa, que exigem a capacidade ou poder de disposição das coisas ou dos direitos que são objeto do contrato. Essas hipóteses não dizem respeito propriamente à capacidade geral, mas à falta de legitimação ou impedimento para a realização de certos negócios.
O requisito de ordem especial, próprio dos contratos, é o consentimento recíproco ou acordo de vontades. O consentimento deve ser livre e espontâneo, sob pena de ter a sua validade afetada pelos vícios ou defeitos do negócio jurídico: erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude.
A manifestação da vontade, nos contratos, pode ser tácita, quando a lei não exigir que seja expressa, conforme dispõe o art. 111 do Código Civil vigente. Expressa é a exteriorizada verbalmente, por escrito, gesto ou mímica, de forma inequívoca. Algumas vezes a lei exige o consentimento escrito, como requisito de validade da avença. Não havendo na lei tal exigência, vale a manifestação tácita, que se infere da conduta do agente. O silêncio pode ser interpretado como manifestação tácita da vontade, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa
Os requisitos objetivos referem-se ao objeto do contrato, que deve ser lícito, possível, determinado ou determinável, conforme a seguir.
Objeto lícito é o que não atenta contra a lei, os bons costumes ou a moral. O objeto da obrigação é sempre uma conduta ou ato humano: dar, fazer ou não fazer. A prestação (dar, fazer e não fazer) é o objeto imediato. Ela deve obedecer a certos requisitos para a obrigação ser considerada válida. A jurisprudência tem condenado as obrigações com objeto que atenta a moral, utilizando-se do princípio de que ninguém pode valer-se da própria torpeza.
Quando o objeto é impossível, a obrigação é nula. A impossibilidade é física quando atenta contra as "leis da natureza". Em contrapartida, a jurídica ocorre quando o ordenamento jurídico proíbe certo ato.
A impossibilidade deve ser real e absoluta para causar a nulidade da obrigação. A impossibilidade inicial do objeto não invalida a condição a que ele estiver subordinado.
O objeto deve ser determinado ou, no mínimo, determinável. As prestações que não possuem conteúdo patrimonial são excluídas do direito das obrigações. O interesse do credor pode até ser apatrimonial, mas a prestação deve ser suscetível de avaliação em dinheiro. Caso não haja relação econômica com a prestação, o juiz determinará valor equivalente em caso de reparação de danos. O objeto mediato é sobre no que recai essa prestação.
A forma é o meio de revelação da vontade. Deve ser a prescrita ou não defesa em lei. No direito brasileiro a forma é, em regra, livre. As partes podem celebrar o contrato por escrito, público ou particular, ou verbalmente, a não ser nos casos em que a lei, para dar maior segurança e seriedade ao negócio, exija a forma escrita, pública ou particular, conforme o art. 107 do Código Civil: “a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”. É nulo o negócio jurídico quando não revestir a forma prescrita em lei ou for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade. Em alguns casos a lei exige também a publicidade, mediante o sistema de Registros Públicos (art. 221, CC). As formas podem ser: livre, especial ou solene e contratual.
Forma livre é qualquer meio de manifestação da vontade, não imposto obrigatoriamente pela lei. É a forma predominante no direito brasileiro.
Existindo a exigência de que o ato seja praticado com observância de determinada solenidade, para assegurar a autenticidade dos negócios, garantir a livre manifestação da vontade, demonstrar a seriedade do ato e facilitar a sua prova, diz-se que a forma é especial ou solene e passa a ser requisito de validade de determinados negócios jurídicos.
Forma contratual: é a forma convencionada pelas partes. Os contratantes podem, mediante convenção, determinar o instrumento necessário para a validade do negócio.
1.3 Contratos Bancários
O contrato bancário, como todo contrato, é um fato jurídico. E dentro do gênero fato jurídico, normalmente é enquadrado especificamente como negócio jurídico. Dese modo, dentro do âmbito das operações bancárias, os contratos bancários funcionam como seu esquema jurídico, como fato jurídico propulsor da relação jurídica obrigacional bancária, engendrando direitos subjetivos e deveres jurídicos.
Conceituar contrato bancário implica dar-lhe sua nota essencial, suficientemente restrito para distingui-lo dos demais contratos civis e comerciais, e suficientemente amplos para abarcar todas as atividades historicamente incluídas no rol bancário. É tema árduo, pois, em essência, reflete dificuldade de mesma natureza daquela que sempre se encontrou para distinguir os contratos comerciais dos civis, porém agora mais avante, para distinguir contratos bancários dos comerciais e civis.
Sérgio Carlos Covello (2001) afirma que se podem adotar dois critérios fundamentais na conceituação dos contratos bancários: o critério subjetivo, sendo contrato bancário aquele realizado por um banco; o critério objetivo, pelo qual é contrato bancário aquele que tem por objeto a intermediação do crédito.
Os dois critérios sozinhos são insuficientes, como nota o autor acima referido. O primeiro porque o banco realiza contratos que não são bancários, como de locação, prestação de serviços bancários, etc. O segundo porque o particular também pode realizar operação creditícia sem que se configure como bancária. Adota, então, uma concepção sincrética, recorrendo aos dois critérios, para conceituar o contrato bancário como o acordo entre Banco e cliente para criar, regular ou extinguir uma relação que tenha por objeto a intermediação do crédito.
O contrato bancário pode ser definido como um negócio jurídico concluído por um Banco no desenvolvimento de sua atividade profissional e para a consecução de seus próprios fins econômicos. Pode ser adotado o critério subjetivo para definição, incluindo as atividades de prestação de serviços bancários que no conceito objetivo-subjetivo de Covello restavam excluídas.
Isto porque, o banco múltiplo não pode ser confundido com o antigo banco comercial, pois o desenvolvimento histórico conduziu a uma diversificação da atividade bancária, havendo hoje três tipos de contratos bancários: de moeda e crédito, mistos de crédito e serviço, e de prestação de serviços. A exigência do critério objetivo por Covello, deste ângulo, torna-se excessiva, uma vez que excluem do rol dos contratos bancários atividades historicamente incorporadas pelos bancos em sua evolução, que são os contratos de prestação de serviços como o de caixa de segurança, custódia de bens, operações de cobrança, etc. Realmente estes contratos, que não raro vinculam-se às operações de crédito de modo acessório, parecem ter adquirido notas e peculiaridades de modo a merecerem o tratamento especial das normas bancárias.
Se, por um lado, a conceituação meramente subjetiva não é suficiente, como pontuara Covello, pois o conceito englobaria contratos realizados pelo banco de natureza evidentemente não bancária (como de trabalho, locação, compra e venda, etc.), por outro lado, a solução científica também não parece residir em seu critério objetivo. Parece, sim, adequada, a utilização do critério subjetivo, sendo contrato bancário aquele em que o sujeito banco atua como comerciante, no exercício da mercancia enquanto profissão habitual.
Neste sentido, após criticar a conceituação com base no critério puramente subjetivo, em verdade, há operação bancária se existe suporte fático que se traduz empiricamente em atividades nas qual o banco opera com o cliente, atendendo-se ao fim comercial do banqueiro.
Posto o conceito de contrato bancário, cumpre classificá-lo. Há diversas classificações dos contratos bancários, sendo a primeira e mais importante a que os divide em contratos bancários típicos e contratos bancários atípicos.
Os contratos bancários recebem o adjetivo típico quando se realizam para o cumprimento da função creditícia dos bancos (operação bancária típica, de crédito), e quando típicos se subdividem em ativos e passivos, conforme assuma o banco, respectivamente, a posição de credor ou devedor da obrigação principal. São atípicos os que o banco realiza para prestação de serviços (operação bancária atípica).
Contudo, há também uma terceira classe de contratos, que é uma categoria mista entre típicas e atípicas, sendo operações que envolvem créditos e serviços, e que assumem caracteres próprios que as distinguem das outras duas categorias.
Duas espécies de obrigações costumam permear os contratos dos bancos múltiplos: de dar e de fazer. Os contratos típicos, isto é, de crédito, armam-se em estabelecer obrigações de dar dinheiro (moeda). Já os contratos atípicos, isto é, de mera prestação de serviços, contêm obrigação de fazer, que vincula o banco. E nos contratos mistos, que envolvem créditos e serviços, como intermediação bancária no pagamento (pagamento e cobrança), intermediação bancária na emissão e venda de valores mobiliários, e no crédito documentário, assume o banco obrigações de fazer (prestação de serviço no recebimento e/ou pagamento de terceiro), as quais têm inerentes obrigações de dar, sendo a obrigação primeira e principal a de fazer.
A definição da operação bancária, a qual parece acertada, não exclui do âmbito desta as atividades bancárias secundárias. Enquanto as atividades principais concernem ao recolhimento e distribuição do capital, as secundárias aparecem quando o banco age na função que não lhe é típica, ou seja, que não é a intermediação na circulação do dinheiro. Nas atividades secundárias também podem estar presentes os interesses bancários, de modo mediato, constituindo-se meio para a realização da atividade principal, através da captação de clientela.
Covello, em consonância com sua definição de contrato bancário, não traz a classificação em contratos bancários típicos e atípicos. É claro, porquanto, em sua definição, submeteu os contratos a um requisito objetivo muito estrito, restritivo, para que se configurem enquanto bancários. Só são bancários os que versam sobre o crédito. Deste modo desaparece a figura do contrato bancário atípico.
A atuação bancária se desenvolve, na sua esmagadora parte, em importância e quantidade, sobre os contratos típicos. Estes, como já mencionado, podem ser ativos e passivos, conforme o banco assuma, respectivamente, posição de credor ou devedor da obrigação principal, isto é, o pólo ativo ou passivo. As operações passivas têm por objeto a captação de recursos junto à coletividade, pelo banco, dos quais necessita para processar sua atividade. Já nas operações ativas os bancos concedem crédito aos clientes com recursos arrecadados de outros clientes mediante as operações passivas.
Os contratos de crédito, ou contratos típicos, assumem, além da classificação em ativos e passivos, outras classificações, conforme se segue.
Segundo a natureza do devedor, pode ser público ou privado, conforme a sua fonte de recursos seja de ente público ou privado, e não segundo o devedor.
Segundo a duração, em de curto, médio e longo prazo, devendo-se considerar a possibilidade de renovação ou prorrogação, mas sendo em princípio: de curto prazo o de liquidez, normalmente para capital de giro, de até 360 dias, mais freqüentemente realizado até 120 dias; de médio prazo vai até cinco anos e tem variadas destinações, não se dando pesadas imobilizações; e o de longo prazo normalmente é de investimentos pesados, de lenta maturação, exigindo tempo de carência para ter retorno financeiro, excedendo cinco anos.
Segundo a natureza da garantia, pode ser real, que recai sobre bens móveis e imóveis, e pessoal, que recai sobre o patrimônio total de uma pessoa de confiança do garantido. E ainda segundo o destino dos bens financiados, pode ser de produção e de consumo.
Covello (2001) classifica também o contrato de crédito em nacional e internacional, segundo a posição das partes contratantes, sendo regidos por normas de um ou mais de um país. Aponta também uma classificação do contrato de crédito privado (ou de o crédito destinado a particular), podendo ser: individual, ou pessoal, quando concedido a certas pessoas que, embora não tenham grande patrimônio, têm condições de honrar o compromisso pela estabilidade da profissão, fazendo o banco uma avaliação da confiança que pode ter no indivíduo com seu "levantamento cadastral", sendo não raro este crédito (contrato de crédito, na verdade) um crédito de consumo, destinado à aquisição de bens e serviços; comercial, que visa a estimular o comércio, produção e venda de bens; industrial, que não difere do comercial, mas é de longo prazo normalmente, fornecido por bancos de investimentos; agrícola, modalidade importante, que estimula a agricultura; marítimo, estimulando a construção naval e compra e venda de navios.
O contrato bancário tem peculiaridades que justificam sua disciplina diferenciada. Com efeito, os esquemas contratuais comuns, quando inseridos na atividade própria dos bancos, sofrem modificações sob o aspecto técnico, que determinam alterações em sua disciplina.
As características do contrato bancário, muito relacionadas umas com as outras, podem ser assim pontuadas conforme a seguir.
Sobre o instrumento de crédito pode-se afirmar o contrato bancário é instrumento de operação de crédito. O contrato bancário, em sua grande maioria, é de crédito, e daí assume várias outras características, decorrentes desta, apontadas por Covello (2001): 1) envolve confiança, pois de um lado o banco averigua a vida do cliente, e de outro deve haver rígido controle do Poder Público sobre a instituição financeira, vindo esta a inspirar a confiança da coletividade; 2) envolve prazo, que é o tempo que medeia prestação e contraprestação (esta é diferida, e não imediata); 3) envolve juro ou interesse, que é o preço de cada unidade de tempo em que se dilata o pagamento de um crédito; 4) envolve risco, inseparável da operação de crédito, seja risco particular (relativo a uma pessoa ou operação), geral (relativo a acontecimentos gerais que envolvem toda a nação ou até várias nações) ou corporativo ou profissional (relativo a um setor, uma classe ou uma profissão qualquer);
O contrato bancário implica rígida contabilidade. Todos os contratos bancários, em função de em sua maioria lidarem com o crédito (pecuniaridade), são rigorosamente contabilizados, o que permite o controle da atividade bancária, ou seja, a contabilização de todos os valores que ingressam e saem do banco, com a escrituração, de modo a não permitir margem de dúvidas quanto ao seu montante, ao vencimento, aos encargos inerentes e às amortizações.
Os assentos de contabilidade são anotações que permitem comprovação imediata da operação realizada, porque os contratos bancários não podem ficar circunscritos aos esquemas tradicionalmente seguidos nas matérias civil e comercial. Tais anotações são de indiscutível valor probatório, dada a escrupulosa contabilidade bancária e a presumível imparcialidade.
O contrato bancário revela uma complexidade estrutural e busca simplificação. A complexidade é outra nota das operações bancárias, em razão do surgimento constante de novas relações econômicas entre o banco e os usuários, exigindo operações cada vez mais sofisticadas e complexas, não apenas no sentido de atualizar a escrituração, mas de acompanhar as contínuas modificações que ocorrem no mundo dos negócios.
Devido a esta complexidade grande, e a serem realizados em grande escala (em massa), coloca-se a busca por uma simplificação dessas operações, despontando isto também como característica. É neste sentido que se adotam documentos e títulos de crédito pelos quais se substitui o controle de uma situação jurídica material pelo de uma situação jurídica meramente formal.
O contrato bancário é realizado com profissionalidade e comercialidade. Outra característica é a profissionalidade, pois exerce o banco tais contratos como profissão. E mais, é atividade comercial (bancária como espécie, mas comercial como gênero – afinal, a atividade bancária é uma especialização da comercial), sendo tais contratos atos de comércio, até por cominação legal. Sua atividade envolve intermediação, habitualidade e lucro. Esta característica, como já se notará em oportunidade posterior, permite a aplicação das normas comerciais em derrogação parcial das civis.
Sabe-se que normalmente não se exige que a forma integre necessariamente a substância do ato. A informalidade crescente dos contratos do mercado financeiro é uma característica da atualidade, a maior parte dos quais materializam-se em fichas gráficas. A informatização e o uso do telefone têm propiciado movimentação de contas e aplicações em papéis. A agilidade do mercado financeiro e o alto grau de concorrência têm produzido essa inovação.
O Direito Bancário contemporâneo tem por características a padronização, utilização da informática e formalismo. Contudo utiliza o termo "formalismo" no sentido de "fôrmas", pois os contratos bancários são realizados padronizadamente, sendo contratos de adesão. Ressalta que os mecanismos utilizados são "rápidos, simples e seguros", destacando o importante papel que os computadores têm realizado ultimamente.
Há como dever intrínseco ao contrato bancário o dever jurídico de sigilo. Outra característica é o caráter sigiloso dos contratos bancários. O banco assume informações confidenciais no trato com os clientes, sendo-lhe imposto o dever de discrição, sigilo. É verdadeiro dever jurídico de sigilo profissional. Os contratos bancários, sejam típicos ou atípicos, trazem o dever de sigilo, conforme art. 1º da lei complementar n° 105/2001: "As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados".
Várias teorias procuram explicar o caráter sigiloso. A contratual afirma surgir do contrato, pois certas disposições, mesmo que não expressas, se pressupõem, como a do sigilo bancário se pressupõe frente à estrutura da operação bancária. É teoria bastante aceita, reforçada pela tese de que no contrato bancário estão os elementos do contrato de mandato, devendo o banco mandatário agir com diligência e discrição.
Outra teoria é a de Direito Comercial, pois enquanto atos de comércio as operações bancárias se devem interpretar de acordo com os usos e costumes do comércio, que impõem o dever de sigilo, costume muito antigo (remonta à Antigüidade). A teoria do ato ilícito afirma, por sua vez, que a quebra do sigilo acarreta danos, ficando o banco obrigado à reparação do prejuízo. Teorias do direito penal também procuram explicar, pois a quebra do sigilo profissional configura crime contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei n° 7.492, art. 18).
À quebra do sigilo imputam-se sanções civis, penais e administrativas. Entretanto, o sigilo profissional não é absoluto, havendo limites naturais, bem como legais, casos em que sua quebra não é ato ilícito (penal ou civil) do banco. São naturais os direitos de o banco levar a protesto título que representa empréstimo, acionar judicialmente o cliente, ou fornecer dados da operação quando o cliente solicita.
O contrato bancário é um contrato realizado em massa. O banco realiza operações em massa, a um grande número de clientes indistintamente. São milhares de contratos firmados diariamente, o que gera uma padronização do contrato, estes passam a ser "produzidos em série", em massa, para uma sociedade de consumo que cada vez mais faz uso das operações creditícias. O atendimento a um sem-número de clientes gera a uniformização do contrato, ao qual o cliente simplesmente adere. É, pois, um contrato de adesão, característica que será analisada no próximo item.
O contrato bancário é contrato de adesão e formulário. A partir do momento em que o banco passou a atender a uma infinita sequência de operações, tornou-se inviável a elaboração de um contrato para atender cada relação contratual. Deu-se, então, a necessidade da elaboração de minutas, idênticas, formuladas com antecedência, isto é, passaram os contratos a serem pré-determinados, assumindo uniformidade, bem como por isso passam a ter suas cláusulas impostas unilateralmente, não sendo conferida à outra parte a possibilidade de discuti-las.
Quanto maior a empresa (organização dos fatores de produção por parte do empresário para exercer uma atividade econômica), mais o empresário se distancia da engrenagem que produz resultados. O grande empresário, em sua atividade em cadeia, uniforme, atua pelas diretrizes que dita aos seus prepostos, assim se justificando o surgimento dos contratos formulários. O contrato bancário é formulário e de adesão.
Nos negócios jurídicos bancários a padronização atinge tal nível que passaram a se dar por condições gerais. Na evolução histórica dos bancos, as condições gerais se deram primeiramente num plano individual, tendo cada banco suas próprias condições, quando ainda não havia iniciativa dos círculos oficiais. Com o tempo, as condições se tornaram uniformes para todos os bancos, padronizando-se os formulários, por dois motivos: experiência de longos anos de trato com a clientela e desejo de eliminar a concorrência. Os bancos, em suas associações profissionais entabularam condições e se obrigaram a respeitá-las nas relações com os clientes.
Nos países cultos, como no Brasil, soma-se outro motivo engendrante da padronização: a intervenção do Estado, pelo Banco Central, nos bancos, chegando, várias vezes, a determinar até a minuta do contrato. São elementos que caracterizam os formulários, instrumentos da contratação bancária: identidade formal, predeterminação de cláusulas e rigidez. Daí, no contrato bancário, o consentimento do cliente manifesta-se sob forma de adesão ao esquema que o banco propõe, sendo praticamente obrigado a aceitar, porque é o adotado por todos os bancos.
A conceituação dos contratos de adesão assume contornos diferentes (há, pelo menos, seis modos de caracterizá-lo), tendo como traço característico do contrato de adesão a possibilidade de predeterminação do conteúdo da relação negocial pelo sujeito de direito que faz a oferta ao público.
Segundo os que continuam defendendo a tese contratualista para explicá-lo (pois há quem negue seu caráter contratual), o contrato de adesão é um novo método de estipulação contratual imposto pelas necessidades da vida econômica. Distingue-se por três traços característicos: a uniformidade; a predeterminação; a rigidez. A primeira é exigência da racionalização da atividade econômica. A segunda é a que o caracteriza com mais vigor. A uniformidade, sem predeterminação, não basta. A terceira é desdobramento das outras duas.
Nos contratos de adesão ocorre o confronto entre uma parte, mais forte economicamente (conglomerados, empresas oligopolizadas, monopólios), que domina e mantém cativo o mercado, e uma parte fraca, que não tem qualquer condição de fazer imposições frente a um corpo pré-estabelecido de cláusulas fechadas, restando-lhe apenas a alternativa de aceitá-las ou rejeitá-las em bloco. Contudo, muitas vezes, nem esta alternativa resta à parte, que necessita de bens e serviços para prover e desenvolver sua vida. Não há também que dizer de optar por outras empresas, quando estas se organizam unidas por formas disfarçadas de inconfessáveis cartéis.
Assim, coloca-se a parte fraca frente a cláusulas que muitas vezes sequer lê. Lendo, não as entende. Entendendo, e discorda, de nada adianta, pois não as pode alterar. E, como observado, fica entre aceitar ou rejeitar em bloco, sendo esta liberdade de escolha em vários casos ilusória, porque o autor da oferta goza de um monopólio, e a parte fraca tem necessidade do bem ou serviço. Entretanto, se a princípio não há problema nos contratos de adesão, úteis e necessários, surgem os conflitos com o abuso de poder econômico de setores oligopolizados, mais fortes do que o aderente, o qual se subjuga e vincula frente à falta de alternativas concorrentes.
Entende a maioria, porém, que apesar de suas peculiaridades, devem os contratos de adesão ser enquadrados na categoria jurídica dos contratos. Origina-se a dúvida na confusão a respeito do elemento que define o contrato. Deve-se distinguir o concurso de vontades para a formação do vínculo e a regulamentação das obrigações oriundas desse vínculo. O concurso de vontades é indispensável à constituição dos negócios jurídicos bilaterais, dos quais o contrato constitui expressão mais comum. Por definição, o contrato é o acordo de duas vontades. Não se forma de outro modo. Já a regulamentação dos efeitos do negócio jurídico bilateral não requer a intervenção de duas partes. Pode ser expressão da vontade de uma com a qual concorda a outra, sem lhe introduzir alteração.
A regulamentação bilateral dos efeitos do contrato não é, enfim, elemento essencial à sua configuração. Contudo, a circunstância de serem as obrigações estatuídas pela vontade predominante de um dos interessados na formação do vínculo jurídico não o despe das vestes contratuais. Pode-se afirmar que ocorre a contratualidade da relação pela presença do elemento irredutível, que é o acordo de vontades. No contrato de adesão não se verifica contratualidade plena, mas o mínimo de vontade existente no consentimento indispensável da parte aderente é suficiente para atestar que não é negócio unilateral. Prevalece, em conseqüência, a opinião de que possui natureza contratual.
Cumpre observar também que é cada vez mais volumosa a corrente que sustenta que o contrato de adesão não pode ser explicado como contrato. Há aqueles que entendem que a teoria do negócio jurídico não explica o contrato de adesão, o contrato evoluiu para além do negócio jurídico e de sua teoria. Insistir no negócio jurídico como categoria mais ampla e que abarca todos os contratos é um obstáculo epistemológico. Há um afastamento, em certos contratos, dos princípios fundamentais do direito privado (como a liberdade de contratar e o auto-regramento da vontade – autonomia privada), e a solução não está na ampliação dos conceitos, pois com a generalização cresce a imprecisão.
Desse modo, as conseqüências jurídicas de se considerar, ou não, os contratos de adesão como verdadeiros contratos, são distintas, o que repercute diretamente nos contratos bancários. Apenas como provocação, pois não se encontram referências neste sentido, e é tema que merece estudo, se os contratos de adesão, aí os bancários, não forem contratos propriamente ditos, não aparecerão como figuras diretamente tratadas pelo direito.
O art. 4º, da Lei de Introdução ao Código Civil – LICC, Decreto-Lei N. 4.657, de 04 de Setembro de 1942, dispõe que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”. Embora isto leve o juiz a tratar tais "contratos" de forma semelhante aos contratos propriamente ditos (por analogia), abre-se um maior espaço ao magistrado para a aplicação dos costumes e princípios gerais do direito, podendo-se escapar às normas jurídicas contratuais quando elas não se coadunem com o sentido distinto que adquirem os contratos de adesão, primando-se por princípios gerais do direito que então direcionem a resolução de conflitos de modo mais justo.
O contrato bancário se submete a específica interpretação contratual, materialmente isonômica. Em função de o contrato bancário ter natureza de contrato de adesão, as regras gerais de interpretação dos contratos civis e comerciais se tornam insuficientes, vindo a doutrina em socorro preencher tal lacuna. Embora esta não seja propriamente uma característica intrínseca, é uma projeção do caráter adesivo do contrato bancário, dizendo respeito à sua leitura, à sua própria visualização, sendo conveniente tal análise neste momento.
Orlando Gomes (1995), após enfatizar que o juiz não deve verificar a vontade das partes à luz dos critérios mais usados no plano da concepção voluntarista do negócio jurídico, e sim de conceitos flexíveis que lhe abram horizonte mais dilatado no sentido de evitar abusos por parte do estipulante, refere as seguintes regras: interpretação contra o estipulante; interpretação restritiva das regras que favoreçam o predisponente; prevalecimento das cláusulas especiais sobre as gerais, das manuscritas sobre as impressas; interpretação invariável das cláusulas gerais, sem se atentar para aspectos particulares de cada caso concreto.
De fato, afirma Orlando Gomes (1995) que a singularidade de sua estruturação, dos contratos de adesão, não permite seja interpretado do mesmo modo que contratos comuns, porque é relação jurídica em que há predomínio categórico da vontade de uma das partes. É de se aceitar, como diretriz hermenêutica, a regra segundo a qual, em caso de dúvida, as cláusulas do contrato de adesão devem ser interpretadas contra a parte que as ditou.
Afirma ainda o autor que o poder moderador do juiz deve ser usado de acordo com o princípio de que os contratos devem ser executados de boa-fé, sendo os abusos e deformações reprimidos. Para tanto a interpretação destes contratos comporta liberdade não admitida na interpretação dos contratos comuns. Entretanto, observa-se que a tendência exagerada para negar a força obrigatória às cláusulas impressas é totalmente condenável, sendo até certas cláusulas rigorosas imprescindíveis para que os contratos de adesão em série atinjam os seus fins.
Assim, a desigualdade real entre as partes contratantes conduz a uma desigualdade no tratamento jurídico, para que se atenda o princípio da isonomia em seu sentido material. Deve-se proceder, pois, uma interpretação materialmente isonômica. Este comportamento (de na falta de normas legais expressas, dar o intérprete ou aplicador tratamento, aos contratos bancários, diferenciado, buscando suprir a desigualdade entre os contraentes), tem incentivo no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, ou seja: "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".
2. FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO
2.1 Alguns Princípios do Direito Contratual
O Direito contratual rege-se por diversos princípios, sendo alguns mais tradicionais e outros modernos, conforme ensina Carlos Roberto Gonçalves (2010). Os princípios mais importantes são os da autonomia da vontade, da relatividade dos efeitos o contrato, da obrigatoriedade, da revisão do contrato e da boa fé, que serão visto a seguir, separadamente, além do princípio da supremacia da ordem pública e da função social do contrato, que serão apresentados de forma especial.
Os princípios são vistos como normas jurídicas de aplicação não mais residual. A pretensa completude do Código Civil é abandonada e a idéia do patrimônio como centro do direito privado é posta de lado. Tudo isso porque a pessoa passa a ser vista como o ponto para o qual deve convergir o sistema jurídico.
Os princípios que presidem os contratos desfrutam de enorme significação, pois, aplicados às situações concretas, permitem a prevalência do equilíbrio entre os contratantes. E isso é de fundamental importância diante do primado da dignidade do homem, conforme preceito constitucional.
Até pouco tempo atrás vigia o Código Civil publicado em 1916 e elaborado nos estertores do Século XIX. Poucos estatutos jurídicos gozaram de vida tão longeva, a ponto de assistirem a duas viradas de século. Mas, concebido numa época em que o liberalismo, embora deformado, lavrava infrene na cultura latino-americana, o Código de 1916 foi abeberar-se no modelo napoleônico, centrado no paradigma da completude, segurança jurídica e exegese estreita.
Decorrência disso é que uma abordagem precipitada do sistema civil positivo posiciona o Código como centro do sistema privado, ao redor do qual gravitam outras normas jurídicas só aplicáveis nos casos de lacuna ou antinomia. Logo, a idéia de que o contrato “faz lei entre as partes” ou o aforismo de que o “combinado não é caro”, levado à condição de dogma, fazia parte do universo cultural de não escassas obras de Direito Civil.
Conforme Humberto Theodoro Júnior (2008), o contrato não pode ser visto apenas como fato dos contratantes, pois sua convenção tem de respeitar os interesses do meio social, onde surtirão efeitos. Disso decorre que a abordagem do direito privado, especialmente no tocante aos contratos, mas sem excluir a propriedade e a família, não pode ver o Código como uma ilha, mas como parte integrante de um sistema complexo, presidido por uma base comum.
Quanto ao princípio da autonomia da vontade, pose afirmar que o direito de livre contratar é expressão maior do ideário burguês pós-revolucionário e constitui um princípio vinculado à noção de liberdade e igualdade presente na decantada Declaração de Direitos. É um dos pilares do Código de 1916 e está presente em todos os sistemas do mundo ocidental. Trata-se da faculdade de dispor cláusulas, firmando o conteúdo do contrato e criando, inclusive, novas modalidades contratuais, vale dizer, os contratos atípicos.
Há uma explicação histórica para essa liberdade. Livre das peias do absolutismo, o homem pode agora interagir e buscar o que de melhor há para si, cumprindo ao Estado intervir apenas para assegurar a execução do contrato não cumprido, ou seja, para fazer valer a palavra empenhada e não honrada.
Segundo Gonçalves (2010), a liberdade na contratação parte da premissa de que a vontade de ambos os contratantes tem o mesmo peso e que a contratação é lícita e legítima pelo só fato de respeitar a vontade de cada um. Disso se cunhou as expressões antes referidas, de que “o contrato faz lei entre as partes” e “o combinado não é caro”. Essa premissa permitiu, por exemplo, que trabalhadores europeus, no auge da Revolução Industrial, fossem contratados para laborar mais de doze horas por dia em troca de um salário de fome e sem qualquer assistência social. Não tardaria a que a classe operária, iludida pela Revolução de 1789, deflagrasse conflitos por toda a França, pondo em xeque as conquistas burguesas.
A ambição burguesa leva ao extremo o papel da vontade, firmando uma falsa idéia: a de que, sendo os homens naturalmente livres e iguais, a vontade do contratante, sendo livre e igual à do outro contratante, é suficiente para legitimar a convenção. Tal raciocínio seria verdadeiro se os homens fossem naturalmente livres e iguais, mas não o são nem o poderiam ser. Os textos pós-revolucionários estabelecem o primado da liberdade e igualdade para todos, mas isso não vai além do formalismo. Igualdade material, que pressupõe tratamento desigual para situações desiguais, é algo não cogitado ou propositadamente esquecido.
Conforme Carlos Roberto Gonçalves (2010), o princípio da autonomia da vontade alcançou papel relevante após a revolução francesa, com a predominância do individualismo e a pregação da liberdade em todos os campos, inclusive no contratual. Foi sacramentado que as convenções legalmente constituídas tem o mesmo valor que a lei, em relação às partes que a fizeram.
Chegou um tempo em que o Estado interveio no campo dos contratos. Primeiro, na locação de serviços, disciplinando o contrato de trabalho para o fim de delimitar a jornada diária, estabelecer o direito a férias, ao salário mínimo, à assistência previdenciária, dentre outros benefícios. Mais recentemente, na disciplina consumerista, reconheceu a condição de inferioridade do consumidor, assegurando-lhe direitos até recentemente impensáveis, como a facilitação do acesso à justiça com a inversão do ônus da prova e, especialmente, na disciplina dos contratos de adesão.
Assim, percebe-se a tentativa do Estado de preservar o equilíbrio contratual impondo um contrapeso na balança. As partes (empregador e empregado, fornecedor e consumidor) são materialmente desiguais; a vontade de uma prepondera sobre a da outra (o consumidor precisa do produto, o empregado não pode prescindir do salário). Logo, do poder público se exigem providências para manter o equilíbrio, seja pelo dirigismo contratual seja pela delimitação da vontade, seja, finalmente, pela criação de mecanismos facilitadores de direitos à parte em desvantagem.
O princípio da autonomia da vontade continua válido e informa todo o sistema contratual, mas não subsiste senão interagindo com outros princípios.
O princípio da relatividade dos efeitos dos contratos funda-se na idéia de que os efeitos do contrato só se produzem em relação àqueles que manifestaram a sua vontade, não afetando terceiros nem seu patrimônio, conforme afirma Gonçalves (2010). Quer isso dizer que a convenção contratual não pode gerar efeitos jurídicos senão em relação às figuras dos contratantes.
Quando duas pessoas celebram uma avença, seu patrimônio garante, abstratamente, o cumprimento da prestação e tal responsabilidade não pode recair nos bens de quem não contratou. Por tais razões o legislador estabelece diferentes soluções para o terceiro interessado e o terceiro não interessado que pagam dívida alheia. Aquele se sub-roga nos direitos do credor, por estar vinculado no negócio jurídico; este não se sub-roga, porque não está vinculado.
Sabe-se não estar o pai obrigado a pagar dívida do filho, a menos que por ela se tenha responsabilizado. O pai é estranho ao contrato e seu patrimônio não pode ser agredido. Se o fizer, terá, no máximo, cumprido uma obrigação natural. Poderá fazê-lo por amor ou por receio, mas jamais por obrigação jurídica. Também não se obriga o herdeiro pelas dívidas do morto quando o valor do passivo excede o valor da herança. Se o fizer, estará a pagar segundo os motivos acima expostos, mas nunca por força de norma jurídica.
A ampla aceitação da regra da relatividade nos sistemas ocidentais decorre da necessidade de delimitar o alcance da responsabilidade por inadimplemento contratual, na medida em que impede iniqüidades, como a expropriação de bens de quem não se vinculou ao negócio. Tal princípio decorre também da própria vida em sociedade, na qual cada um deve ser responsabilizado por seus atos. O contrato é um formidável instrumento de circulação de riquezas, mas traz em si uma idéia de ordem e justiça.
A relatividade das convenções é um princípio que preside o direito contratual. Todavia, hoje sofre ele algum temperamento, especialmente no Código de Defesa do Consumidor, no tema relacionado à responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços. Consoante O art. 18 do referido código, os fornecedores de produtos são solidariamente responsáveis pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo. Solidária será também a responsabilidade do comerciante por defeitos encontrados na coisa, nas hipóteses do art. 13 do mesmo instituto.
Se alguém, num supermercado, adquire um produto alimentício e vem a se intoxicar com sua ingestão, poderá demandar contra o fabricante, ainda que o contrato se tenha realizado com o supermercado apenas. Se alguém adquire veículo novo em concessionária e, por defeito de fabricação, vem a se envolver em acidente, pode exigir indenização do fabricante, embora o contrato se tenha celebrado com a concessionária.
O que mais chama a atenção em todos os exemplos é o fato de o ordenamento estender os efeitos da contratação a quem não contratou, desprezando, em alguns casos, a responsabilidade do contratante. Pode-se dizer ser o tema afeto à responsabilidade civil, mas de responsabilidade civil contratual se trata, conforme se vê do art. 12 do referido Código de Defesa do Consumidor. Afinal, o consumidor é um contratante e a idéia central é da reparação integral do dano sofrido.
Com base no princípio da obrigatoriedade dos contratos pode-se dizer que o liame obrigacional que une o devedor ao credor é da essência de todo e qualquer contrato e já os romanos, sob a fórmula pacta sunt servanda, viam-no com acentuado rigor, a ponto de admitirem a responsabilidade corporal do devedor inadimplente. O princípio da força obrigatória não está expresso no sistema positivo brasileiro, mas isso nem é necessário, pois a doutrina o considera um princípio geral do Direito, de caráter universal e transcendente, presente em todas as culturas. Graças a ele, o credor goza de certa segurança, pois sabe do vínculo do sujeito passivo e de sua responsabilidade patrimonial.
O contrato é uma conjunção de vontades; perfaz-se geralmente com a aceitação da proposta. O devedor vincula-se a uma prestação economicamente apreciável, e esse vínculo decorre do sistema, que dota o credor do direito à expropriação dos bens do devedor no caso de inadimplemento. Essa noção levou a burguesia a divulgar a falsa idéia de que o devedor se acha numa posição de subordinação ao credor, como se o contrato o acorrentasse. Sem dúvida uma visão conveniente para a parte mais forte do contrato. Esse ponto de vista migrou para o Código de 1916.
Doutrina e jurisprudência há muito vêm atenuando o excessivo rigor da força obrigatória dos contratos. Em primeiro lugar, porque se entende que o negócio não induz um vínculo de subordinação, mas uma relação de coordenação. Isso significa que o contrato não é instrumento de dominação ou enriquecimento injusto, mas um meio do qual as partes se valem para atingir objetivos.
Assim, deve haver, na generalidade dos casos, equivalência econômica entre as prestações. Por essa mesma razão o sistema impõe tratamento dissimilar nos contratos de adesão, cuja exegese, na dúvida, deverá favorecer o aderente. É o que dispõe o art. 423 do Código Civil: “quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”. A mesma regra encontra-se no art. 47 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
O legislador, ao dispor sobre os contratos, parte da idéia da posição de inferioridade do contratante aderente, por não ter ele acesso à formulação das cláusulas. O estado de desequilíbrio é mitigado por mecanismos como o daqueles dispositivos. É que nos contratos, como ocorre em todas as relações jurídicas, deve incidir o princípio da isonomia, do qual decorre a necessidade de tratamento diferenciado sempre que as partes se encontrarem em posições diferenciadas. Dizer que o banqueiro acha-se em pé de igualdade com o correntista, por serem ambos homens livres e naturais, é uma idéia romântica e sedutora, porém falsa.
A força vinculante do contrato é princípio relativo, porque cede diante de razões maiores que o interesse das partes. Se, para uma burguesia em ascensão, como no Século XIX, o contrato era lei entre partes, a ponto de acorrentar o mais fraco ao alvitre do mais forte, hoje as convenções não obrigam senão em consonância com um ideal de equilíbrio e justiça.
Quanto ao princípio da revisão do contrato, admite atenuação na possibilidade de o pacto ser revisto pelo juiz. A par das hipóteses clássicas e bem conhecidas das nulidades e das exceções do contrato não cumprido ou deficientemente cumprido, previstas nos arts. 166-184 e 476 do Código Civil - CC, a nova ordem contratual admite a revisão do contrato em vários outros casos. Dois deles merecem aqui destaque em razão de sua significação. O primeiro ocorre na já referida hipótese de ofensa à dignidade da pessoa humana e também no já mencionado caso de violação ao dogma da função social. Contudo, a nova ordem contratual, complementando o espaço existente, passa a admitir uma outra possibilidade: a da revisão por onerosidade excessiva.
As modificações supervenientes que atingem o contrato podem ensejar pedido judicial de revisão do negócio jurídico, conforme ensina Ruy Rosado de Aguiar Junior (2003). Trata-se da positivação da teoria da imprevisão. O Código de 1916, fiel ao paradigma napoleônico, em que a força vinculante, ao lado da autonomia da vontade, constituía um dogma, mostrou-se refratário a sua adoção. Sem embargo, alguns autores achavam que a teoria da imprevisão estaria contida no art. 1058 do antigo Código, onde se enquadravam o caso fortuito e a força maior. Mas raros eram os julgados a reconhecê-la e aplicá-la. Ao que parece, essa mentalidade só seria rompida com o advento do Código do Consumidor, cujo art. 6º., V, cuidaria expressamente da aplicabilidade da teoria. A partir dos anos noventa, multiplicam-se os julgados autorizando a revisão dos contratos sob tal fundamento.
Pode-se dizer, em apertada síntese, que esse fundamento permite a revisão do contrato quando o devedor, em razão de um fato superveniente à contratação, cujo advento não era possível antever, nem por ele nem pela generalidade das pessoas, tem o valor de sua prestação substancialmente onerado.
Exemplo bastante citado é o da empreiteira que, na construção de um edifício de unidades residenciais, foi surpreendida pelo aumento exacerbado do preço das sacas de cimento e já não podia entregar o prédio senão reajustando as parcelas originalmente avençadas com os vários condôminos. Visível aqui o confronto entre o princípio da força obrigatória do contrato e a regra da revisibilidade. Afinal, qual deles prevalecerá? Optando pelo primeiro, o intérprete manterá o preço ajustado, os condôminos pagarão o que foi convencionado e o empreiteiro suportará o prejuízo, pois “o contrato faz lei entre as partes”. Elegendo o segundo, o intérprete reajustará o preço, os condôminos terão suas prestações elevadas, o empreiteiro entregará a obra e os proprietários, ao final, receberão seus apartamentos pelo preço real. Parece claro deva o intérprete optar pelo segundo princípio, porquanto estará restaurando o equilíbrio contratual que o imprevisto rompera.
Daí a redação do art. 478 do Código Civil, assim concebida: “nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato”.
A positivação da imprevisibilidade marca uma nova era na civilística pátria. Não que este princípio não fosse antes aplicado entre nós; foi, conquanto esporadicamente, pois os princípios não precisam estar positivados. Contudo, a relutância do Judiciário só começaria a ser quebrada com a sistematização consumerista nos anos noventa. Agora, a regra do art. 478 abre amplo espaço para a incidência da arquitetura da imprevisão.
Não há dúvida tratar-se de grande conquista legislativa, pois a recepção da teoria pelo direito positivo há muito vinha sendo exigida pela doutrina. Mas é necessário aceitar a disposição do art. 478 como um princípio, porquanto fundante da disciplina contratual.
A resolução do contrato sob o fundamento da imprevisão protege, como todos os princípios informadores do direito privado, a dignidade da parte. O raciocínio é simples e, na verdade, bem lógico: ninguém pode ser compelido a uma prestação cujo conteúdo se alterou por causa superveniente ao contrato e estranha à vontade. Se o contratante soubesse que o estado de coisas sofreria substancial alteração, decerto não teria declarado a vontade. Se a ninguém se impõem obrigações contraídas por erro, dolo, coação, lesão ou estado de perigo, em que a vontade se encontra viciada, por não corresponder à intenção real, também não há exigir o cumprimento de prestação cujo conteúdo se altere à revelia do devedor. Do contrário se estará violando a vontade. E se esta é um dos maiores valores da personalidade, sua ofensa implicará lesão à dignidade do ser humano.
Sobre o princípio da boa-fé, deve-se considerar que o conceito de boa-fé sempre esteve presente em nosso sistema privado. Já o Código Comercial de 1850 o previra. O antigo Código Civil, em numerosas passagens, a ele igualmente se referia, especialmente no tocante à posse e benfeitorias. No âmbito dos contratos, o conceito de boa-fé era aplicado ao seguro, na parte referente às declarações do segurado. O art. 422 do novo Código não constitui, portanto, uma novidade; novidade é o conceito de boa-fé objetiva, constante no mesmo dispositivo. Com efeito, a negociação é examinada segundo duas perspectivas: a consciência do agente e a conduta com que se houve na contratação. No primeiro caso, tem-se a boa-fé subjetiva, correspondente à ausência de dolo e, no segundo, assoma a boa-fé objetiva, que corresponde à idéia de comportamento leal.
Para as hipóteses de dolo, em que falta a boa-fé subjetiva, o sistema fulmina de nulidade o contrato, vez que não se tolera a vontade livre e consciente de lesar o outro contratante. Neste caso, a boa-fé surge como atenuante do princípio da autonomia da força obrigatória da convenção. Ninguém pode ser obrigado a cumprir uma prestação em favor de parte imbuída do propósito de enriquecer à custa do prejuízo alheio. O Código de defesa do Consumidor enumera várias hipóteses de nulidade oriunda de má-fé, como as cláusulas abusivas ou leoninas. Todas elas conduzem à ineficácia da cláusula eivada do vício. Idêntica regra está enunciada no art. 424 do Código, para o qual “nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”.
Quem age com o propósito de infligir um dano ao contratante, falta à boa-fé subjetiva, mas é possível que alguém, embora despido desse propósito, ainda assim se paute por uma conduta que, por não ser a ideal ou esperada, culmine na provocação de uma lesão ao outro. Indagado se goza de boa saúde, uma pessoa, ao preencher um questionário para a celebração de contrato de plano de saúde, responde positivamente, mas oculta o fato de ter sofrido, há pouco tempo, doença grave e potencialmente recidível. Ora, essa circunstância, se conhecida da outra parte, poderia determinar diverso rumo à contratação, até mesmo dissuadindo a contratação. Numa palavra, entende-se ser dever do contratante explicitar todos os fatos e circunstâncias que possam influir na convenção.
A boa-fé, em sua acepção objetiva, serve a três propósitos basilares: auxilia na exegese do contrato; cria deveres jurídicos e limita o exercício de faculdades subjetivas. Nesse último sentido, entende-se que a boa-fé, ao postular um padrão de conduta do contratante, delimita sua esfera de liberdade. E isso para que o contrato seja presidido pelo ideal do equilíbrio e alcance os objetivos almejados por ambas as partes, sem ofensa à ordem pública.
Desse modo, pode-se afirmar que a boa-fé, em suas duas acepções, surge como limite aos princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória das convenções. Disso decorre a dicção do art. 422 do Código, segundo o qual “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de boa-fé e probidade”.
2.2 Supremacia da Ordem Pública
Os princípios de ordem pública não podem ser alterados por convenção entre os particulares, sendo a ordem pública constituída por aquele conjunto de interesses jurídicos e morais que incumbe à sociedade preservar, conforme ensina Silvio Rodrigues (2002). Sabe-se ser a sociedade uma condição necessária ao ser humano, que, para realizar-se e alcançar seus propósitos, não pode isolar-se como náufrago em ilha deserta. Por isso o homem, um ser carente de riquezas, conserva-se em sociedade e nela busca sua realização pessoal. O contrato é um dos meios para essa auto-realização.
É possível que, ao expressar a vontade e produzir um dado efeito jurídico, o contratante desborde do comportamento razoável e produza uma lesão à ordem pública, cujos interesses então restarão violados. O fim último do Estado é o bem-estar dos indivíduos que dele fazem parte e, assim, o contrato não só deve satisfazer os contratantes como também deve respeitar os interesses da coletividade em geral. Um contrato de transporte de entorpecentes, pode satisfazer a ambas as partes, mas não cumpre uma função social; o contrato para caça de animais selvagens também pode ser da conveniência das partes, mas viola interesse coletivo, representado pelo ambiente sadio e equilibrado. Assim, nem sempre a conjunção das vontades, embora do agrado de ambos, será suficiente para legitimar e imprimir força a um contrato.
Em situação semelhante encontra-se a chamada “locação de útero”. Segundo essa prática, mulher com óvulo fecundado, mas incapaz de sustentar uma gravidez, avença o implante do óvulo no útero de outra mulher, apta a manter a gestação até o final. Duas mulheres concorrem, assim, para o nascimento da criança: a mãe biológica e a mãe uterina. Aqui, a vontade de ambas é livremente manifestada, mas não haverá lesão à personalidade de mãe uterina ao dispor onerosamente de seu órgão? Hoje a questão foi definitivamente resolvida, porquanto vedada a disposição onerosa de órgãos, mas no passado gerou algum debate doutrinário e jurisprudencial.
Precisar a amplitude do interesse público não é tarefa tão fácil quanto parece. Conforme Carlos Roberto Gonçalves (2010), cabe aos tribunais verificar, em cada caso, se a ordem pública está ou não em jogo. Em relação à propriedade o tema encontra-se sedimentado, pois sua função social está positivada no sistema desde 1934. Contudo, a função social do contrato, como norma positivada, era cânone desconhecido da legislação anterior a 2002.
Às vezes têm-se critérios seguros para apurar a funcionalização das convenções: não haverá função social quando ilícito ou impossível seu objeto, como no exemplo do transporte de entorpecentes (ilicitude) ou no caso de alienação de coisa fora de comércio (impossibilidade). No primeiro caso, o ato refoge à ordem social, que conhece os males provocados pela droga; no segundo, não existe circulação de riquezas. Nenhum dos contratos interessa à sociedade, porque ambos lhe são hostis.
Diante de numerosos casos, o intérprete se vê na dúvida e a ausência de preceito expresso não traz segurança para adotar uma solução. A questão repousa em saber qual o limite da vontade e em que caso o interesse público é violado.
Na interpretação de um contrato há de levar em conta, antes de tudo, o rol dos fundamentos e objetivos propostos para a nação e, entre nós, estão eles no art. 1º. a 4º. do Texto de 1988. Um deles é primaz e jamais será esquecido em qualquer negócio jurídico. Trata-se do princípio da dignidade da pessoa humana, valor para o qual converge todo o sistema privado brasileiro. Por força dessa regra de aplicação plena, o ser passa a desempenhar um papel maior que o ter. A idéia da repersonalização derroga a mentalidade da patrimonialização do contrato.
Assim, o contrato cumpre uma função social quando, respeitando a dignidade do contratante, não viola o interesse da coletividade, à qual não interessam nem a ilicitude do objeto nem a ociosidade das riquezas. Para assegurar a funcionalização das avencas, foi preciso que o Estado interviesse no campo contratual, qualificando seu conteúdo e dando ensejo ao que se chama direitos de segunda geração. Há um evidente contraste, pois os direitos de geração anterior eram caracterizados pela ausência do Estado; os direitos oriundos da função social do contrato são marcados pela postura contrária, vale dizer, pela ingerência do poder público no campo privado.
2.3 Função Social do Contrato
A Constituição da República Federativa do Brasil, também chamada de Constituição Federal, é de natureza principiológica e, como tal, seus princípios têm importância não somente no corpo constitucional, mas também em todo o ordenamento infraconstitucional.
À luz da doutrina constitucional, o ordenamento jurídico é integrado por princípios e normas, sendo certo que a expressão princípio exprime a noção de mandamento nuclear de um sistema, ou seja, o alicerce de um sistema.
De forma pragmática, pois, milita entre os princípios uma aparente antinomia, posto que, a depender da casuística, um princípio prevalece em relação ao outro, por causa de sua maior importância ou pertinência, sem a necessária exclusão do outro, em virtude da relatividade do valor que alberga. Em relação à regras, contudo, persiste uma real antinomia e, por conseguinte, num conflito entre duas regras obrigatoriamente uma deve ser excluída, à vista do seu caráter absoluto, na medida em que incidem ou não sobre determinado fato.
Em sede de direito contratual, por exemplo, há dois princípios constitucionais que fomentaram a radical mudança sofrida pela Teoria dos Contratos: o princípio da dignidade da pessoa humana (Art. 1º, inciso III) e o princípio da livre iniciativa (art. 170 caput).
Quanto ao primeiro (dignidade da pessoa humana), por se tratar de um valor constitucional supremo, que se traduz no respeito ao ser humano, significa dizer ser o ponto central de todo o ordenamento jurídico e para onde converge todo o espectro de interesses constitucionais. Para tanto, a Constituição Federal repousa todo o seu manto principiológico na proteção da dignidade da pessoa humana, ou seja, na concepção de que a pessoa é o fundamento e o fim da sociedade e do Estado.
Quanto ao segundo (livre iniciativa), não se cinge tão-somente à liberdade da empresa (comércio e indústria), mas também à liberdade de contrato, enquanto uma das facetas da livre iniciativa. Nesse aspecto, a livre iniciativa e, por conseguinte, o lucro, tem respaldo constitucional, desde que o lucro não seja abusivo ou extorsivo, pois deve estar atrelado aos ideais de Justiça Social externados nos objetivos fundamentais da República (art. 3º da CF/88).
A associação desses dois princípios constitucionais deve fundar o contrato moderno, o contrato constitucionalizado, o contrato que efetive o princípio da função social, por se tratar de um “mandado de otimização”, consoante previsto no Novo Código Civil. O artigo 421 do novel Código Civil assim estabelece: “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
Induvidosamente, o artigo em comento guarnece dois princípios antagônicos, quais sejam: enquanto a ‘liberdade de contratar’ deriva do princípio clássico da autonomia da vontade, típico do liberalismo individualista do século XIX, a expressão “função social” decorre do ideal de Justiça Social, do Estado Social.
Ora, se certo é, como já ficou assentado, que não há incompatibilidade entre os princípios, mas apenas concorrência, é perfeitamente possível a aplicação harmônica de ambos, desde quando se perceba que a “função social” se traduz num limite positivo na moderna liberdade de contratar, conforme ensina Humberto Theodoro Junior (2008), inclusive limitando a liberdade contratual em si, ou seja, a própria possibilidade de fixar o conteúdo contratual.
No Código Civil vigente, a função social surge relacionada à "liberdade de contratar", como seu limite fundamental. A liberdade de contratar, ou autonomia privada, consistiu na expressão mais aguda do individualismo jurídico, entendida por muitos como o toque de especificidade do Direito privado. São dois princípios antagônicos que exigem aplicação harmônica. A função social não é simples limite externo ou negativo, mas limite positivo, além de determinação do conteúdo da liberdade de contratar. Esse é o sentido que decorre dos termos "exercida em razão e nos limites da função social do contrato".
Na contemporaneidade, no contexto de uma sociedade massificada e plural ao extremo, não é mais aceitável, sob qualquer ótica a analisar, que o contrato seja um instrumento de ruína do contratante mais fraco, levando-o à miséria ou mesmo entregando sua liberdade em razão de eventual inadimplência contratual, sem qualquer direito de defesa.
Atualmente, o que se busca é a realização de um contrato que detenha a função social, ou seja, de um contrato que além de desenvolver uma função translativa-circulatória das riquezas, também realize um papel social atinente à dignidade da pessoa humana e à redução das desigualdades culturais e materiais, segundo os valores e princípios constitucionais.
Busca-se o contrato constitucionalizado, isto é, o contrato que concilie a livre iniciativa à justiça social, posto que permeado pelos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e o da livre iniciativa.
3. A FUNÇAO SOCIAL DO CONTRATO E O ENDIVIDAMENTO DE ASSALARIADOS E APOSENTADOS NO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL
3.1 O Endividamento Geral no Brasil.
O crédito tem sido o propulsor do consumo nos tempos modernos, notadamente com a revolução industrial em que a produção seriada recorre à necessidade de uma oferta massificada. Como no Brasil a regulamentação do empréstimo consignado intensificou a outorga do crédito, o fenômeno do superendividamento se tornou uma realidade preocupante.
Segundo informações do Banco Centro do Brasil o volume total das operações de crédito do sistema financeiro atingiu R$1.435 bilhões em fevereiro/2010, expandindo-se 0,8% no mês e 16,8% em doze meses. Como resultado, a relação entre o volume total de empréstimos e o PIB atingiu 44,9%, ante 45% em janeiro e 40,7% em fevereiro de 2009.
A evolução do crédito, em fevereiro, além de refletir a sazonalidade característica do período, revelou comportamentos similares entre as carteiras por segmentos, constatando-se expansão tanto na parcela relativa aos recursos livres, quanto nos financiamentos com recursos direcionados, os quais registraram desaceleração comparativamente ao mês anterior. Tais evoluções foram verificadas em contexto de moderação das taxas de juros e dos spreads bancários, que alcançaram mínimos históricos, e de continuidade da redução das taxas de inadimplência.
Os empréstimos contratados com recursos livres, que corresponderam a 67,1% da carteira total do sistema financeiro, totalizaram R$963,5 bilhões em fevereiro, com elevações de 0,8% no mês e de 11,2% em doze meses. A variação no mês decorreu de incrementos de 0,8% nos financiamentos para pessoas jurídicas, cujo saldo situou-se em R$485,8 bilhões, e de 0,7% nos empréstimos a pessoas físicas, que somaram R$477,7 bilhões.
Ressalte-se, nesse aspecto, a retomada dos financiamentos lastreados em moeda estrangeira, que registraram expansão mensal de 0,3%, alcançando R$56,1 bilhões, com ênfase para as operações de adiantamentos sobre contratos de câmbio (ACC). Os créditos concedidos com recursos domésticos cresceram 0,9% no mês, com saldo de R$429,6 bilhões, destacando-se as modalidades de capital de giro e conta garantida. Para a expansão das operações destinadas a pessoas físicas, destacaram-se os empréstimos de crédito pessoal, os financiamentos para aquisição de veículos e as operações com cartão de crédito, segundo o Banco Central do Brasil.
A Associação Comercial de São Paulo (ACSP) destaca que, conforme dados do Banco Central, os cheques pré-datados têm aumentado a participação nas dívidas dos inadimplentes. Eles representavam 83% dos cheques em atraso, enquanto 17% eram à vista. Já em março deste ano, os cheques pré-datados chegaram a 88% do total de cheques em atraso, frente a 12% à vista, conforme consulta ao site do Empreendedor.
É crescente o número de consumidores endividados por mais de um carnê em atraso. Em março de 2009, a maioria (53%) das pessoas que recorreram ao Serviço Central de Proteção ao Crédito da ACSP tinha apenas um carnê atrasado, contra 47% dos que possuíam dois ou mais, conforme a fonte referida.
Ainda segundo a mesma fonte, em março de 2010, no entanto, a história se inverteu: 27% dos entrevistados têm apenas um carnê vencido, enquanto 73% possuem dois ou mais títulos em atraso.
De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto de Economia Gastão Vidigal, da ACSP, com 830 pessoas, 39% dos consumidores endividados tinha carnês de lojas em atraso em Março deste ano, contra 34% no mesmo mês do ano passado, ainda conforme dados da mesma fonte.
Segundo pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento do Comercio (IPDC), entidade ligada à Fecomercio-CE, a quantidade de fortalezenses que apresentam algum tipo de dívida ou conta, no mês de março, é a maior desde setembro de 2009. O nível de endividamento dos consumidores chegou a 60,17%, indicador superior aos 58,66% de fevereiro e, inclusive, ao apresentado em março do ano passado (58,21%), conforme consulta ao site do Diário do Nordeste.
Alem do endividamento geral, o número de débitos e contas em atraso também ascendeu, fechando em 22,97%, enquanto, em fevereiro, o índice marcou 21,29%. Apenas em agosto do ano passado houve uma fatia mais significativa deste indicador, quando o índice de atrasos marcou 25,24%, conforme a fonte acima indicada.
Ainda conforme a mesma fonte, a taxa de comprometimento, que mede a parcela da renda dos consumidores destinada ao pagamento de contas, também teve acréscimo em março. Com 17,25%, o índice foi superior aos anotados nos últimos seis meses, perdendo apenas para o mês de agosto de 2009, que contabilizou 17,58%.
Para o economista e superintendente da Fecomércio-CE, Alex Araújo, os números elevados do mês de março surpreenderam. Segundo ele, o natural para este mês é haver queda nas taxas de endividamento. "Os consumidores que iniciam o ano com as contas comprometidas devido aos altos gastos de fim de ano, normalmente, diminuem o consumo em fevereiro", explica o especialista. Seguindo essa lógica, Março seria um período de menor endividamento. Porém, Araújo lembra que houve um fator preponderante para as peculiares elevações: a venda de veículos. O economista explica que os consumidores da classe B aproveitaram as últimas chances para adquirir automóveis com IPI reduzido, fator que influenciou o aumento das dívidas, segundo a referida fonte.
Da totalidade de dívidas adquiridas pelos compradores da Capital, os cartões de crédito são responsáveis por 77,83%, mostra a pesquisa. Mesmo exercendo uma liderança esmagadora sobre as outras formas de compra, as dívidas por cartões diminuíram em relação a fevereiro, quando anotavam 80,1%, conforme a fonte indicada.
Imediatamente abaixo dos cartões, está o uso dos carnês de lojas, com 16,92%. O empréstimo pessoal é responsável por 10,57% das dívidas assumidas, enquanto os cheques pré-datados cobrem 6,90%. Completando a lista, estão as prestações de carro, as compras de imóvel e os gastos com seguros. O estudo do IPDC constatou que as despesas com alimentação foram as que mais afetaram as dívidas do fortalezense, influenciando em 45,25%. Vestuário (14,98%), eletrodomésticos (12,48%) e veículos (9,03%) também pesaram nas contas de março, conforme a referida fonte.
3.2 O Endividamento de Assalariados e Aposentados.
O Empréstimo Consignado, destinado a assalariados em geral e aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), tido como necessário para o incremento da economia, alcançou importância ímpar, por atingir categorias e classes de pessoas no mercado de consumo, induzindo-lhes ao acesso do crédito.
Desse modo, proporcionou às instituições financeiras segurança na concessão do crédito, por livrá-las dos riscos da inadimplência, já que os descontos são automaticamente lançados nas contas salário, pensões ou proventos dos trabalhadores, dos aposentados e pensionistas do INSS.
A operação de crédito mediante o desconto das prestações em folha de pagamento foi criada pela Medida Provisória nº 130, de 17/09/2003, regulamentadas pelo Decreto nº 4.840, de 17/09/2003, para possibilitar aos trabalhadores a reestruturação de suas contas, livrando-os das dívidas com o cheque especial e cartão de crédito.
Para proporcionar efetividade à implementação dessa modalidade de crédito, houve aumento da malha de captação desse crédito, com o credenciamento de outras pessoas jurídicas (correspondentes bancários) nos lugares mais distantes, alcançando um número cada vez maior de pessoas que oferecem condições de ingressar no sistema.
Por outro lado, contribuiu decisivamente para o surgimento do fenômeno recente, que se não causado pelo empréstimo consignado, por certo contribuiu sobremaneira, que é o endividamento sistêmico dos “beneficiados” por essa modalidade de outorga do crédito, o chamado superendividamento dos consumidores.
A Instituição financeira que concede o empréstimo não sofre risco alto de inadimplemento, mas não significa que o mutuário esteja livre do risco de se endividar, pois uma vez assinado o contrato, não pode mais revogá-lo, porque a lei o obriga, mediante o desconto em folha.
O consumidor bancário premido pelo comprometimento sem volta de seus vencimentos, recorre a outros meios de captação de dinheiro, inclusive sujeitando-se a outros tipos de empréstimos do banco, como o Credito Direto ao Consumidor-CDC, cheque especial, cartão de crédito, com altas taxas de juros, e recorrendo a outros meios, como carnês e cheques pré-datados.
Algumas vezes esse mesmo consumidor procura outro banco, abre uma nova conta com respaldo no seu contracheque e se habilita a novos limites para contrair empréstimos, cheque especial e cartão de crédito, tendo em vista que a limitação imposta pela Lei 10.820/03 é referente apenas ao empréstimo consignado.
Muitos trabalhadores tornam-se inadimplentes e têm seus nomes inscritos nos órgãos de proteção do crédito. Desesperados, eles recorrem a agiotas e perdem ainda mais o controle de seus orçamentos.
A Lei 10.820, de 17 de dezembro de 2003 resultou da conversão da Medida Provisória N. 130/03, e passou a regular e normatizar todo o sistema de desconto em folha de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil.
A Lei nº 10.953, de 27.09.04, alterou a Lei 10.820/03, para permitir que o crédito consignado passasse a ser oferecido a aposentados e pensionistas do INSS.
O endividamento excessivo é fato jurídico real que vem sendo objeto da atenção dos estudiosos, por se caracterizar como uma distorção do mercado, uma anomalia que contamina as boas relações comerciais.
Recentemente, o Conselho Nacional de Previdência Social elevou de 20% para 30% o índice de comprometimento da renda dos aposentados e pensionistas do INSS, em mais uma demonstração de que o fator endividamento não está sendo encarado com a importância que ele merece, conforme Instrução Normativa INSS/PRES n. 37, de 01 de Abril de 2009.
O endividamento excessivo tem merecido estudos diversos. A atividade econômica baseada nos princípios da valorização do trabalho e da livre iniciativa, conforme estabelece o artigo 170 da Constituição Federal, almeja assegurar a todos existência digna com base em ditames da justiça social.
O aumento das dívidas pessoais deve levar a um paradigma de comportamento de todos os elementos da relação de consumo, de cooperação, que implica num dever de renegociação. É o que prega Cláudia Lima Marques (2006), ante o fenômeno do superendividamento, com base em tendência de doutrina européia, mais especificamente alemã. Com base nessa tendência, o dever de lealdade e de cooperação, sustentada na boa-fé, tem o objetivo de manter a dignidade entre os parceiros contratuais. Aí se centram os deveres de não onerosidade excessiva e de não cobrança vexatória.
3.3 Fatores que facilitam o endividamento
Um problema que preocupa milhões de brasileiros é o endividamento. Tem gente devendo muito. O número de pessoas com carnês atrasados aumentou. É o que revela uma pesquisa feita pela Associação Comercial de São Paulo, conforme consulta ao site do Empreendedor.
O que tem contribuído para esse descontrole dos gastos é justamente a facilidade de crédito. O consumidor quer comprar, mas falta dinheiro. “O salário nunca chega no tamanho daquilo que a gente quer gastar”, diz uma senhora.
O crédito fácil e o parcelamento longo resolvem o problema, mas podem provocar outro. Quando você diminui a prestação, a pessoa compra. Coube no bolso. “Só que se ele tiver uma doença, que ele precisa de remédio, faz diferença, porque ele está exaurido na sua capacidade de pagar”, explica o presidente da Associação Comercial de São Paulo, Alencar Burti.
A pesquisa da Associação Comercial de São Paulo mostra que tem muita gente exagerando nas compras a prazo. No mês passado, 39% dos consumidores que procuraram o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) tinham atrasado as prestações dos carnês de loja. Em março de 2009, o índice era de 34%. Entre os consumidores que estavam endividados no mês passado, 73% tinham deixado de pagar dois ou mais carnês, segundo a referida fonte.
Depois do atraso dos carnês, as dívidas mais frequentes dos consumidores, segundo a pesquisa, são com o cartão de crédito e também no cheque especial, com o cartão de loja e, por último, o empréstimo bancário.
Segundo Furbino (2009), 80 milhões de brasileiros têm empréstimos bancários e cada consumidor mantém, em média, pelo menos três dívidas diferentes: financiamento da casa própria, do carro e outro tipo de empréstimo. As razões desse endividamento são questões emocionais. Segundo orientadores de finanças pessoais, os problemas que levam as pessoas a exagerarem nas compras passam pela necessidade de gratificação imediata. Nesses casos, comprar dá prazer e acaba preenchendo vazios existenciais. Também é comum que o consumo seja usado como punição entre um casal, como forma de manter aparências sociais e até de disputar o amor dos filhos. O acúmulo de dívidas chega a cumprir estranhos papéis dentro do universo familiar. Os empréstimos podem funcionar como ponte para a união entre a família.
Para alguns consultores de finanças pessoais, o pior do comportamento do comprador ou endividado contumaz é que ele não leva em consideração o custo real do que está adquirindo, mas sim os efeitos psicológicos imediatos da compra. Muitos dos pacientes que procuram consultoria são pessoas que querem saber os motivos que as levam a administrar mal suas contas pessoais. Elas querem entender por que gastam mais do que ganham, por que vivem penduradas em empréstimos em bancos.
O Brasileiro vive no fio da navalha. Com o salário certinho para pagar as contas no final do mês, não sobra muito dinheiro para realizar aquele sonho de consumo, para se dar ao luxo de uma extravagância ou outra. Para piorar, qualquer imprevisto joga as contas no vermelho, conta atrasada e dor de cabeça.
Esse quadro é comum e foi comprovado por uma pesquisa realizada pela Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) desde o ano passado com cerca de 400 consumidores. Mas como evitar isso e ainda criar a oportunidade para comprar aquele bem ou produto que tanto quer? A resposta da Febraban é a educação financeira, conforme consulta ao site do Consumidor Moderno.
Para o presidente da entidade, o atual momento da economia brasileira exige um cuidado mais das instituições financeiras sobre como o consumidor utiliza seu dinheiro. Nos últimos dez anos, dobrou o número de correntistas no País, passando de 120 milhões. Além de ter multiplicado por quatro o número de cartões de crédito, chegando a 130 milhões, segundo a referida fonte.
3.4 O Sistema de Informações de Crédito do Banco Central - SCR
O Sistema de Informações de Crédito do Banco Central – SCR é um instrumento de registro e consulta de informações sobre as operações de crédito, avais e fianças prestados e limites de crédito concedidos por instituições financeiras a pessoas físicas e jurídicas no país.
Inicialmente determinou-se que as instituições enviassem informações sobre o total das operações dos clientes com responsabilidade total igual ou superior a R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais). Paulatinamente, esse valor foi sendo diminuído, inicialmente para o patamar de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e, a seguir, para R$ 5.000,00 (cinco mil reais), nível hoje em vigor, conforme o Banco central do Brasil.
Devem ser informadas todas as operações de clientes com exposição consolidada na instituição igual ou superior a R$5.000,00 (cinco mil reais), detalhadas por créditos ativos ou em ser, créditos baixados como prejuízo, coobrigações (avais e fianças prestados pelas instituições financeiras) e créditos a liberar, contabilizados nos balancetes mensais, segundo a fonte acima citada.
Em 1997, o Conselho Monetário Nacional, por meio da Resolução 2.390, substituída em 2000 pela Resolução 2.724, determinou o envio ao Banco Central do Brasil, pelas instituições financeiras, de informações sobre o montante dos débitos e responsabilidades por garantias de seus clientes, objetivando a implementação do sistema Central de Risco de Crédito, conforme mesma fonte.
Em 2000, percebeu-se a necessidade de se efetuar uma evolução no sistema. Naquela ocasião, iniciaram-se os estudos que culminaram na construção do Sistema de Informações de Crédito do Banco Central – SCR, sucessor da Central de Risco de Crédito. No novo sistema, buscou-se ampliar o escopo das informações existentes, abrangendo não somente as necessidades da área de supervisão bancária, mas também de outras áreas de atuação do Banco Central. Assim, a partir da data-base de maio/2002 (Circular nº 3.098/2002), iniciou-se a coleta de informações sobre cada operação de crédito registrada no final do mês pelas instituições financeiras nos balancetes mensais, ainda conforme a fonte acima.
São objetivos do Sistema de Informações de Crédito do Banco Central - SCR: prover a supervisão do Banco Central de informações que melhorem a capacidade de avaliação da carteira de crédito das instituições, auxiliando a detecção e prevenção de crises bancárias; permitir o desenvolvimento de ferramentas que sinalizem instituições com problemas potenciais em relação à carteira de crédito; permitir que o Banco Central realize análises sobre o mercado de crédito; auxiliar as instituições financeiras na gestão de suas carteiras de crédito, preenchendo a lacuna de informações comportamentais de um cliente.
As instituições a seguir devem prestar informações para o Sistema de Informações de Credito do Banco Central – SCR: Agências de Fomento ou de Desenvolvimento; Associações de Poupança e Empréstimo; Bancos Comerciais; Bancos de Desenvolvimento; Bancos de Investimento; Bancos Múltiplos; Caixa Econômica Federal; Companhias Hipotecárias; Cooperativas de Crédito com carteira de crédito superior a R$ 2 milhões; Sociedades de Arrendamento Mercantil; Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimento; Sociedades de Crédito Imobiliário.
O benefício imediato do sistema para a sociedade é o aumento do conteúdo de informações que facilitam a tomada da decisão de crédito, diminuindo os riscos de concessão e aumentando a competição entre as instituições participantes do Sistema Financeiro Nacional.
Nessa linha, destaca-se que o SCR tem, em seu projeto, características que representam grande evolução para a sociedade em geral. As informações permitem que as instituições conheçam melhor os tomadores de crédito no SFN e, com base na exposição que apresentem, possam oferecer produtos semelhantes com melhores condições de taxa ou prazo, para aqueles clientes com hábitos de pagamento regular.
A base de dados do SCR atende aos interesses da sociedade por ser importante ferramenta para que a supervisão bancária acompanhe, de forma regular e sistemática, o risco de crédito dos agentes que concedem empréstimos e financiamentos. Por ampliar a capacidade de monitoramento das instituições financeiras, o SCR permite que a Supervisão detecte riscos e aja de forma preventiva na proteção da poupança dos cidadãos.
Espera-se que o uso continuado do sistema gere tanto um aumento da competitividade do mercado de crédito brasileiro quanto uma diminuição da inadimplência, contribuindo para a redução do spread bancário e favorecendo, sobretudo, a sociedade como um todo.
Como ferramenta da supervisão, o SCR permitirá ao Banco Central monitorar e fiscalizar com maior eficiência e em maior escala os riscos e perdas das carteiras de crédito das instituições financeiras. A verificação desses riscos é reconhecidamente importante, tendo em vista o histórico de insolvência bancária relacionado ao não pagamento de créditos.
Na sua nova configuração, o SCR amplia a capacidade do supervisor bancário avaliar rapidamente o impacto de crises econômicas domésticas ou internacionais e, ainda, antever as conseqüências, para o sistema ou para uma instituição específica, da insolvência de grandes tomadores de crédito. Esse aspecto é primordial para que se possa direcionar o trabalho da supervisão, visando minimizar ou, se possível, contemporizar os efeitos prejudiciais que esses eventos possam ter sobre a economia e a sociedade.
As instituições financeiras, desde que autorizadas por seus clientes, podem ter acesso aos dados. A existência de autorização é declarada pela instituição no momento do acesso aos dados. A não observância dessa regra sujeita as instituições às penalidades previstas em lei. As informações acessadas pelas instituições financeiras apresentam dados consolidados dos clientes, não trazendo detalhes da operação, nem a identificação da instituição credora ou o nível de classificação de risco, conforme o Banco central do Brasil.
Pessoas físicas e jurídicas podem se cadastrar junto ao Banco Central para acessarem gratuitamente, via internet, os dados prestados a seu respeito pelas instituições financeiras. Além disso, o Banco Central, por meio de suas Centrais de Atendimento ao Público (CAPs), fornece ao requerente relatórios detalhados de suas informações no sistema. Os clientes acessam exclusivamente seus próprios dados, sempre com um número maior de informações que aquele obtido pelas instituições financeiras.
A Lei Complementar 105, de 10.01.2001, em seu art. 1º, parágrafo 3º, determina que não constitui violação do dever de sigilo a troca de informações entre instituições financeiras, para fins cadastrais, inclusive por intermédio de centrais de risco, observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil, segundo a fonte acima.
O Conselho Monetário Nacional, por meio da Resolução 2.724, de 31.05.2000, dispõe que as instituições financeiras poderão consultar as informações consolidadas por cliente constantes do sistema, desde que obtida autorização específica do cliente para essa finalidade.
Em realidade, depende do tomador de crédito permitir ou não o compartilhamento de dados. Sem a autorização do cliente, nenhuma instituição financeira pode acessar seus dados no sistema.
3.5 A função social do contrato e o endividamento de assalariados e aposentados no Sistema Financeiro Nacional.
Segundo Humberto Theodoro Junior (2008), os três novos princípios introduzidos pelo Código Civil brasileiro vigente no Direito Contratual, ou seja, a Boa-fé objetiva, o equilíbrio econômico e a função social, não mudaram os princípios anteriores – a liberdade de contratar, a força obrigatória do contrato e a eficácia relativa da convenção – mas reduziram as suas dimensões, diminuindo o espaço de atuação da liberdade do tempo de liberalismo exacerbado. Os novos princípios diminuíram a rigidez dos antigos, do estado liberal.
Segundo Humberto Theodoro Junior (2008), a mudança do Estado Liberal para o Estado Social, imposta progressivamente a partir do fim do século XIX e início do século XX, provocou o enfraquecimento das concepções liberais sobre a autonomia da vontade, com o desenvolvimento de mecanismos de intervenção estatal no processo econômico, atuando com moderação segundo um dirigismo, apoiado em modelo em que o controle econômico compreende uma atuação com objetivos determinados.
Os novos princípios estão voltados para a construção da dignidade do homem e de uma sociedade mais justa e fraterna. Com a aplicação dos novos princípios, o juiz pode invalidar os negócios viciados ou proceder à revisão dos contratos desequilibrados. Pode ser determinada a revisão contratual para o perfeito equilíbrio de sua equação econômica. A função social do contrato não pode ser prejudicada por abuso da liberdade de contratar, bem como esta deve ser reduzida em benefício da ordem pública.
Dispõe o art. 421 do Código Civil que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. O princípio da função social, nessa perspectiva, não se volta para o relacionamento entre as pessoas contratantes, mas para os reflexos do negócio jurídico perante terceiros, isto é, no meio social. Neste caso a liberdade de contratar será mitigada em nome da função social. O contrato deixa de ser coisa apenas dos contratantes, passando a refletir também em relação a terceiros. A função social do contrato consiste em abordar a liberdade contratual em seus reflexos sobre a sociedade, e não apenas no campo das relações entres os contratantes.
O contrato bancário realizado entre a instituição financeira e o assalariado ou aposentado, seja para servir de instrumento ao crédito consignado ou outro tipo de empréstimo, pode estar sendo utilizado, embora com respeito a liberdade de contratar, com ofensa a sua função social, uma vez que está promovendo um elevado endividamento do referido segmento, colocando em jogo a dignidade humana.
Conforme descrito pelo Banco Central do Brasil, não há normas do Banco Central ou do Conselho Monetário Nacional que disciplinem especificamente a concessão de crédito consignado. Todo o regulamento do sistema de crédito consignado está contido nas Leis 10.820/2003 e 10.953/2004, além dos Decretos 4840/2003 e 5892/2006.
O brasileiro, de uma forma geral, e especialmente os assalariados/aposentados estão experimentando uma era de consumo, como de há tempo não se via. E para atender a essa necessidade reprimida de consumo estão cada vez mais se envolvendo em dívidas em instituições financeiras, principalmente, e demais setores da economia.
O assalariado e aposentado conta com um crédito especial, o consignado, e outros mais, como o cheque especial e cartão de crédito. Para a instituição financeira torna-se uma cliente de baixo risco, tendo em vista que tem o seu ganho praticamente garantido todo mês, o salário/benefício, para pagamento de suas prestações.
O crédito cada vez mais atraente e a falta de uma melhor preparação para o controle de suas finanças, fazem do assalariado/aposentado uma vítima para o endividamento excessivo. Chegando ao topo de seu limite de empréstimo em determinado banco, ele tem a possibilidade de procurar um novo agente financeiro, que lhe abrirá as portas para novos empréstimos, pois lá ele ainda nada deve. Pode não conseguir mais empréstimos consignados, em função do seu limite de 30% da renda informada pelo seu empregador, mas outros créditos lhe serão oferecidos em função da sua renda mensal.
A Atual crise econômica mundial (com fortes reflexos nos anos 2008 e 2009), que explodiu nos Estados Unidos da América, teve como uma das suas causas o elevado endividamento do norte americano, principalmente junto às instituições financeiras. O endividamento chegou a tal nível que os devedores começaram a ficar inadimplentes, sem condições para arcar com os seus compromissos. Os bancos ficaram em dificuldades para fazer novos negócios, uma vez que não conseguiam receber os seus créditos. Gerou uma crise de confiança, que levou por “derrubar” o valor de mercado de algumas grandes instituições financeiras e, por conseqüência gerou um efeito sobre toda a economia americana, repercutindo em todo o mundo globalizado, necessitando de intervenção do estado para “socorrer” a economia.
Conforme Theodoro Junior, “o estado social, porém, não se alheia aos problemas que o abuso da iniciativa contratual pode gerar no meio social em que os efeitos da convenção privada irão repercutir”. Não poderá o resultado danoso prevalecer. O contrato desviado de sua função social não ficará livre de uma sanção jurídica, pois sua prática incorreu pelo terreno da ilicitude.
A ordem constitucional evita o intervencionismo gerencial público no processo econômico, mas também não pode permitir que em nome da liberdade negocial a força econômica seja desviada para empreendimentos abusivos, incompatíveis com o bem estar social e com os valores éticos cultivados pela comunidade.
A função social prevista no nosso direito contratual autoriza o juiz, para aplicação no caso concreto, a promover a revisão contratual para ajustar o que foi combinado com a real condição de pagamento do mutuário. Não pode o assalariado ou aposentado, bem como qualquer outro brasileiro, deixar de ter atendidas as suas necessidades básicas, seus direitos fundamentais à saúde e a vida digna, para ficar “amarrado às correntes” das prestações e dívidas efetuadas fora de sua capacidade de pagamento.
Segundo ensina Carlos Roberto Gonçalves (2010), a função social pode ser enfocada sob dois aspectos: um, individual, referente aos contratantes, e o outro, público, que é o interesse da coletividade sobre o contrato. A função social do contrato somente estará cumprida quando o contrato representar uma fonte de equilíbrio social.
Se o contrato não cumpre a sua função social, se agride interesses de ordem pública caros ao consenso da sociedade, ao juiz compete aplicar-lhe a sanção da nulidade ou da ineficácia, conforme o caso. É preciso que o contrato seja bom para os indivíduos que o celebram e bom para a sociedade. A função social passou a atuar no campo das condições de validade do contrato.
Segundo Caio Mario da Silva Pereira (2003), a função social é norma de ordem pública e serve para limitar a autonomia da vontade, quando esteja em confronto com o interesse social e se este deva prevalecer.
As instituições financeiras precisam exercer o seu papel social, não se preocupando apenas com o lucro imediato. Antes de conceder um crédito ao seu cliente, deve procurar verificar as suas reais condições de pagamento, o seu nível de endividamento, bem como conscientizá-lo sobre o compromisso a ser assumido (crédito consciente).
O Sistema de Informações de Credito do Banco Central – SCR pode contribuir para uma política de crédito mais responsável. Como todas as instituições financeiras são obrigadas a prestar informação sobre os empréstimos efetuados para seus clientes, formando um banco de dado único a nível nacional, este banco de dado precisa ser utilizado para fonte de consulta e verificação do real endividamento de um proponente para operação de crédito.
De posse da autorização de seu cliente, o agente financeiro verifica o seu endividamento em todo o sistema financeiro nacional, no sistema de informações de crédito do Banco Central-SCR, e avalia a possibilidade ou não de lhe conceder um empréstimo, ou mais um empréstimo. Caso verifique que o seu cliente já está bastante endividado, nega-lhe o crédito, explicando-lhe o motivo, cumprindo assim a sua responsabilidade social e concedendo crédito somente para aqueles que realmente demonstrem efetivas condições de quitar os seus compromissos, sem prejuízo do seu bem estar e da sua família.
A pesquisa obrigatória ao Sistema de Informações de Crédito do Banco Central – SCR trará benefícios para toda a sociedade, evitando o endividamento excessivo dos assalariados/aposentados, bem como do público em geral, e garantido mais solidez ao sistema financeiro, evitando inadimplência de suas operações, em virtude de “calotes” generalizados, como aconteceu na economia americana, evitando efeitos negativos na economia nacional.
Para que a obrigatoriedade da pesquisa ao SCR seja implantada, é preciso que seja regulamentada e incluída em nosso regulamento. O Estado Social precisa intervir na economia e através do “dirigismo contratual” estabelecer as regras a serem observadas por todas as instituições financeiras ao efetuar as suas operações de crédito. Trata-se de necessariamente de uma política pública de reequilíbrio, que deve partir de iniciativas legislativas, tendo em vista a dimensão a que tal situação do superendividamento pode chegar.
Atualmente existe a possibilidade de efetuar a consulta ao SCR, mas não existe a obrigatoriedade de sua consulta e o cumprimento/respeito de um determinado limite do endividamento do cliente em relação a sua renda. Os bancos fazem “vista grossa” e estão mais preocupados com as metas, o lucro e em ocupar uma fatia cada vez maior do mercado.
Após o recrudescimento da última crise econômica, que se iniciou nos Estados Unidos da América e se expandiu por todo o mundo globalizado, ficou cada vez mais evidente a necessária maior participação do estado no domínio econômico, deixando o predomínio do Estado Liberal e assumindo o seu novo papel de Estado Social de Direito, principalmente na regulamentação do setor financeiro, colocando o interesse coletivo acima do interesse individual.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O contrato surgiu como instrumento de intercâmbio econômico entre os indivíduos, para atender à necessidade de transferências de bens e serviços e, consequentemente, a circulação de riquezas. Portanto ele é mais um instrumento econômico do que um instrumento do direito. Porém, com o passar dos tempos, ele deixou de ser coisa apenas dos contratantes e passou a refletir positiva e negativamente em relação a terceiro e na vida da sociedade como um todo.
Para que o contrato produza os efeitos desejados é necessário o preenchimento de certos requisitos, denominados de condições de validade do contrato. Atendidos os requisitos, o contrato é considerado válido e dele decorrem os efeitos almejados pelas partes. Faltando algum requisito, o negócio é inválido, não produz o efeito jurídico desejado e é nulo ou anulável.
Os requisitos podem ser objetivos, subjetivos ou formais. Os requisitos objetivos referem-se ao objeto do contrato, que deve ser lícito, possível, determinado ou determinável. Os requisitos subjetivos consistem na capacidade genérica dos contraentes, na aptidão específica para contratar e no consentimento. Os requisitos formais referem-se ao meio de revelação da vontade, e pode ser livre, especial ou solene e contratual.
O contrato bancário, classificado por alguns doutrinadores como do tipo “contratos especiais”, refere-se ao negócio jurídico em que uma das partes é um banco ou uma instituição financeira. É uma modalidade reservada por lei às instituições bancárias e assemelhadas e seus clientes. As diversas operações de crédito e operações financeiras, decorrentes da atividade bancária, dão origem a inúmeros contratos, dentre eles o contrato de abertura de crédito, que é um dos mais utilizados nas operações de credito para pessoas físicas.
O contrato de abertura de crédito é utilizado nos empréstimos de consignação em folha de pagamento, especialmente destinados ao segmento de assalariados e aposentados, bem como para demais modalidades de empréstimos, como o Crédito Direto ao Consumidor, o chamado CDC, o cheque especial e cartão de crédito, destinados àquele público e aos clientes em geral.
Os contratos bancários são classificados em típicos e atípicos. Eles são típicos quando são realizados para a função creditícia do banco, como operação de crédito, que podem se subdividir em ativo e passivo, conforme assuma o banco, respectivamente, a posição de credor ou devedor da obrigação principal. São atípicos os que o banco realiza para prestação de serviços.
O contrato bancário tem características próprias que justificam sua disciplina diferenciada, tendo em vista que os esquemas contratuais comuns, quando inseridos na atividade própria dos bancos, sofrem modificações sob o aspecto técnico, que determinam alterações em sua disciplina.
Dentre as diversas características do contrato bancário, podem-se destacar as seguintes: instrumento de crédito; rígida contabilidade; complexidade estrutural; profissionalidade e comercialidade; informalidade; sigilo; contrato de massa; contrato de adesão e formulário; e interpretação específica.
Dentre as características acima se destaca aquela relacionada ao contrato de adesão e formulário, tendo em vista a sua grande utilização pelo meio bancário nos tempos modernos. A partir do momento em que o banco passou a atender uma infinita seqüência de operações, tornou-se inviável a elaboração de um contrato para atender cada relação contratual. Deu-se então a necessidade da elaboração de minutas, idênticas, formuladas com antecedência, isto é, passaram os contratos a serem pré-determinados. Os contratos passaram a ter suas cláusulas impostas unilateralmente, não sendo oferecida à outra parte a possibilidade de discuti-las.
O direito contratual rege-se por diversos princípios. O novo Código Civil, superando o modelo do Estado Liberal puro, acrescenta novos princípios ao direito contratual. Ele não abandona os princípios clássicos da teoria do contrato sob o domínio das idéias liberais, mas lhe acrescenta outros princípios, que vieram a diminuir a rigidez dos antigos. Os novos princípios vieram enriquecer o direito contratual com apelos e fundamentos éticos e funcionais.
O direito contratual não se limita somente aos três princípios clássicos da autonomia da vontade, da relatividade dos efeitos do contrato e da obrigatoriedade das convenções. A estes vieram somarem-se outros: o princípio da revisão ou do equilíbrio econômico; o da boa-fé objetiva; a supremacia da ordem pública; e o da função social do contrato.
O princípio da supremacia da ordem pública limita o da autonomia da vontade, que não é absoluta. A intervenção do Estado na vida contratual é hoje tão intensa em determinados campos, como seguros, consórcios e telecomunicações, que se configura um verdadeiro dirigismo contratual. A noção de ordem pública e o respeito aos bons costumes constituem freios à liberdade contratual.
A função social do contrato consiste em abordar a liberdade contratual em seus reflexos sobre a sociedade, e não apenas no campo das relações das partes contratantes. Se algum dano indevido à coletividade for detectado, a autonomia contratual terá sido exercitada de forma injurídica. O Estado não ficará alheio aos problemas que o abuso da iniciativa contratual pode gerar no meio social, em que os efeitos da convenção privada irão repercutir.
Para alguns doutrinadores, quando se insere algum princípio geral no direito positivo do país, como é o caso da função social do contrato, ele deixa de ser princípio geral, ou seja, deixa de ser regra de interpretação, e passa a caracterizar-se como uma “cláusula geral”. Como a função social é cláusula geral, o juiz poderá preencher os claros, do que significa essa função social, com valores jurídicos, sociais econômicos e sociais.
O contrato bancário tem sido um dos principais instrumentos da evolução do crédito no Brasil. O crédito tem papel importante no consumo, sendo considerado por alguns economistas como um dos grandes responsáveis pelo crescimento econômico nacional. Entre as principais operações para pessoas físicas, o incremento maior fica por conta dos empréstimos de crédito pessoal, o financiamento para compra de veículos e as transações com cartão de crédito.
Porém é preocupante o elevado nível de endividamento a que está chegando o brasileiro. Segundo pesquisas realizadas por alguns institutos ligados ao comércio, o número de consumidores inadimplentes vem crescendo nos últimos tempos, com inclusão de seus nomes nos cadastros restritivos do SPC e SERASA. Também vem aumentando a taxa de comprometimento da renda, taxa essa que mede a parcela da renda do consumidor destinada ao pagamento das dívidas.
Com a regulamentação do crédito consignado, destinado aos assalariados e aposentados dos INSS, a possibilidade de contrair novos empréstimos com base na renda, com taxa de juros mais moderada, o endividamento se tornou uma realidade preocupante. Se por um lado a nova modalidade de empréstimo consignado tornou o crédito mais fácil e barato, tendo em vista o menor risco para o banco, por outro vem contribuindo para fragilizar ainda mais a situação financeira desse segmento.
O crédito consignado é concedido por meio de contrato de abertura de crédito, que é do tipo contrato de adesão e formulário, sem opção para o mutuário alterar ou manifestar sobre qualquer cláusula ou condição. Não tendo outra opção, pois os bancos não trabalham com contratos específicos para cada cliente, a sua opção é aceitar ou recusar o contrato como um todo. Como precisa do empréstimo para atender às suas necessidade de consumo, não ver outra saída a não ser a de aceitar as condições impostas pela instituição financeira, por meio do contrato de adesão e formulário.
São diversos os fatores que contribuem para o endividamento do brasileiro. Para alguns institutos de pesquisa ligados ao comércio, é a facilidade do crédito um dos maiores responsáveis. Para alguns consultores de finanças, os motivos são questões emocionais, são os efeitos psicológicos imediatos da compra. Os motivos passam pela necessidade de gratificação imediata. Há ainda o motivo da falta da educação financeira, do despreparo do brasileiro para lidar com as questões financeiras.
O endividamento de qualquer cliente de uma instituição financeira pode ser verificado no cadastro do Banco Central do Brasil, cadastro este denominado de Sistema de Informações de Crédito do Banco Central – SCR. O banco, de posse de uma autorização do seu cliente, pode efetuar a consulta ao SCR e verificar o endividamento do seu cliente em todo o sistema financeiro nacional.
O cadastro do SCR pode e deve ser utilizado para evitar o endividamento excessivo, pelo menos no sistema financeiro nacional, que envolve os bancos e demais instituições financeiras, responsáveis por grande parte do crédito concedido em toda a economia nacional. De posse da informação sobre o endividamento total de seu cliente e conhecedor da sua renda mensal, a instituição terá condições de analisar a possibilidade de conceder ou não um novo crédito, de acordo com as reais condições de pagamento do seu cliente.
O endividamento de assalariados e aposentados no sistema financeiro nacional, de forma elevada e sem limites e controles, pode estar ensejando um abuso da liberdade de contratar e contrariando os princípios da dignidade humana e de uma sociedade mais justa e fraterna. Não se deve permitir que referida liberdade seja incompatível com o bem estar social e com os valores maiores da nossa sociedade.
O princípio da função social, um dos novos incluídos no Código Civil de 2002, se volta para os reflexos do negócio jurídico, não apenas entre os contratantes, mas também no meio social. Conforme o Art. 421 do referido código, “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
O endividamento excessivo de um segmento como o de assalariados e aposentados, chegando a níveis elevados, fora das condições de pagamento, pode gerar um problema sério para a economia nacional, como aconteceu recentemente nos Estados Unidos da América (impacto na crise dos anos de 2008 e 2009). Logo, é preciso encontrar meios para solucionar o problema que pode prejudicar o crescimento econômico do nosso país, bem como resolver as situações individuais daqueles envolvidos no endividamento.
O assalariado, como é do conhecimento de todos, já tem as suas despesas normais, com a alimentação, saúde, educação, higiene, transporte e lazer, etc. Com a obtenção de crédito no banco, que na maioria das vezes é para atendimento da necessidade de consumo, aumenta o seu gasto com o valor da prestação mensal a pagar. Sem limite para fazer suas dívidas, exceto no crédito consignado, que é de 30% da sua renda, pode ter as suas finanças debilitadas, colocando em dificuldade o seu sustento e da sua família. No caso do aposentado pode ser mais grave, pois geralmente esse tem uma despesa elevada com relação a remédios, devido a problemas de saúde em função da idade.
No caso concreto, entendo que a situação pode ser resolvida pelo judiciário, caso fique configurado e sistematizado o endividamento generalizado no segmento de assalariados e aposentados, principalmente quando concentrado em uma determinada instituição financeira. Como a função social é cláusula geral, o juiz poderá preencher os claros do que significa essa “função social” com valores jurídicos, sociais, econômicos e morais. Poderá proclamar a inexistência do contrato por falta de objeto ou declarar a sua nulidade por fraude à lei imperativa, porque a norma do art. 421 do Código Civil é ordem pública. O juiz pode aplicar as cláusulas gerais em qualquer ação judicial, independentemente de pedido da parte ou do interessado, pois deve agir em razão do ofício.
A situação complicada do endividado pode ser resolvida com a intervenção do judiciário no caso concreto, caso a caso, ajustando o seu endividamento à sua real condição de pagamento. Como já foi visto, o Estado não pode permitir, que em nome da liberdade contratual, a força econômica seja desviada para empreendimentos abusivos, incompatíveis com valores éticos cultivados pela comunidade. Como também foi visto, de uma forma ou de outra, o contrato desviado de sua função social não poderá ficar livre de uma sanção jurídica, pois sua prática pode ser considerada uma ilicitude.
Outro caminho a ser seguido é o da prevenção. A adoção de medidas por parte do Estado para evitar o endividamento excessivo da classe assalariada e de aposentados, bem como dos devedores do sistema financeiro em geral. O Estado por meio do dirigismo contratual deve interferir nas operações de empréstimos para pessoas físicas, não só em relação aos empréstimos consignados, que já estão regulados pela Lei 10.820/03, mas todos os tipos de empréstimos bancários, como o cheque especial, cartão de crédito e Credito Direto ao Consumidor, o conhecido CDC.
Com a utilização do Sistema de informações de Crédito do Banco Central, o denominado SCR, pode ser efetuado um controle sobre o endividamento dos mutuários das instituições vinculadas ao sistema financeiro nacional. Com a consulta das informações de seu cliente, constante do SCR, após a devida autorização, o banco tomará conhecimento da sua situação financeira e da sua possibilidade para contrair novos compromissos. É preciso o estabelecimento de limites para o endividamento, conforme a renda do pretenso tomador do empréstimo.
A consulta ao SCR precisa ser obrigatória pelas instituições financeiras, bem como a observação e o cumprimento de limites máximos admitidos para o endividamento. É necessário, então, que o Estado, exercendo o seu poder de intervenção no mercado regulamente o setor financeiro, estabelecendo a obrigatoriedade da consulta ao SCR e o cumprimento do limite de endividamento permitido conforme a renda do cliente. Deve ser uma imposição da Lei, com as devidas sanções em caso de descumprimento, e não apenas uma atitude de responsabilidade social. O limite do endividamento deve ser estabelecido pelas autoridades competentes e especialistas da área.
A limitação deve ser referente a todas as operações de empréstimos e em todas as instituições financeiras, a exemplo do que já acontece com os empréstimos consignados, que tem o seu valor máximo limitado a 30% da renda mensal da remuneração disponível do assalariado e 30% do benefício do aposentado do INSS. Atualmente o devedor consegue outros empréstimos calculados com base na sua renda, como o cheque especial, o cartão de crédito e o credito direito ao consumidor - CDC, no banco onde recebe seus proventos ou beneficio, e ainda pode obter novos empréstimos em outras instituições financeiras, tudo com base na mesma renda do salário ou benefício, podendo atingir valores totalmente fora de sua capacidade de pagamento.
Como se trata de um problema que pode agravar e trazer danos diversos para a sociedade como um todo, com reflexos em toda a atividade econômica, como aconteceu com o endividamento excessivo do norte americano, justifica a intervenção do Estado social, para regulamentar esse setor que, conforme autoridades públicas de diversos países desenvolvidos, está carecendo de regulamentação, notadamente após o surgimento da atual crise financeira em todo o mundo globalizado. É necessário que o desenvolvimento econômico deva ocorrer vinculado ao desenvolvimento social.
Como são diversos os motivos que conduzem os assalariados e aposentados a se endividarem, às vezes sem condições para cumprimento da obrigação, desde a falta de educação financeira, passando pela facilidade do crédito, até motivos emocionais, é preciso a criação de instrumentos para impedir maiores prejuízos ao meio social. Não pode ser admitido, nos tempos atuais, que os contratos, de acordo com a visão social do estado democrático de direito, não sejam submetidos ao intervencionismo estatal manejado com o propósito de superar o individualismo egoístico.
Como já foi exposto, o fim do estado é o bem estar dos indivíduos que dele fazem parte e o contrato não deve só satisfazer os contratantes, como também respeitar os interesses da coletividade. O sentido social é uma das características mais marcantes do Código Civil de 2002, em contraste com o sentido individualista que condicionava o código de 1916.
O contrato bancário quando realizado com a finalidade de incentivar uma determinada atividade produtiva, como um financiamento de máquinas e equipamentos para instalação, ampliação ou modernização de indústrias, financiamento do comércio e da prestação de serviços, além da atividade rural, tem grande valor social, gerando trabalho, renda e emprego.
O financiamento da casa própria atende a um sonho de muitos brasileiros, e além da função social não gera reflexo negativo no orçamento do mutuário, pois com o gasto que teria com o aluguel pode pagar a prestação do empréstimo.
Porém o contrato bancário com a finalidade exclusiva de financiar o consumo pode estar promovendo indiretamente o desenvolvimento econômico, mas diretamente não gera riqueza para o devedor, ao contrário, somente acarreta despesas. Neste caso, o contrato está deixando de exercer a sua função primordial, razão da sua criação, que é a de circular a riqueza.
Ficam então alguns questionamentos para reflexão. O princípio da função social autoriza o juiz a intervir no contrato, determinando a sua invalidade ou revisão, no caso de endividamento além das reais condições de pagamento do assalariado ou aposentado? Pelo que foi estudado a respeito desse princípio, trata-se de cláusula geral, de lei imperativa que precisa ser observada por todos. Portanto, se não for respeitada, pode ser motivo para determinar a sua revisão ou invalidar o contrato, conforme art. 166, inciso VI, do Código Civil, principalmente quando se tratar de endividamento excessivo em um determinado agente financeiro, levando-se em conta que o agente tinha conhecimento das demais dívidas de seu cliente e não teve os cuidados necessários e nem a devida responsabilidade social.
A cláusula geral da função social e o princípio da supremacia da ordem pública respaldam a iniciativa das autoridades públicas para a criação de uma lei, regulamentando e limitando o endividamento dos assalariados e dos aposentados no sistema financeiro nacional? Creio que é possível o Estado interferir no mercado e disciplinar as atividades e impedir o uso abusivo da liberdade de contratar. Com a regulamentação, pode-se evitar a possibilidade dos bancos concederem empréstimos sem qualquer limite e sem a devida responsabilidade social.
Com a instituição de uma Lei, regulamentando o endividamento máximo da referida classe, a instituição financeira que não observá-lo, além das sanções que deverão ser previstas na própria Lei, poderá ver o seu instrumento de crédito, o contrato bancário, invalidado taxativamente pelo judiciário, por descumprimento de um preceito legal, conforme determina o art. 166, inciso VI, do Código Civil.
Com a limitação da liberdade de contratar na área financeira, a referida classe será restringida da possibilidade de endividamento no sistema financeiro, não terá a sua renda reduzida, em função das prestações excessivas a pagar, e terá melhores condições de ter uma vida digna, com sobra de recursos para o seu bem estar, educação, saúde e lazer. Além disso, evitará uma possível procura do judiciário para resolver suas demandas com os bancos, contribuindo pra desafogar os nossos tribunais.
É notória a importância da atividade bancária para o desenvolvimento econômico do país, principalmente no financiamento da produção. O que se discute é a necessidade de regulamentação do setor, de aperfeiçoamento da atividade, com o estabelecimento de limites para o endividamento total efetuado com base apenas no contracheque do assalariado ou aposentado. Chama-se a atenção para o risco que a concessão de crédito excessiva, sem obediência a limites determinados, pode gerar para o devedor e para a sociedade como um todo. É preciso lembrar que o desenvolvimento econômico deve estar atrelado ao desenvolvimento social.
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graduando em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOPES, Roberto Carlyle Gonçalves. A função social do contrato e o endividamento de assalariados e aposentados no sistema financeiro nacional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 set 2023, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/63242/a-funo-social-do-contrato-e-o-endividamento-de-assalariados-e-aposentados-no-sistema-financeiro-nacional. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: Luis Carlos Donizeti Esprita Junior
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: LARISSA DO NASCIMENTO COSTA
Por: Sergio Baptista Pereira de Almeida Filho
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