RESUMO: O presente artigo visa apresentar uma análise crítica a respeito da chamada taxa de conveniência, definindo seus contornos jurídicos e tecendo comentários acerca das decisões do Superior Tribunal de Justiça, com enfoque na abordagem apresentada pela Corte Cidadã no julgamento que defendeu a legalidade da referida cobrança, em verdadeira virada jurisprudencial. Ainda, pretende o trabalho gerar reflexão acerca de determinados encargos repassados ao consumidor e seu consequente impacto no preço final do produto ou serviço.
Palavras-chave: Taxa. Conveniência. Consumidor.
ABSTRACT: This article aims to present a critical analysis regarding the so-called convenience fee, defining its legal contours and making comments about the decisions of the Superior Court of Justice, focusing on the approach presented by the Citizen Court in the judgment that defended the legality of the aforementioned charge, in a true jurisprudential turn. Furthermore, the work intends to generate reflection on certain charges passed on to the consumer and their consequent impact on the final price of the product or service.
Keywords: Convenience. tax. Consumer.
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Metodologia 3. Desenvolvimento 4. Entendimento anterior do STJ 5. Virada Jurisprudencial (OVERRULING) e Papel dos Tribunais 6. Novo entendimento do STJ 7. Conclusões finais.
1 – INTRODUÇÃO
A venda de ingressos de shows e/ou espetáculos pode ser realizada de diversas maneiras, inclusive através de alguma empresa terceirizada e especializada nessa atividade.
Quando a venda é realizada por alguma dessas instituições, é prática comum a cobrança de um valor adicional, apenas pelo fato de o consumidor estar adquirindo o ingresso por via online. Essa quantia extra é conhecida como taxa de conveniência.
Sustentam as empresas que a conveniência se dá em prol do consumidor, uma vez que tem por objetivo evitar o enfrentamento de filas, bem como o deslocamento do cliente ao ponto físico de compra do bilhete/ingresso, poupando, assim, o tempo.
Considerando que, na atual sociedade de consumo, o tempo possui, sem dúvida, valor jurídico, é mister que se reconheça o esforço argumentativo apresentado pelos empreendedores para justificar a cobrança do encargo analisado no presente trabalho, que, no entanto, apresenta diversas nuances que merecem holofotes.
2 METODOLOGIA
A metodologia para realização deste artigo foi baseada em livros, vídeo aulas, artigos e sites. Foram coletadas informações, principalmente, dos fundamentos dos julgados do STJ abordados no desenvolver do presente trabalho.
3 DESENVOLVIMENTO
Para a realização desta pesquisa, utilizou-se a autora, basicamente, dos fundamentos apresentados pelos ministros da Corte Cidadã, além dos dispositivos contidos em toda legislação protetiva da figura do consumidor.
4 ENTENDIMENTO ANTERIOR DO STJ
O Superior Tribunal de Justiça, em seu informativo nº 644, havia decidido que a compra realizada pela internet não pode ser considerada automaticamente como uma conveniência ao consumidor.
Assim o STJ havia se manifestado:
“Produtor do espetáculo que for vender seus ingressos na internet deverá fazer isso por meio de mais de uma empresa e não poderá cobrar valor de taxa extra por estar vendendo online”
Isso porque, na prática, quase todos acabam adquirindo o ingresso de shows e espetáculos online, e, além disso, muitas vezes esse é o único ponto de venda disponível, o que geraria uma ideia de liberdade de escolha fictícia do consumidor.
Nesses casos, a abusividade da taxa é latente, uma vez que o consumidor sequer possui a opção de abdicar dessa comodidade, ante a indisponibilidade dos ingressos em pontos de venda físicos.
A grande questão, no entanto, é que a verdadeira conveniência recai para os fornecedores, vez que a venda online acarreta inúmeras vantagens e aplicabilidades para os próprios promotores de eventos culturais, alcançando, por exemplo, um número muito maior de interessados no menor tempo possível, de forma que eles devem ser os responsáveis pelo pagamento das empresas que comercializam seus ingressos.
O desequilíbrio do contrato estaria configurado, uma vez que o consumidor se encontra em extrema desvantagem, arcando com os custos de uma conveniência que pouco lhe garante serventia, e que traz diversos benefícios ao fornecedor, situação vedada pelo Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 39, inciso V.
Outrossim, de acordo com o STJ, não haveria, nesses casos, declaração clara e destacada de que o consumidor está assumindo um débito que é de responsabilidade do incumbente produtor ou promotor do espetáculo cultural, o que macularia a possibilidade de transferir o encargo.
Ocorre que, em verdadeiro overruling, a Corte Cidadã alterou o seu entendimento.
5 DA VIRADA JURISPRUDENCIAL E DO PAPEL DOS TRIBUNAIS
O overruling é instrumento de extrema importância para a manutenção e perenidade das normas jurídicas. Trata-se de termo utilizado para fazer referência à superação de um precedente. Não deixa de ser, portanto, uma forma de mutação legislativa, sem que haja, entretanto, qualquer alteração formal dos textos legais.
Há quem conteste a legitimidade dos julgadores, membros de Tribunais Superiores, para alterar interpretação conferida pelo legislador, à vista do fato de que não foram aqueles os eleitos pelo povo, verdadeiro titular da soberania.
Faltaria, portanto, legitimidade democrática, e, decorrente desta, formar-se-ia aparente incongruência no âmbito de um Estado Democrático.
A Legitimidade da jurisdição dos Tribunais de Superposição, entretanto, fundamenta-se em dois pilares principais: 1- proteção dos direitos fundamentais que correspondem ao mínimo ético e a reserva de justiça de uma comunidade política, insuscetíveis de serem atropelados por deliberação política majoritária 2- proteção às regras do jogo democrático.
A democracia, para além da dimensão procedimental de ser o governo da maioria, possui igualmente uma dimensão substantiva, que inclui igualdade, liberdade e justiça.
Desta senda, é poder-dever dos Tribunais não apenas promover a interpretação das normas, como também modificá-la, observada eventual mudança no contexto social e de acordo com a evolução do pensamento da população.
É com base nestes argumentos que se permite o fenômeno da superação de precedentes (overruling), sendo um exemplo o caso analisado no presente artigo.
6 DO ATUAL ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Explicado o que se trata a mudança de jurisprudência, cumpre analisar, portanto, o atual entendimento dominante no âmbito dos Tribunais.
No REsp 173728-RS, julgado em 2020, o STJ firmou a seguinte tese:
De acordo com o novo entendimento, essa cobrança é lícita, desde que o consumidor seja previamente informado sobre o preço total da aquisição do ingresso, com o destaque de que está pagamento um valor extra a título de “taxa de conveniência”
Na fundamentação do presente julgado, o STJ relacionou a taxa de conveniência ao que restou decidido em relação à possibilidade de cobrar comissão de corretagem (Tema 938/STJ) e à comissão do correspondente bancário.
Nas palavras da Corte, sendo a “taxa de conveniência” um repasse de custos de intermediação, torna-se irrelevante investigar se existe, ou não, efetiva vantagem ao consumidor, pois a controvérsia se desloca para a fase pré-contratual, bastando que o consumidor seja informado prévia e adequadamente acerca dessa transferência de custos.
Em síntese, sendo adequado o dever de informação e cumprindo o fornecedor com suas obrigações a ele relacionadas, o repasse do encargo ora estudado, de acordo com o entendimento mais atualizado, é válido e regular.
7 DAS CONCLUSÕES FINAIS
Reconhece-se a assertividade da decisão retromencionada. Entretanto, algumas considerações merecem relevância no debate.
Uma questão para ficar alerta, por exemplo, é que os produtores de eventos, além de cobrarem indevidamente a taxa de conveniência, comumente realizam tal cobrança sobre o valor de cada um dos ingressos individualmente adquiridos.
Entenda: se há a aquisição de vários ingressos pelo mesmo consumidor, não existe razão plausível para cobrar várias taxas de conveniência se a vantagem seria única, em razão de uma mesma operação.
Ou seja, o que ocorre é que as empresas especializadas nas vendas dos ingressos se remuneram diretamente do consumidor, calculando lucro pela unidade vendida, por um serviço que deveria estar sendo pago por quem de fato aufere os benefícios, afinal, trata-se basicamente de um contrato de intermediação.
Acontece que tudo é calculado. O valor extra relacionado à taxa de conveniência, via de regra, varia em torno de 10% a 15% do valor do ingresso, o que geralmente representa um valor baixo e que desestimula o consumidor a lutar para ser reembolsado.
A quantia paga pela esmagadora maioria do público e não reivindicada, provavelmente cobre e supera o valor gasto pelos produtores com eventuais ações de repetição do indébito, o que faz com que a conduta irregular seja recorrente.
Para além, é mister que se reflita o seguinte: caso o STJ mantivesse seu entendimento anterior, será que o fornecedor/produtor assumiria, efetivamente, de fato e de direito, o encargo?
É certo que não.
Não há dúvidas de que, assim como ocorre com diversos outros ônus financeiros que têm seu repasse à parte vulnerável vedado, o valor da taxa de conveniência seria embutido no preço final e, portanto, faticamente, o próprio consumidor arcaria com seu custo.
Neste sentido, é de se avaliar se há, efetivamente, alguma forma de declarar eventual encargo como abusivo nas relações consumeristas, e que essa declaração de fato surta efeito no custo final do produto/serviço.
Ora, melhor, então, que pelo menos se discrimine o serviço que o cliente está arcando, a fim de que ele possa exercer seu próprio juízo de conveniência e refletir, diante das informações apresentadas, se deseja ou não adquirir o serviço, com todos os seus ônus e bônus claramente estabelecidos.
E é justamente nesta linha que o STJ tem articulado sua jurisprudência, conforme mencionado.
Em síntese, a recomendação é que, caso o consumidor sinta-se, de qualquer forma, lesado, busque seus direitos.
A Defensoria Pública está preparada para oferecer o amparo jurídico necessário e encontra-se estruturada já na maioria das Comarcas, estando pronta para assumir o papel na defesa dos vulneráveis.
Ausente a DPE, o consumidor sempre pode buscar órgãos de proteção e garantia de seus direitos, a exemplo do PROCON. Ainda, o próprio Ministério Público possui legitimidade para promover medidas judiciais e/ou extrajudiciais na defesa do consumidor.
É dessa forma que, aos poucos, o cenário pode vir a se tornar, gradativamente, favorável ao consumidor.
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CAVALCANTE, Márcio André Lopes. É lícita a cobrança de uma “taxa de conveniência” (um valor a mais) pelo fato de o ingresso estar sendo adquirido pela internet. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/d0997de7af2f5d411d6b9c5ac64f53a0. Acesso em: 30/10/2023
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VARELA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1996. v. 1 e 2.
graduação em direito e pós graduação em direito civil e do consumidor
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Silvia Missano. A virada jurisprudencial do precedente relacionado à abusividade na cobrança de taxa de conveniência em vendas online Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 nov 2023, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/63831/a-virada-jurisprudencial-do-precedente-relacionado-abusividade-na-cobrana-de-taxa-de-convenincia-em-vendas-online. Acesso em: 22 nov 2024.
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