RESUMO: Adotar é um ato de amor, estando esse presente na humanidade desde as primeiras civilizações possuindo como objetivo perpetuar o legado da família. Para que uma adoção seja materializada, faz-se necessário que os pretendentes a adotantes perpassem por um burocrático processo, esse que é regulamentado pela Lei n° 8.069 de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente. Em que pese o trâmite seja para ofertar maior segurança às crianças institucionalizadas, bem como conferir igualdade de oportunidades aos adotantes, corriqueiramente esse é burlado pelo fenômeno social da adoção à brasileira, sendo essa uma forma encontrada de adotar sem que seja necessário adentrar ao Judiciário, ocorre que a adoção à brasileira é crime, conforme artigo 242 do Código Penal. Nesse ínterim, o presente artigo possui como objetivo realizar uma análise da adoção à brasileira a lume dos princípios do melhor interesse da criança e do adolescente e afetividade, confrontando a preservação da criança e do adolescente sobre a necessidade do Estado em conferir penalização dos incorrentes, assim como também institucionalização da criança e/ou adolescente. Como metodologia foi pesquisa exploratória, utilizando-se do método qualitativo e dedutivo para a análise de arcabouço teórico coletado por pesquisa bibliográfica. Como resultado foi possível inferir que a jurisprudência majoritária adota o posicionamento da prevalência do melhor interesse da criança e da afetividade, deixando de auferir penalidade aos sujeitos infratores, assim como também de destinar a criança a institucionalização, visto que isso iria conferir manifesto prejuízo a essa.
PALAVRAS-CHAVE: Adoção à brasileira. Afeto. Melhor interesse da criança e do adolescente.
ABSTRACT: Adopting is an act of love, which has been present in humanity since the first civilizations, with the aim of perpetuating the family legacy. In order for an adoption to materialize, it is necessary for prospective adopters to go through a bureaucratic process, which is regulated by Law No. 8069 of 1990 and the Statute of Children and Adolescents. Despite the fact that the procedure is to offer greater security to institutionalized children, as well as to provide equal opportunities to adopters, this is routinely circumvented by the social phenomenon of Brazilian adoption, which is a way to adopt without having to go to the Judiciary, it turns out that Brazilian adoption is a crime, according to article 242 of the Penal Code. In the meantime, this article aims to carry out an analysis of adoption in the Brazilian way in light of the principles of the best interest of the minor and affectivity, confronting the preservation of the minor with the need for the State to penalize the offenders, as well as the institutionalization of the child. and/or teenager. As a methodology, it was exploratory research, using the qualitative and deductive method for the analysis of the theoretical framework collected by bibliographical research. As a result, it was possible to infer that the majority jurisprudence adopts the positioning of the prevalence of the best interest of the minor and of affectivity, no longer incurring a penalty to the violating subjects, as well as destine the child to institutionalization, since this would confer manifest damage to this.
KEYWORDS: Brazilian adoption. Affection. Best interest of the minor.
Sumário: 1. Introdução; 2. Aspectos introdutórios sobre a adoção; 3. O direito da criança e do adolescente; 4. Adoção à brasileira: crime ou ato de amor?; 4.1. Conceituação; 4.2. Jurisprudência; 5. Considerações Finais.
1 INTRODUÇÃO
A perpetuação da espécie é possibilitada através da procriação, contudo, nem todos os animais são dotados de tal possibilidade, podendo ser inférteis por condições individuais de seu corpo. Não obstante a essa impossibilidade, muitos são os estudos que caracterização o conceber descendentes como um movimento natural e inerente à vida, entretanto, em hipótese do animal em questão ser o humano, ora esse senciente e consciente, verifica-se que o ter filhos também é um desejo afetivo.
Ao verificar a etimologia da palavra adoção, tem-se que essa é advinda do latim “de adoptio”, a qual significa tomar alguém como filho. Nesses termos, têm-se que a adoção é um instituto solene presente no cotidiano da humanidade desde as primeiras civilizações, possuindo como objetivo proclamar laço familiar através de registro civil independente do adotante e adotado possuírem relação de parentesco.
O inserir outrem que não consagruíneo no laço familiar é um ato de amor, visto que promove a aproximação entre membros naturais e um novo membro diverso para a construção de vinculação sócio-afetiva. Entretanto, apesar de bastante poético o seu conceito, frisa-se que para que o fim da adoção seja atingido em território pátrio, faz-se necessário que os pretendentes a adotantes perpassem por um processo demasiadamente burocrático, uma vez que esse detém como ímpeto comprovar se esses são aptos a ser uma família para uma criança em situação institucional.
Para que a adoção nacional seja lograda é necessária bastante paciência, pois são variadas fases que compõem a qualificação de futuros pais, bem como períodos de adaptação entre a criança e a família até que seja dada sentença com corolário registro civil. A imposição de rígidos trâmites é justificada na intenção de atestar que os pretendentes a adotantes estão aptos a criar uma criança que se encontra em situação vulnerável, coibindo que essas sejam destinadas a pessoas que queiram se aproveitar sexualmente ou monetariamente, a exemplo do tráfico de órgãos e de menores.
Nesse ínterim, em que pese sejam empregadas diversas burocracias para que se efetive a adoção, extrai-se da fática nacional a ocorrência do fenômeno chamado de “adoção à brasileira”, a qual perfaz uma transgressão do ordenamento jurídico que é o ato de registrar filho de outrem como se seu biológico fosse. Essa tática é comumente utilizada para que seja burlado o sistema árduo de adoção, todavia, configura crime de acordo com o artigo 242 do Código Penal.
A adoção à brasileira é demasiadamente polêmica, devendo-se ser analisada de forma individualizada, visto que invoca o conflito de licitude com a primazia do princípio do melhor interesse da criança, ora esse viga de sustentação do direito da criança e do adolescente.
Destarte, o presente artigo possui como objetivo realizar uma análise da adoção à brasileira a lume dos princípios do melhor interesse da criança e afetividade, confrontando a preservação da criança sobre a necessidade do Estado em conferir penalização dos incorrentes, assim como também institucionalização da criança e/ou adolescente.
Para que o objetivo geral seja logrado, foram instituídos objetivos específicos, os quais são: a) caracterizar o processo de adoção no Brasil; b) dispor acerca dos princípios que revestem a adoção no Brasil; e c) dissertar acerca do crime de adoção à brasileira e confrontar a teoria com a prática dos tribunais brasileiros.
O artigo é caracterizado pela pesquisa exploratória, utilizando-se do método qualitativo, para caracterizar os aspectos gerais da adoção do Brasil. Ademais, foi-se também aplicado o método dedutivo através da análise de jurisprudências concernentes a adoção à buscando evidências da corrente que é seguida pelos Tribunais: punição ou perdão judicial?. No que tange a coleta de arcabouço basilar teórico, esse foi engendrado a partir da pesquisa bibliográfica e documental, utilizando-se de doutrina, jurisprudências, artigos de conclusão de curso e revistas acadêmicas.
2 ASPECTOS INTRODUTÓRIOS SOBRE A ADOÇÃO
Não apenas um ato de amor, a adoção também é um ato de coragem, visto que se é necessário para alcançar o fim, ora de ter um filho, perpassar por um processo demasiadamente burocrático.
Muitos são os motivos para se adotar e, entre esses, a esterilidade de um dos componentes do casal, a impossibilidade de gerar em razão do gênero biológico, a ausência de vontade de gerar vida no próprio corpo, ajudar crianças em situação de orfanato e, principalmente, todos esses resumidos a autonomia de vontade de crescer o laço familiar independente dos obstáculos. Assim, de acordo com Madaleno (2021), a adoção perfaz uma imitação da natureza, pois estabelece através do meio jurídico um laço de pai/mãe com filho que não foi concebido pelo casal e/ou pai/mãe solo.
A adoção na contemporaneidade é uma via dupla, pois não apenas serve para satisfazer o desejo do adulto de ser pai/mãe, mas também de contemplar a criança com um local sadio para o seu crescimento e desenvolvimento como cidadão.
A família é o berço da sociedade, sendo esse o primeiro grupo em que o indivíduo é interposto quando nasce com vida. Por ser o seu primeiro núcleo, ele é responsável por ensinamentos basilares, condutas morais, éticas e de educação para a convivência em grupo quando. Ademais, a família também é responsável por prover os subsídios necessários para a manutenção da vida, assim como também proteger a criança de todos os perigos que a sociedade oferece, principalmente a violência.
Para que uma criança e/ou um adolescente seja cadastrado para adoção, faz-se necessário que todas as vias de o interligar com o seu núcleo biológico sejam esgotadas. Nesses termos, apenas crianças que não mais possam ser inseridas no bojo da família natural são colocadas sob a possibilidade de ser colocada sob nova guarda.
O artigo 227, §5°, da Constituição Federal de 1988 dispõe que a adoção deverá ser assistida, em todas as suas fases, pelo Poder Público, sendo esse competente de estabelecer quais as condições para a sua materialização. Desse modo, para que a adoção seja oportunizada, deve-se seguir as premissas da redação da Lei n° 12.010/2009 em comunhão com o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Assim, reúne-se os seguintes requisitos para que a adoção seja, de fato, efetivada conforme prospera o Estatuto da Criança e do Adolescente:
1- Idade mínima de 18 anos do adotante (art. 42, caput);
2- Diferença de idade de, no mínimo, dezesseis anos entre o adotante e o adotado (art. 42, §3º);
3- Consentimento dos pais ou representantes legais de quem se deseja adotar;
4- Concordância do adotado quando tiver idade igual ou superior a 12 anos (art. 28, §2º);
5- Processo judicial (art. 47, caput); e
6- Efetivo benefício para o adotando, fundado no Princípio do Superior ou Melhor Interesse para a Criança ou Adolescente (art. 43).
Os requisitos dispostos não são facultativos, mas sim devem ser preenchidos de forma cumulativa.
A primeira etapa do processo de adoção é a manifestação de vontade dos adotantes, sendo essa atestada em Varas da Infância e Juventude da comarca em que se reside. Assim, os adotantes passarão por um processo de entrevistas com psicológicos e assistentes sociais, esses que irão emitir relatórios acerca da aptidão dos prováveis pais para a criação e proteção de uma criança. Em hipótese de satisfação da primeira fase, significa que atenderam os requisitos impostos pelos artigos 29 e 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente, podendo seguir para o curso preparatório de adoção.
O curso preparatório para a adoção será novamente de testagem, sendo durante todas as aulas prestadas avaliações que comporão laudos análogos a provas para o processo judicial. De acordo com os laudos, poderá o juiz deferir ou não a pretensão da adoção, sendo fundamentada a decisão a aptidão e adaptação dos adotantes aos critérios testados (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2019). Em caso de deferimento, os pretendentes a adotantes são inseridos no Sistema de Cadastro Nacional de Adoção, no qual irá descrever o perfil da criança que deseja adotar.
O Sistema de Cadastro Nacional de Adoção obedece a ordem cronológica de cadastro de adotantes e, com isso, são identificadas crianças com o perfil de interesse para aqueles que estão a mais tempo na fila. Em caso de encontro do perfil ideal, a Vara da Infância e da Adolescência ou Fórum irá informar e, se houver interesse, é promovido um encontro entre as partes.
Superada a fase preliminar de encontro, em hipótese de tanto os adotantes quanto os adotados gostarem da interação, iniciará o estágio de convivência, esse que será de, no máximo, 90 (noventa) dias, podendo ser prorrogado por igual prazo.
O processo de convivência é acompanhado por profissionais integrantes da equipe técnica do Poder Judiciário, sendo esses responsáveis por visitas periódicas e entrevistas surpresa, para que seja atestado que a criança está em um local sadio e prospero ao seu desenvolvimento. Assim, a equipe a cada visita irá emitir laudos que irão compor provas para a decretar a sentença final de adoção.
Ultrapassado o período de convivência, o juiz irá proferir sentença na qual irá deferir ou não a adoção, sendo no caso positivo lavrado novo registro civil para a criança. Importa frisar que o Estado se preocupa com a preservação dos poderes da família biológica e, por isso, reserva todos os dados acerca dos pais biológicos, direitos e deveres do filho legitimo para que, em caso de interesse, esses sejam reivindicados (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2019).
O trâmite até a materialização final da adoção é burocratizado e moroso, sendo esse fundamentado em atestar que o lar adotivo será, de fato, um ambiente harmônico e saudável para a criança.
3 O DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
A criança e o adolescente é um ser vulnerável e, como tal, recebe proteção integral do Estado para garantir o seu bem-estar livre de nocividade ao seu desenvolvimento sadio. Com isso, para melhor dispor acerca dos direitos específicos a esses sujeitos, o Estado legislou o Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo esse responsável por dirimir mais acertadamente acerca de temáticas que detenham criança como parte.
Em que pese haja o Estatuto da Criança e do Adolescente, esse não é o único instrumento utilizado para decidir litígios em que a criança é parte, devendo ser salientada a suma importância dos princípios para esse ramo do direito em específico que é a adoção.
De acordo com Mello (2009), o princípio pode ser caracterizado como um mandamento nuclear de um sistema que se dispõe de forma fundamental para irradiar sobre diversas normas os critérios de efetuação da compreensão do sistema normativo, a fim de lhe promover o sentido harmônico de interpretação frente ao caso concreto.
Com isso, têm-se que os princípios são, em tese, norteadores que irão suprir lacunas jurídicas existentes e irão equilibrar a letra de lei, o caso concreto, contexto fático e o tempo em que o litígio está inserido. Desse modo, pode-se concluir que os princípios são interpostos no cotidiano jurídico com função auxiliar da norma expressa, possuindo sua aplicabilidade certa, apesar da ausência de expressão em redação.
A adoção é regida por imprescindíveis princípios, sendo eles: Afetividade, Dignidade Humana e Melhor Interesse da Criança e do Adolescente. Dessa forma, considerando a ampla importância de tais princípios para a temática, o presente capítulo irá caracterizar cada um destes, dissertando qual a sua contribuição para o instituto da adoção.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1°, traz que o Brasil é constituído em um Estado Democrático de Direito, sendo esse fundamentado em princípios basilares, com isso, em seu inciso III, há a aparição do termo Dignidade da Pessoa Humana.
Decerto é que se observar a teoria dos princípios de Robert Alexy (2003) e Ronald Dworkin (2002), há a prevalência comum de que os princípios não possuem hierarquia, estando todos em igual patamar de importância. Em que pese essa máxima seja bastante proliferada na doutrina jurídica, há autores, a exemplo de Martins (2021) e Motta (2019) que afirmam que o princípio da Dignidade Humana detém o poder de superprincípio, visto que é um ponto de irradiação para a materialização dos direitos dos cidadãos.
O teor de superprincípio exsurge pela Dignidade Humana ser a fundamentação dada para que sejam conferidos ao indivíduos direitos ditos como mínimos, os quais são nomeados em ordem pátria como “direitos fundamentais”.
A fim de conceituação do que concerne tal princípio de suma valência para o Estado Democrático de Direito, faz-se necessário atentar preliminarmente para os ensinamentos de Moraes (2022, p. 19):
A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo o estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais.
Desse modo, entende-se acerca do princípio da dignidade humana como um patamar mínimo de garantias que o Estado deve ofertar para o seu cidadão. Com isso, realizando uma convergência entre a dignidade e a família, deve-se observar que o artigo 227 da Constituição Federal de 1988 traz a temática da família com a seguinte redação:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O artigo clarificado traz que se perfaz competência da Família, sociedade e Estado, de modo concorrente, assegurar a criança a prioridade absoluta, devendo ser destinado subsídios para a manutenção de sua vida e, entre esses, a dignidade.
Em análise aguçada ao artigo, é de exequível percepção que a família é posta como principal responsável pela manutenção da criança, visto que essa é o primeiro núcleo social em que o indivíduo é inserido e, por isso, detém como objetivo basilar a formação da personalidade e cidadania.
Ademais de perpasse de ensinamentos e também de oferta de mínimos à vida, a família transcende o mero laço sanguíneo sendo, em parcela majoritária, um recanto de afeto. Não obstante a palavra afeto não se faça presente de modo expresso no ordenamento jurídico, essa detém vasta importância para a seara de família.
Para Silva Júnior (2010), o afeto é um fator determinante na composição das famílias contemporâneas, pois não representa apenas um laço que envolve os integrantes, é algo naturalmente desenvolvido na personalidade humana e que é cultiva através da convivência. O principal escopo da proteção ao princípio da afetividade é a promoção da felicidade do viver em comum, abrangendo toda a população em suas particularidades sentimentais.
Neste sentido, destaca-se ensinamento de Maria Berenice Dias (2006, p. 61):
Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência familiar, não do sangue. Assim, a posse do estado de filho nada mais é do que o reconhecimento jurídico do afeto, com o claro objetivo de garantir a felicidade, como um direito a ser alcançado. O afeto não é somente um laço que envolve os integrantes de uma família.
A afetividade é também o sentimento propulsor da adoção, pois a integração de uma criança em um novo bojo familiar não é apenas executada para que essa seja ensinada, assistida e protegida, mas sim para proporcionar a criação de um vínculo amoroso que irá contrair respectiva felicidade.
Explicados os princípios da dignidade humana e afetividade, imperioso agora é caracterizar a primazia do melhor interesse da criança.
Para a Declaração dos Direitos da Criança de 1959, o melhor interesse da criança em situação de adoção é quando esse goza de proteção social para receber oportunidades, advindas essas de legislação ou demais artifícios legais, para que seja novamente inserido em contexto familiar e, assim, possa obter sadio desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social.
Para a Estudiosa Caroline de Cássia Francisco Buosi (2012, p. 114), esse princípio de tamanha importância para o direito de família, pode ser explicado de modo semelhante:
Um dos princípios base fundamentadores que protegem o menor é o Princípio do Melhor Interesse da Criança, pelo qual as necessidades da criança devem estar acima dos interesses dos seus pais, analisando cada caso concreto. A necessidade de analisar cada caso concreto se dá na possibilidade de perceber as condições de vida daquela criança, seu ambiente físico e social e as relações afetivas que estabelece com os seres a sua volta, haja vista que estão em plena construção da base de personalidade.
Infere-se das palavras da autora que o supramencionado princípio é avaliado diante do caso concreto, devendo cada situação fática ser individualizada para melhor dirimir acerca de suas possíveis resoluções, pondo a criança em grau de maior interessado e maior beneficiário ou prejudicado diante da decisão judicial.
No que cerne a adoção, válido é atribuir que é preferência da família natural de que a criança continue inserida em seu meio, contudo, quando a sua permanência se faz impossibilitada, esse é o meio pelo qual se oportuniza a criança ou adolescente o amparo de uma nova estrutura família atestada de competência para percutir com suas obrigações como tal.
O artigo 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente preconiza que a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando, devendo ser fundamentada em motivos legítimos.
4 ADOÇÃO A BRASILEIRA: crime ou ato de amor?
As relações familiares são prioridade protecional ao Estado Brasileiro, possuindo esse instrumentos que reprimem condutas que violem a integridade desse núcleo de suma importância.
Conforme aludido alhures, a paternidade, maternidade e, principalmente, a filiação possuem vasta proteção em sede constitucionais, sendo essa justificada em prol de garantir a família o desenvolvimento sadio e completo. Nesses termos, para que o status quo de harmonia não seja maculado, no Brasil existe a vedação ao registro de filho de outrem como se seu fosse, sendo essa conduta ilícita considerada crime popularmente conhecido como “adoção à brasileira”.
Desse modo, o presente capítulo detém como ímpeto descrever o que perfaz o crime da adoção à brasileira, dispondo do seus preceitos jurídicos e justificativas de vedação em território pátrio. Em segundo momento, o capítulo contrai a demonstração prática do tratamento recebido pela adoção à brasileira nos tribunais brasileiros, trazendo à baila jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, (STJ) e Tribunais de Justiça dos Estados.
4.1 Conceituação
A adoção à brasileira é um termo empregado ao “jeitinho brasileiro” de adotar, ou seja, de burlar o sistema processual de materialização da adoção. A prática é configurada como crime, conforme redação do art. 242, caput, do Código Penal.
Art. 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil:
Pena - reclusão, de dois a seis anos.
Parágrafo único - Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza:
Pena - detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena (BRASIL, 1940, online).
Pode-se extrair do artigo cristalizado que configura o ato comumente chamado de adoção à brasileira registrar filho de outrem como se seu fosse, dar parto alheio como próprio, ocultar ou também o substituir. Com isso, atenta-se que o objeto jurídico a ser protegido é o da veracidade da filiação, visto que é direito de todo e qualquer individuo saber das suas origens biológicas e, tal crime, obstaculiza esse fim.
Em que pese a conduta seja criminosa, o parágrafo único do artigo traz a hipótese em que os atos descritos foram praticados pautados em razões nobres, ou seja, para priorizar o interesse da criança e, em razão da prevalência dos interesses da criança e/ou adolescente, pode o juiz deixar de aplicar a pena e conceder o perdão judicial, bem como apenas aplicar pena pedagógica de detenção, sendo essa mais branda em comparativo a reclusão.
De acordo com Paula (2007), a criminalização de tal ato é o instrumento que o Estado possui para que possa amparar a integralidade da família, protegendo a dignidade do laço biológico e o direito da criança e do adolescente de saber a sua verdadeira descendência.
Ocorre que a prática é demasiadamente rotineira, sendo um de seus motivos a ausência de investigação comprobatória dos laços biológicos durante o registro de nascido vivo efetiva-se junto ao Cartório de Registro Civil, nos moldes do 54 da Lei nº 6.015/1973 - Lei de Registros Públicos. Assim, para que seja realizado o registro, basta que os ditos pais apresentes apenas seus documentos e afirmem a filiação, sendo assim uma lacuna para que incorram na adoção à brasileira.
A adoção à brasileira vem sendo comumente praticada do Brasil, por mais que seja por nobre motivo, tal prática vem a ser uma dissimulação e uma infração a lei, visto que é tratada como crime no capítulo “dos crimes contra o estado de filiação” (capítulo II do Título VII), tipificada no artigo 242 do Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei 2.848/1940). (BOCHNIA, 2010, p.98)
Muitas são as causas que fundamentam a prática ser configurada como crime em território pátrio e, para o presente estudo, inerente é suscitar alguma destas.
Existem diversos motivos para a utilização desse meio, como pessoas que não desejam se submeter ao trâmite legal de adoção - como gastos com a constituição de um advogado ou idas às audiências no Fórum -, pessoas que não desejam tornar a adoção pública, ou ainda pessoas com receio de que lhe sejam retirados o menor, do ambiente familiar já constituído afetivamente, para que a mesma seja entregue a outra família já cadastrada no devido processo de adoção. Além disso, é relativamente fácil para os que querem “adotar à brasileira”, visto que, só é necessário um registro de nascimento falso (FONSECA, 2013, p. 27).
Conforme aponta Fonseca na citação acima, os motivos preliminares que fazem com que seja utilizada a adoção à brasileira é a burocracia do trâmite legal, visto que esse é demasiadamente demorado por deter de diversas etapas a serem superadas.
Outrossim, nem sempre a adoção ocorre de modo planejado, podendo-se citar os casos em que há o encontro com menores abandonados e a criação do vínculo pela convivência. Nessa hipótese, a ausência de regulamentação se dá sob o receio da retirada da criança já inserida na família ser retirada da convivência do adotante e, por isso, esses pais preferem burlar o sistema.
O autor Cabral (2017) ainda destaca outro fator preponderante para com a proibição da adoção à brasileira é a coibição da criança ser exposta a vulnerabilidade ou situações de risco, a exemplo da venda destas para o mercado sexual ou tráfico de drogas.
Desse modo, ao menor indício da prática da ação ilegal, deve o Estado impor medidas de preservação da criança e do adolescente, sendo muitas vezes necessária a ordem de busca e apreensão nos lares adotivos irregulares, conforme será abrilhantado no tópico posterior.
4.2 Jurisprudências
No presente subcapítulo, foi-se utilizado o instrumento de pesquisa de busca jurisprudencial no site JusBrasil, sendo utilizado como palavra chave os termos “adoção à brasileira” e “adoção irregular”. Como resultado, foram encontradas diversas decisões proferidas em sentido contrário ao procedimento, visto que a legislação expressamente o consagra como crime, entretanto, também foi possível identificar decisões favoráveis fundamentadas sob o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
A primeira jurisprudência a ser analisada é o Habeas Corpus nº HC 404545/CE, o qual deteve como Relator o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva e foi julgado na Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça.
De acordo com a narrativa do caso concreto, os adotantes possuíam vínculo entre si de união estável homoafetiva e não entraram, em momento algum, no processo de adoção e tampouco manifestaram interesse em adotar, todavia, certo dia, foram surpreendidos com uma criança deixada dentro de uma caixa de papelão, apenas com 17 (dezessete) dias de vida. Após a surpresa, iniciaram as investigações sob a tentativa de localizar a genitora e ao a contatar, essa afirmou não ter condições para dar devida criação a criança, sendo mais benéfico que essas ficassem sob a guarda do casal.
Ocorre que, quando a criança completou 10 (dez) meses, foi dada ordem de busca e apreensão desta para a institucionalização, sendo essa fundamentada em razão da burla ao sistema de adoção. O casal irresignado com a medida judicial, adentrou com Habeas Corpus, o qual foi concedido.
EMENTA: HABEAS CORPUS. DIREITO DE FAMÍLIA. GUARDA E ADOÇÃO. MENOR IMPÚBERE (10 MESES DE VIDA). CASAL HOMOAFETIVO. ENTREGA PELA MÃE. ADOÇÃO. PROCEDIMENTO FORMAL INICIADO. ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL. MEDIDA TERATOLÓGICA. MELHOR INTERESSE DO MENOR. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. A potencial possibilidade de ocorrência de dano grave e irreparável aos direitos da criança, ora paciente, que foi recolhida em abrigo após longo convívio com a família que o recebeu como filho, impõe afastar de plano o óbice formal da Súmula nº 691/STF. 2. O menor, então com 17 (dezessete) dias de vida, foi deixado espontaneamente pela genitora na porta dos interessados, fato descoberto após a conclusão de investigação particular. 3. A criança vem recebendo afeto e todos os cuidados necessários para seu bem-estar psíquico e físico desde então, havendo interesse concreto na sua adoção formal, procedimento já iniciado, situação diversa daquela denominada adoção "à brasileira". 4. A observância do cadastro de adotantes não é absoluta porque deve ser sopesada com o princípio do melhor interesse da criança, fundamento de todo o sistema de proteção ao menor. 5. Ordem concedida. (HC 404.545/CE, Rel. Ministro RICARDO 47 VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/08/2017, DJe 29/08/2017).
Observa-se na ementa acima que a busca e apreensão apenas foi fundamentado na burocracia do sistema de adoção, contudo, o caso concreto dispõe que desde que o menor foi recebido no lar os seus interesses foram prevalecidos, visto que passou a receber os cuidados necessários para o bem-estar físico e psíquico, contraindo dos pais adotivos amor e afeto, bem como subsídios vitais a respectiva manutenção.
O Ministro Relator, ao fundamentar o seu voto, proferiu que a ordem de retirada da criança do seu lar não estava aliada ao princípio do melhor interesse do menor, ainda mais pelo fato de que a diligência não foi motivada por denúncia de suposta ameaça ou perigo ao tutelado, apenas em razão da burla ao cadastro de adotantes. Desse modo, imperioso é trazer in verbis o voto do Ministro:
Inicialmente, afere-se dos autos que o menor foi recebido em ambiente familiar amoroso e acolhedor, quando então recém-nascido, não havendo riscos físicos ou psíquicos ao menor neste período, quando se solidificaram laços afetivos, até mesmo porque é cediço que desde muito pequenas as crianças já reconhecem as pessoas com as quais convivem diariamente. [...] Registre-se que ao afeto vem se atribuindo valor jurídico, e a dimensão socioafetiva da família ganha espaço na doutrina e na jurisprudência em detrimento das relações de consanguinidade. [...] Todavia, refoge a qualquer lógica, ou mesmo razoabilidade, transferir a guarda dessa criança primeiramente a um abrigo e depois a outro casal cadastrado na lista geral e terceiro ao presente processo tão somente em nome da segurança jurídica e de um formalismo exacerbado, que certamente não atende ao bem da vida a ser tutelado nem ao interesse do menor. [...] Por sua vez, consigna-se que a adoção não existe apenas para promover a satisfação do interesse do adotante, mas visa sobretudo à constituição de família substituta ao menor, com intuito de possibilitar seu desenvolvimento como ser humano HC 404.545/CE, Rel. Ministro RICARDO 47 VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/08/2017, DJe 29/08/2017).
Atenta-se que o voto foi pautado em razão dos laços afetivos formados, visto que mesmo que a criança detivesse idade tão tenra, o convívio cotidiano fez crescer um amor que engendra a relação familiar. Assim, houve a primazia ao princípio do melhor interesse do menor, sendo esse vencedor em face do formalismo exacerbado do processo, concedendo a permanência do menor no lar adotivo.
A segunda jurisprudência a ser analisada é a decisão da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina na Apelação Criminal nº 2012.015205-2-SC, in verbis:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A FAMÍLIA. REGISTRO DE FILHO ALHEIO COMO PRÓPRIO. "ADOÇÃO À BRASILEIRA" (ART. 242, CAPUT, DO CP). RECURSO MINISTERIAL. PRETENDIDA APLICAÇÃO DE PENA. REGISTRO DE FILHO ALHEIO COMO PRÓPRIO. ESPOSA COAUTORA. CONFISSÕES EM JUÍZO CORROBORADAS PELOS DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS QUE COMPROVAM A PRÁTICA DO ILÍCITO. VONTADE LIVRE E CONSCIENTE À REALIZAÇÃO DA CONDUTA EVIDENCIADA. CONSTATADA A MOTIVAÇÃO NOBRE. GENITORA QUE NÃO DESEJA FICAR COM A RECÉM-NASCIDA E O ENTREGA AOS RÉUS PARA O CRIAREM. APLICABILIDADE DO ART. 242, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP. CONCESSÃO DO PERDÃO JUDICIAL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO (APR: 2012015205-2 SC (Acórdão), Relator: Marli Mosimann Vargas, Data de Julgamento: 24/09/2012, Primeira Câmara Criminal Julgado).
O caso acima clarificado se trata de apelação criminal interposta pelo Ministério Público de Santa Catarina em face de sentença monocrática em que foi conhecida a prática da adoção à brasileira, contudo, cabível o perdão judicial com fulcro no art. 107, IX, do Código Penal.
O caso em tela demonstra que em 2002, J. M. G. e N. dos S. G. (marido e mulher), conheceram a genitora da criança, ainda grávida e apenas com 16 (dezesseis anos), essa que manifestou o interesse de entregar a prole para a adoção, visto que não possuía condições psíquicas e financeiras para a criar. Com isso, os três fizeram um combinado quando a criança nascesse, esse que era consubstanciado no registro desta com o nome da biológica e de J. M. G., ora marido de N, dos S. G., conforme assim se concretizou. Mister é suscitar que o acordo apenas foi firmado em termos de registro, mas sem a oferta e percepção de qualquer tipo de vantagem pecuniária.
Em decisão de piso, o juiz decidiu pela configuração do crime disposto no art. 242, caput do Código Penal, contudo, sem que fosse empregada a punibilidade em razão do perdão judicial, visto que todos confessaram o delito, bem como não foi ofertada nenhuma vantagem pecuniária.
Em fundamentação acerca da manutenção do perdão judicial em sede de Apelação, retira-se o seguinte trecho do voto do relator:
In casu, o que os pais visavam com a adoção à brasileira era regular o direito da criança e não os seus próprios interesse, tanto é que possuíam outros dois filhos. Os réus buscaram ficar com a menor com o intuito de criá-la como se sua filha fosse, ante o consentimento da mãe biológica, e sem envolver qualquer tipo de ajuste pecuniário ou de promessa de benefício em favor da última. Outrossim, os acusados, especialmente a ré N., acolheram a criança, proporcionando-lhe um ambiente familiar e de carinho, no qual prevaleceu o bem-estar da menina, sendo que em nenhum momento houve o dolo de prejudicá-la. A intenção primordial dos acusados, aqui, era a de amparar e de proteger a recém-nascida, que, até então, seria abandonada pela mãe (APR: 2012015205-2 SC (Acórdão), Relator: Marli Mosimann Vargas, Data de Julgamento: 24/09/2012, Primeira Câmara Criminal Julgado).
Decerto é que esse reconheceu a conduta ilícita, mas em que pese esse reconhecimento, o perdão judicial foi aplicado, bem como a manutenção da criança do lar, para que assim pudesse proteger o melhor interesse do menor em permanecer em um lar amoroso e com recursos de a prover.
A terceira jurisprudência a ser cristalizada é o Recurso Especial nº 1567812/SC, julgado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça:
EMENTA: RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. ADOÇÃO. GÊMEOS. PODER FAMILIAR. NULIDADE DA RENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. MÃE BIOLÓGICA EM SITUAÇÃO DE EXTREMA VULNERABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE INSCRIÇÃO NO CADASTRO DE ADOÇÃO. VÍNCULO AFETIVO CONSOLIDADO. MELHOR INTERESSE DOS MENORES. RECURSO PROVIDO. (REsp 1567812/SC, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 25/10/2016, DJe 05/12/2016) (grifo da autora).
O caso em tela demonstra uma ação de adoção cumulada com regulamentação de guarda, visto que as crianças sempre estiveram sob a guarda de suposto pai biológico e da madrasta, sendo direito desta materializar legalmente a adoção. Ocorre que, durante a persecução da ação, foi realizado exame DNA no suposto pai, descobrindo que este não era, de fato biológico.
Em piso, o juiz julgou improcedente o pedido de adoção da madrasta, assim como também ordenou a busca e apreensão para a institucionalização das crianças, bem como em mandado para excluir o nome desta da certidão de nascimento dos gêmeos.
Outrossim a sentença de primeiro grau, o casal irresignado interpôs Apelação, na qual trouxe comprovações de que a mãe biológica das crianças vivia em estado de vulnerabilidade e não possui condições para criar as duas crianças, assim como que esta sempre manifestou o desejo de que estas fossem criadas pelo suposto pai e sua companheira.
Importante é trazer à baila o voto do Relator da Apelação, esse que dispôs que os danos do recolhimento das crianças a um abrigo macularia o principio do melhor interesse da criança, visto que os gêmeos já conviviam com o casal há mais de 05 (cinco) anos. Com isso, têm-se que a má-fé dos litigantes não deveria contrair prejuízo aos menores e, por isso, o Recurso deveria ser provido de modo a revogar a institucionalização destes, a exclusão do dito pai do registro civil, assim como conceder regularização a situação da madrasta em face destes.
É certo, conforme consignado no aresto recorrido, que na hipótese dos autos se evidencia a ocorrência da chamada adoção à brasileira, tendo sido desrespeitadas pelos requerentes as normas que regulam a adoção, especialmente a necessidade de inscrição prévia no cadastro nacional de adoção. Não é menos verdade que a conduta dos requerentes foi extremamente reprovável, pois segundo se colhe do acórdão proferido pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, alteraram a verdade dos fatos, além de terem realizado falso registro de nascimento, conduta tipificada no Código Penal, tendo estabelecido vínculo afetivo com os menores por se esquivarem das diligências judiciais expedidas ainda em 2011. Os casos de adoção irregular sempre provocam discussões acaloradas entre os que entendem deva ela ser reprimida a todo custo, de modo a não ser premiada a má-fé dos adotantes, e aqueles que pensam ser necessária a análise da situação em concreto, buscando identificar de que forma será possível atender o melhor interesse da criança. [...] O que se tem, no momento, são duas crianças inseridas em um lar no qual vivem há mais de cinco anos, com a recomendação para que sejam recolhidas a um abrigo, sem entender, porém, a razão pela qual lá estarão e porque seus "pais" não podem mais lhes fazer companhia. Os danos psicológicos são constatáveis de pronto e são de difícil reparação. Se serão ocasionados pelos adotantes ao descumprirem as ordens judiciais, ou se decorrem do próprio sistema de adoção, não importa, o fato é que atingem menores, cuja proteção e bem-estar imantam todo o sistema criado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Se não é possível premiar a má-fé dos requerentes, também não é possível que por ela respondam crianças de tenra idade (REsp 1567812/SC, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 25/10/2016, DJe 05/12/2016) (grifo da autora).
Decerto é que todas as jurisprudências anteriores demonstraram a manutenção das crianças em seus lares de adoção à brasileira, contudo, em que pese essa decisão seja demasiadamente comum nos tribunais brasileiros, há também a ocorrência massiva de casos em que se é indeferida a manutenção dos menores a convivência com os adotantes irregulares.
EMENTA: HABEAS CORPUS. ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. MEDIDA LIMINAR PROTETIVA DE ACOLHIMENTO DE CRIANÇA EM ABRIGO. GRAVE SUSPEITA DA PRÁTICA DE "ADOÇÃO À BRASILEIRA" EM DUAS OCASIÕES DISTINTAS. INDÍCIOS DE ADOÇÃO DE CRIANÇA MEDIANTE PAGAMENTO. AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO DE RELAÇÃO AFETIVA. GRAVIDEZ FALSA. INDUZIMENTO A ERRO. AMEAÇA GRAVE A OFICIAL DE JUSTIÇA. CIRCUNSTÂNCIAS NEGATIVAS. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. ABRIGAMENTO. EXCEPCIONALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA DE DECISÃO FLAGRANTEMENTE ILEGAL OU TERATOLÓGICA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. Em regra, não é admissível a utilização de habeas corpus como sucedâneo ou substitutivo de recurso ordinário cabível. Precedentes. 2. A jurisprudência desta eg. Corte Superior tem decidido que não é do melhor interesse da criança o acolhimento temporário em abrigo, quando não há evidente risco à sua integridade física e psíquica, com a preservação dos laços afetivos eventualmente configurados entre a família substituta e o adotado ilegalmente. Precedentes 3. Todavia, em situações excepcionais, como no caso dos autos, em que não chegou a se formar laços afetivos entre a adotada e a família substituta, em razão da reiterada prática de crimes contra o estado de filiação, da suspeita de pagamento para obtenção de criança em outro processo, do indício de simulação de gravidez e de ameaça de morte a Oficial de Justiça no cumprimento do seu dever, não é recomendável, em nome do princípio do superior interesse da criança, que ela fique no lar da família substituta. Criança bem adaptada no abrigo em que se encontra, recebendo cuidados e acompanhamento médico de sucesso. 4. Não conheço do habeas corpus. (HC 418.431/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 15/12/2017).
O habeas corpus acima ementado foi impetrado em razão da ordem de busca e apreensão de criança que estava sob guarda dos adotantes, o qual foi indeferido. A não promoção deste se deu em razão do caso concreto explicitar que a mãe biológica entregou a criança recém-nascida em troca de vantagem pecuniária, não configurando a proteção em lar para a primazia do interesse do menor, mas sim em benefício dos seus próprios intentos.
Durante a persecução processual se restou comprovado que o impetrante do habeas corpus, ora pai adotante, era reincidente na adoção à brasileira, visto que já era a segunda criança que registrava como se seu filho biológico fosse.
A situação trazida é peculiar, delicada e excepcional, pois trata de uma criança que completou um ano de idade em novembro do ano corrente e que foi levada por ordem judicial, para uma casa de abrigo quando tinha apenas dois meses, pela presença de fortes indícios de que M Z, pela segunda vez, registrou outro filho de O L, pessoa em situação de rua, em cartório como se fosse seu, mesmo sabendo que não era, para combater a chamada 'adoção a brasileira' e desestimular a burla ao procedimento judicial da adoção. [...] Outra circunstância que chama a atenção e é relevante, a meu sentir, para a aferição de eventual ilegalidade na decisão impugnada, é que diferentemente do que ocorreu na primeira ação, em razão do conhecimento pelo Ministério Público da reiteração na prática de adoção ilegal e de sua ação rápida, não houve tempo hábil formação de vinculo afetivo entre Y Z e a família que supostamente o adotou ilegalmente, haja vista que a criança conviveu com ela por apenas 2 (dois) meses e 11 (onze) dias, até ser levada para o abrigo aos 6/12/2016. [...] Apesar da existência de registro de que eles cuidavam bem de Y Z e cuidam atualmente de seu irmão unilateral Y D Z, entendo que os padrões éticos por eles adotados, o desrespeito para com a lei e com o Poder Judiciário, recomendam, no momento, a manutenção de Y Z no acolhimento institucional que atende, em princípio, o seu melhor interesse, de modo a preservar e garantir o seu desenvolvimento sadio e não colocá-lo, assim, em uma possível situação de risco
Verifica-se que em julgamento do Habeas Corpus a criança já possuía 01 (um) ano de idade, entretanto, encontrava-se institucionalizada desde os seus 2 (dois) meses e 11 (onze) dias. Conforme o relator, o tempo de convivência com os adotantes, ora de 2 (dois) meses e 11 (onze) dias, não foi suficiente para criar vínculos e, com isso, a decisão de retirá-la do lar não conferia prejuízo que maculasse o princípio do melhor interesse do menor.
Destaca-se que o casal já era infrator reincidente no art. 242 do Código Penal, sendo a decisão de indeferimento pedagógica quanto a coibir a prática da ilegal adoção sem perpasse por burocracia necessária a verificar os indícios de paternidade benéfica por adoção.
Têm-se que a manutenção da criança em situação de adoção à brasileira é inteiramente dependente do caso concreto, devendo ser verificado, sobretudo, o melhor interesse do menor e os danos que podem vir a ser causados pela institucionalização desta até que seja legalmente adotada.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A adoção é um ato de amor, sendo esse motivado por diversas causas, seja pela impossibilidade de gerar um filho; pelo anseio da maternidade/parternidade solo; pela ausência de desejo de gerar, mas de se ter filho; por afeto a uma criança em situação de vulnerabilidade e entre outras. Apesar de inúmeras razões, todas essas culminam em um único objetivo: o de estabelecer um vínculo familiar socioafetivo independente de relação de parentesco sanguíneo.
Para que o objetivo da adoção seja preservado, o Estado possui um burocrático sistema, sendo necessário que os pretendentes a adotantes o superem com eficiência para que adentrem a fase de dissertação de criança que deseja e posterior período de adaptação caso encontrada. Os árduos trâmites possuem como objetivo evitar que as crianças sejam desviadas a novas situações de vulnerabilidade, bem como que confiram perigo a sua integridade.
A fim de coibir práticas que burlem o processo de adoção, o legislador do Código Penal dispôs redação do artigo 242, sendo esse o vedo expresso ao registro de filho de outrem como se seu fosse, bem como o ato de ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil.
Apesar de expressamente ilegal tal prática, a adoção à brasileira é um fenômeno social corriqueiro, devendo esse ser analisado de forma individual para que o Estado não venha a contrair prejuízos para a criança.
Conforme abrilhantado pelas jurisprudências clarificadas, muitas são as decisões da manutenção da criança e do adolescente no seio da família adotiva, mesmo que o vínculo tenha sido gerado de forma irregular. A manutenção se justifica pela análise a lume dos princípios da afetividade e do melhor interesse, visto que apesar da constituição do laço tenha sido originada de forma ilícita, a família provê os subsídios necessários para a sua vida e proteção.
Decerto é que o processo de adoção demasiadamente burocrático confere segurança às crianças, bem como é uma forma de dispor um processo igualitário e justo a todos da relação, pois é seguida uma ordem cronológica de cadastro, entretanto, a verdade é que a institucionalização por muitas vezes é cruel e com longos períodos de espera, conferindo ansiedade aos sujeitos. A criança com anseio de ser adotada e receber afeto, bem como dos pais de finalmente ter um filho.
Nesse ínterim, o que se observa da jurisprudência é que mais importante que a obediência ao estrito processo da adoção, bem como a legislação que confere punibilidade daqueles que incorrem na adoção à brasileira, mais importante é a felicidade da criança, devendo ser priorizada o laço estabelecido com a família, bem como os recursos que são provindos a esta.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Allan Diego Andrade. Adoção à brasileira: princípio do melhor interesse da criança e do adolescente diante do crime previsto no art. 242 do Código Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 nov 2023, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/63796/adoo-brasileira-princpio-do-melhor-interesse-da-criana-e-do-adolescente-diante-do-crime-previsto-no-art-242-do-cdigo-penal. Acesso em: 23 dez 2024.
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