RESUMO: Aborda a teoria da associação diferencial de Sutherland e sua conexão com a teoria da decisão racional do crime, Becker. Sua inserção no fenômeno corrupção dentro do Brasil. A cultura nacional empresarial da normalidade corruptiva. A aceitação social e o negacionismo do povo quanto a agentes públicos e diretores de empresas cometedores de crimes do colarinho branco. O efeito cíclico. A educação como único meio de implantar uma cultura de respeito aos bens públicos mais relevantes.
Palavras-chave: Crimes do colarinho branco; Associação diferencial; Decisão racional do crime; Corrupção e Brasil; Empresa; Cultura da corrupção; Normalidade, aceitação social e negacionismo; Efeito cíclico; Educação e salvaguarda do futuro.
ABSTRATC: Approach the Sutherland's differential association theory and its connection with Becker's rational decision theory of crime. Its insertion in the corruption phenomenon within Brazil. The national corporate culture of corrupting normality. Social acceptance and people's denial of public agents and company directors who committed crimes against the white collar. The cyclic effect. Education as the only way to implement a culture of respect for the most relevant public goods.
Keywords: White collar crimes; Differential association; Rational decision of the crime; Corruption and Brazil; Company; Culture of corruption; Normality, social acceptance and denial; Cyclic effect; Education and safeguarding the future.
O ambiente de negócios no Brasil parece imbricado permanentemente com o Estado. Talvez em razão do tamanho e voracidade com que este último tenta interferir na vida das pessoas e empresas, talvez, pela incompetência e inabilidade do setor produtivo, o que não se acredita. Isso reforça a ideia de que dependemos do Estado para tudo, de forma que sem ele, estaríamos, de algum modo alijados, incapazes de tocarmos nossas vidas e negócios, de salvaguardar nossa privacidade, costumes e modo de ser e viver, como educar nossos filhos, enfim, de nos sentirmos livres na acepção pura da palavra liberdade.
Essa relação estreita entre o público e o privado, por vezes confundindo-os, advém não só do caráter patrimonialista que nos foi introduzido com a chegada dos europeus originários da Península Ibérica, mas também da percepção de que o crime compensa, notadamente aquele cometido contra a Administração Pública e no seio de grandes conglomerados empresariais.
O fenômeno corrupção, nunca esteve tão em voga como ultimamente no Brasil, mormente após sua franca expansão pós anos 2000, ou, não se sabe exatamente, uma amplitude com campo de visão dos cidadãos decorrente da maior transparência e qualidade das investigações que apuram não só esse tipo de crime, mas o gênero crimes do colarinho branco.
Não é à toa que o maior pensamento crítico ao fenômeno corrupção (nos setores públicos e privados) no Brasil, deve-se ao incremento das ferramentas tecnológicas que possibilitaram milhares de cidadãos brasileiros a terem informações em tempo real e acesso amplo e universal ao conteúdo das investigações, configurando mais um meio de salvaguarda da sociedade em exigir o cumprimento das leis e fiscalizar os autores estatais envolvidos nas investigações.
Quando se introduz os componentes políticos e empresas, ele parece surgir com mais evidência, o que nos leva à linha de pensamento de Sutherland[1], quando afirma que “a criminalidade de colarinho branco na política, geralmente reconhecida como mais reinante, tem sido utilizada por alguns como um indicador aproximado para medir a criminalidade de colarinho branco nos negócios.”
O cenário posto é propício, portanto, para que possamos analisar, ainda que sinteticamente, esse evento criminológico.
Aspectos inerentes ao perfil – não há propriamente um perfil, um viés, mas fatores característicos comuns – do agente que comete o crime de corrupção podem ser concentrados em três: a competitividade; o narcisismo associado ao “entitlement”; e a propensão de assumir riscos.
Não necessariamente esses três elementos indicarão que uma pessoa é criminosa ou tende a sê-lo, mas o seu excesso é forte indicativo.
Por competitividade temos o fato de alguém querer competir com outrem e ser vencedor. No campo criminológico, temos que a associação da competição com o status social no qual está inserido o pretenso criminoso eleva o gradiente de probabilidade do ato ilícito, na medida em que a busca desenfreada pelo poder, respeito no meio social – ainda que por meios desonestos e ocultos – e a autocomiseração no sentido de estar provendo uma falsa justiça social, levam a formatação desse subproduto.
Quanto ao narcisismo, é possível verificar que agentes públicos e privados envolvidos em crimes de corrupção denotam necessidade diuturna de grandiosidade, unicidade, prepotência e arrogância, de que é uma pessoa especial, distinta das demais, recaindo, em alguns, até mesmo a ideia de messianismo.
O narcisismo demonstrou ser uma forte característica do criminoso do colarinho branco. Dentro do narcisismo temos o “entitlement”[2], um dos fatores de sua composição. Não há uma tradução exata para o termo, mas é possível dizer que ele corresponde à ideia do narcisista de que ele é melhor que os demais (ainda que efetivamente não o seja) e, por essa razão, merece mais que todos. Trata-se de uma espécie de autointitulação só porque pertence à determinada classe social ou nasceu em determinado grupo, de forma que isso justifica ter um tratamento mais benéfico que as outras pessoas.[3]
No que tange à propensão ao risco, característica própria do ambiente de negócios, percebe-se que ela é a face empreendedora e econômica dos crimes de colarinho branco. É a chamada “decisão racional do delito”, de Gary Becker, autor que conseguiu convergir direito, economia e política criminal, Becker pontua que uma pessoa predisposta a cometer um delito, tende a fazê-lo se antever, ainda que superficialmente, se o seu resultado de o executar foi maior que não o fazer.
Sendo assim, é possível inferir com maior segurança que a “decisão racional do delito”, juntamente com a “associação diferencial”, de Sutherland, a qual traz a ideia de que a criminalidade do colarinho branco é aprendida, seja de forma direta ou indireta com outras pessoas (familiares, amigos, colegas, etc) que praticam ou já praticaram o mesmo comportamento antijurídico, bem traduzem um pressuposto teórico conceitual para a configuração do agente típico.
No Brasil, esse agente típico, que pratica crimes do colarinho branco em regra são pessoas de classes elevadas, notadamente pela posição das funções que ocupam, ainda que transitoriamente, v.g., políticos, diretores de empresas, mas não só, porquanto membros do Poder Judiciário são vistos em escândalos de corrupção milionários, o que denota um ingresso no subconsciente do povo como atitude comum ou socialmente aceitável.
Nas palavras da Professora Heloisa Estellita, temos um agente dotado de “informação, do poder de decisão e de um comportamento executivo”. Ademais, ainda nas palavras da ilustre doutrinadora, autorresponsável, executando o comportamento típico e ciente dos riscos por ele criados[4].
Essa cegueira massificada dos concidadãos, ou mesmo, a sua omissão, quanto à censura prévia ou posterior a essas atitudes gera um efeito deletério devastador e cíclico, na qual passamos a não querer aceitar ou acreditar que determinados agentes públicos não sejam capazes de praticar um crime econômico.
Temos, portanto, uma dicotomia entre a lei como representação positivada de um costume (não toleramos atos de corrupção) e a sua realidade. Trata-se da fotografia da sociedade como todo, considerando que o Congresso Nacional teoricamente compila e concentra essa manifestação popular nos seus representantes através do voto, ou estamos diante de uma representação legal viciada na origem, no próprio processo eleitoral de escolha e que, dessa forma, deslegitima aquela representação popular, dando azo a uma suposta ruptura entre a base (os eleitores) e os seus representantes (eleitos)?
É possível que isso nos traga aquela sensação de que o desbaratamento de uma organização criminosa que atue cometendo crimes do colarinho branco, seja logo substituído por outra, especialmente na Administração Pública, praticando as mesmas infrações penais de outrora até que novamente, seja apanhada pelas autoridades investigativas, confirmando a existência de uma cadeia cíclica criminosa permanente, num movimento criminoso ad infinitum.
Novos modais para combater esse mal já entraram em vigor no Brasil, a exemplo da prevenção com o compliance, internalizando uma cultura de conformidade dentro das corporações e dentro da própria Administração Pública, desestimulando que pessoas do alto escalão violem bens jurídicos macroeconômicos relevantes.
Entretanto, não há dúvidas de que apenas o investimento estatal em massa na educação das crianças e adolescentes, especialmente com inserções na grade curricular que desenvolvam naqueles a noção e o interesse de que a tutela penal de determinados bens é inegociável, a exemplo da probidade, seja ela no âmbito público ou privado, é capaz de influenciar de forma positiva futuro daqueles, salvaguardando-os de forma eficaz.
[1] https://seer.ufrgs.br/redppc/article/view/56251
[2] Corrupção : aspectos sociológicos, criminológicos e jurídicos / coordenadores Daniel de Resende Salgado, Ronaldo Pinheiro de Queiroz, Vladimir Aras – Salvador: Editora JusPodivm, 2020. pág. 213/214.
[3] Conforme descrito por Edwin Hardin Sutherland, no artigo A Criminalidade de Colarinho Branco, publicado em 1940.
[4] ESTELLITA, Heloisa. Responsabilidade pena de dirigentes de empresas por omissão : estudo sobre a responsabilidade omissiva imprópria de dirigentes de sociedades anônimas, limitadas e encarregados de cumprimento por crimes praticados por membros da empresa. 1. ed. – São Paulo : Marcial Pons, 2017. p. 37.
Advogada. Formada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. Exerceu cargo em comissão de assessoria no Ministério Público da Paraíba por 03 anos e 09 meses
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PRISCILA TARGINO SOARES BELTRãO, . A junção da teoria da associação diferencial com a teoria da decisão racional do crime de colarinho branco Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 out 2023, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/63594/a-juno-da-teoria-da-associao-diferencial-com-a-teoria-da-deciso-racional-do-crime-de-colarinho-branco. Acesso em: 23 dez 2024.
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