Resumo: O presente trabalho pontua o surgimento do Pacote Anticrime como uma forma de minimizar a incidência do crime organizado, seus aspectos peculiares frente ao cenário brasileiro incorporando a figura do juiz de garantias, como forma de resguardar a efetividade das garantias fundamentais do indivíduo frente à sistemática processual penal, bem como o que fora delimitado pelo Supremo Tribunal Federal no bojo das ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305.
Palavras-Chave: Pacote Anticrime. Juiz de Garantias. Imparcialidade. Efetividade.
Abstract: The present work points out the emergence of the Anticrime package as a way to minimize the incidence of organized crime, its peculiar aspects in the Brazilian scenario, incorporating the figure of the guarantees judge, as a way to safeguard the effectiveness of the individual's fundamental guarantees in view of the procedural system penal.
Sumário: Introdução. 1. 1. Pacote Anticrime e sistema acusatório. 1.2. Reflexos do Pacote Anticrime no art. 28 do CPP. 1.3. Outros reflexos do Pacote Anticrime.1.4. Caso prático envolvendo o Pacote Anticrime. Conclusão. Referências Bibliográficas.
Introdução
O Pacote Anticrime encampado pela Lei 13.964/19 foi vetado em alguns artigos, mas foram vetos de menor monta.
Logo, a sua essência restou preservada.
Registre-se que a Lei 13.964/19 foi sancionada, como “presente” de Papai Noel, na véspera de Natal, em 24 de dezembro de 2019, e, tido como a grande novidade natalina, entrou em vigor, após o lapso temporal de trinta dias, depois de sua publicação oficial.
Contudo, alguns de seus artigos, em um primeiro momento, tiveram a sua eficácia suspensa. Outros foram declarados inconstitucionais, em momento subsequente.
Com algumas modificações pontuais pode-se dizer que: Já está o pacote empacotado nas ruas, bancos, praças e tribunais brasileiros!
O juiz de garantias conhecido como juiz imparcial que irá atuar antes da instrução probatória, já era uma realidade discutida pelo ordenamento jurídico em tempos pretéritos. Era conhecido o pensamento de quem antes um culpado nas ruas a um inocente atrás das grades.
Muito embora o Pacote Anticrime seja considerado uma novidade, de novidade pouco se tem. Isso devido ao fato de que o instituto já era previsto no projeto do Código de Processo Penal, já tendo sido aprovado (até a presente data!) no Senado Federal.
O tema veio a lume com o projeto do Código de Processo Penal por constituir-se em realidade fática no cenário nacional. Mas qual o objetivo precípuo de tal instituto? Surge para suprir uma demanda e prevenção à parcialidade do magistrado.
Não vamos muito longe: Vozes outras apregoavam: Não em todos, mas, em alguns momentos, houve mesas paralelas e o olhar superior do juiz, mas cadeiras laterais entre juízes e promotores de justiça no caso da operação lava jato, em que tais personagens seguiram, trocando, entre si, “figurinhas” dentro e fora do recinto. A imprensa assim noticiou o fato. Se for verdade ou mentira só o tempo dirá!
Fato é: Para banir supostas práticas tornou-se premente a figura do juiz de garantias. Garantidor do quê? Ora, garantidor de um processo adequado, isonômico e justo, presidido por um juiz imparcial.
1.1 Pacote Anticrime e o sistema acusatório.
O nosso sistema processual penal, em função do disposto no art. 129, I da CR, é um sistema acusatório. Sofreu críticas acirradas acerca disso, haja vista que o Código de Processo Penal, fruto da ditadura, do Estado Novo sofreu reformas parciais que afetaram alguns dispositivos, esquecendo-se de outros.
Em linguagem figurada: O Código de Processo Penal sempre fora visto como um edifício em ruínas, despido de unidade sistêmica. Cobria-se um santo e despia-se outro.
Assim, as figuras do impedimento e da suspeição, por si sós, não foram suficientes para se resguardar a total imparcialidade do magistrado, já que o próprio CPP permitia que o órgão julgador buscasse as provas que entendesse necessárias para a instrução da causa.
A visão garantista de Luigi Ferrajoli muito já criticava a produção de provas de ofício pelo magistrado, insculpida no art. 156 do CPP, rotulando, dessa forma, o sistema acusatório de impuro. E, aqui, cabe um adendo: O Supremo Tribunal Federal finalizou o julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade que versavam sobre o Pacote Anticrime e realizou uma interpretação conforme do art. 3, A do CPP.
No sistema acusatório o juiz é despido de iniciativa probatória.
O STF entendeu que embora o sistema seja acusatório o juiz, com base no princípio da legalidade, pode, em caráter suplementar, buscar a prova. Essa é uma permissão para que o juiz (nos limites da lei) possa determinar diligências suplementares pontuais.
Em suma: Interpretação conjugada do art. 156 do CPP restringido o art. 3º, A do CPP.
As boas e más línguas falavam em um caráter suplementar de produção de provas de ofício, para que tal dispositivo fosse salvo no sistema. Mas o Código, já uma colcha de retalhos, pedia socorro e pouca gente ouvia. Com o Pacote Anticrime ele foi escutado, ainda que, de forma tímida.
Confira trecho do julgado exarado pelo STF na ADI 6.300: “O Tribunal, nos termos do voto do Relator, julgou parcialmente procedentes as ações diretas de inconstitucionalidade, para: 1. Por maioria, atribuir interpretação conforme ao art. 3º-A do CPP, incluído pela Lei nº 13.964/2019, para assentar que o juiz, pontualmente, nos limites legalmente autorizados, pode determinar a realização de diligências suplementares, para o fim de dirimir dúvida sobre questão relevante para o julgamento do mérito, vencidos os Ministros Cristiano Zanin e Edson Fachin”.
De igual modo criticou-se bastante a sistemática da remessa do inquérito para as mãos do magistrado, com Estados da federação criando a figura das centrais de inquérito, retirando-se, desse modo, das mãos iniciais do juízo os inquéritos que tinham como protagonistas indiciados soltos. O grande problema é que as centrais de inquérito, elaboradas por resoluções, não contavam com a reserva legal, até que inseridas, em momento posterior, na Lei Orgânica do Ministério Público do Estado do Rio Janeiro.
A conversa foi à seguinte: Declarada a inconstitucionalidade formal da Lei orgânica do Ministério Público do Rio de Janeiro pelo Supremo Tribunal Federal, quando chamado a apreciar o tema, as centrais de inquérito cariocas foram copiadas por vários estados brasileiros.
Em linguagem metafísica: Era água de cachoeira após um período de chuva. O barro quase tomando conta da água, na aguçada visão do observador. Muito de barro, mas a força da água pujante!
A fim de resgatar água limpa, o objetivo maior do pacote Anticrime foi banir a figura do juiz paternalista, objetivo parcialmente atingido. Se a parte não produziu a prova, com menos razão deverá produzi-la quem irá julgá-la. Todavia, mantiveram o caráter suplementar da prova! Se a prova não chegou aos autos pelas mãos das partes (os protagonistas da cena do crime) caberia ao juiz absolver o réu por insuficiência de provas, sob pena de violação a um pressuposto processual de validade do processo, qual seja a imparcialidade do magistrado.
Contudo, tudo permaneceu como “antes”, no quartel de Abrantes.
Confira ementa do julgado na ADI 6.300:
Decisão: “O Tribunal, nos termos do voto do Relator, julgou parcialmente procedentes as ações diretas de inconstitucionalidade, para: 1. Por maioria, atribuir interpretação conforme ao art. 3º-A do CPP, incluído pela Lei nº 13.964/2019, para assentar que o juiz, pontualmente, nos limites legalmente autorizados, pode determinar a realização de diligências suplementares, para o fim de dirimir dúvida sobre questão relevante para o julgamento do mérito, vencidos os Ministros Cristiano Zanin e Edson Fachin; 2. Por maioria, declarar a constitucionalidade do caput do art. 3º-B do CPP, incluído pela Lei nº 13.964/2019, e por unanimidade fixar o prazo de 12 (doze) meses, a contar da publicação da ata do julgamento, para que sejam adotadas as medidas legislativas e administrativas necessárias à adequação das diferentes leis de organização judiciária, à efetiva implantação e ao efetivo funcionamento do juiz das garantias em todo o país, tudo conforme as diretrizes do Conselho Nacional de Justiça”
1.2. Reflexos do pacote Anticrime no art. 28 do CPP.
O artigo “bola da vez” do pacote anticrime é o art. 28 do CPP, objeto de grandes modificações.
Pela sistemática anterior, se o promotor de justiça requeria o arquivamento por falta de justa causa, a título de exemplo, e o juiz não concordasse, haveria a remessa dos autos pelo juiz para que o chefe da instituição (Procurador Geral de Justiça) decidisse sobre o caso, atuando o juiz como fiscal do princípio da obrigatoriedade, função anômala do juiz, por ser uma função administrativa. Essa busca desenfreada pelo interesse na reforma do arquivamento pelo juiz implicava em juízo negativo de arquivamento, internalizado pela mente do magistrado.
O pacote Anticrime retirou o juízo do papel de fiscal do principio da obrigatoriedade. Em outras palavras: juiz, não meta o bedelho aonde não foi chamado. Com o pacote, a obrigatoriedade do juízo seria a de ficar inerte e deixar que os membros do Ministério Público resolvessem o deslinde, no que toca ao arquivamento de inquérito policial.
De acordo com o texto legal: Em vislumbrando a necessidade do arquivamento, o promotor de justiça remeterá os autos ao Conselho Superior do Ministério Público, um colegiado, para que se decida acerca da reanálise da opinio delicti.
É fato: Um órgão plural reduz as chances de erros, afinal, já nos ensina o ditado popular: “duas cabeças pensam melhor do que uma!”.
Observe o leitor à nova redação do art. 28 do CPP, com a redação fornecida pelo pacote anticrime:
Art. 28. Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público comunicará à vítima, ao investigado e à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação, na forma da lei. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019).
§ 1º Se a vítima, ou seu representante legal, não concordar com o arquivamento do inquérito policial, poderá, no prazo de 30 (trinta) dias do recebimento da comunicação, submeter à matéria à revisão da instância competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 2º Nas ações penais relativas a crimes praticados em detrimento da União, Estados e Municípios, a revisão do arquivamento do inquérito policial poderá ser provocada pela chefia do órgão a quem couber a sua representação judicial.
Contudo, o art. 28 do CPP foi alvo de modificações pontuais de interpretação, pela Suprema Corte:
O art. 28 foi subdividido em partes. O MP irá se manifestar pelo arquivamento. Quem vai definir pelo arquivamento será o juiz, que fará o controle de legalidade do arquivamento. A vítima, dele será comunicada e poderá submeter a revisão ministerial o pedido de arquivamento.
Daí bifurcou-se duas situações: Se o juiz concorda com o arquivamento, a vítima pode recorrer para a revisão ministerial. Caso o juiz não concorde com o arquivamento, juiz e vitima poderão recorrer à revisão ministerial. O juiz assim irá agir quando houver ilegalidade ou teratologia.
A título de exemplo, no que concerne ao tipo do art. 28 § 2º vislumbre o leitor o seguinte caso concreto da vida como ela é: Amarildo Barriga, servidor público da prefeitura de Deus me Livre do Oeste foi tido como suspeito do crime de furto pela subtração de três computadores da prefeitura da cidade.
O promotor de justiça local entendeu que não havia o lastro probatório mínimo para a deflagração da ação da ação penal, já que o indiciado possuía álibi e, para tanto, remeteu os autos do inquérito para a chefia da instituição, ao argumento de falta de justa causa para a propositura da ação penal.
O prefeito, indignado, foi bater as portas do Conselho Superior do Ministério Público, a fim de que tal arquivamento fosse revisto.
Tal proceder do prefeito encontra consonância com o atual artigo 28 do CPP? E o proceder do MP? Agiu corretamente o promotor de justiça?
Sim e Não!
A resposta, quanto a primeiro quesito, é afirmativa. Isso porque sendo o Município vítima (sujeito passivo) do crime de furto, em não possuindo o município procurador, a representação pelo prefeito se deu de maneira escorreita.
Já o Ministério Público, de acordo o julgamento ora proferido pelo STF, ao se manifestar pelo arquivamento, até pode submeter à matéria a instância de revisão, mas, antes disso, submeterá a sua manifestação ao juiz competente e comunicará, incontinenti, à vítima.
Note o leitor a pedra de toque do art. 28 § 2º do CPP: Agora quem também faz às vezes de fiscal do princípio da obrigatoriedade no caso de arquivamento do inquérito policial não é somente o juiz, mas os prefeitos e procuradores dos entes federativos. O juiz compartilhou a toga com o prefeito, em verdadeira desjudicialização.
Repise-se: O STF deu interpretação conforme a Constituição ao parágrafo primeiro do art. 28 do CPP, perfilhando o entendimento de que, além da vítima ou do seu representante legal, a autoridade judicial competente também está inclusa no rol de legitimados a submeter à matéria atinente ao arquivamento à revisão da instância competente, em casos de patente ilegalidade ou teratologia no ato de arquivamento.
Confira o intérprete trecho da decisão:
Por maioria, atribuir interpretação conforme ao caput do art. 28 do CPP, alterado pela Lei nº 13.964/2019, para assentar que, ao se manifestar pelo arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público submeterá sua manifestação ao juiz competente e comunicará à vítima, ao investigado e à autoridade policial, podendo encaminhar os autos para o Procurador-Geral ou para a instância de revisão ministerial, quando houver, para fins de homologação, na forma da lei, vencido, em parte, o Ministro Alexandre de Moraes, que incluía a revisão automática em outras hipóteses. Por unanimidade, atribuir interpretação conforme ao § 1º do art. 28 do CPP, incluído pela Lei nº 13.964/2019, para assentar que, além da vítima ou de seu representante legal, a autoridade judicial competente também poderá submeter a matéria à revisão da instância competente do órgão ministerial, caso verifique patente ilegalidade ou teratologia no ato do arquivamento. Por unanimidade, declarar a constitucionalidade dos arts. 28-A, caput, incisos III, IV e §§ 5º, 7º e 8º do CPP, introduzidos pela Lei nº 13.964/2019. Por maioria, declarar a inconstitucionalidade do § 5º do art. 157 do CPP, incluído pela Lei nº 13.964/2019, vencido, em parte, o Ministro Cristiano Zanin, que propunha interpretação conforme ao dispositivo.
1.3. Outros reflexos do Pacote Anticrime.
O pacote Anticrime traz um juízo novo para atuar na fase do inquérito. Uma verdadeira peneira para filtrar a água do barro. O juiz de garantias é o primeiro a ser chamado para decidir sobre as medidas cautelares. De acordo com a decisão proferida pelo STF: Quem irá reexaminar as medidas cautelares será o juízo da instrução e julgamento. Note o leitor: O reexame, não o exame.
Outra inovação do pacote é a de que o inquérito não acompanharia os autos para fins de ação penal. O inquérito ficaria resguardado no cartório do juízo de garantias. A intenção do legislador foi boa, mas descartada pelo STF: A exclusão física dos autos do inquérito foi declarada inconstitucional, ou seja, o inquérito continua integrado ao processo.
Vejamos alguns dispositivos:
Art. 3, A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019).
O Legislador enviou ao aplicador da lei o seguinte recado: A verdade real não se dá a qualquer preço!
Repise-se: O STF proclamou que embora o sistema vigente permaneça acusatório, o juiz, com base no principio da legalidade, pode, em caráter suplementar/complementar buscar a prova: o juiz, autorizado por lei, pode determinar diligências suplementares pontuais.
Art. 3, B. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
I - receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do caput do art. 5º da Constituição Federal; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
II - receber o auto da prisão em flagrante para o controle da legalidade da prisão, observado o disposto no art. 310 deste Código; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
III - zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido à sua presença, a qualquer tempo; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
IV - ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
V - decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar, observado o disposto no § 1º deste artigo; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
VI - prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las, assegurado, no primeiro caso, o exercício do contraditório em audiência pública e oral, na forma do disposto neste Código ou em legislação especial pertinente; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019): prorrogação da prisão provisória em audiência pública e oral: O STF realiza uma interpretação conforme para determinar que preferencialmente se faça uma audiência pública e oral, com vistas a ofertar o contraditório. Preferencialmente denota facultatividade da audiência pública e oral.
Confira o leitor trecho da decisão: “Esse prazo poderá ser prorrogado uma única vez, por no máximo 12 (doze) meses, devendo a devida justificativa ser apresentada em procedimento realizado junto ao Conselho Nacional de Justiça, vencido, apenas quanto à inconstitucionalidade formal, o Relator, que entendia competir às leis de organização judiciária sua instituição”. (ADI 6.300).
VII - decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa em audiência pública e oral; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019): O STF encampa uma interpretação conforme para determinar que preferencialmente se faça uma audiência pública e oral, com vistas a ofertar o contraditório. Preferencialmente denota facultatividade da audiência pública e oral.
VIII - prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas pela autoridade policial e observado o disposto no § 2º deste artigo; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019):
De acordo com decisão exarada pelo STF podem existir novas prorrogações, não limitada a uma única vez, e o excesso de prazo, por si só, não é causa de ilegalidade e revogação automática da prisão.
IX - determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
X - requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
XI - decidir sobre os requerimentos de: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
b) afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
c) busca e apreensão domiciliar; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
d) acesso a informações sigilosas; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
XII - julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
XIII - determinar a instauração de incidente de insanidade mental; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
XIV - decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, nos termos do art. 399 deste Código; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
XV - assegurar prontamente, quando se fizer necessário, o direito outorgado ao investigado e ao seu defensor de acesso a todos os elementos informativos e provas produzidos no âmbito da investigação criminal, salvo no que concerne, estritamente, às diligências em andamento; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
XVI - deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
XVII - decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou os de colaboração premiada, quando formalizados durante a investigação; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
XVIII - outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019).
O juiz de garantias vai ser o presidente da audiência de custódia. Tudo aquilo que era feito na fase inquisitorial veio para as mãos do juiz de garantias.
O pacote previu o seguinte:
O juiz de garantias iria atuar até a fase de apresentação de resposta à acusação. Quem rejeitaria ou receberia a denúncia seria o juiz de garantias, determinando a citação do réu e resposta a acusação, verificando se era o caso de absolvição sumária ou não. Era dele e somente dele tal juízo de admissibilidade. Confirmado o recebimento da denúncia, os autos seguiriam para o juízo de instrução. E lá seguiria o seu curso com a figura de um juízo descontaminado dos elementos informativos obtidos na fase inquisitorial. E, assim, faria sentido à frase bíblica: Dai a César o que é de César!
Contudo, de acordo com a decisão proferida pelo STF: Outra mudança substancial foi no sentido do destinatário da denúncia, ou seja, quem vai receber a denuncia não será mais o juiz das garantias e sim o juiz da instrução e julgamento. A denúncia ou queixa será oferecida pelo juiz das garantias e não recebida por ele. Logo: A competência do juiz das garantias se exaure com o oferecimento da denúncia.
Confira trecho da decisão: “Por maioria, declarar a inconstitucionalidade do inciso XIV do art. 3º-B do CPP, incluído pela Lei nº 13.964/2019, e atribuir interpretação conforme para assentar que a competência do juiz das garantias cessa com o oferecimento da denúncia, vencido o Ministro Edson Fachin.” (ADI6.300)
São constitucionais os incisos, IV, VII. VII e IX do art. 3º. Foi determinado um prazo de 90 dias para que os pics (procedimentos investigatórios criminais) e outros procedimentos de investigação no prazo de 90 dias, ainda que não tenham sido implementado o juiz de garantias no Estado. Visualize o leitor:
Art. 3º-C. A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399 deste Código.
De acordo com o Supremo Tribunal Federal, no julgamento proferido no bojo da ADI 6.300: O juiz de garantias não se aplica ao júri, aos processos originários dos tribunais, aos processos de violência doméstica e familiar, bem como as infrações de pequeno potencial ofensivo, sendo aplicado ao processo eleitoral.
No que toca ao art. 310 do CPP, observe o leitor:
Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
I - relaxar a prisão ilegal; ou (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
§ 1º Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato em qualquer das condições constantes dos incisos I, II ou III do caput do art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento obrigatório a todos os atos processuais, sob pena de revogação. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 2º Se o juiz verificar que o agente é reincidente ou que integra organização criminosa armada ou milícia, ou que porta arma de fogo de uso restrito, deverá denegar a liberdade provisória, com ou sem medidas cautelares. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 3º A autoridade que deu causa, sem motivação idônea, a não realização da audiência de custódia no prazo estabelecido no caput deste artigo responderá administrativa, civil e penalmente pela omissão. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 4º Transcorridas 24 (vinte e quatro) horas após o decurso do prazo estabelecido no caput deste artigo, a não realização de audiência de custódia sem motivação idônea ensejará também a ilegalidade da prisão, a ser relaxada pela autoridade competente, sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
De acordo com o STF, em decisão exarada: O STF considerou parágrafo 4º do art.310 considerou inconstitucional referido dispositivo legal. Em palavras simples: Se não cumpriu o prazo, a prisão segue o seu curso, tal como água de rio.
Confira o leitor trecho da decisão:
“Por unanimidade, atribuir interpretação conforme ao caput do art. 310 do CPP, alterado pela Lei nº 13.964/2019, para assentar que o juiz, em caso de urgência e se o meio se revelar idôneo, poderá realizar a audiência de custódia por videoconferência. Por unanimidade, atribuir interpretação conforme ao § 4º do art. 310 do CPP, incluído pela Lei nº 13.964/2019, para assentar que a autoridade judiciária deverá avaliar se estão presentes os requisitos para a prorrogação excepcional do prazo ou para sua realização por videoconferência, sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva. Por unanimidade, fixar a seguinte regra de transição: quanto às ações penais já instauradas no momento da efetiva implementação do juiz das garantias pelos tribunais, a eficácia da lei não acarretará qualquer modificação do juízo competente.
1.4. Caso prático envolvendo o Pacote Anticrime:
Juca Canhão fez do roubo profissão. Achava bonito publicar nas redes sociais o luxo que o crime lhe proporcionava. Mas fato é que no último roubo “deu ruim”. Não foi a vítima, mas sim, ele, que perdeu a sua liberdade.
Preso em flagrante, da unidade prisional em que estava, ameaçou uma testemunha do crime pelo celular que ganhou como recheio do bolo levado por sua esposa.
Não é demais dizer que, após tal fato, a sua prisão em flagrante foi convertida em preventiva.
Ultrapassado o lapso temporal de sessenta dias preso, por sorte ou azar, a testemunha ameaçada por ele veio a falecer, em virtude da pandemia da Covid19.
No nonagésimo primeiro dia, a defesa de Juca impetrou um habeas corpus sustentando que com a morte da testemunha não mais se justificaria a prisão preventiva de Juca, sem motivação idônea que a justificasse após o prazo de noventa dias.
Assiste razão a defesa quanto à ilegalidade da prisão?
A resposta afirmativa se impõe.
Instado a pronunciar-se sobre o tema, na lavra do Informativo 968, o Supremo Tribunal Federal examinou a questão à luz do Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019). Com a nova lei, que alterou o artigo 316 parágrafo único do Código de Processo Penal, a necessidade da prisão preventiva deverá ser reavaliada a cada noventa dias pelo órgão emissor da decisão, que deverá fazer uma análise motivada acerca da manutenção ou revogação desta, já que há que se demonstrar fatos concretos e atuais que justifiquem tal medida extrema de cerceamento da liberdade de locomoção do preso.
Tal decisão fundamentada é respeito ao Estado Democrático de Direito e ao direito fundamental de locomoção do indivíduo. É certo que, depois da vida, a liberdade é o bem mais precioso que possuímos.
No caso hipotético, por nós narrado, a prisão de Juca até se justificaria, já que Juca era criminoso habitual e fazia do crime um estilo de vida. As redes sociais assim diziam. A testemunha, morta, estava a salvo, mas a sociedade não!
Contudo, a justificativa de tal encerramento preventivo restou ausente, no lapso temporal de noventa dias. A necessidade não foi demonstrada.
Logo, entendemos que a prisão de Juca tornou-se ilegal pela falta de fundamentação na sua manutenção, ainda que presentes faticamente os motivos que a justificassem. Para sermos fiéis ao julgado exarado pela Suprema Corte sobre o tema reproduzimos, aqui, trechos da decisão.
Confira o leitor: “A reforma legislativa operada pelo chamado “Pacote Anticrime” (Lei nº 13.964/2019) introduziu a revisão periódica dos fundamentos da prisão preventiva, por meio da inclusão do parágrafo único ao art. 316 do CPP. A redação atual prevê que o órgão emissor da decisão deverá revisar a necessidade de sua manutenção a cada noventa dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar ilegal a prisão preventiva:
Art. 316 (...) Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal. Assim, a prisão preventiva é decretada sem prazo determinado. Contudo, o CPP agora prevê que o juízo que decretou a prisão preventiva deverá, a cada 90 dias, proferir uma nova decisão analisando se ainda está presente a necessidade da medida.
Isso significa que a manutenção da prisão preventiva exige a demonstração de fatos concretos e atuais que a justifiquem.
A existência desse substrato empírico mínimo, apto a lastrear a medida extrema, deverá ser regularmente apreciado por meio de decisão fundamentada. A esse respeito, importante mencionar também o § 2º do art. 312 do CPP, inserido pelo Pacote Anticrime: “A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.” STF. 2ª Turma. HC 179859 AgR/ RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 3/3/2020 (Informativo 968). CAVALCANTE, Márcio André. Informativos do STF e STJ. Versão Resumida. Dizer o Direito, 2020. Acesso em 22/06/2020.
Conclusão
Se por um lado a intenção do pacote Anticrime foi a de aumentar a eficácia de um juiz imparcial na luta contra o crime organizado, por outro lado flexibilizou o princípio da verdade real com a figura do juiz de garantias, impondo-se a absolvição do acusado no caso de ausência de provas, ante o impedimento de colheita de provas pelo juízo que irá julgá-las.
Fato é que o princípio da imparcialidade do julgador é a mola propulsora do juiz de garantias. Também não é menos certo de que o juiz da instrução não procura provas.
Fato é que com a decisão exarada pela Suprema Corte perdemos uma grande oportunidade de evoluirmos no aspecto de dar maior concretude ao sistema acusatório, com a separação das funções de acusa, defender e julgar. Na dúvida, o juiz não deveria buscar a prova, mas absolver o acusado. Houve, sem sobras de dúvidas, uma evolução em contraposição a antiga redação do art. 28 do CPP, no que toca ao aspecto de permitir a vítima, conjuntamente com o magistrado, em levar a questão do arquivamento a revisão ministerial, mas poderíamos ter avançado mais.
Isto posto, a verdade a qualquer preço não se coaduna com os Estado Democrático de Direito. Instituiu-se o juiz de garantias para que o sistema processual penal não sucumbisse frente às reformas parciais e cada vez menos eficazes e coerentes.
Esperamos que o pacote Anticrime, analisado sob a ótica da Suprema Corte, não seja um mero reflexo do direito penal simbólico - e que as garantias fundamentais do indivíduo não façam da Lei Maior mera folha de papel, nas palavras de Lassalle.
Que seja eterno enquanto dure! E que dure o suficiente para garantir efetividade ao sistema.
Referências Bibliográficas.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de: Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa: Processo Penal. Vol. 1 a 4. São Paulo: Saraiva, 2007.
FERRAJOLI, Luigi: Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002
Ex Tabeliã pelo TJMG. Especialista em Compliance Contratual, pela Faculdade Pitágoras. Mestre em Direito das Relações Internacionais pela Universidad de La Empresa – Montevideo – UY. Escritora. Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAULA NAVES BRIGAGãO, . Primeiras linhas sobre o Juiz de Garantias, na ótica do Supremo Tribunal Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 out 2023, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/63391/primeiras-linhas-sobre-o-juiz-de-garantias-na-tica-do-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 23 dez 2024.
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