LETÍCIA SANGALETO TERRON[1]
(orientadora)
RESUMO: Este artigo propõe-se a analisar de forma ampla como ocorre a investigação dos crimes militares do âmbito da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso do Sul. Destacou-se quais os procedimentos investigativos previstos na legislação interna do referido ente federativo, além do inquérito policial militar previsto no Código de Processo Penal Militar. Foi abordado: conceito de crime militar, competência, procedimentos e meios de obtenção de provas.
Palavras-chave: Investigação, Crimes, Militares.
ABSTRACT: This article intends to analyze in a broad way how the investigation of military crimes within the scope of the Military Police of the State of Mato Grosso do Sul takes place. The investigative procedures provided for in the internal legislation of the federal entity were highlighted, in addition to the military police investigation provided for in the Code of Military Criminal Procedure. Was approached: concept of military crime, competence, procedures and means of obtaining evidence.
Keywords: Investigation, Delict, Military.
1. INTRODUÇÃO
Dentre as funções do comandante de uma Organização Militar encontra-se a “investigativa”, sendo ela a atribuição de apurar a autoria e materialidade dos crimes militares. Nota-se que o princípio da obrigatoriedade impõe ao comandante o dever de, diante da notitia criminis, instaurar o devido procedimento.
Ocorre que a tarefa de investigar crime militar exige conhecimento jurídico daquele que está presidindo o procedimento inquisitório e, em todos os casos, a apuração deve ser conduzida de forma técnica e responsável, uma vez que implicações recaem sobre os direitos e garantias fundamentais do investigado.
Fazendo paralelo com as forças militares federais (Exército, Marinha e Aeronáutica) verifica-se que nas FFAA não é exigido qualquer tipo de conhecimento jurídico para o ingresso na carreira de oficial combatente, ao contrário do que ocorre nas policias militares estaduais, onde a maioria dos entes federados, como por exemplo: Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe e Pernambuco, exigem o bacharelado em Direito.
Em que pese acreditar que a diversidade acadêmica dentro da instituição Polícia Militar seja importante, verifica-se que a formação em Direito faz toda a diferença, haja vista as atribuições dos oficiais em tratar com situações complexas e sensíveis (como a de realizar uma investigação criminal) lidando diretamente com os bens individuais mais preciosos do ser humano, sendo eles: a liberdade, a dignidade e o patrimônio.
Desta forma, o presente artigo tem por objetivo abordar o conceito de crime militar e as modificações trazidas pela Lei 13.491/2017, bem como destacar os procedimentos apuratórios utilizados pela Polícia Militar de Mato Grosso do Sul quando da notícia ou suspeita da prática de crime militar e ainda, analisar os respectivos meios de obtenção de provas utilizados na persecução penal previstos não só na legislação castrense, como também em leis esparsas.
2. DO CRIME MILITAR E DAS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI 13.491/2017
Para melhor entendimento e contextualização do tema, vejamos o que dispunha a redação anterior do artigo 9º do Código Penal Militar, em especial o inciso II e o parágrafo único:
Art. 9º. Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;
II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:
a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;
b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;
d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;
f) revogada.
(...)
Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil serão da competência da justiça comum, salvo quando praticados no contexto de ação militar realizada na forma do art. 303 da Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica. (grifo nosso)
Agora vejamos a redação atual do artigo 9º do Código Penal Militar com as alterações trazidas pela Lei nº 13.491/2017:
Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;
II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados:
a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;
b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;
d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;
III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:
a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;
b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;
c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;
d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior.
§ 1º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil, serão da competência do Tribunal do Júri.
§ 2º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto:
I – do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa;
II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante;
III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes diplomas legais:
a) Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica;
b) Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999;
c) Decreto-Lei no 1.002, de 21 de outubro de 1969 - Código de Processo Penal Militar;
d) Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral. (grifo nosso)
Conforme se verifica, a legislação revogada, entendia como crime militar apenas aquelas condutas previstas especificamente no Código Penal Militar. Ademais, em seu parágrafo único elencava a Justiça Comum (Tribunal do Júri) como sendo competente para o julgamento de crime doloso contra a vida de pessoa civil praticado por militar.
Com a atualização da norma castrense, para a configuração de crime militar, a conduta do agente poderá se amoldar tanto no Código Penal Militar como nas demais Leis Ordinárias (Código Penal comum, por exemplo) e Leis Extravagantes bastando, entretanto, que estejam presentes alguma das circunstâncias previstas no inciso II do artigo 9º do Código Penal Militar.
De igual modo, manteve em seu §1º a competência do Tribunal do Júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de pessoa civil praticado por militar. Contudo, trouxe no §2º uma ressalva referente aos militares das Forças Armadas quando do cometimento de crime doloso contra a vida de pessoa civil, levando para a competência para Justiça Militar da União caso estejam presentes alguma das circunstâncias previstas nos incisos I, II, III, do §2º do artigo 9º do CPM.
Nesse diapasão, a doutrina subdividiu o conceito de crime militar em: Crimes Propriamente Militares e Crimes Impropriamente Militares.
Em sua obra “A Investigação nos Crimes Militares”, Luciano Moreira Gorrilhas nos traz:
Crime propriamente militar é um fato típico, ilícito e culpável descrito somente na legislação penal militar. O sujeito ativo só pode ser militar da ativa e a conduta delituosa está relacionada às atividades da caserna, como por exemplo, os crimes de deserção, abandono de posto, violência contra inferior, dentre outros. Crime Impropriamente Militar é fato típico, ilícito e culpável previsto na legislação penal militar, no Código Penal comum e em leis penais extravagantes, desde que adequadas ao Art. 9º do CPM. O sujeito ativo da infração pode ser tanto o militar quanto o civil e as condutas típicas não estão relacionadas com atividades próprias do militar no âmbito da caserna. São exemplos os crimes de homicídio, furto, lesões corporais, dentre outros.[2]
De igual modo, após a edição legislativa, a doutrina trouxe também a denominação “crime militar por extensão”, como sendo os crimes previstos fora do Código Penal Militar mas que se caracterizam como “militar” em virtude da conjugação da tipo penal comum com as circunstâncias previstas no inciso II do artigo 9º do CPM.
Ante o exposto, com a entrada em vigor da Lei nº 13.491 e a consequente modificação do artigo 9º do Código Penal Militar, percebe-se que houve um aumento significativo das atribuições elencadas à Polícia Judiciária Militar, uma vez que ampliou sobremaneira o rol de condutas que possam vir a configurar crime militar.
3. DA COMPETÊNCIA PARA INVESTIGAÇÃO DOS CRIMES MILITARES
A Constituição Federal em seu artigo 144, §4º, elencou a Polícia Civil a competência para apuração da autoria e materialidade das infrações penais comuns, contudo, retirou de sua esfera a atribuição de investigar aquelas de natureza militar.
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
VI - polícias penais federal, estaduais e distrital.
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. (grifo nosso)
De igual modo estipulou a Constituição Estadual do Estado de Mato Grosso do Sul.
Art. 43. A Polícia Civil, instituição permanente, incumbida das funções de polícia judiciária e de apuração de infrações penais, exceto as militares e ressalvada a competência da União, é dirigida por um diretor-geral, cargo privativo de Delegado de Polícia da última classe da carreira, de livre escolha, nomeação e exoneração do Governador do Estado. (grifo nosso)
Assim, analisando os preceitos constitucionais, verifica-se que o legislador elencou de forma indireta à Polícia Judiciária Militar a função de investigar os crimes militares.
De igual modo, nota-se que as normas constitucionais também não trazem no rol de atribuições da Polícia Federal (artigo 144, §1º, da CF) a competência para apurar os crimes militares, restando claro à Polícia Judiciária Militar a missão de realizar tal tarefa. Ricardo Henrique Alves Giuliani menciona:
A Polícia Judiciária Militar está prevista de forma implícita no art. 144, § 4º, da Carta Magna, quando assevera que às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração das infrações penais, exceto as militares. O regramento da polícia judiciária encontra-se nos artigos 7º e 8º do CPPM.[3]
Além do mais, a Constituição Estadual do Estado de Mato Grosso do Sul além de replicar a competência negativa da Polícia Civil para apuração das infrações penais militares, explicitou ainda a função de Polícia Judiciária Militar à Polícia Militar.
Art. 47. À Polícia Militar incumbem, além de outras atribuições que a lei estabelecer:
I - policiamento ostensivo e preventivo de segurança;
II - policiamento preventivo e ostensivo para a defesa do meio ambiente;
III - policiamento do trânsito urbano e do rodoviário estadual, por delegação do Departamento Estadual de Trânsito;
IV - a guarda externa dos presídios;
IV - a guarda externa dos presídios, quando esta não for exercida por agentes penitenciários estaduais;
V - as atividades de polícia judiciária militar. (grifo nosso)
Por fim, o artigo 8º do Código de Processo Penal Militar corrobora os ditames trazidos pela Carta Magna e pela Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul quando da competência da Polícia Militar para a investigação dos crimes militares, vejamos:
Art. 8º Compete à Polícia judiciária militar:
a) apurar os crimes militares, bem como os que, por lei especial, estão sujeitos à jurisdição militar, e sua autoria;
Desta feita, estabelecida a atribuição Institucional/Orgânica para apuração das infrações penais militares, cabe destacar dentro da estrutura Polícia Militar quais são as autoridades e órgãos responsáveis pela instauração e condução do procedimento investigatório criminal.
O Código de Processo Penal Militar, no capítulo referente a Polícia Militar Judiciária e, em especial, quanto ao seu exercício, nos traz o rol de autoridades legitimadas para o exercício da função.
Art. 7º. A polícia judiciária militar é exercida nos termos do art. 8º, pelas seguintes autoridades, conforme as respectivas jurisdições:
a) pelos ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, em todo o território nacional e fora dele, em relação às forças e órgãos que constituem seus Ministérios, bem como a militares que, neste caráter, desempenhem missão oficial, permanente ou transitória, em país estrangeiro;
b) pelo chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, em relação a entidades que, por disposição legal, estejam sob sua jurisdição;
c) pelos chefes de Estado-Maior e pelo secretário-geral da Marinha, nos órgãos, forças e unidades que lhes são subordinados;
d) pelos comandantes de Exército e pelo comandante-chefe da Esquadra, nos órgãos, forças e unidades compreendidos no âmbito da respectiva ação de comando;
e) pelos comandantes de Região Militar, Distrito Naval ou Zona Aérea, nos órgãos e unidades dos respectivos territórios;
f) pelo secretário do Ministério do Exército e pelo chefe de Gabinete do Ministério da Aeronáutica, nos órgãos e serviços que lhes são subordinados;
g) pelos diretores e chefes de órgãos, repartições, estabelecimentos ou serviços previstos nas leis de organização básica da Marinha, do Exército e da Aeronáutica;
h) pelos comandantes de forças, unidades ou navios; (grifo nosso)
§ 1º Obedecidas as normas regulamentares de jurisdição, hierarquia e comando, as atribuições enumeradas neste artigo poderão ser delegadas a oficiais da ativa, para fins especificados e por tempo limitado.
§ 2º Em se tratando de delegação para instauração de inquérito policial militar, deverá aquela recair em oficial de posto superior ao do indiciado, seja este oficial da ativa, da reserva, remunerada ou não, ou reformado.
§ 3º Não sendo possível a designação de oficial de posto superior ao do indiciado, poderá ser feita a de oficial do mesmo posto, desde que mais antigo.
§ 4º Se o indiciado é oficial da reserva ou reformado, não prevalece, para a delegação, a antiguidade de posto.
Trazendo para o contexto da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso do Sul, em conformidade com Lei Complementar nº 190 de 2014, extrai-se que o exercício da função de Polícia Judiciária Militar recai, dentre outros, sobre o Comandante Geral da corporação (comandante de força), o Subcomandante Geral, o Chefe de Estado-Maior, o Corregedor-Geral, o Comandante de Policiamento Metropolitano (CPM), os Comandantes de Policiamento de Área (CPA’s), o Comando de Policiamento Especializado (CPE), os Comandantes de Batalhões e os Comandantes de Companhias Independentes.
Corroborando com o descrito acima, o Portaria nº 065/PM-1/EMG/PMMS, de 10 de julho de 2019 (que aprova as instruções dos processos e procedimentos administrativos disciplinares da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso do Sul) destacou quais são as autoridades com competência investigativa, vejamos:
Art. 7º São autoridades com competência disciplinar e investigativa:
I – o Governador e o Secretário de Segurança Pública, a todos os integrantes da Polícia Militar;
II – o Comandante-Geral aos que estiverem sob seu comando;
III – o Subcomandante-Geral, Chefe do EMG, Corregedor-Geral, Comandante do Policiamento Metropolitano, Comandantes de Policiamento de Áreas, Comandante do Policiamento Especializado e Diretores de Órgãos de Direção Setorial, aos que servirem sob suas ordens;
IV – o Ajudante-Geral, os Chefes de Seções do EMG e os Comandantes de OPM, aos que estiverem sob suas ordens;
V – os Subcomandantes de OPM, Chefes de Seção, de Serviços e de assessorias, cujos cargos sejam privativos de oficiais superiores, aos que servirem sob suas ordens;
VI – os demais Chefes de Seção, até o nível de Batalhão, inclusive,
Comandantes de Subunidades incorporadas, Companhias e Pelotões destacados, aos que estiverem sob suas ordens.
Contudo, diante das altas atribuições que estas autoridades estão submetidas, a legislação supramencionada possibilita a delegação do exercício da Autoridade de Polícia Judiciária Militar a outro oficial de posto superior ao do indiciado, respeitando normas correspondentes à jurisdição e hierarquia.
Deste modo, uma vez estabelecidas as autoridades com atribuição originária de Polícia Judiciária Militar, importa destacar que a Lei Complementar n° 190 de 2014 (que dispõe sobre a organização, a composição e o funcionamento da Polícia Militar) instituiu também a Corregedoria Geral da Polícia Militar como órgão de direção que, dentre outras funções, possui competência para apurar a prática de ilícitos penais militares. Vejamos o que dispõe a Lei Complementar:
Art. 15. A Corregedoria é órgão subordinado ao Comandante-Geral, responsável pela preservação da disciplina, da hierarquia e da ética policial Militar, competindo-lhe, também, apurar, coordenar, controlar e fiscalizar fatos e atos que envolvam a responsabilidade criminal, administrativa e disciplinar dos membros da corporação, ativos e inativos, bem como supervisionar o cumprimento das atribuições de Polícia Judiciária Militar, previstas em lei, decretos, normas e regulamentos da Instituição.
Art. 16. Compete à Corregedoria da Polícia Militar:
I - promover a apuração das infrações penais militares, nos termos da Constituição Federal e da Lei Federal nº 9.299, de 7 de agosto de 1996, as transgressões disciplinares atribuídas a policial militar da ativa ou inativo, independentemente de sua lotação, cargo ou função que ocupe ou exerça, na própria Corporação, em outro Poder, órgão ou entidade da administração pública;
II - instaurar, de ofício ou quando determinado pelo Comandante-Geral ou Chefe do Estado-Maior, procedimentos administrativos próprios para apuração de fatos e ou delitos que envolvam integrantes da Corporação e, por decisão do Comandante-Geral, propor ao Governador a instauração de Conselho de Justificação conforme legislação vigente;
(...)
Parágrafo único. Os crimes de natureza militar e as transgressões disciplinares envolvendo militares de mais de uma Organização Policial Militar serão apurados exclusivamente pela Corregedoria da Polícia Militar.
Conforme se extrai, a Corregedoria é órgão de livre atuação no âmbito estadual quando o assunto se trata da apuração de crimes militares, agindo de ofício quando do exercício da fiscalização ou de forma provocada por parte dos órgãos oficiais, como por exemplo: Ministério Público e ouvidoria.
Além do mais, conforme mencionado no parágrafo único do artigo 16 da Lei Complementar n° 190, a Corregedoria possui competência exclusiva para a investigação de crime militar quando este versar sobre o concurso de agentes lotados em Organizações Policias Militares diversas, fazendo com que seja promovida uma apuração isenta e com a profundidade necessária.
Assim, uma vez estabelecida as autoridades e órgãos competentes para a investigação dos crimes militares, necessário se faz elencar quais são os principais procedimentos previstos na legislação federal e estadual para apuração de sua autoria e materialidade.
4. DOS PROCEDIMENTOS INVESTIGATÓRIOS
4.1. Inquérito Policial Militar (IPM)
Trata-se de procedimento administrativo, presidido pela Autoridade de Polícia Judiciária Militar, consistente no conjunto de diligências que objetiva a obtenção de elementos informativos quanto à autoria e materialidade da prática de crime militar.
Vejamos as lições do professor Renato Brasileiro de Lima:
“(...) procedimento de natureza instrumental, porquanto se destina a esclarecer os fatos delituosos relatados na notícia de crime, fornecendo subsídios para o prosseguimento ou arquivamento da persecução penal. De seu caráter instrumental sobressai sua dupla função: a) preparatória: a existência prévia de um inquérito policial inibe a instauração de um processo penal infundado (...) b) preparatória: fornece elementos de informação para que o titular da ação penal ingresse em juízo, além de acautelar meios de provas que poderiam desaparecer com o decurso do tempo”.[4]
De igual modo, o Código de Processo Penal Militar, em seu artigo 9º, elenca a finalidade no Inquérito Policial Militar.
O inquérito policial militar é a apuração sumária de fato, que, nos termos legais, configure crime militar, e de sua autoria. Tem o caráter de instrução provisória, cuja finalidade precípua é a de ministrar elementos necessários à propositura da ação penal.
Pois bem, verificado a existência da prática de infrações penais, surge para o Estado o dever de apurar e de aplicar a devida sanção ao autor do delito, contudo, para que isso aconteça faz-se necessário um conjunto probatório mínimo a fim de que este ente federado deflagre o processo criminal.
Deste modo, o Inquérito Policial Militar é o principal instrumento usado para angariar elementos informativos quando a autoria e materialidade de crimes, viabilizando uma peça acusatória robusta e coesa. De igual modo, a instauração do referido procedimento apuratório evita o oferecimento de denúncia (peça processual) sem o mínimo de elementos probatórios.
Assim, uma vez estabelecido o conceito, finalidade e a relevância do Inquérito Policial Militar, importa destacar quais são as formas de iniciá-lo.
O Código de Processo Penal Militar em seu artigo 10 elenca:
Art. 10. O inquérito é iniciado mediante portaria:
a) de ofício, pela autoridade militar em cujo âmbito de jurisdição ou comando haja ocorrido a infração penal, atendida a hierarquia do infrator;
b) por determinação ou delegação da autoridade militar superior, que, em caso de urgência, poderá ser feita por via telegráfica ou radiotelefônica e confirmada, posteriormente, por ofício;
c) em virtude de requisição do Ministério Público;
d) por decisão do Superior Tribunal Militar, nos termos do art. 25;
e) a requerimento da parte ofendida ou de quem legalmente a represente, ou em virtude de representação devidamente autorizada de quem tenha conhecimento de infração penal, cuja repressão caiba à Justiça Militar;
f) quando, de sindicância feita em âmbito de jurisdição militar, resulte indício da existência de infração penal militar. (grifo nosso)
Nota-se, portanto, que o Inquérito Policial Militar será iniciado de ofício ou por provocação de umas das personalidades acima listadas. Ocorrerá, via de regra, por meio de “portaria”, documento elaborado pela Autoridade de Policial Judiciária Militar na qual reconhece a existência de indícios de crime militar e determina sua investigação.
Ademais, a instauração do procedimento apuratório em discussão poderá ser realizada pela própria autoridade militar do âmbito da jurisdição ou por delegação desta a outra Autoridade de Policial Militar Judiciária (respeitada a hierarquia e demais peculiaridades do caso concreto) que, na sequência, designará um escrivão para o feito (artigo 11 do Código de Processo Penal).
4.1.1. Características do Inquérito Policial Militar
Vejamos as principais:
- Procedimento escrito: Todas as peças do Inquérito Policial Militar serão reduzidas a termo e rubricadas pela Autoridade de Polícia Militar Judiciária. Entretanto, discute-se na doutrina a possibilidade da utilização dos meios tecnológicos para a gravação dos depoimentos e interrogatórios em sede de IPM.
- Procedimento dispensável: Consoante o artigo 28 do Código de Processo Penal, o inquérito policial militar poderá ser dispensado, sem prejuízo de diligência requisitada pelo Ministério Público quando o fato e sua autoria já estiverem esclarecidos por documentos ou outras provas materiais; nos crimes contra a honra, quando decorrerem de escrito ou publicação, cujo autor esteja identificado; nos crimes previstos nos artigos 341 (desacato) e 349 (desobediência a decisão judicial) do CPPM.
- Procedimento sigiloso: Conforme o artigo 16 do Código de Processo Penal, o inquérito é sigiloso, mas seu encarregado poderá permitir o conhecimento do procedimento ao advogado do investigado. Importante ressaltar o entendimento sumulado do Supremo Tribunal Federal no que tange ao acesso do advogado nos autos do IPM. Súmula Vinculante nº14: É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa. (grifo nosso).
Em que pese o advogado ter garantido o direito de acesso ao Inquérito Policial Militar, verifica-se que, implicitamente, a súmula elenca o acesso àqueles elementos probantes já documentados, ou seja, não terá o advogado acesso àqueles ainda em produção, uma vez que poderá prejudicar o andamento das investigações.
- Procedimento inquisitório: Mesmo com a figura do advogado, não se vislumbra a presença do contrário e da ampla defesa em sede de IPM, uma vez que se trata de procedimento de natureza administrativa e de caráter instrumental, sem que dele decorra diretamente uma sanção.
- Procedimento Indisponível: Conforme artigo 24 do Código de Processo Penal, a autoridade militar não poderá mandar arquivar autos de inquérito mesmo que conclusivo da inexistência de crime ou de inimputabilidade do indiciado, devendo o feito ser remetido ao Ministério Público para que ele solicite o arquivamento perante o Poder Judiciário.
4.1.2. Das Diligências Investigatórias
O Código de Processo Penal, em seu artigo 12, elenca um rol de diligências a serem adotadas pela Autoridade de Polícia Judiciária Militar quando do conhecimento da prática de crime. Segundo a doutrina do Professor Renato Brasileiro de Lima[5], “trata-se de um rol exemplificativo (não taxativo) com a finalidade de orientar a Autoridade Policial na busca de elementos probatórios para a solução do caso no que tange a autoria e materialidade delitiva”.
Dentre as medidas encontram-se: a preservação do local de crime; apreensão de objetos relacionados com o fato; a prisão do infrator, se for o caso; a colheita de demais provas que sirvam para o esclarecimento de fatos e suas circunstâncias (artigo 12 do Código de Processo Penal Militar).
Destaca-se que o artigo 10, §2º, do Código de Processo Penal, dispõe que o aguardo da delegação não obsta que o oficial responsável por comando, direção ou chefia, ou aquele que esteja de serviço, tome ou determine que sejam tomadas as providências cabíveis previstas no art. 12 do CPPM.
Em seguida, com a instauração do devido Inquérito Policial Militar, deverá o encarregado do procedimento apuratório, analisando o caso concreto e consoante o artigo 13 do CPPM: colher as declarações das vítimas; ouvir as testemunhas; interrogar o investigado; proceder o reconhecimento de coisas e pessoas; determinar a realização de exame de corpo de delito e demais perícias; avaliação pecuniária de coisas subtraídas, desviadas, destruídas; proceder buscas e apreensões; se possível e conveniente, realizar a reprodução simulada dos fatos.
Assim sendo, verifica-se que o legislador trouxe no arcabouço legal do Código Processo Penal Militar diversos procedimentos e meios de obtenção de provas que a Autoridade Policial Militar poderá/deverá lançar mão quando da apuração da prática de crime militar.
Contudo, necessário se faz destacar que com o advento da Lei nº 13.491/2017 houve um aumento expressivo no que se refere a tipificação e conceituação de crime militar, fazendo com que crimes previstos no Código Penal comum e em Leis Penais Extravagantes passassem a configurar crime militar.
Deste modo, a depender do crime ora investigado, os meios de obtenção de provas expressos apenas no Código de Processo Penal Militar não serão suficientes para investigação dos crimes de maior complexidade, como por exemplo: Tráfico de Drogas; Associação Criminosa; Lavagem de Capitais; Concussão; dentre outros.
Diante disto e, em consonância com o artigo 294 do Código de Processo Penal Militar (que prevê a admissibilidade de qualquer espécie de prova), vejamos outros meios de obtenção de provas que a Autoridade Policial Militar poderá utilizar durante a investigação criminal.
4.1.2.1. Interceptação Telefônica
A Constituição Federal trouxe em seu artigo 5º, inciso XII, a Intercepção Telefônica como meio de obtenção de prova para os fins de investigação criminal ou instrução processual, a qual deverá ser realizada mediante autorização judicial e na forma estabelecida em lei.
Renato Brasileiro de Lima, em sua obra, define Interceptação Telefônica:
Consiste na captação da comunicação telefônica alheia por um terceiro, sem o conhecimento de nenhum dos comunicadores. (...) Interceptar uma comunicação telefônica não quer dizer interrompê-la, impedi-la, detê-la ou cortá-la. A expressão dever ser compreendida como o ato de captar a comunicação alheia, tendo conhecimento do conteúdo de tal comunicação.[6]
Nesse diapasão, a Lei nº 9.296/1996 regulou a aplicação do referido procedimento e estabeleceu ainda que, além comunicações telefônicas, os dispositivos constantes desta lei poderão ser aplicados para interceptações de comunicações em sistemas de informática e telemática.
Com relação aos requisitos necessários para o pedido de Interceptação Telefônica, o legislador, a contrário sensu, especificou quando a medida não deve ser deferida. Analisemos:
Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:
I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;
II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;
III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.
Portanto, nota-se que quando da formulação do pedido ao Poder Judiciário, a Autoridade de Polícia Judiciária Militar deverá demonstrar: indícios plausíveis de autoria ou de participação no delito, a impossibilidade de produzir a prova por outro meio legal e o crime investigado ser apenado com pena de reclusão.
Por fim, o prazo da medida conforme o artigo 5° da Lei nº 9.296/1996 não excederá o prazo de 15 (quinze dias), renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.
4.1.2.2. Captação Ambiental
Também regulada pela Lei nº 9.296/1996, a Captação Ambiental consiste na obtenção de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos no próprio ambiente da comunicação.
Além da autorização judicial, os requisitos para seu deferimento (artigo 8º-A) são: a prova não puder ser produzida por outro meio legal e igualmente eficaz; a existência de elementos probatórios razoáveis quanto a autoria e participação nos crimes, ora investigados; as penas máximas para os crimes sejam superiores à 04 (quatro) anos.
Importante destacar ainda a ressalva trazida no §2º, do artigo 8º-A, onde proíbe a instalação dos dispositivos de captação ambiental na casa do investigado, tendo em vista a garantia constitucional concernente à inviolabilidade do domicílio.
O prazo da medida não excederá 15 (quinze dias), sendo renovável por iguais períodos mediante decisão judicial (comprovada a indispensabilidade do meio de prova), bem como os indícios apontarem atividade criminal de natureza permanente, habitual ou continuada.
4.1.2.3. Ação Controlada
Trata-se de uma técnica de investigação policial e, consequentemente, um relevante meio de obtenção de prova quando da apuração de ilícitos penais.
A Ação Controlada encontra-se prevista apenas em legislações extravagantes, especificamente na Lei de Lavagem de Capitais (9.613/1998), na Lei de Drogas (11.343/2006) e na Lei das Organizações Criminosas (12.850/2013), sendo que em cada uma delas existem peculiaridades quanto ao seus limites e aplicação no caso concreto.
Conforme preceitua o Professor Renato Brasileiro de Lima[7], a Ação Controlada “consiste no retardamento da intervenção do aparato estatal, que deve ocorrer num momento mais oportuno sob o ponto de vista da investigação criminal”.
Deste modo, havendo investigação de crime militar que envolva alguma dessas legislações mencionadas, pode a Autoridade de Polícia Judiciária Militar utilizar-se da Ação Controla para garantir uma melhor colheita de elementos probatórios, como por exemplo: o monitoramento detalhado da empreitada criminosa; o destino do produto do crime; a identificação do maior número de envolvidos e seus respectivos líderes; dentre outros.
Assim, findadas as diligências e utilizados todos os meios de obtenção de provas pertinentes, o encarregado do Inquérito Policial Militar finalizará o procedimento investigatório com a emissão de relatório e solução, encaminhando em seguida ao judiciário, que remeterá ao Ministério Público Militar.
Lembrando que, conforme o artigo 20 do Código de Processo Penal, o Inquérito Policial deverá ser concluído no prazo de 20 (vinte) dias se o investigado estiver preso e, em 40 (quarenta) dias, se estiver solto, sendo este último prazo prorrogável por mais 20 (vinte) dias mediante autorização da autoridade militar superior.
4.1.3. Encerramento do Inquérito Policial Militar
Consoante dispõe o artigo 22, caput, do Código de Processo Penal Militar, o Inquérito Policial Militar será encerrado com minucioso relatório, onde o encarregado mencionará todas as diligências que foram realizadas em seu curso. Do mesmo modo, em sua conclusão mencionará a existência de eventual crime militar a punir, pronunciando-se ainda sobre a conveniência do pedido de prisão preventiva.
No caso de delegação para apuração, o encarregado enviará os autos à Autoridade de Polícia Judiciária delegante para que esta, analisando a conclusão do relatório, homologue ou não a solução apresentada. Em discordando da solução apresentada, a autoridade delegante poderá avocar o IPM a fim de emitir solução diversa (artigo 22, §1º e §2º, do CPPM).
Por fim, trazendo para as peculiaridades do Estado de Mato Grosso do Sul, a Portaria nº 065/PM-1/EMG/PMMS (que aprova as instruções dos processos e procedimentos administrativos disciplinares da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso do Sul) estipula em seu artigo 64 que após a autoridade delegante tomar as medidas pertinentes, os autos do Inquérito Policial Militar serão enviados a Corregedoria para fins de controle, padronização e correição e, em seguida, remetidos ao Ministério Público Militar.
4.2. Sindicância
Também regulada pela Portaria nº 065/PM-1/EMG/PMMS, a Sindicância é procedimento sumário de investigação com caráter inquisitorial. Possui a como finalidade a apuração de fato que necessite da reunião de informações sobre a autoria, materialidade, responsabilidade, circunstâncias da ocorrência, dimensão do prejuízo ou benefício; podendo ser utilizada de subsídio para a instauração de Inquérito Policial Militar.
Art. 66. A Sindicância é o meio sumário de investigação de:
I – danos no patrimônio do Estado sob administração da Polícia Militar, compreendidos os conveniados, provocados por policial militar ou pelo civil;
II – danos no patrimônio e ou integridade física de terceiros, decorrentes da atividade policial;
III – acidente pessoal de servidor militar ocorridos em razão do serviço ou "in itinere";
IV – ato de bravura;
V – atos indecorosos e indignos para o exercício da função policial militar;
VI – outros fatos de índole administrativa, quando necessário procedimento formal de apuração;
VII - conduta indisciplinada do policial militar apenado com reiteradas punições disciplinares, cujos benefícios educativos não surtem mais efeitos para a correição do seu comportamento.
Em análise do artigo supramencionado, verifica-se que as condutas investigadas por meio da Sindicância poderão vir a configurar crime militar e, neste sentido, seus autos deverão ser remetidos a Autoridade de Polícia Judiciária Militar para devida instauração e investigação em sede de Inquérito Policial Militar.
Conforme dispões o § 2º, do artigo 66, da Portaria 065/PM-1/EMG/PMMS, é proibido usar da sindicância para apuração de fatos onde as evidências iniciais apontam pela ocorrência de crime militar. Ou seja, atos que não apresentem de imediato a configuração de crime militar, ou que, a princípio não apontem indícios, poderão ser apurados por meio de Sindicância.
Pois bem, após o recebimento de documentos ou conhecimento de fatos com relevância investigativa, a instauração do referido procedimento deverá ser realizada no prazo de 05 (cinco) dias através de portaria por uma das autoridades com competência investigativa (artigo 7º da Portaria 065/PM-1/EMG/PMMS), podendo ser presidida por Oficial ou Aspirante-a-Oficial nos casos em que a autoridade originária assim não o desejar.
Em seguida, caberá ao presidente/encarregado da Sindicância a designação de um escrivão para o feito, no qual recairá em Oficial Subalterno, se o sindicado for Oficial, e em Sargento, Subtenente e Aspirante-a-Oficial nos demais casos. Entretanto, conforme § 4º, do artigo 73, da Portaria 065/PM-1/EMG/PMMS, o encarregado do procedimento investigatório poderá dispensar os serviços do escrivão e realizar todos os atos instrutórios e de expediente.
Neste diapasão, vejamos quais os atos instrutórios poderão ser utilizados pelo encarregado da Sindicância quando na busca da verdade dos fatos:
Artigo 74. A instrução da Sindicância consiste na busca da verdade real dos fatos, por meio de coleta ou complementação das provas testemunhais, documentais, periciais e
indiciárias, observados os preceitos gerais do direito processual administrativo, penal e civil.
§1º. São atos instrutórios:
I – tomar as providências relacionadas nos incisos do § 2º do Art. 68 destas Instruções, se não tiverem sido realizadas;
II – inquirir as pessoas envolvidas e as testemunhas;
III – realizar reconhecimentos de pessoas e coisas e acareações;
IV – determinar a realização de exames e perícias necessárias, quando cabível;
V – determinar a avaliação e identificação da coisa perdida, subtraída, desviada, destruída ou danificada;
VI – proceder buscas e apreensões, quando competente;
VII – proceder a reprodução simulada dos fatos;
VIII – juntar documentos, papéis, fotografias, croquis e qualquer outro meio
moral e legal que ilustre o modo como os fatos se desenvolveram;
IX – outros atos necessários.
§ 2º O Encarregado deverá deslocar-se para investigar ou obter pessoalmente os indícios ou provas necessárias;
§ 3º Poderá ser requisitada a produção de prova por meio de carta precatória, expedida diretamente ao Comandante/Chefe/Diretor da Unidade local.
Em continuidade, a Portaria 065/PM-1/EMG/PMMS admite ainda em sede de Sindicância a “prova emprestada”, ou seja, aquela advinda de outro processo/procedimento apurátório, estabelecendo ainda a possibilidade de complementação nos casos de omissão, obscuridade ou contradição.
Encerrado a fase instrutória, caberá ao encarregado do procedimento investigatório a emissão de um relatório onde deverá constar todas as medidas adotadas no âmbito da Sindicância e a manifestação fundamentada sobre o seu desfecho. Vejamos o que dispões o artigo 77 da Portaria 065/PM-1/EMG/PMMS:
Artigo 77. A sindicância será encerrada com minucioso relatório, o qual deverá descrever, fundado exclusivamente nos autos:
I – indicação do dia, hora e local da ocorrência do fato passível de apuração pela administração;
II – descrição das provas testemunhais, materiais e periciais obtidas, bem como os indícios existentes;
III – avaliação e comparação das provas entre si;
IV – resumo das alegações de defesa e seus requerimentos, bem como medidas adotadas a respeito, se for o caso;
V – manifestação fundamentada, com a respectiva classificação legal, sobre a autoria e materialidade do fato gerador e da responsabilidade civil, disciplinar, acidente do trabalho ou do direito pleiteado;
VI – sugestão da instauração, se for o caso, de outros processos ou
procedimentos administrativos ou IPM, bem como de remessa de cópias à autoridades interessadas. (grifo nosso)
(...)
§ 3° Concluindo pela existência de indícios de transgressão disciplinar cometida pelo policial militar, o Encarregado da Sindicância deverá descrever a conduta passível de sanção e tipificação legal, e encaminhar os autos à autoridade competente.
Corroborando com as informações anteriores, existindo indícios de autoria e materialidade de crime militar, o encarregado da Sindicância fará constar em seu relatório e encaminhará a autoridade delegante, ocasião em que está quando da solução, realizará a instauração do devido Inquérito Policial Militar ou remeterá os autos da referida Sindicância à Corregedoria para que esta apure o crime militar.
Pois bem, em termos gerais, após o término da instrução e elaboração do relatório por parte do encarregado da Sindicância, os autos retornarão à autoridade originária onde, concordando ou não com relatório, solucionará o feito no prazo de 10 (dez) dias corridos e adotará as seguintes providências:
Artigo 80. Concordando ou não com o relatório, a autoridade solucionadora da Sindicância poderá:
I – arquivar os autos, caso não existam provas da existência de irregularidade, ou não esteja provada sua autoria;
II – determinar a instauração de processo disciplinar ou propor a abertura de processo regular;
III – remeter os autos à Procuradoria Geral do Estado para cobrança judicial do valor da indenização;
IV – remeter cópia dos autos à Autoridade Administrativa competente para
apuração e aplicação ou justificação da pena disciplinar, caso não tenha competência ou não queira fazê-lo diretamente;
V – remeter cópia dos autos à autoridade administrativa responsável pelo bem conveniado, sob administração militar;
VI – tomar as medidas para o desconto em folha de pagamento do servidor
militar do valor da indenização, conforme regras específicas;
VII – tomar medidas para o cumprimento do acordo de pagamento da
indenização devida pelo civil;
VIII – decidir, motivadamente quando a reparação do dano ficar às expensas do Estado e deverá, neste caso, remeter os autos para a autoridade imediatamente superior a instauradora, a qual, em despacho fundamentado, no prazo de 30 dias, concordará ou não com a solução e publicará tal decisão em boletim interno da Corporação.
§ 1º A decisão conterá também a indicação da instauração ou não de procedimentos paralelos sobre os fatos, bem como da remessa de cópias de peças a outras autoridades.
§ 2º A autoridade, após solucionar o feito, deverá:
I – remeter cópia do relatório e decisão aos demais órgãos e autoridades
responsáveis por questões contidas no feito;
II – remeter os autos ao Órgão Corregedor para correição;
III – publicar a decisão em boletim, no prazo de 10 (dez) dias;
IV – arquivar os processos findos na sede da Unidade/Chefia/Diretoria após o retorno da correição.
Por derradeiro, importe salientar que o prazo para a conclusão da Sindicância são de 30 (trinta) dias a contar da data do termo de recebimento, sendo prorrogável por até 30 (trinta) dias pela autoridade instauradora. Contudo, uma vez esgotados referidos prazos, a autoridade funcional imediatamente superior à instauradora poderá conceder nova prorrogação não excedente a 90 (noventa) dias.
4.3. Investigação Preliminar
Prevista na Portaria nº 065/PM-1/EMG/PMMS, de 10 de julho de 2019, trata-se de uma investigação sumária que pode anteceder a Sindicância ou o Inquérito Policial Militar caso não existam elementos suficientes para instauração imediata destes dois últimos.
Referido procedimento é instrumento de apuração informal de fato irregular (crime ou transgressão disciplinar), realizado no prazo de 08 (oito) dias. Objetiva a coleta de informações sobre a prática (ou não) de determinada conduta policial militar que tenha chegado ao conhecimento da autoridade policial militar com atribuição investigativa.
Conforme dispõe o artigo 69 da mencionada portaria, a Investigação Preliminar deverá ser presidida por Oficial ou Aspirante-a-Oficial e, excepcionalmente, por Subtenentes e Sargentos quando tratar-se apenas do envolvimento de Cabos e Soldados.
Dentre as funções a serem realizadas pelo encarregado deste procedimento apuratório estão a de: a) dirigir-se ao local dos fatos e realizar a preservação do local e dos objetos que ali estejam; b) entrevistar pessoas que saibam dos fatos e obter dados quanto a autoria e materialidade do fato; c) coletar instrumentos e objetos relacionados; d) colher demais provas.
Finalizado os procedimentos supramencionados e terminadas as diligências, o encarregado da Investigação Preliminar finalizará o procedimento com minucioso relatório e o encaminhará a Autoridade de Polícia Judiciária delegante, que no prazo de 05 (cinco) dias instaurará outro procedimento (Sindicância ou Inquérito Policial Militar, por exemplo) ou determinará o arquivamento do feito da própria OPM, sem a necessidade de encaminhamento à Corregedoria, conforme os artigos 64, §3º e 69, § 4º, da Portaria nº 065/PM-1/EMG/PMMS.
5. CONCLUSÃO
A investigação de crime militar é um tema de essencial importância e de aprimoramento no âmbito da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso do Sul e demais polícias militares, pois é através dela que podemos chegar a convicção inicial da prática ou não de um crime.
Referida apuração deve, por obrigação do encarregado, valer-se de todos os institutos disponíveis e previstos em lei, a fim de que possibilite extrair ao máximo da verdade real dos fatos pois, como é sabido, o procedimento inquisitorial possui em seu polo passivo a figura de um policial militar; servidor qualificado, treinado e que jurou defender a sociedade.
Em virtude da complexidade e profundidade do tema, buscou-se com o presente artigo a demonstração de um panorama acerca de todo caminhar apuratório que deverá traçar a Autoridade de Polícia Judiciária, compreendendo desde o conceito de crime militar até aos meios de obtenção de provas previstos em legislação especial.
Ademais, buscou-se trazer, além do Inquérito Policial Militar, os procedimentos investigatórios estabelecimentos especificamente na legislação da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso do Sul.
Em que pese cada tópico não ser esmiuçado em sua integralidade, seja pela grandeza do tema, seja pela proposta do trabalho, não há dúvidas de que o presente artigo possibilitará o entendimento geral de como ocorre a investigação de um crime militar no âmbito da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso do Sul.
6. REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.
BRASIL. Decreto-Lei nº 1001 de 21 de outubro de 1969.
BRASIL. Decreto-Lei nº 1002 de 21 de outubro de 1969.
DE LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. 5ª Ed. Salvador. Editora Jus Podivm. 2017.
GIULIANI, Ricardo Henrique Alves. Direito Processual Penal Militar. 3ª Ed. Porto Alegre. Editora Verbo Jurídico. 2011.
GORRILHAS, Luciano Moreira. A Investigação nos Crimes Militares. 1ª Ed. Porto Alegre. Editora Núria Fabris. 2021.
MATO GROSSO DO SUL. Constituição Estadual do Estado de Mato Grosso do Sul de 5 de outubro de 1989.
MATO GROSSO DO SUL. Portaria 065/PM-1/EMG/PMMS de 10 de julho de 2019.
[1] advogada, professora, Mestre em Processo Penal.
[2] GORRILHAS, Luciano Moreira. A Investigação nos Crimes Militares. 1ª Ed. Porto Alegre. Editora Núria Fabris. 2021. Pág. 157 e 167.
[3] GIULIANI, Ricardo Henrique Alves. Direito Processual Penal Militar. 3ª Ed. Porto Alegre. Editora Verbo Jurídico. 2011. Pág 19.
[4] DE LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. 5ª Ed. Salvador. Editora Jus Podivm. 2017. Pág 105.
[5] DE LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. 5ª Ed. Salvador. Editora Jus Podivm. 2017. Pág 132.
[6] DE LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. 5ª Ed. Salvador. Editora Jus Podivm. 2017. Pág 736.
[7] DE LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. 5ª Ed. Salvador. Editora Jus Podivm. 2017. Pág 813.
graduando do Curso de Direito das Faculdades Integradas de Santa Fé do Sul – SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PIRES, Sócrates da Silva. Investigação policial militar no âmbito dos crimes militares Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 set 2023, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/63258/investigao-policial-militar-no-mbito-dos-crimes-militares. Acesso em: 26 dez 2024.
Por: Gabriel Bacchieri Duarte Falcão
Por: Gabriel Bacchieri Duarte Falcão
Por: ADRIELLE DE OLIVEIRA ROSENDO FERNANDES
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