RESUMO: O presente artigo possui como objeto a análise das alterações legislativas promovidas pela Lei nº 14.230/2021 na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992). A intenção é demonstrar a inconstitucionalidade e inconvencionalidade de significativa parcela da nova normatização, por incompatibilidade com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e com a Convenção de Mérida, com especial foco nos entendimentos já expostos pelo Supremo Tribunal Federal.
Palavras-Chave: Lei de Improbidade Administrativa. Inovações legislativas. Inconstitucionalidade. Inconvencionalidade.
ABSTRACT: The purpose of this article is to analyze the legislative changes promoted by Law nº 14.230/2021 in the Administrative Improbity Law (Law nº 8.429/1992). The intention is to demonstrate the unconstitutionality and unconventionality of a significant portion of the new regulation, due to incompatibility with the Constitution of the Federative Republic of Brazil of 1988 and the Mérida Convention, with special focus on the understandings already exposed by the Federal Supreme Court.
Keywords: Administrative Improbity Law. Legislative innovations. Unconstitutionality. Unconventionality.
1.INTRODUÇÃO
A Lei nº 14.230, de 25 de outubro de 2021, modificou substancialmente o tratamento dado pelo ordenamento jurídico brasileiro à improbidade administrativa.
De fato, a novel legislação não só superou diversos entendimentos jurisprudenciais consolidados, como também promoveu inúmeras mudanças no sistema de improbidade. Dentre estas alterações, destacam-se: a alteração do regime prescricional, inclusive com a positivação da prescrição intercorrente; a expressa vedação à punição de atos ímprobos de natureza culposa, até então admitida exclusivamente para a hipótese de dano ao erário; a restrição do próprio conceito de dolo, passando a exigir, além da consciência e vontade, a comprovação do especial fim de agir do agente; a exclusão da possibilidade de ajuizamento da ação de improbidade administrativa pelos entes federativos lesados, atribuindo a legitimidade ativa exclusivamente ao Ministério Público; a vedação de aplicação da “remessa necessária invertida”, prevista na Lei 4.717/1965 (Lei de Ação Popular) e aplicável à improbidade administrativa com fundamento no microssistema processual coletivo; e a alteração da redação do artigo 11, caput, para tornar taxativo o rol de atos atentatórios aos Princípios da Administração Pública.
Como esperado, as alterações promovidas no sistema de proteção à probidade administrativa – que, em sua quase totalidade, dificultam a punição de agentes ímprobos - deram início a uma série de discussões nas searas acadêmica, doutrinária e jurisprudencial, com especial fundamento no desvio de finalidade do legislador infraconstitucional e na inconstitucionalidade e inconvencionalidade do novo regramento, o que resultou no ajuizamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade de nº 7.156/DF, 7.236/DF e 7.237/DF.
2. (IR)RETROATIVIDADE DAS DISPOSIÇÕES DA LEI 14.230/2021 E AS TESES DE FIXADAS PELO STF - REPERCUSSÃO GERAL TEMA 1.199
Quase concomitantemente à publicação da Lei 14.230/2021, duas correntes se formaram acerca da possibilidade, ou não, de retroação das novas disposições legais e aplicação às demandas já ajuizadas.
Uma primeira corrente entendeu ser possível a aplicação retroativa das novas regras, sob o argumento de que a norma estaria inserida no contexto do direito sancionador e é mais favorável ao réu, razão pela qual a natureza cível da ação de improbidade não seria óbice à aplicação retroativa da nova lei aos atos ocorridos antes da sua entrada em vigor. Lado outro, uma segunda corrente passou a defender a impossibilidade de retroação, aduzindo que as esferas cível e penal não se confundem e, como a admissão à retroatividade da norma mais benéfica ao réu, típica da seara penal, é estranha ao direito civil, não haveria razão para sua aplicação às demandas de improbidade administrativa.
Em fevereiro de 2022, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral da questão (Tema 1.199), para a "definição de eventual (ir)retroatividade das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação: (I) A necessidade da presença do elemento subjetivo dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA; e (II) A aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente.", e, em seguida, o Ministro Alexandre de Moraes, acolhendo recurso interposto pelo Ministério Público Federal, determinou a suspensão do prazo prescricional nos processos com repercussão geral reconhecida inerentes ao tema.
A conclusão do impasse se deu no mês de agosto de 2022, no julgamento do recurso de Agravo em Recurso Extraordinário de nº 843.989/PR, oportunidade em que o STF resolveu, em sede de Repercussão Geral, o Tema 1.199, mediante a fixação das seguintes teses:
1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO;
2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;
3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente;
4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.
STF. Plenário. ARE 843989/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/8/2022 (Repercussão Geral – Tema 1.199)
3.LEGITIMIDADE ATIVA PARA PROPOR AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, CELEBRAR ANPC E OBRIGATORIEDADE DE DEFESA DO AGENTE ÍMPROBO PELOS ÓRGÃO DE ADVOCACIA PÚBLICA – ADIs 7.042/DF E 7.043/DF
Até o advento da nova legislação, a Lei de Improbidade Administrativa previa legitimidade ativa - concorrente e disjuntiva - entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade administrativa.
Ocorre que a Lei nº 14.230/2021 restringiu essa legitimidade e passou a prever que a ação de improbidade administrativa somente poderia ser proposta pelo Ministério Público. Da mesma forma, ao disciplinar o acordo de não persecução cível – ANPC, previu o parquet como único legitimado à propositura do pacto e, ainda, estabeleceu um dever dos órgão de assessoria jurídica que emitiram parecer pela legalidade do ato de promover a defesa judicial do agente público. Senão vejamos:
Lei nº 8.429/1992
Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei. (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
(...)
§ 20. A assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo administrador público ficará obrigada a defendê-lo judicialmente, caso este venha a responder ação por improbidade administrativa, até que a decisão transite em julgado.
Art. 17-B. O Ministério Público poderá, conforme as circunstâncias do caso concreto, celebrar acordo de não persecução civil, desde que dele advenham, ao menos, os seguintes resultados: (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
(...)
§ 5º As negociações para a celebração do acordo a que se refere o caput deste artigo ocorrerão entre o Ministério Público, de um lado, e, de outro, o investigado ou demandado e o seu defensor. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
Pois bem, ao concluir o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade de nsº 7.042/DF e 7.043/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais supra, bem como de outros cuja existência somente se justificava em razão destes.
Com isso, restabeleceu-se a legitimidade dos entes lesados para a propositura da ação de improbidade, conferiu a estes legitimação para o ANPC e estabeleceu que a defesa dos agentes ímprobos pelos órgãos de assessoria jurídica parecerista deve ser tida como uma faculdade do ente interessado, a depender de previsão na legislação local, jamais como uma obrigatoriedade. Veja-se:
Os entes públicos que sofreram prejuízos em razão de atos de improbidade também estão autorizados, de forma concorrente com o Ministério Público, a propor ação e a celebrar acordos de não persecução civil em relação a esses atos. Desse modo, fica restabelecida a existência de legitimidade ativa concorrente e disjuntiva entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade administrativa e para a celebração de acordos de não persecução civil.
STF. Plenário. ADI 7042/DF e ADI 7043/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgados em 31/8/2022.
Não deve existir obrigatoriedade de defesa judicial do agente público que cometeu ato de improbidade por parte da Advocacia Pública, pois a sua predestinação constitucional, enquanto função essencial à Justiça, identifica-se com a representação judicial e extrajudicial dos entes públicos. Contudo, permite-se essa atuação em caráter extraordinário e desde que norma local assim disponha.
STF. Plenário. ADI 7042/DF e ADI 7043/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgados em 31/8/2022.
4.DA MEDIDA CAUTELAR CONCEDIDA NA ADI Nº 7.236/DF
No dia 27 de dezembro de 2022, o Min. Alexandre de Moraes concedeu parcialmente medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 7.236/DF, por meio da qual suspendeu a eficácia de cinco outros dispositivos da Lei 8.429/1992 (artigos 1º, §8º; 12, §1º; 12, §10; 17-B, §3º; e 21, §4º), e atribuiu interpretação conforme ao art. 23-C.
A decisão, tomada em ADI proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP e cuja ementa transcreve-se abaixo, não obstante ainda pendente de confirmação pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, reveste-se de suma importância para a correção de irrazoáveis excessos cometidos pelo legislador infraconstitucional, notadamente em pontos que dificultam a punição de agentes ímprobos e a livre atuação dos órgãos de controle – em especial do Ministério Público - e do próprio Poder Judiciário. Veja-se:
(...)
Diante do exposto, CONHEÇO PARCIALMENTE da presente ação direta de inconstitucionalidade e DEFIRO PARCIALMENTE A MEDIDA CAUTELAR para:
(I) DECLARAR PREJUDICADOS os pedidos referentes ao art. 1º, §§ 1º, 2º e 3º, e 10 da Lei 8.429/1992, incluídos ou alterados pela Lei 14.230/2021;
(II) INDEFERIR A MEDIDA CAUTELAR em relação aos artigos 11, caput e incisos I e II; 12, I, II e III, §§ 4º e 9º, e art. 18-A, parágrafo único; 17, §§ 10-C, 10-D e 10-F, I; 23, caput, § 4º, II, III, IV e V, e § 5º da Lei 8.429/1992, incluídos ou alterados pela Lei 14.230/2021;
(III) DEFERIR PARCIALMENTE A MEDIDA CAUTELAR, ad referendum do Plenário desta SUPREMA CORTE, com fundamento no art. 10, § 3º, da Lei 9.868/1999, e no art. 21, V, do RISTF,, para SUSPENDER A EFICÁCIA dos artigos, todos da Lei 8.429/1992, incluídos ou alterados pela Lei 14.230/2021: (a) 1º, § 8º; (b) 12, § 1º; (c) 12, § 10; (d) 17-B, § 3º; (e) 21, § 4º.
(IV) DEFERIR PARCIALMENTE A MEDIDA CAUTELAR, ad referendum do Plenário desta SUPREMA CORTE, com fundamento no art. 10, § 3º, da Lei 9.868/1999, e no art. 21, V, do RISTF, para CONFERIR INTERPRETAÇÃO CONFORME ao artigo 23-C, da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021, no sentido de que os atos que ensejem enriquecimento ilícito, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de recursos públicos dos partidos políticos, ou de suas fundações, poderão ser responsabilizados nos termos da Lei 9.096/1995, mas sem prejuízo da incidência da Lei de Improbidade Administrativa.
STF. Medida Cautelar. ADI 7.236/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 27/12/2022.
Vejamos, agora, o teor de cada um dos cinco dispositivos que tiveram sua eficácia suspensa e do preceito ao qual se conferiu interpretação conforme à Constituição, bem como, de forma suscinta, as razões que fundamentaram a decisão:
a) Art. 1º, §8º. Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário.
Dispositivo com eficácia suspensa sob o argumento de que o critério é excessivamente amplo e gera insegurança jurídica. De fato, existem milhares (ou milhões) de decisões judiciais que não traduzem o entendimento do Poder Judiciário, seja por provirem de órgãos singulares, seja por serem editadas em momento ainda inicial do debate sobre a matéria, ou mesmo por se relacionarem a circunstâncias concretas. Essa inovação, ao invés de proteger o administrador de boa-fé, caba por fornecer ao gestor ímprobo pretextos para afastar sua responsabilidade.
b) Art. 12, §1º. A sanção de perda da função pública, nas hipóteses dos incisos I e II do caput deste artigo, atinge apenas o vínculo de mesma qualidade e natureza que o agente público ou político detinha com o poder público na época do cometimento da infração, podendo o magistrado, na hipótese do inciso I do caput deste artigo, e em caráter excepcional, estendê-la aos demais vínculos, consideradas as circunstâncias do caso e a gravidade da infração.
Dispositivo suspenso por restringir severamente o mandamento constitucional de defesa da probidade administrativa. Além disso, a previsão viola o Postulado da Razoabilidade, pois exime determinados agentes da sanção constitucionalmente devida em razão da mera troca de função ou da demora no julgamento da causa, que pode decorrer, inclusive, do direito de defesa do acusado.
c) Art. 12, §10. Para efeitos de contagem do prazo da sanção de suspensão dos direitos políticos, computar-se-á retroativamente o intervalo de tempo entre a decisão colegiada e o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Preceito com eficácia suspensa, tendo em vista que a detração nele estabelecida, por lei ordinária, indubitavelmente afeta o sancionamento de inelegibilidade previsto na Lei Complementar nº 64/1990, o que caracteriza inconstitucionalidade formal. Não bastasse isso, há também inconstitucionalidade material do preceito, por violação ao art. 37, §4º da CRFB e aos Princípios da Vedação à Proteção Deficiente (“untermassverbot”) e da Vedação ao Retrocesso.
d) Art. 17-B, §3º. Para fins de apuração do valor do dano a ser ressarcido, deverá ser realizada a oitiva do Tribunal de Contas competente, que se manifestará, com indicação dos parâmetros utilizados, no prazo de 90 (noventa) dias.
Suspenso em razão de a Constituição da República de 1988 haver ampliado significativamente as funções do Ministério Público, “transformando-o em verdadeiro defensor da sociedade”, nos campos penal e cível, atribuindo-lhe a atribuição de promover o inquérito civil e a ação civil pública. Desta forma, transcreva-se a irretocável lição do Ministro Relator, ao afirmar que “a norma aparenta condicionar o exercício da atividade-fim do Ministério Público à atuação da Corte de Contas, transmudando-a em uma espécie de ato complexo apto a interferir na autonomia funcional constitucionalmente assegurada ao órgão ministerial”. Ademais, a fixação, por lei ordinária de autoria parlamentar, de prazo para manifestação do Tribunal de Contas, afeta as prerrogativas de autonomia e autogoverno daquela Corte que, por expressa previsão constitucional, possui iniciativa reservada para o processo legislativo que pretenda alterar sua organização e funcionamento.
e) Art. 21, §4º. A absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação da qual trata esta Lei, havendo comunicação com todos os fundamentos de absolvição previstos no art. 386 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).
Aqui, a suspensão se deu pelo fato de que a amplitude do preceito cria uma irrestrita incidência dos casos de absolvição na seara criminal aptas a ensejar a extinção das ações de improbidade, o que, segundo o Ministro, afronta cabalmente os Princípios da Independência das Instâncias, do Juiz Natural, do Livre Convencimento Motivado e da Inafastabilidade da Jurisdição. Deveras, a independência das instâncias já é abrandada nos casos em que, na esfera penal, é reconhecida a inexistência do fato ou a negativa de autoria (independência mitigada), e a nova previsão da LIA, em razão de sua amplitude, corrói a lógica constitucional da autonomia das instâncias.
f) Art. 23-C. Atos que ensejem enriquecimento ilícito, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de recursos públicos dos partidos políticos, ou de suas fundações, serão responsabilizados nos termos da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995.
Por fim, ao artigo 23-C foi conferida interpretação conforme a Constituição, sob o argumento de que o dispositivo subverteu a lógica constitucional da prevalência da probidade e enfraqueceu o combate à improbidade. O tratamento privilegiado aos autores de ilícitos de improbidade contra os recursos públicos dos partidos políticos (que recebem vultosas quantias dos cofres públicos, provenientes do Fundo Partidário) viola o princípio da isonomia. Em acréscimo, saliente-se que as sanções da Lei dos Partidos Políticos possuem caráter majoritariamente pecuniário, e a impossibilidade de imposição de sanções mais graves viola os Princípios da Vedação à Proteção Insuficiente e ao Postulado da Proporcionalidade. Em suma, conferiu-se ao dispositivo interpretação conforme a Constituição para estabelecer que os ditos atos podem ser responsabilizados nos termos da Lei 9.096/1995, sem prejuízo da incidência da Lei de Improbidade Administrativa.
5. CONCLUSÃO
Como visto, as alterações promovidas pela Lei n° 14.230/2021 no sistema de proteção à probidade administrativa, salvo pontuais exceções, não só flexibilizaram como, também, restringiram de forma substancial a punição de agentes ímprobos, o que vai de encontro à diversos princípios e preceitos constitucionais.
Não obstante qualificarem-se como essenciais os entendimentos esposados pela Suprema Corte até a presente data, notadamente as conclusões alcançadas no Tema de Repercussão Geral nº 1.199 e nas ADIs de nº 7.042/DF, 7.043/DF e 7.236/DF – esta última ainda pendente de confirmação pelo Plenário do STF -, existem ainda inúmeras outras disposições legais cuja redação se mostra incompatível não só com a Constituição Federal, como também com a Convenção de Mérida, incorporada ao ordenamento jurídico pátrio por meio do Decreto nº 5.687/2006.
Neste ponto, partindo da inarredável premissa de que o direito à probidade na Administração Pública adjetiva-se como fundamental, faz-se imperioso reconhecer, como sustentam os ilustres professores Landolfo Andrade, Cleber Masson e Adriano Andrade, o status supralegal da Convenção de Mérida, enfática ao estabelecer, em seu artigo 65, item 2, que “Cada Estado Parte poderá adotar medidas mais estritas ou severas que as previstas na Convenção a fim de prevenir e combater a corrupção”.
Conclui-se, assim, que qualquer alteração das regras de combate à improbidade administrativa só será legítima se resultar em um maior rigor das normas de combate a corrupção, de forma que, para além das disposições e interpretações já afastadas pelo Supremo Tribunal Federal, diversas outras também se mostram nitidamente inconvencionais, a exemplo da vedação de aplicação da “remessa necessária invertida” da Lei 4.717/1965 (Lei de Ação Popular) às ações de improbidade administrativa, em descompasso com as regras do microssistema processual coletivo, bem como a alteração da redação do artigo 11, caput, para tornar taxativo o rol de atos atentatórios aos Princípios da Administração Pública, medidas que, sem dúvida, fazem imperiosa uma atuação enfática da Corte Suprema.
6.REFERÊNCIAS
Andrade, Adriano; Masson, Cleber; Andrade, Landolfo. Interesses difusos e coletivos. Vol. 1. 11ª Edição. São Paulo: Método, 2021.
Assumpção, Daniel; Oliveira, Rafael. Comentários à reforma da Lei de Improbidade Administrativa. 1ª Edição. São Paulo: Método, 2022.
Gajardoni, Fernando da Fonseca; Franco, Fernão Borba; Cruz, Luana Pedrosa de Figueiredo; Junior, Luiz Manoel Gomes; Favreto, Rogério. Comentários à Nova Lei de Improbidade Administrativa. 6ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2023.
https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI7236CautelarLeideImprobidade.pdf
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14230.htm#art2
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6315635
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6315955
https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur473324/false
Pós-Graduação em Direito Público pela Universidade Anhanguera - UNIDERP; Graduação em Direito pelo Centro de Estudos Superiores de Maceió - CESMAC. Assessor Judicial no TJAL. Professor de Direito na SEUNE – Sociedade de Ensino Universitário do Nordeste LTDA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, DIOGO BARROS TORRES DE. Posicionamentos do Supremo Tribunal Federal sobre as alterações na lei de improbidade administrativa. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 nov 2023, 04:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/63910/posicionamentos-do-supremo-tribunal-federal-sobre-as-alteraes-na-lei-de-improbidade-administrativa. Acesso em: 21 nov 2024.
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