Resumo: O ônus da prova no Direito do Consumidor é um tema fundamental, pois diz respeito à distribuição das responsabilidades no processo judicial ou administrativo quando se trata de litígios envolvendo relações de consumo. Neste artigo, examinaremos os principais aspectos do ônus da prova no Direito do Consumidor, destacando sua importância, regras gerais, e desafios.
Palavras-chave: ônus da prova; consumidor; teoria estática; teoria dinâmica; fornecedores; teoria finalista aprofundada; maximalista.
Introdução
O Direito do Consumidor visa proteger os direitos e interesses dos consumidores em suas relações de consumo. Quando ocorre um conflito entre um consumidor e um fornecedor de produtos ou serviços, é essencial determinar quem deve provar os fatos alegados. Esse é o cerne da questão do ônus da prova.
Para uma melhor análise processual a quem incumbe o ônus probatório no âmbito do direito do consumidor, deve-se traçar linhas gerais acerca da regra geral do ônus da prova, verificar se no caso concreto têm-se ou não uma relação de consumo, e compreender quem são as atrizes e atores desse tipo de relação.
Dos Fornecedores e Consumidores
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) não define categorias específicas de fornecedores, mas estabelece obrigações e responsabilidades gerais que se aplicam a todos aqueles que realizam atividades de fornecimento de produtos ou serviços. Os fornecedores, conforme definidos no CDC, incluem empresas, profissionais liberais, prestadores de serviços, produtores, fabricantes, importadores, entre outros.
No que diz respeito ao conceito de consumidores, deve-se observar as teorias referentes ás relações de consumo.
Teoria Finalista
A Teoria Finalista da Relação de Consumo, desenvolvida por Cláudia Lima Marques, é uma abordagem restritiva que busca limitar a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC) apenas a relações jurídicas de consumo estritamente destinadas ao consumo final. Segundo essa teoria, não seriam considerados
consumidores os intermediários que adquirem produtos ou serviços com o objetivo de revendê-los ou utilizá-los como insumos em suas atividades econômicas. A Teoria Finalista foca na finalidade da aquisição do bem ou serviço para determinar se alguém é ou não um consumidor nos termos do CDC.
Teoria Finalista Aprofundada
A Teoria Finalista Aprofundada, também desenvolvida por Cláudia Lima Marques e outros doutrinadores, é uma expansão da Teoria Finalista. Ela considera consumidores não apenas aqueles que adquirem produtos ou serviços para uso pessoal ou familiar, mas também aqueles que adquirem produtos ou serviços para uso profissional, desde que não sejam destinados à atividade empresarial, ou seja, não estejam incorporados à cadeia produtiva do fornecedor.
A Teoria Finalista Aprofundada considera que as normas de proteção do consumidor podem abranger relações de consumo intermediárias, desde que o consumidor não esteja adquirindo os produtos ou serviços para serem revendidos, mas sim para uso próprio em sua atividade profissional. Essa abordagem amplia a proteção do consumidor, reconhecendo que as práticas abusivas podem ocorrer em várias esferas da sociedade.
No Brasil, a Teoria Finalista Aprofundada foi incorporada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em suas jurisprudências, ampliando a proteção ao consumidor em situações em que anteriormente poderia não ser aplicada.
Ambas as teorias têm implicações importantes na aplicação do CDC e na definição de quem é considerado consumidor em diferentes contextos. É importante observar que a interpretação e aplicação dessas teorias podem variar dependendo do caso e da jurisdição, e a evolução das interpretações é uma característica do Direito do Consumidor. Portanto, é aconselhável consultar a jurisprudência atualizada e a doutrina jurídica para entender como essas teorias estão sendo aplicadas em casos específicos.
Teoria Maximalista
Diversamente das teorias abordadas anteriormente, a “Teoria Maximalista” no contexto do Direito do Consumidor refere-se a uma abordagem ampla e abrangente para a definição de quem é considerado consumidor nos termos do Código de Defesa do Consumidor (CDC) no Brasil. Essa teoria tem como objetivo ampliar a proteção do consumidor ao máximo possível, de forma a abranger um número maior de pessoas em relações de consumo.
A Teoria Maximalista contrasta com a Teoria Finalista, que é mais restritiva e se concentra na finalidade da aquisição do produto ou serviço para determinar se alguém é ou não um consumidor. Segundo a Teoria Finalista, somente aqueles que adquirem produtos ou serviços para uso pessoal ou familiar seriam considerados consumidores nos termos do CDC.
Por outro lado, a Teoria Maximalista argumenta que o conceito de consumidor deve ser interpretado de maneira ampla, incluindo não apenas consumidores finais, mas também aqueles que adquirem produtos ou serviços para outros fins, como uso profissional ou empresarial. A ideia subjacente a essa teoria é que a proteção do consumidor deve ser estendida a todos que participem de relações de consumo, independentemente da finalidade da aquisição.
A adoção da Teoria Maximalista implica que mais pessoas e empresas podem se beneficiar das proteções previstas no CDC, tais como a responsabilidade por produtos defeituosos, a garantia legal, a proibição de práticas abusivas, entre outras. Essa abordagem é considerada mais favorável aos direitos do consumidor, pois amplia o alcance das normas de proteção.
É importante observar que a interpretação e aplicação dessas teorias podem variar dependendo do contexto jurídico e da jurisprudência de cada país. No Brasil, a jurisprudência tem oscilado entre abordagens mais maximalistas e mais finalistas ao longo do tempo, refletindo a evolução do Direito do Consumidor e as mudanças nas relações de consumo na sociedade.
A escolha entre a Teoria Maximalista e a Teoria Finalista ou outras abordagens é frequentemente objeto de debates acadêmicos e jurídicos e pode variar de acordo com o entendimento das cortes e tribunais em casos específicos. Portanto, é importante consultar advogados especializados e jurisprudência atualizada para entender como essas teorias estão sendo aplicadas em um determinado contexto.
Da regra geral do ônus da prova
A regra geral do ônus da prova estabelece que cabe à parte que alega um fato o ônus de comprovar sua veracidade. Em outras palavras, quem faz uma afirmação deve apresentar as evidências necessárias para sustentá-la.
Essa regra é aplicada em diversos contextos, como no direito civil, penal, trabalhista e administrativo. Por exemplo, em um processo civil, o autor da ação deve provar os fatos que fundamentam seu pedido, enquanto o réu deve provar suas alegações de defesa.
No entanto, é importante ressaltar que existem exceções a essa regra geral. Em algumas situações, o ônus da prova pode ser invertido por determinação legal ou por decisão do juiz. Isso ocorre, por exemplo, quando a parte que detém o acesso às informações necessárias para provar determinado fato se recusa a apresentá-las.
Além disso, em alguns casos, o ônus da prova pode ser compartilhado entre as partes, cabendo a cada uma delas provar determinados aspectos de sua alegação.
Em apertada síntese, a regra geral do ônus da prova estabelece que quem alega um fato deve provar sua veracidade, mas essa regra pode ser flexibilizada em determinadas situações.
A teoria estática do ônus da prova é uma abordagem tradicional que estabelece que o ônus da prova é fixo e imutável ao longo do processo. De acordo com essa teoria, a parte que alega um fato deve provar sua veracidade, independentemente das circunstâncias.
Nessa perspectiva, o ônus da prova é atribuído inicialmente ao autor da ação, que deve apresentar as evidências necessárias para sustentar suas alegações. Caso o autor não consiga provar seus argumentos, a demanda é julgada improcedente.
No entanto, a teoria tem sido criticada por ser inflexível e não levar em consideração as particularidades de cada caso. Muitas vezes, a parte contrária possui melhores condições de acesso às informações necessárias para provar ou refutar determinado fato, sendo uma abordagem tradicional, mas que tem sido questionada e substituída pela teoria dinâmica, que busca uma distribuição mais justa do ônus probatório.
Diante disso, a doutrina e a jurisprudência têm adotado uma abordagem mais flexível, conhecida como teoria dinâmica do ônus da prova, a qual permite que o juiz redistribua o ônus da prova durante o processo, levando em consideração a equidade e a justiça do caso concreto.
A teoria dinâmica do ônus da prova é uma abordagem que busca equilibrar a distribuição do ônus da prova entre as partes em um processo judicial. De acordo com essa teoria, o ônus da prova não é fixo e imutável, mas sim pode ser alterado ao longo do processo, de acordo com as circunstâncias e as alegações apresentadas pelas partes.
A ideia central da teoria dinâmica do ônus da prova é que a parte que possui maior facilidade de produzir determinada prova deve ser responsável por apresentá-la. Isso significa que, se uma das partes tem maior acesso aos meios de prova ou possui informações mais precisas sobre determinado fato, ela deve ser responsável por provar esse fato.
Essa abordagem busca evitar que uma das partes seja prejudicada pela falta de acesso a informações ou pela dificuldade de produzir determinada prova. Assim, o juiz pode redistribuir o ônus da prova ao longo do processo, de forma a garantir que cada parte tenha a oportunidade de apresentar as provas que estão ao seu alcance.
A teoria dinâmica está relacionada ao princípio da cooperação processual, que busca promover a igualdade entre as partes e a busca pela verdade material. Ao permitir a redistribuição do ônus da prova, essa teoria busca garantir que o processo seja conduzido de forma justa e eficiente, levando em consideração as particularidades de cada caso.
No entanto, é importante ressaltar que a sua aplicação depende da análise do juiz, que deve levar em consideração as circunstâncias específicas de cada caso.
O ônus da prova no CDC
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece uma regra específica em relação ao ônus da prova nas relações de consumo. De acordo com o artigo 6º, inciso VIII, do CDC, é considerada prática abusiva a inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor.
Isso significa que, nas relações de consumo, o ônus da prova é atribuído ao fornecedor de produtos ou serviços. Em outras palavras, cabe ao fornecedor comprovar a veracidade de suas alegações, como a qualidade do produto, o cumprimento de prazos, a existência de vícios, entre outros.
Essa inversão do ônus da prova é uma medida de proteção ao consumidor, uma
vez que muitas vezes ele não possui acesso às informações e documentos necessários para comprovar suas alegações. Além disso, o CDC busca equilibrar a relação de consumo, colocando a responsabilidade de provar a idoneidade do produto ou serviço nas mãos do fornecedor, que é quem possui maior conhecimento e controle sobre o que está sendo oferecido.
No entanto, é importante ressaltar que essa inversão do ônus da prova não é automática. O consumidor ainda precisa alegar de forma fundamentada os fatos que está contestando, ou, produzir lastro probatório do que alega, para que o ônus da prova seja efetivamente invertido.
Conclusão
O artigo objetivou traçar linhas gerais acerca da regra geral do ônus da prova e suas peculiaridades no que diz que respeito a sua aplicação quando presente uma relação de consumo no caso concreto.
Com o advento do Código de Processo Civil de 2015 - e a constitucionalização do Direito como um todo, os princípios norteadores do ordenamento jurídico, é imperiosa a observância do artigo 8° do CPC, que dispõe que o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
Aplicando-se a máxima de que “o melhor direito se extrai à luz do caso concreto“ é necessária uma análise individual e específica de cada situação jurídica para determinar qual é a solução mais justa e adequada.
De um lado, não pode ser negado ao autor/consumidor o acesso á justiça ou a produção de prova diabólica, por outro, a vulnerabilidade organizacional e presumida do consumidor não pode servir de argumento para aventuras jurídicas e deferimento da inversão do ônus da prova baseada em narrativas carentes de verossimilhança e lastro probatório.
Referências Bibliográficas
“Código de Defesa do Consumidor Comentado” - Cláudia Lima Marques, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, Bruno Miragem.
“Direito do Consumidor Esquematizado” - Carlos Roberto Gonçalves, Roberto Senise Lisboa.
“Comentários ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor” - Antonio Carlos Efing, José Geraldo Brito Filomeno.
“Direito do Consumidor: Aspectos Controversos e Atuais” - Fredie Didier Jr., Ravi Peixoto.
“Manual de Direito Processual Civil” - Daniel Amorim Assumpção Neves.
Servidor Público Federal (Trf 4). Bacharel em Direito, (UFF), pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade Legale.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIVAS, Bruno Quaresma. O Ônus da Prova no Código de Defesa do Consumidor - Uma análise crítica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 out 2023, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/63595/o-nus-da-prova-no-cdigo-de-defesa-do-consumidor-uma-anlise-crtica. Acesso em: 23 dez 2024.
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