RESUMO: O presente artigo tem por escopo analisar a tramitação legislativa referente à edição do art. 531, caput, do Código de Processo Civil, regida pela Lei Complementar n. 95/1998. Por fim, o estudo compreende que a referida análise autoriza conclusão segundo a qual o legislador ordinário pretendeu vedar a utilização do procedimento da prisão civil à cobrança dos alimentos de natureza indenizatória.
Palavras-chave: Alimentos. Cobrança. Prisão.
ABSTRACT: The purpose of this article is to analyze the legislative process regarding the edition of art. 531, caput, of the Code of Civil Procedure, governed by Complementary Law no. 95/1998. Finally, the study understands that the aforementioned analysis authorizes the conclusion that the ordinary legislator intended to prohibit the use of the civil arrest procedure for the collection of food of a compensatory nature.
Keywords: Foods. Charge. Prison.
1 INTRODUÇÃO
Distintamente do fluxo legislativo ordinário inerente ao bicameralismo federal, o projeto de lei aprovado no Congresso Nacional que redundou na Lei n. 13.105/2015 (Código de Processo Civil) fora gestado no Senado Federal, mediante instauração de Comissão Especial de Juristas, capitaneada pelo então Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luiz Fux, em 1º de outubro de 2009[1].
Destarte, porquanto o limiar da tramitação propriamente dita tenha partido do Senado Federal, mediante apreciação do Projeto de Lei do Senado Federal (PLS) n. 166/2010, a Câmara dos Deputados atuou na condição de casa revisora, despojada da ordinária qualidade de casa deflagradora.
No que toca especificamente ao dispositivo sob apreciação, as mutações derivadas da laboriosa tramitação legislativa exigem compassada análise. Isto porque se revela relevante a investigação pertinente ao iter legislativo que desembocou na edição textual com o fito de municiar o exegeta das condições circundantes à confecção do texto legal, especialmente quanto à intenção do legislador ordinário.
2 A TRAMITAÇÃO LEGISLATIVA REFERENTE AO ARTIGO 531, CAPUT, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Consoante proposição originária constante do anteprojeto, os dispositivos pertinentes à satisfação de pretensão executiva de alimentos restavam subdivididos da seguinte forma, inseridos no Capítulo II (Da Obrigação de Pagar Quantia Certa): sob as Seção I (Do Cumprimento da Obrigação de Indenizar Decorrente de Ato Ilícito), tocando, inclusive, a pretensão de alimentos, conforme disciplina do art. 498; e sob a Seção II (Do Cumprimento da Obrigação de Prestar Alimentos), com regência nos arts. 499 e 500, tão somente quanto aos alimentos legítimos.
Nesta oportunidade, imperiosa à transcrição das referidas disposições:
(...)
Seção I
Do cumprimento da obrigação de indenizar decorrente de ato ilícito
Art. 498. Quando a indenização por ato ilícito prevista na sentença incluir prestação de alimentos, caberá ao devedor constituir capital cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão.
§ 1º Esse capital, representado por imóveis, títulos da dívida pública ou aplicações financeiras em banco oficial, será inalienável e impenhorável enquanto durar a obrigação do devedor.
§ 2º O juiz poderá substituir a constituição do capital pela inclusão do credor em folha de pagamento de pessoa jurídica de notória capacidade econômica ou, a requerimento do devedor, por fiança bancária ou garantia real, em valor a ser arbitrado de imediato pelo juiz.
§ 3º Se sobrevier modificação nas condições econômicas, poderá a parte requerer, conforme as circunstâncias, redução ou aumento da prestação.
§ 4º A prestação alimentícia poderá ser fixada tomando por base o salário mínimo.
§ 5º Finda a obrigação de prestar alimentos, o juiz mandará liberar o capital, cessar o desconto em folha ou cancelar as garantias prestadas.
Seção II
Do cumprimento da obrigação de prestar alimentos
Art. 499. Será obrigatória a inclusão, na folha de pagamento, sempre que o devedor da prestação alimentícia for servidor público, militar, diretor ou gerente de empresa, bem como empregado sujeito à legislação do trabalho.
Parágrafo único. A ordem judicial será dirigida à autoridade, à empresa ou ao empregador, por ofício, dela constando os nomes do credor e do devedor, a importância da prestação e o tempo de sua duração.
Art. 500. Não sendo satisfeita a obrigação, poderá o credor requerer a intimação do devedor para, em três dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo, sob pena de prisão pelo prazo de um a três meses.
§ 1º O cumprimento da pena referida no caput não exime o devedor do pagamento das prestações vencidas e vincendas; satisfeita a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o cumprimento da ordem de prisão.
§ 2º Não requerida a execução nos termos desta Seção, observar-se-á o disposto no art. 495. (negritos não constantes do original)
Da superficial leitura dos dispositivos suso mencionados, mormente da topográfica distinção entre as seções, possível aferir a inequívoca interdição aposta no anteprojeto quanto à aplicabilidade do rito da prisão civil no cumprimento de título que veicule prestação de alimentos indenizativos.
Isto porque a originária redação do art. 498 tão somente indicava ao credor a garantia de constituição de capital “cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão”, ademais de outras medidas constritivas de cunho exclusivamente patrimonial minudenciadas nos parágrafos inseridos no referido dispositivo.
É mister salientar que a precisa demarcação procedimental à luz da espécie alimentícia – indenizativa ou legítima – atendeu ao desiderato de clareza e de ordenação lógica que deve pautar a atividade legiferante.
Isto porque, conforme específicas disposições constantes da Lei Complementar n. 95/1998[2]:
Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas:
(...)
III - para a obtenção de ordem lógica:
a) reunir sob as categorias de agregação - subseção, seção, capítulo, título e livro - apenas as disposições relacionadas com o objeto da lei;
b) restringir o conteúdo de cada artigo da lei a um único assunto ou princípio;
(...) (destaques não constantes do original)
Entretanto, após submissão do citado anteprojeto à Comissão Temporária especialmente designada para este fim, houve sensível alteração da disciplina imprimida pela Comissão de juristas no tocante às medidas coercitivas disponíveis ao cumprimento de título que veicula pretensão de exigir alimentos de natureza indenizatória.
Ao revés da inclusão das duas espécies procedimentais, registrados sob subseções distintas, no capítulo sobre cumprimento de obrigação de pagar quantia certa, consoante relatório geral emitido pelo Senador Valter Pereira, as duas anteriores subseções comporiam um capítulo próprio cognominado “Do Cumprimento de Obrigação de Prestar Alimentos”.
Dispensando qualquer distinção topográfica no texto legal, o rito autorizativo da prisão civil enquanto medida extrema de coerção pessoal também fora expressamente estendido aos alimentos de natureza indenizatória. Deste modo, os dispositivos ostentaram a seguinte redação:
Capítulo IV
DO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS
Art. 514. No cumprimento de sentença que condena ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixa alimentos, o juiz mandará intimar pessoalmente o devedor para, em três dias, efetuar o pagamento das parcelas anteriores ao início da execução e das que se vencerem no seu curso, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.
§ 1º Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de um a três meses.
§ 2º O cumprimento da pena não exime o devedor do pagamento das prestações vencidas e vincendas.
§ 3º Paga a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o cumprimento da ordem de prisão.
Art. 515. Quando o devedor for funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa, bem como empregado sujeito à legislação do trabalho, o exequente poderá requerer o desconto em folha de pagamento da importância da prestação alimentícia.
§ 1º Ao despachar a inicial, o juiz oficiará à autoridade, à empresa ou ao empregador, determinando, sob pena de crime de desobediência, o desconto a partir da primeira remuneração posterior do executado, a contar do protocolo do ofício.
§ 2º O ofício conterá os nomes e o número de inscrição no cadastro de pessoas físicas do exequente e do executado, a importância a ser descontada mensalmente, o tempo de sua duração e a conta na qual deva ser feito o depósito.
Art. 516. Não requerida a execução nos termos deste Capítulo, observar-se-á o disposto nos arts. 509 a 513, com a ressalva de que, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efeito suspensivo à impugnação não obsta a que o exequente levante mensalmente a importância da prestação.
Art. 517. O disposto neste Capítulo aplica-se aos alimentos definitivos ou provisórios, independentemente de sua origem.
Art. 518. Quando a indenização por ato ilícito incluir prestação de alimentos, caberá ao executado, a requerimento do exequente, constituir capital cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão.
§ 1º Esse capital, representado por imóveis, títulos da dívida pública ou aplicações financeiras em banco oficial, será inalienável e impenhorável enquanto durar a obrigação do devedor.
§ 2º O juiz poderá substituir a constituição do capital pela inclusão do exequente em folha de pagamento de pessoa jurídica de notória capacidade econômica ou, a requerimento do executado, por fiança bancária ou garantia real, em valor a ser arbitrado de imediato pelo juiz.
§ 3º Se sobrevier modificação nas condições econômicas, poderá a parte requerer, conforme as circunstâncias, redução ou aumento da prestação.
§ 4º A prestação alimentícia poderá ser fixada tomando por base o salário mínimo.
§ 5º Finda a obrigação de prestar alimentos, o juiz mandará liberar o capital, cessar o desconto em folha ou cancelar as garantias prestadas. (negritamos)
Assim, após a inserção da expressão “independentemente de sua origem” no artigo que serviu à delimitação da abrangência do rito da coerção pessoal, não haveria como questionar a inequívoca eleição legislativa do procedimento da prisão civil para a exigibilidade de prestação alimentar, sem qualquer restrição afeta à natureza dos alimentos.
Houve considerável alteração da sistemática vigorante sob a égide do Código Buzaid que, reproduzido em essência pela Comissão de juristas, tão somente disponibilizava ao credor a constituição de capital, como mecanismo ordinário para securitização do direito creditício, e o desconto incidente sobre folha de pagamento, na hipótese delineada pelo superado § 2º do art. 475-Q do Código de Processo Civil de 1973.
Encaminhado o Projeto de Lei do Senado n. 166/2010 à Câmara dos Deputados, instância revisora[3], houve redimensionamento da matéria com tendente aproximação à ideia gestada na Comissão de juristas. Isto porque o substitutivo da Câmara dos Deputados suprimiu a expressão “independentemente de sua origem” do anterior artigo 517, renumerado para 545, mantendo-se a higidez da topologia e das demais disposições:
(...)
Art. 545. O disposto neste Capítulo aplica-se aos alimentos legítimos definitivos ou provisórios.
§ 1ºA execução dos alimentos provisórios, bem como a dos alimentos fixados em sentença ainda não transitada em julgado, se processa em autos apartados.
§ 2º O cumprimento definitivo da obrigação de prestar alimentos será processado nos mesmos autos em que tenha sido proferida a sentença.
(...) (negritamos)
Por derradeiro, ante as numerosas modificações impostas ao texto aprovado no Senado Federal, houve remessa do Substitutivo da Câmara dos Deputados àquela Casa, que permaneceu silente quanto à supressão da expressão “independentemente de sua origem” no texto final[4], encaminhado ao Executivo.
Neste particular, consoante parecer aprovado e emitido pela Comissão Temporária do Senado Federal[5] para apreciação do Substitutivo, houve expressa manifestação de vontade da Casa deflagradora no sentido do acolhimento da supressão aposta pela Câmara dos Deputados, nos termos explicitados pelo eminente Relator[6]:
A definição de “alimentos legítimos”, embora vinculada por muitos civilistas aos alimentos de Direito de Família, não encontra previsão legal, o que pode gerar dúvidas quanto ao alcance do dispositivo, razão por que não convém o seu emprego no dispositivo em epígrafe.
Dessa forma, assim como o atual art. 733 do Código de Processo Civil não individualiza a espécie de alimentos autorizadores da prisão civil no caso de inadimplência, o novo Código também não o fará, o que desaguará na conclusão de manutenção da orientação jurisprudencial pacificada até o presente momento, firmada no sentido de que o não pagamento de alimentos oriundos de Direito de Família credenciam a medida drástica da prisão. Aliás, essa é a dicção do inciso LXVII do art. 5º da Carta Magna e do Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), as quais somente admitem a prisão civil por dívida, se esta provier de obrigação alimentar.
De mais a mais, os alimentos de Direito de Família são estimados de acordo com a possibilidade do alimentante e a necessidade do alimentado, de modo que, em princípio, o devedor tem condições de arcar com esses valores. Se não paga os alimentos, é porque está de má-fé, ao menos de modo presumido, o que torna razoável a coação extrema da prisão civil em prol da sobrevivência do alimentado.
Já os alimentos indenizativos (aqueles que provêm de um dano material) são arbitrados de acordo com o efetivo prejuízo causado, independentemente da possibilidade do devedor. Dessa forma, a inadimplência do devedor não necessariamente decorre de má-fé. A prisão civil, nesse caso, seria desproporcional e poderia encarcerar indivíduos por sua pobreza. O mesmo raciocínio se aplica para verbas alimentares, como dívidas trabalhistas, honorários advocatícios etc.
Enfim, a obrigação alimentar que credencia à prisão civil não é qualquer uma, mas apenas aquela que provém de normas de Direito de Família. Nesse sentido, convém manter a redação do art. 545, caput, do SCD alinhada à Constituição Federal e ao Pacto de San José da Costa Rica, de maneira a subsistir a previsão de que somente os alimentos provenientes de Direito de Família dão ensanchas à medida drástica da reclusão civil.
(...) (destaques não constantes do original)
Perlustrando as razões ventiladas no parecer emitido quanto ao Substitutivo, possível aferir que houve acurado sopesamento entre as circunstâncias que expressamente afastam os alimentos de natureza indenizatória dos alimentos de natureza familiar, justificando a conformação legislativa diferenciada quanto ao procedimento aplicável para sua exigibilidade.
2.1 Atividade legiferante e a Lei Complementar n. 95/1998
Pontuada em subtópico anterior, a Lei Complementar n. 95/98 cumpre o mister de intermediar legislativamente a previsão abrigada no art. 59, parágrafo único, da Constituição Republicana de 1988, verbis:
Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:
Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis. (negritos não constantes do original)
Enquanto enumera prescrições imprescindíveis à feitura de atos normativos – inclusive os expedidos pelo Poder Executivo, a suso mencionada lei complementar, em toda sua extensão, atenta-se à necessária coesão, integridade e clareza que devem animar o texto legal. Desta forma, possibilitar-se-á ao exegeta a escorreita extração de conteúdo normativo compatível com os anseios legislativos que implicaram a atividade legiferante.
Proscreve-se, portanto, a comunicação truncada entre o legislador e o intérprete, imprescindível, outrossim, ao alcance da segurança jurídica que deve pautar as manifestações estatais decorrentes do ordenamento jurídico.
Na esteira do hodiernamente mais sentido dever de estabilidade das manifestações estatais – jurisdicionais, administrativas e, também, da esfera controladora, sobreleva ainda mais intensamente a necessidade de emprego induvidoso e não vacilante de termos de concreção mais facilmente alcançável, evitando-se a utilização de termos cujo conteúdo seja indeterminado, optando-se pela utilização técnica mais amplamente aceita da linguagem.
Sensivelmente anunciado este anseio por intermédio da edição da Lei n. 13.655/2018, a qual imprimiu giro copernicano ao Decreto-Lei n. 4.657/42, especificamente na leitura do art. 23 e art. 24, cuja redação se transcreve:
Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.
Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.
Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público. (destaques não constantes do original)
Portanto, a despeito do paradigma hermenêutico que veicula a compreensão segundo a qual o conteúdo normativo não se confunde com texto normativo – legislativo, administrativo ou regulamentar, é, decerto, o texto normativo o ponto proemial para atividade exegética. Por isto, deve franquear ao intérprete subsídio suficiente à captação adequada da intenção consubstanciada no texto a fim de que não se divorcie das pretensões tutelares inseridas no texto normativo.
Atenta a estas observações, a Lei Complementar n. 95/98 prescreve que “o âmbito de aplicação da lei será estabelecido de forma tão específica quanto o possibilite o conhecimento técnico ou científico da área respectiva”, consoante art. 7º, III.
Ademais, especificamente o art. 11 da multicitada lei enuncia prescrições de observância obrigatória pelos redatores com o fito de garantir a univocidade e clareza que devem imprimir ao texto legal mediante denodado e sóbrio emprego do vernáculo. Neste sentido:
Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas:
I - para a obtenção de clareza:
a) usar as palavras e as expressões em seu sentido comum, salvo quando a norma versar sobre assunto técnico, hipótese em que se empregará a nomenclatura própria da área em que se esteja legislando;
b) usar frases curtas e concisas;
c) construir as orações na ordem direta, evitando preciosismo, neologismo e adjetivações dispensáveis;
d) buscar a uniformidade do tempo verbal em todo o texto das normas legais, dando preferência ao tempo presente ou ao futuro simples do presente;
e) usar os recursos de pontuação de forma judiciosa, evitando os abusos de caráter estilístico;
II - para a obtenção de precisão:
a) articular a linguagem, técnica ou comum, de modo a ensejar perfeita compreensão do objetivo da lei e a permitir que seu texto evidencie com clareza o conteúdo e o alcance que o legislador pretende dar à norma;
b) expressar a ideia, quando repetida no texto, por meio das mesmas palavras, evitando o emprego de sinonímia com propósito meramente estilístico;
c) evitar o emprego de expressão ou palavra que confira duplo sentido ao texto;
d) escolher termos que tenham o mesmo sentido e significado na maior parte do território nacional, evitando o uso de expressões locais ou regionais;
e) usar apenas siglas consagradas pelo uso, observado o princípio de que a primeira referência no texto seja acompanhada de explicitação de seu significado;
f) grafar por extenso quaisquer referências a números e percentuais, exceto data, número de lei e nos casos em que houver prejuízo para a compreensão do texto;
g) indicar, expressamente o dispositivo objeto de remissão, em vez de usar as expressões ‘anterior’, ‘seguinte’ ou equivalentes;
III - para a obtenção de ordem lógica:
a) reunir sob as categorias de agregação - subseção, seção, capítulo, título e livro - apenas as disposições relacionadas com o objeto da lei;
b) restringir o conteúdo de cada artigo da lei a um único assunto ou princípio;
c) expressar por meio dos parágrafos os aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida;
d) promover as discriminações e enumerações por meio dos incisos, alíneas e itens. (negritos não constantes do original)
Da leitura do dispositivo retro transcrito é possível extrair valiosas lições quanto à obtenção da clareza, precisão e observância à ordem lógica.
Especificamente no que toca à garantia de precisão, imprescindível à necessária delimitação do âmbito de incidência do conteúdo normativo, indica-se ao exegeta balizas seguras à segregação de situações parcialmente símiles, resguardando-se suas disparidades.
Na discussão sob desate, conforme enunciado em linhas prefaciais deste capítulo, na redação do vigorante art. 545 do Código de Processo Civil proposta pela Comissão Especial no âmbito da Casa Iniciadora, o Senado Federal inserira a expressão “independentemente de sua origem” na redação do caput, veiculando a expressa possibilidade de o procedimento da coerção pessoal ser eleito pelo credor de alimentos.
Pois bem.
A expressão “independentemente de sua origem” é replicada no texto processual civil da Lei n. 13.105/15 em algumas outras disposições, emprestando maior amplitude às previsões sob sua égide.
Ilustrativa a consignação no festejado § 2º do art. 833 do Código de Processo Civil. O citado dispositivo enumera, à luz da teoria do patrimônio mínimo, hipóteses de impenhorabilidade, garantindo-se que a efetividade da prestação jurisdicional executiva não será alcançada ao arrepio do fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana.
Em cotejo com estes dois valores de considerável relevância no ordenamento jurídico pátrio – acesso à efetiva jurisdição e a garantia de existência digna, o § 2º do art. 833 aponta exceções à regra estabelecida no caput – impenhorabilidade – quanto às hipóteses dos incisos IV e X, transcritos a seguir:
Art. 833. São impenhoráveis:
I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;
II - os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;
III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;
IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;
V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado;
VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;
VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;
IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;
X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;
XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;
XII - os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra.
§ 1º A impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição.
§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º , e no art. 529, § 3º .
(....)
(destaques não constantes do original)
É evidente que o temperamento à estática regra inscrita no caput atende à forma prescrita no art. 11, III, “c”, da Lei Complementar n. 95/98, que dispõe que os parágrafos servem à expressão dos “aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida”.
No que toca especificamente à expressão “independentemente de sua origem”, há pacifismo quanto ao seu emprego no sentido de albergar em seu âmbito as espécies alimentares indicadas nos arts. 528 a 533 do Código de Processo Civil. Houve expressa sinalização pelo legislador no sentido da máxima amplitude ao dispositivo.
Lastreada nesta previsão textual, a jurisprudência caminha no sentido da delimitação do conteúdo deste parágrafo de forma o mais ampla possível a fim de albergar, como pretendeu o legislador ordinário, todas os créditos de natureza alimentar.
Neste sentido, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, capitaneada pela Ministra Nancy Andrighi, à unanimidade, afetou o REsp n. 1.815.055/SP[7] (Tema 1153) à Corte Especial a fim de que se possibilite a uniformização da compreensão que se emprestará ao § 2º do art. 833 do Código de Processo Civil quanto à execução de verbas honorárias, de induvidosa natureza salarial.
Identicamente, também com esteio na exceção inscrita no § 2º do art. 833, a Corte Superior Trabalhista[8] carreia itinerante jurisprudência no sentido da aplicabilidade da referida disposição quanto à satisfação de verbas salariais trabalhistas, as quais também gozam de natureza alimentícia.
Noutra ilustrativa passagem, o Código de Processo Civil emprega a expressão “independentemente de sua origem” para autorizar à autoridade judiciária a dispensa da caução no tocante ao cumprimento de título provisório que constitua crédito alimentar, na intelecção do art. 521, I. Não há qualquer especificação quanto à natureza alimentar do crédito; ao revés, o dispositivo sob comento atrai para seu campo de incidência quaisquer títulos dotados de exigibilidade provisória que tenham constituído crédito de natureza alimentar.
Nestas duas passagens codificadas sobre as quais recaíram as observações deste parágrafo, houve expressa consignação quanto ao empréstimo de maior amplitude ao texto legal a fim de albergar todas as prestações de natureza alimentar, independentemente de sua causa originária.
Expressou-se o legislador ordinário em conformidade à prescrição do art. 11, II, “b” da Lei Complementar n. 95/98, porquanto tenha empregado idêntica expressão linguística “independentemente de sua origem” para ilustrar a mesma ideia “evitando o emprego de sinonímia com propósito meramente estilístico”, em homenagem à precisão que deve orientar a confecção textual normativa.
3 CONCLUSÃO
Possível concluir, a partir das sucintas considerações, que a investigação do processo legislativo, partindo do nascedouro da propositura legislativa e alcançando a aposição de sanção presidencial, serve como mecanismo integrador de significado ao texto legal com vistas à confecção da norma jurídica o mais espelhada possível à vontade legislativa que se pretendeu imprimir.
Mormente no âmbito do Poder Legislativo da União, integrado por duas Casas Legislativas de composições plurais, a complexidade da tramitação implica mais denodada atenção quanto à captação dos ânimos envolvidos na edição do texto a fim de que não haja divórcio entre o texto legal e a norma jurídica deduzida para a casuística posta sob o crivo do Poder Judiciário e da Administração Pública.
Na hipótese sob desate, houve desvirtuamento entre a pretensão de regulação emprestada pela Comissão de Juristas à amplitude de aplicabilidade do rito da prisão civil quando da apreciação originária pelo Senado Federal. Logo após, mediante emenda supressiva, a Câmara dos Deputados restaurou a compreensão da Comissão de Juristas após a exclusão da expressão “independentemente de sua origem” do promulgado art. 545 do Código de Processo Civil, devolvendo ao texto tramitante a concepção originária.
Por derradeiro, quando da apreciação do Substitutivo, o Senado Federal compreendeu no sentido da manutenção da supressa levada a efeito pela Câmara dos Deputados, consignando no parecer final, expressamente, que a concepção jurisdicional e doutrinária vigorantes no âmbito doméstico seriam mantidas, interditando-se o rito da prisão civil quanto à exigibilidade de créditos alimentares indenizatórios.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 fev. 1998. disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LCP/Lcp95.htm. Acesso em 04 novembro de 2023.
_________. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 março 2015. disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 04 novembro de 2023.
[1] Ato n. 379/2009 lavrado pelo então Presidente do Senado Federal, José Sarney de Araújo Costa. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/496296. Acesso em: 04 de novembro de 2023.
[2] Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona.
[3] Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490267. Acesso em 04 de novembro de 2023.
[4] Apresentadas 186 emendas parlamentares ao Substitutivo da Câmara dos Deputados, nenhuma versou acerca da supressão da expressão “independentemente de sua origem”. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/97249. Acesso em 04 de novembro de 2023.
[5] Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=4202793&ts=1567531221351&disposition=inline. Acesso em 04 de novembro de 2023.
[6] Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=4202793&ts=1567531221351&disposition=inline. Acesso em 04 de novembro de 2023, p. 145-6.
[7] Julgado em 10 de setembro de 2019, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, afetação em 06 de maio de 2022.
[8] (...) A Corte a quo entendeu que “os salários são absolutamente impenhoráveis, conforme consta no caput do artigo 833 do CPC, o que, por si só, afasta qualquer ordem de constrição, ainda que parcial”. Destacou que “a exceção prevista no § 2º do art. 833 do CPC não se aplica à hipótese dos autos, uma vez que não há que se confundir o pagamento de prestação alimentícia stricto sensu, estabelecida no referido dispositivo legal, com crédito decorrente de ação trabalhista”. Com efeito, o artigo 833, inciso IV, do CPC/2015 prevê que são absolutamente impenhoráveis os salários e remunerações. Ocorre que o § 2º do mesmo dispositivo de lei estabelece que “o disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como relativamente às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 7º, e no art. 529, § 3º”. Desse modo, à luz da nova ordem processual, a impenhorabilidade dos vencimentos não se aplica aos casos em que a constrição seja para fins de pagamento de prestação alimentícia “independente de sua origem”. Consoante o entendimento do TST, as verbas de natureza salarial devidas ao empregado estão abarcadas nessa exceção, ao contrário do que entendeu o Regional. Nesse contexto, o Tribunal Pleno dessa Corte superior decidiu alterar a redação da Orientação Jurisprudencial nº 153 da SBDI-2 a fim de esclarecer que o entendimento ali preconizado se aplica apenas às penhoras realizadas sobre salários quando ainda em vigor o CPC de 1973, o que não é o caso dos autos. Na hipótese, impõe-se a observância do novo Código de Processo Civil, razão pela qual inaplicável a Orientação Jurisprudencial nº 153 da SBDI-3 do TST. Revela-se, portanto, viável a pretensão do exequente de penhora sobre salários e proventos do executado, desde que observado o limite previsto no artigo 529, § 3º, do CPC/2015. (...) (TST – RR: 10019093220165020612, Relator: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 10/04/2019, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 16/04/2019).
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe; Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Escola Judicial do Tribunal de Justiça de Sergipe. Servidor Público do Tribunal de Justiça de Sergipe.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, ITALO MENEZES DA. O processo legislativo respeitante à edição do art. 531, caput, do Código de Processo Civil, a regência da Lei Complementar n. 95/1998 e a inaplicabilidade do rito da coerção pessoal aos alimentos de natureza indenizatória Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 nov 2023, 04:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/63780/o-processo-legislativo-respeitante-edio-do-art-531-caput-do-cdigo-de-processo-civil-a-regncia-da-lei-complementar-n-95-1998-e-a-inaplicabilidade-do-rito-da-coero-pessoal-aos-alimentos-de-natureza-indenizatria. Acesso em: 23 dez 2024.
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