RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo analisar o instrumento da auditoria ambiental de forma ampla, ponderando acerca de seu surgimento e implantação no sistema brasileiro. Além disso, visa discorrer sobre suas modalidades com enfoque nas regras procedimentais que possibilitam sua aplicação e produção efeitos na esfera de proteção e conservação do meio ambiente, com vistas à concretização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
PALAVRAS-CHAVE: Auditoria. Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Proteção ambiental.
ABSTRACT: The present work aims to analyze the environmental audit instrument in a broad way, considering its emergence and implementation in the Brazilian system. Furthermore, it aims to discuss its modalities with a focus on the procedural rules that enable its application and production of effects in the sphere of environmental protection and conservation, with a view to realizing the right to an ecologically balanced environment.
KEYWORDS: Audit. Right to an ecologically balanced environment. Environmental protection.
1. INTRODUÇÃO
A auditoria ambiental é um importante instrumento de gestão ambiental que ocupa grande espaço no contexto atual. Este destaque pode ser atribuído à preocupação e importância que a proteção ao meio ambiente vem ganhando nos últimos anos, sobretudo com o advento da Constituição Federal de 1988, que instituiu o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental.
Além disso, há uma necessidade de solucionar os riscos e problemas ambientais causados por parte das empresas, que frequentemente apresentam desvios no cumprimento das normas padronizadas.
Tal fato fez surgir a necessidade de maior fiscalização e adoção de parâmetros que se destinem a corrigir tais erros e com isso melhorar o desempenho ambiental, e a auditoria ambiental se presta justamente a realizar esse objetivo.
2. DESENVOLVIMENTO
A Constituição Federal de 1988 atribuiu demasiada importância ao meio ambiente. De acordo com o art. 225, “caput”, da Magna Carta, “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.”
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado atingiu a qualidade de direito fundamental de terceira dimensão, de modo que foi estatuído que todos têm o dever de colaborar com a sua proteção.
Nessa perspectiva, existem inúmeras normas constitucionais e infraconstitucionais que determinam uma série de instrumentos para concretizaram desse direito.
Um dos instrumentos de proteção ambiental é a auditoria ambiental. Como mecanismo autônomo, surgiu por volta de 1970 nos Estados Unidos, constituindo-se como imposição das agências regulamentadoras após a ocorrência de alguns acidentes ambientais graves. Assim, ela tinha o principal propósito de verificar o cumprimento da legislação ambiental por parte das empresas.
Inicialmente, era considerada por estas como um meio de gerenciamento através do qual seria possível diagnosticar de forma antecipada os eventuais problemas causados por suas atividades, prestando-se ainda a minimizar custos com planejamento, correções e reinvindicações.
Posteriormente começou a ser usada na Europa pelas filiais de empresas norte-americanas, onde a primeira auditoria foi documentada no ano de 1985 na Holanda. Por conseguinte, a prática foi se disseminando até outros países da Europa também por influência dos americanos.
No Brasil, também pela mesma ingerência, foram surgindo as primeiras auditorias na década de 90, que tiveram como base a legislação de alguns estados e municípios.
A auditoria ambiental pode ser entendida como um mecanismo de variados propósitos, destinada a análise e conferência de fatos realizados no âmbito das empresas, visando identificar e documentar suas práticas positivas e negativas em relação ao meio ambiente, focando principalmente nos impactos ambientais.
A doutrina, bem como os regulamentos que tratam do tema, apresenta variados conceitos para a auditoria ambiental, inclusive, Frederico Amado em sua obra Direito Ambiental Esquematizado a conceitua como "um processo de avaliação do sistema de gestão ambiental de uma empresa, podendo tomar como parâmetro a legislação ambiental, normas convencionais ou mesmo a política interna ambiental instituída pela respectiva pessoa jurídica.”
Já a Norma NBR ISO 14.010 - que trata dos princípios gerais de auditoria ambiental define Auditoria Ambiental como sendo:
"processo sistemático e documentado de verificação, executado para obter e avaliar, de forma objetiva, evidências de auditoria para determinar se as atividades, eventos, sistemas de gestão e condições ambientais específicos ou as informações relacionadas a estes estão em conformidade com os critérios de auditoria e para comunicar os resultados deste processo ao cliente".
Ademais, devido as suas peculiaridades, não é possível estabelecer um conceito único e imutável, já que variam de acordo com as técnicas e metodologias adotadas em razão empresa auditada. Em razão de suas peculiaridades, cada setor econômico e cada empresa elege os critérios e os objetivos que devem ser atingidos com a auditoria.
Todavia, embora não haja uma definição única de auditoria ambiental é possível estabelecer uma classificação das suas principais aplicações:
a) auditoria privada utilizada como mecanismo de uso interno das empresas; chamadas de auditorias internas (sistema de gestão ambiental).
b) auditoria privada utilizada como instrumento de uso externo por terceiros interessados no desempenho ou nas condições ambientais das empresas e propriedades, tais como: investidores, compradores, instituições financeiras ou de seguros e a comunidade afetada por determinado empreendimento ou atividade. Chamadas auditorias externas, são realizadas, necessariamente, por auditores independentes externos à organização, com resultados avaliados por terceiros, como organização de certificação (sistema de gestão ambiental).
c) auditoria pública utilizada como via de ações de controle pelo poder público. Realizada pelas empresas, porém são conduzidas e determinadas por órgãos públicos.
Ainda, o setor privado faz uso de sete tipos de auditoria ambiental:
1. Auditoria de Conformidade Legal (Compulsória): avalia a adequação da empresa às normas ambientais aplicáveis a sua área de atuação.
2. Auditoria de Avaliação de Desempenho: tem como objetivo avaliar a empresa com base em indicadores ambientais;
3. Auditoria de Descomissionamento: busca a apuração de riscos para a população ou o meio ambiente após o fechamento de algum tipo de indústria;
4. Auditoria de Responsabilidade: investiga a existência de passivos ambientais que podem interferir em um processo de compra e venda de alguma organização;
5. Auditoria de Cadeia Produtiva: feita a em toda a cadeia produtiva de um determinado produto incluindo os serviços relacionados;
6. Auditoria Pós-acidente: Verifica as causas, responsáveis e a possibilidade de recorrência de acidentes ambientais;
7. Auditoria de Sistema de Gestão: objetivam adequar, certificar ou verificar o atendimento da empresa aos requisitos de determinado sistema de gestão ambiental.
Apesar da importância que as auditorias possuem, a legislação pátria ainda é tímida em relação à matéria, inexistindo lei federal que obrigue genericamente as empresas a promoverem periodicamente. O que existe de fato é uma Resolução 306/2002 editada pelo CONAMA, que regula as auditorias no âmbito das indústrias petrolíferas, de gás natural e seus derivados, que vem servindo de parâmetro para as demais ante a lacuna normativa nacional.
Ainda merece ser mencionada a Portaria nº 319/2003 do Ministério do Meio Ambiente, que dispõe acerca dos requisitos relacionados aos auditores responsáveis pela execução desta atividade.
Entretanto, a Constituição Federal estabelece em seu art. 24, VI a competência legislativa concorrente acerca da proteção ao meio ambiente, assim, como inexiste a referida lei geral, os Estados e Distrito Federal possuem a competência legislativa plena regular a matéria, e assim o fez alguns estados, tais como o Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo.
Assim, de forma geral a normatização das auditorias no Brasil prevista na Resolução nº 306/2002 do CONAMA traz a previsão da realização de auditorias obedecendo à periodicidade de dois ou três anos, que sejam realizadas por auditores externos e preveem que os resultados sejam disponibilizados ao público.
A resolução também estabelece os elementos que devem estar contidos no Plano de auditoria, quais sejam:
a) Escopo: descrição da extensão e dos limites de localização física e de atividades da empresa
b) Preparação: analise e definição dos documentos; previa da instalação auditada; formação da equipe de auditores e suas atribuições; definição da programação e planos de trabalho para execução da auditoria.
c) Execução: inspeções e vistorias nas escalações; consulta previa aos órgãos ambientais competentes a fim de verificar o histórico de incidentes ambientais, inclusive seus desdobramentos jurídicos-administrativos, e dos cadastros ambientais e elaboração de relatório final; entrevistas com os gerentes e os responsáveis pelas atividades e funções das instalações; analise de informações e documentos, dentre outras execuções adotadas
Com isso ao final da fase de execução, a equipe de auditoria deverá elaborar relatório, devendo conter:
a) A adequação, se existente, da Política Ambiental e do Sistema de Gestão Ambiental da empresa ou atividade;
b) A adequação do Programa de Treinamento e Capacitação Técnica dos responsáveis pela operação e manutenção dos sistemas, rotinas, instalações e equipamentos de proteção ao meio ambiente;
c) O grau de conscientização dos trabalhadores e pessoas envolvidas em relação aos impactos ambientais gerados pela empresa ou atividade;
d) O atendimento ao que dispõe as legislações federais, estaduais e municipais de proteção ao meio ambiente, a ela aplicada;
e) O tipo e a validade da licença ambiental existente e o cumprimento das restrições e exigências nela contida;
f) Os impactos positivos e negativos que a atividade da empresa auditada está causando em seu interior e em sua área de influência, contemplando tipo de impacto, localização, causas, consequências e padrões violados;
g) A existência e funcionalidade do plano de Gerenciamento de Riscos, incluindo os Planos de Contingência para evacuação e proteção dos trabalhos e das pessoas envolvidas com a atividade e para a população situada na sua área de influência, conforme avaliação;
h) Os danos qualitativos e quantitativos obtidos através do monitoramento das emissões de contaminantes e produção de resíduos, bem como, os fluxogramas e "layout" localizando as irregularidades encontradas;
i) As condições de operação e de manutenção das unidades ou equipamentos de controle da poluição e de prevenção de acidentes;
j) As condições de manipulação, estocagem e transporte de matérias-primas e produtos potencialmente poluidores;
k) A redução, reuso, reciclagem, tratamento, transporte e disposição adequada de resíduos.
O Relatório de Auditoria Ambiental (RAA) contemplará ainda as propostas de otimização dos planos, programas e sistemas de gestão ambiental para a garantia da qualidade ambiental do empreendimento e o meio sobre o qual influencia.
A diretriz em comento destaca ainda que o plano de ação a ser discutido e aprovado com a administração do empreendimento conterá:
a) Ações corretivas e preventivas a serem implantadas vinculadas aos impactos e irregularidades identificadas na Auditoria Ambiental;
b) Cronograma físico de execução de medidas de controle e recuperação;
c) Definição de responsabilidades internas na implementação das ações propostas;
d) Alterações nos Planos, Programas e no Sistema de Gestão Ambiental, quando existente, avaliados na Auditoria Ambiental;
e) Informações quanto ao cumprimento das medidas sugeridas nas Auditorias Ambientais anteriores, se existentes.
Por último, a diretriz traz o elenco das empresas que estão obrigadas a realizarem as auditorias ambientais, obedecendo a periodicidade de um ano, bem como proíbe que essas auditorias sejam realizadas por profissionais internos e autoriza os órgãos ambientais a determinar a realização por intermédio de auditores independentes, sempre que julgar necessário. Prevê ainda que os auditores podem ser penalizados por omissão ou sonegação de informações, cuja pena culminará com o descredenciamento pelo período de dois anos.
3. CONCLUSÃO
Ante o exposto, conclui-se que a auditoria tem como finalidade mediata e primordial a proteção ao meio ambiente, objetivo este que ainda se mantem nos seus propósitos. Apesar de ter ganhado novas tendências, ela continua sendo um bom instrumento para melhorias da gestão ambiental, promovida por ações do Poder Público junto com as empresas.
Todavia, mesmo diante de tal valia, percebe-se que esfera normativa brasileira ainda é tímida com relação ao assunto. Assim, é clara a necessidade de uma maior discussão por parte do legislativo a fim de que esse instituto, que já desempenha um papel tão importante, estenda seu leque de atuação, prestando-se cada vez de forma mais eficaz à proteção ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado previsto na Constituição Federal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMADO, Frederico. Direito Ambiental Esquematizado. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 14010: diretrizes para a auditoria ambiental - princípios gerais. Rio de Janeiro: ABNT, 1996.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, 1988 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 30 out. 2023.
______. Resolução do CONAMA. Conselho Nacional do Meio Ambiente n. 306, de 05/07/2012. Brasília: Senado Federal, 2002.
MACHADO, Paulo A. Leme. Direito ambiental brasileiro. 23.ed. São Paulo. Malheiros, 2015.
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
Bacharela em Direito. Assessora de Magistrado do Tribunal de Justiça de Pernambuco .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTANA, KAROLYNE COLINO. Auditoria ambiental como instrumento do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 nov 2023, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/63781/auditoria-ambiental-como-instrumento-do-direito-ao-meio-ambiente-ecologicamente-equilibrado. Acesso em: 23 dez 2024.
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