Resumo: No decorrer da minha atividade profissional como operador do direito, percebi que o combate dos tipos penais previstos na Lei 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), não é tarefa fácil, posto que parte da população, não entende a prática de maus tratos aos animais como criminosa e a postura dos poderes públicos é omissa no tocante ao seu poder de polícia fiscalizatório, visto que o enfrentamento requer o engajamento (interesse) para o combate dessa modalidade delitiva.
Palavras-chave: Maus tratos aos animais, poder público ausente, normalização da sociedade.
Introdução
A Lei 9.605/98, traz em seu ideal a vontade do legislador de proteção ao meio ambiente, trazendo normas não incriminadoras e tipos penais a partir do artigo 29. Como corolário de um Estado Democrático de Direito, onde todas as vidas devem ser protegidas e defendidas, inclusive aquelas não humanas (dos animais), deveria ser uma concepção geral da sociedade, contudo, não temos ainda, essa maturidade da população, sobretudo em regiões do Brasil, onde a cultura local, não vai ao anseio da lei ambiental (salva guarda) do meio ambiente (fauna e flora).
Como é consabido, o meio ambiente é formado pela fauna, flora, ordenamento urbano e patrimônio cultural (material e imaterial), e afins. A palavra meio ambiente aparece 18 (dezoito) vezes no texto constitucional, e conta com um capítulo próprio a partir do artigo 225 e seguintes da Carta Magna.
É de se notar a importância que o nosso legislador (infra e constitucional), atribuiu ao meio ambiente. Nosso país, conta com uma farta legislação a nível federal, estadual e municipal, tratando sobre a temática (defesa e proteção do nosso patrimônio ambiental). Contudo ainda precisamos evoluir e respeitar o espaço da natureza, não invadindo (desmatando) a flora de forma indiscriminada, com o falso escudo de uma necessidade de ampliação da safra de grãos ou para aumento da área de pasto para os pecuaristas auferirem maiores lucros com a venda de gado para abate/corte.
Desenvolvimento
A criação e engorda desses animais, também fazem parte do direito ambiental. Vejo com muita frequência, criadores alimentando suínos (aprisionados), com lixo podre, não raro acontecer desses animais, diante da inadequação do seu manejo, comerem as próprias fezes, visto a inexistência de uma alimentação regular, e como estão presos, ficam ao relento e do arrepio da lei, ante o comportamento abusivo e criminoso do seu criador.
Mesmo ciente dessas condições de extrema ilegalidade, comerciantes proprietários de pequenos supermercados ou mercearias, aceitam comprar esses animais, para posteriormente colocaram em seus empreendimentos para venda e consumo humano, com vistas a uma carne mais barata e com maior margem de lucro. A população deve estar atenta e não aceitar mercadoria de origem ilegal, pois ao Poder Público e à coletividade cabe o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, nas trilhas do artigo 225 da CF/88.
Não menos importante é a violência contra os animais (domésticos e não domésticos). Tenho percebido certos agricultores, entenderem como normal o abate de animais (bovinos, caprinos, ovinos, suínos, aves, etc), sem o mínimo de respeito a dignidade do animal. Inclusive com técnicas de abate ultrapassadas e dolorosas para o animal, que muitas das vezes ficam agonizando até a morte chegar.
Nesse tocante, a força de um Poder Público - atuante é essencial, com servidores públicos engajados nesse viés e motivados a combater essa modalidade de abate ultrapassada (sem nenhum tipo de licenciamento ou respeito a legislação sanitária), e sem observar as atuais normas que prevê um abate humanitário e com olhar no bem estar do animal[1].
Particularmente, já me deparei com diversos casos de abate clandestino de animais, onde o poder público municipal (prefeitura), era conivente e por conseguinte gerando carne imprópria para consumo humano (abate sem condições mínimas de higiene), em praças públicas ou as escondidas (abatedouros clandestinos), onde a refrigeração e acondicionamento da carne inexistiam nesses ambientes insalubres, ficando expostas a temperaturas elevadíssimas, deixando a proteína (carne), em estado de mau cheiro, decompondo, suja e depositando larvas de moscas varejeiras.
O surpreendente é que existem pessoas para argumentar (defender) essa prática de abate e de venda inadequada. Em relação ao abate, a alegação é que a observância da lei (abate humanitário e com técnicas indolores para os animais), é inaplicável ao pequeno produtor, por questões econômicas, devido sua impossibilidade de comprar os maquinários adequados e regulamentados para essa finalidade. Contudo esse mesmo “pequeno” produtor, não se prontifica a delegar o abate desses animais para empresas especializadas, preferindo usar martelos, enxadas, machados, foices e facas peixeiras para “assassinar” os animais, como ocorria no período medieval.
No tocante a venda da carne, infelizmente parcela grande da população aceita comprar esse tipo de produto (carne) em condições inadequadas para o consumo, devido estar habituado com aquela rotina (comprar fora do açougue/mercado), ou por não existe no comércio local, outras opções de melhor qualidade, se submetendo a ingerir um produto de duvidosa qualidade.
Por fim, caminho ao encontro do artigo 32 da Lei 9.605/98, que prevê a tipificação de maus tratos aos animais, e recentemente em seu parágrafo primeiro (A), foi sancionada pelo Presidente da República um aumento de pena, para quem incorrer em violência contra cães e gatos. Nesse caso a pena abstrata máxima subiu para 05 (cinco) anos de reclusão, onde o indivíduo é encaminhado direto para a audiência de custódia, incabível em sede de Delegacia de Polícia o arbitramento de fiança em favor do autuado em flagrante delito, por incorrer na infração do Art. 32 § 1º-A da Lei 9.605/98[2].
Importante destacar a criação de Delegacias de Polícia Especializadas, com foco no combate aos crimes ambientais. Diversos Estados da federação, trazem em suas estruturas orgânicas repartições públicas policiais, com servidores públicos dedicados ao combate dos delitos ambientais.
Ainda no âmbito policial o registro de ocorrências criminais ambientais, é pequeno (estatisticamente falando), se comparado com o universo de outras infrações penais registradas (Maria da Penha, Tráfico de Drogas, Crimes Patrimoniais, etc), e não é por inexistir o cometimento do crime ambiental, e sim pela cultura de preterição no enfrentamento desses delitos.
A maior parte do registro criminal não ocorre com a lavratura do boletim de ocorrência, entrando no campo das cifras negras (quando as autoridades públicas não são informadas do cometimento de um delito), pois a própria população é inerte nesse particular (deixa de fazer o BO).
Conclusão
Diante do exposto, é salutar uma maior participação da sociedade e do poder público para o cumprimento dos ditames legais no que concerne o respeito as normas de direito ambiental. Costumes locais não devem contrapor a vontade do legislador, pois o respeito ao meio ambiente é matéria de ordem pública, sendo descabido qualquer vontade em contrário por parte do particular. Inclusive os crimes de direito ambiental previstos na Lei 9.605/98, são de ação penal pública incondicionada.
A sociedade deve encarar os animais como sujeitos dotados de direitos, não raros os casos em dissolução da sociedade conjugal, onde fica estabelecido judicialmente a guarda compartilhada de animais domésticos (cães e gatos) e em um caso mais avançado, o Estado do Paraná reconheceu o direito de dois cachorros (vítimas de maus tratos), como sendo autores de uma ação judicial. O embate doutrinário se estende para outros ramos do direito, como dito, o direito civil, onde a moderna corrente doutrinária[3] apregoa que os animais não são objetos (passíveis de apropriação pelo homem), e sim detentores de direito e proteção jurídica, na medida em que são encarados como seres sencientes (seres dotados de natureza biológica e emocional, passíveis de sofrimento).
Referências:
Lei 9.605/98
Constituição da República Federativa do Brasil,
Instrução Normativa SDA – 3, de 17/01/2000.
Lei 14.064/2020.
Código Civil.
[1]Em São Paulo existe a Instrução Normativa SDA – 3, de 17/01/2000, onde prevê o Regulamento Técnico de Métodos de Insensibilização Para o Abate Humanitário de Animais de Açougue. No plano federal, existe o Projeto de Lei N.º 49, DE 2019 (Do Sr. Fred Costa) Dispondo sobre o abate humanitário de animais em todo o território nacional e dá outras providências.
[2]Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda.
[3] STOLZE, Pablo Gagliano – Novo Curso de Direito Civil: Parte Geral
Delegado de Polícia Civil no Estado de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FONSECA, ALEXANDRE BARROS DA. Violência e maus tratos contra animais. A inconcebível normalização (aceitação) dessa prática criminosa em prejuízo da fauna brasileira. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 out 2023, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/63449/violncia-e-maus-tratos-contra-animais-a-inconcebvel-normalizao-aceitao-dessa-prtica-criminosa-em-prejuzo-da-fauna-brasileira. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: gabriel de moraes sousa
Por: Thaina Santos de Jesus
Por: Magalice Cruz de Oliveira
Precisa estar logado para fazer comentários.