BIANCA PAULA FERREIRA DOS SANTOS [1]
(coautora)
RESUMO: Após a entrada em vigor da Lei nº 12.846/13, conhecida também como Lei Anticorrupção, o ordenamento jurídico brasileiro ganhou um instrumento legislativo que visa a responsabilização de pessoas jurídicas por práticas lesivas à Administração Pública, que prevê multas de até 20% do faturamento bruto anual da empresa, além de um instrumento consensual para o desmantelo de práticas corruptas, o Acordo de Leniência. Embora seja um instrumento inovador no âmbito da Administração Pública, o Acordo de Leniência ainda apresenta desafios na sua interpretação e aplicação. Neste estudo, buscamos apresentar uma breve síntese do contexto histórico da corrupção no Brasil, explorando a origem da Lei Anticorrupção. O objetivo principal é conhecer o Acordo de Leniência buscando analisar minuciosamente seus impactos, desafios e sua eficácia no cenário brasileiro. Para o desenvolvimento do presente estudo, será adotado o método de pesquisa bibliográfica, a fim de aprofundar a compreensão do tema previamente abordado por estudiosos na área, buscando a complementação ideológica do presente trabalho. O estudo focou em analisar com maior ênfase os desafios na interpretação e aplicação dos acordos de leniência, especialmente no que tange à responsabilização da pessoa natural vinculada à prática do ato ilícito junto à pessoa jurídica leniente, uma vez que, os benefícios decorrentes do acordo serão aplicados exclusivamente à pessoa jurídica. Além disso, o artigo buscou abordar a problemática da competência para celebrar acordos de leniência. Após uma análise apurada, conclui-se que o Acordo de Leniência é uma ferramenta valiosa no combate à corrupção, em contrapartida, seu potencial pode ser otimizado por meio de ajustes legislativos.
Palavras-chave: acordo de leniência. anticorrupção. eficácia. Lei 12.846/13. Decreto nº 11.129/2022.
ABSTRACT: After the entry into force of Law No. 12,846/13, also known as the Anti-Corruption Law, the Brazilian legal system gained a legislative instrument that aims to hold legal entities responsible for practices harmful to the Public Administration, which provides for fines of up to 20% of the company's annual gross revenue. company and a consensual instrument for dismantling corrupt practices, the Leniency Agreement. Although it is an innovative instrument within the scope of Public Administration, the Leniency Agreement still presents challenges in its interpretation and application. Therefore, it is noticeable that even after a decade of the legislation governing the Leniency Agreement being in force, challenges remain in the interpretation and application of this mechanism. In this study, we seek to present a brief summary of the historical context of corruption in Brazil, exploring the origins of the Anti-Corruption Law. Its main objective is to understand the Leniency Agreement, seeking to thoroughly analyze its impacts, challenges and effectiveness in the Brazilian scenario. For the development of the present study, the bibliographical research method will be adopted, in order to deepen the understanding of the topic previously covered by scholars in the area, seeking the ideological complement of the present work. The study focused on analyzing with greater emphasis the challenges in the interpretation and application of Leniency Agreements, especially with regard to the liability of the natural person linked to the practice of the illicit act with the lenient legal entity, since the benefits arising from the agreement will be applied exclusively to legal entities. Furthermore, the article sought to address the issue of competence to enter into leniency agreements. After a thorough analysis, it is concluded that the Leniency Agreement is a valuable tool in the fight against corruption, on the other hand, its potential can be optimized through legislative adjustments.
Keywords: Leniency Agreement. Anti-corruption. Efficiency. Law 12.846/13. Decree 11.129/2022.
A corrupção representa um desafio global que permeia diversas esferas sociais, minando a eficácia dos direitos fundamentais e causando danos irreparáveis à concretização de princípios fundamentais. Verifica-se, pois, que a criação de mecanismos eficazes para combater esse fenômeno é crucial. Em resposta a compromissos internacionais e demandas populares de 2013, o Brasil promulgou a Lei nº 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção empresarial.
Segundo Nucci (2015), essa lei tem como propósito regular a responsabilização objetiva, administrativa e civil de pessoas jurídicas por atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Durante um longo período, existiu uma notável lacuna normativa que regulamentasse a sanção aplicável às pessoas jurídicas envolvidas em atos de corrupção. Anteriormente à sua promulgação, o Brasil enfrentou escândalos de corrupção amplamente divulgados, como a 'Operação Lava Jato', 'Mensalão' e 'Petrolão'. Foi em resposta a esses eventos que a Lei Anticorrupção foi sancionada, visando responsabilizar administrativa e civilmente pessoas jurídicas envolvidas em atos corruptos.
Um elemento inovador introduzido pela legislação foi o Acordo de Leniência, que permite a colaboração na investigação de ilícitos. De acordo com Santos (2015), esses acordos bilaterais entre entidades privadas e a Administração Pública implicam a contribuição dos envolvidos na investigação, em troca da extinção ou redução das sanções aplicáveis. No entanto, a falta de clareza na legislação sobre o Acordo de Leniência impacta diretamente sua aplicação e eficácia.
Este artigo tem como objetivo analisar o Acordo de Leniência sob o viés da Lei nº 12.846/2013. Um problema de pesquisa crucial é entender como os desafios na interpretação e aplicação desses acordos prejudicam sua eficácia no combate à corrupção. Um desses desafios é a competência para celebrar esses acordos, criticada pela amplitude excessiva, conforme Simão e Vianna (2017).
Para atingir esse objetivo, adotaremos uma pesquisa bibliográfica e documental, explorando estudos recentes, artigos, dissertações e legislações pertinentes. Este artigo está organizado em seis partes: a introdução, apresentando objetivos e metodologia; uma seção histórica sobre a corrupção no Brasil; análise da Lei 12.846/13 e sua criação; exploração do Acordo de Leniência, incluindo sua definição, operacionalização, benefícios e desafios; críticas e desafios enfrentados pelo sistema do acordo de leniência brasileiro, como conflitos de competência e questões legislativas; por fim, as considerações finais e referências utilizadas para fundamentar esta pesquisa.
No contexto histórico da corrupção no Brasil, observa-se a presença enraizada desse fenômeno em nossa pátria, cujas as primeiras manifestações remontam ao período colonial, quando o poder era centralizado nas mãos do Rei da Coroa Portuguesa. O rei, centralizador e dirigente, conduzia as operações comerciais do Estado, como se fosse sua empresa, intervindo em tudo, ávido por riquezas e glória (Faoro, 2001). Neste período, ocorriam práticas como o “clientelismo”, que envolviam a venda de cargos públicos, em detrimento dos critérios meritocráticos, privilegiando relações de amizade e favorecimento político, além de outros comportamentos que caracterizavam condutas corruptas.
Somente em 1988, mediante a promulgação da Constituição da República, que o legislador constituinte, em seu artigo. 37, inciso II, estabeleceu que “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração” (Viol, 2021). Com o passar do tempo, as condutas corruptivas foram sendo aperfeiçoadas, adaptando-se às necessidades e particularidades da época.
Como é cediço, o tema corrupção não se limita exclusivamente ao contexto brasileiro. No entanto, em decorrência dessas raízes culturais profundas, resultante do legado da colonização portuguesa, há, ainda, o exercício de influência significativa no cenário atual, apresentando desafios substanciais à consecução de um Estado de Direito com estruturas eficazes de combate à corrupção. Cremonese (2011) afirma que uma das dificuldades na construção da cidadania no Brasil está relacionada ao “peso do passado”, mais especificamente ao legado do período colonial (1500-1822). Durante esse período, os portugueses estabeleceram um vasto território com unidade territorial, linguística, cultural e religiosa, mas também deixaram um país com alta taxa de analfabetismo, uma sociedade baseada na escravidão, uma economia voltada para monocultura e latifúndios, além de um Estado Absolutista.
Sobre o tema corrupção e suas consequências, pode-se afirmar que:
A corrupção tornou-se um dos principais problemas para a gestão pública e para a democracia, questão essa amplamente reconhecida pela opinião pública no Brasil, tendo em vista que 73% dos brasileiros consideram a corrupção como muito grave e 24% como grave (Avritzer e Filgueira, 2011, p. 7).
De fato, a corrupção se revela prejudicial à democracia e à gestão de recursos públicos, uma vez que suas consequências comprometem os princípios essenciais do sistema democrático, resultando, muitas vezes, na apropriação de recursos financeiros que são imprescindíveis para a manutenção da saúde, da educação, da cultura e da segurança pública.
Nesse mesmo sentido, percebe-se, através da análise do Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional (Transparência Internacional Brasil, 2022), que no ano de 2022, de 180 países, o Brasil ficou na 94ª posição. Não obstante, entre 2012 e 2022, o Brasil perdeu 5 pontos no Índice e caiu 25 posições, saindo da 69ª para a 94ª colocação.
Além disso, no ano de 2015, foi verificado, por meio de uma pesquisa realizada pelo Datafolha, que o fenômeno da corrupção pela primeira vez, desde 1990, foi apontado como o maior problema do país (Datafolha, 2015). Esse resultado pode ser, em parte, reflexo dos acontecimentos de junho de 2013, quando os brasileiros, por estarem fartos da corrupção que se fazia presente, saíram às ruas para reivindicar integridade na Administração Pública. De acordo com Carvalhosa (2014, p. 01) “há uma percepção difusa da sociedade civil de que toda e qualquer autoridade é corrupta”. Essa onda de reivindicações foi um dos maiores movimentos populares da história brasileira e ficou conhecida como as ‘manifestações de junho de 2013’.
Pode-se dizer que, para combater a corrupção de forma eficaz no país é imperativo desenvolver alternativas, inclusive no que diz respeito ao aprimoramento do sistema jurídico, uma vez que, em muitas situações, ele não se revela eficiente para alcançar seus objetivos. Com esse aprimoramento, há uma ruptura com o tradicional brocardo de que “o Brasil possui leis suficientes; o que falta é sua aplicação” (Queiroz, 2020). Nesse diapasão, dentre as diversas disposições legais que visam combater condutas ímprobas e corruptas, não havia uma legislação que responsabilizasse pessoas jurídicas. Em 2013 foi, portanto, promulgada a Lei nº 12.846/2013, conhecida também como Lei Anticorrupção (LAC), que estabelece a responsabilização de pessoas jurídicas envolvidas em práticas de atos lesivos à Administração Pública, uma das maiores novidades do mandatário legal foi a criação de um instrumento inédito para o ordenamento jurídico brasileiro: o Acordo de Leniência.
Conforme Pimenta (2020, p. 15) "O caso Watergate foi um episódio da política norte-americana que reconfigurou o controle da corrupção no mundo". Pela visão da autora, o escândalo ficou famoso pelo envolvimento do então Presidente Richard Nixon. O caso revelou uma série de abusos da presidência, além de espionagem e intimidações, as investigações do caso apontaram que empresas americanas haviam financiado ilegalmente a reeleição do Presidente.
O registro mais remoto de um instrumento legal de combate a corrupção foi promulgado em 1977, conhecido como Foreign Corrupt Practies Act (FCPA). Mais tarde, em 1997, foi assinada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (Pimenta, 2020). Nos claros dizeres da autora, a Convenção enfatiza a responsabilização de pessoas jurídicas, estabelecendo que "cada parte deverá tomar as medidas necessárias ao estabelecimento das responsabilidades de pessoas jurídicas pela corrupção de funcionários público de acordo com seus princípios jurídicos”.
Essa convenção representou um marco, uma vez que introduziu pela primeira vez a possibilidade de responsabilização de pessoas jurídicas. Conforme explicado acima é interessante, aliás, destacar que o Brasil ratificou e promulgou esse acordo internacional por meio do Decreto nº 3.678, em 30 de novembro de 2001, seu preâmbulo dispõe "Promulga a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, concluída em Paris, em 17 de dezembro de 1997" (Brasil, 2000).
É importante destacar que o Brasil assumiu outros compromissos a nível internacional, como a Convenção Interamericana contra a Corrupção de 29 de março de 1996, promulgada por meio do Decreto nº 4.410, de 07 de outubro de 2002 (Brasil, 2002). A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, ratificada pelo Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004 (Brasil, 2004). Por último, em 2006, através do Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006 (Brasil, 2006), foi promulgada a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, conhecida também como Convenção de Mérida, essa convenção se destaca como uma das mais relevantes para a criação dos Acordos de Leniência. De acordo com Pimenta (2020, p. 68):
A Convenção de Mérida prevê a adoção de medidas voltadas para que as pessoas que participaram de ilícitos cooperem com a autoridade, com a função de fornecer informações às investigações e para recuperar ativos produtos do delito.
Sobre as convenções acima mencionadas, elucida Pimenta (2020, p. 67) "(...) as próximas convenções ratificadas passam a exigir mais sistematicamente mudanças nos sistemas legais dos países signatários para incluir a responsabilização de pessoas jurídicas por atos de corrupção cometidos em seu benefício". Até o ano de 2013, o Brasil não possuía em seu ordenamento jurídico nenhuma legislação específica para responsabilizar pessoas jurídicas pela prática de atos corruptos. Diante dessa lacuna legislativa e com o propósito de alinhar-se aos compromissos legais internacionais, o Projeto de Lei nº 6.826/2010, que teve como objetivo a responsabilização civil e administrativa de pessoa jurídicas, foi submetido a tramitação prioritária e, em 2013, transformou-se na Lei nº 12.846/13.
O termo "corrupção" deriva do latim corruptus que significa deterioração, processo ou efeito de corromper. No entanto, para elucidar este artigo, podemos conceituá-la como sendo um fator sociopolítico e econômico que envolve a prática de atos corruptos, por agentes públicos, empresas ou indivíduos, que visam lesar à Administração Pública. Klitgaard (1994, p.40) conceitua a corrupção como:
comportamento que se desvia dos deveres formais de uma função pública devido a interesses privados (pessoais, familiares, de grupo fechado) de natureza pecuniária ou para melhorar o status, ou que viola regras contra o exercício de certos tipos de comportamento ligados a interesses privados.
Segundo Nucci (2015) a corrupção resulta em sérios estragos ao Estado, se caracterizando, pela negociata, pelo pacto escuso, pelo acordo ilícito, pela depravação moral de um pessoal. Nesse sentido, a criação de mecanismos que visam o combate à corrupção é imprescindível, isso porque, a corrupção acarreta consequências prejudiciais para a efetivação de direitos e garantias fundamentais no país.
Nessa linha, em resposta à pressão das manifestações de 2013 que, inicialmente, reivindicavam uma melhor gestão dos recursos públicos, e em cumprimento aos acordos internacionais previamente assumidos pelo Brasil, como a Convenção de Mérida. Em 18 de fevereiro de 2010, o Poder Executivo apresentou o Projeto de Lei nº 6.826/2010 que, após um período de discussão de três anos, se transformou na Lei Ordinária nº 12.846/13. É importante mencionar o fato de que o PL 6.826 não é o primeiro projeto de lei a tratar sobre a responsabilização das pessoas jurídicas por atos lesivos à administração pública, tendo como pioneiro no assunto o PL 1.142/2007, apresentado em 23 de maio de 2007.
Com relação ao PL 6.826/2010, é importante mencionar que ele teve sua tramitação acelerada em sua etapa final. Isso se deve, como mencionado anteriormente, à reação popular e em resposta aos compromissos internacionais. Como descrito por Bittencourt (2015), a Lei 12.846/13 denominada como Lei Anticorrupção, foi aprovada pelo Congresso Nacional, em resposta às inúmeras manifestações ocorridas em junho de 2013. Segundo o autor, a legislação trouxe uma mudança de perspectiva no combate à corrupção, ao introduzir o Direito Administrativo Sancionador, visando a responsabilização não apenas das pessoas físicas envolvidas em atos lesivos à administração pública, mas, também, as pessoas jurídicas. Destaca o autor que a legislação está alinhada com a tendência internacional, preenchendo uma lacuna na legislação brasileira, estendendo as sanções por crimes de corrupção cometidos por funcionários às empresas em que trabalham.
Como mencionado anteriormente, é interessante destacar que, embora a Lei Anticorrupção tenha sido aprovada com o propósito de suprir uma lacuna legal visando à responsabilização objetiva de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, sua interpretação requer uma análise cuidadosa, pois, a lei analisada é necessária, mas seus exageros devem ser coibidos (Nucci, 2015).
Sobre a Lei, Bittencourt (2015, p. 15) esclarece que:
Finalmente, após longos anos de trâmite no Congresso Nacional, numa flagrante resposta aos inúmeros protestos de rua ocorridos em junho de 2013, que realçavam a corrupção generalizada em todos os planos federativos, veio à tona a Lei 12.846, de 01.08.2013, já denominada “Lei Anticorrupção”, que inovou o ordenamento jurídico pátrio ao trazer em seu bojo uma mudança de perspectiva no combate à corrupção, porquanto acresce ao Direito Penal e à perseguição à pessoa física, o Direito Administrativo Sancionador, indo ao encalço da pessoa jurídica. Atendendo a uma inclinação internacional, a nova norma preenche uma lacuna existente na legislação brasileira ao alcançar a empresa do corruptor, estendendo as punições dos funcionários envolvidos em crimes de corrupção às empresas nas quais trabalham.
A Lei Anticorrupção inovou o sistema jurídico, trazendo a responsabilidade objetiva de pessoas jurídicas por práticas lesivas à Administração Pública, multas de até 20% do faturamento bruto anual da empresa e um instrumento consensual de solução de conflitos, o Acordo de Leniência. Ao longo deste artigo, o objetivo central será direcionado à análise pormenorizada do Acordo de Leniência e suas implicações.
O Acordo de Leniência está previsto no art. 16 da Lei nº 12.846/13, sendo sua regulamentação estabelecida pelo Decreto nº 11.129 de 11 de julho de 2022. Conforme preconiza o art. 32 do decreto mencionado, o acordo de leniência pode ser definido como um ato administrativo negocial que visa à responsabilização de pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. De acordo com o parágrafo único do artigo 32 e seus incisos, o propósito do acordo de leniência será: o incremento da capacidade investigativa da administração pública; a potencialização da capacidade estatal de recuperação de ativos; e o fomento da cultura de integridade no setor privado (Brasil, 2022).
Conforme explica o Ministério Público Federal (Guia Prático 5 CCR, 2017) "o sentido do instituto do acordo de leniência é impor compromisso e responsabilidade às pessoas jurídicas que voluntariamente se propõem a romper com o envolvimento com a prática ilícita e adotar medidas para manter suas atividades de forma ética e sustentável, em cumprimento à sua função social".
Assim, observar-se, que na Lei nº 12.846, o caput do art. 16, juntamente com seus dois incisos, estabelece os requisitos essenciais para a celebração do acordo de leniência, enquanto seu § 1º detalha os critérios a serem atendidos pela pessoa jurídica leniente. Por outro lado, o Decreto nº 11.129/22 introduz novos critérios a serem cumpridos pela pessoa jurídica, em adição aos estabelecidos no §1º da LAC, conforme será visto em momento oportuno. Caso todos os requisitos e critérios sejam integralmente preenchidos, e o acordo seja efetivado, a parte infratora estará isenta das sanções de publicação da decisão extraordinária e suspensão ou interdição parcial de suas atividades (nos casos em que houver processo judicial). Além disso, o valor da multa aplicável será reduzido em até 2/3 (Hartmann, [s.d]).
Como mencionado anteriormente, o acordo de leniência é um instrumento que pretende contribuir no combate das práticas de atos corruptos. Por isso, seu objetivo principal é a restauração da moralidade administrativa, um princípio fundamental para a gestão estatal, nos termos do art. 37, caput, da Constituição da República.
Dessa maneira, o Acordo de Leniência surge como um instrumento necessário na prevenção e no combate da corrupção, considerando que, no âmbito das investigações de práticas corruptas, a Administração Pública se depara frequentemente com dificuldades relacionadas à obtenção de evidências probatórias dessas práticas, ao mesmo tempo em que, por muitas vezes, a restituição ao erário se mostra um processo moroso. Portanto, a colaboração da pessoa jurídica leniente se apresenta como uma facilitadora desse processo, visto que, a empresa envolvida é compelida a contribuir de maneira eficaz, identificando os participantes na infração, quando couber (art. 16, I, da Lei Anticorrupção - LAC), bem como apresentado informações e documentos de forma célere e que comprovem o ilícito sob apuração (art. 16, II, da LAC).
Em síntese, o Acordo de Leniência é uma ferramenta importante na prevenção da corrupção, a qual busca impor compromissos e responsabilidades às empresas dispostas a romper com práticas ilícitas e adotar medidas éticas e sustentáveis.
O termo leniência deriva do latim lenitate, que significa mansidão, brandura ou suavidade. Logo, percebe-se, que a terminologia "acordo de leniência" foi escolhida assertivamente, dado que, o instituto prevê que a pessoa jurídica leniente, ao cumprir integralmente todos os requisitos estipulados no §1º do Art. 16 da Lei 12.846/13, assim como os requisitos acrescidos nos incisos VI e VII do Decreto nº 11.129/22, terá sua penalidade atenuada, suavizada, ou seja, ocorrerá a leniência das penas aplicadas àquelas pessoas jurídicas que praticaram algum ato contra à administração pública. Na precisa definição de Marrara (2015, p. 512) "o chamado ‘acordo de leniência’ designa um ajuste entre certo ente estatal e um infrator confesso pelo qual o primeiro recebe a colaboração probatória do segundo em troca da suavização da punição ou mesmo da sua extinção".
Nesse mesmo viés, pode-se dizer que o acordo de leniência é um ajuste que faz parte do processo administrativo sancionador, envolvendo a celebração entre a autoridade estatal responsável pela imposição de punições e um infrator que deseja colaborar com o Estado, fornecendo informações ou assistência nas investigações, com o objetivo de obter redução ou imunidade das sanções aplicáveis no processo administrativo ou em outras esferas (Di Pietro e Marrara, 2017).
O acordo se apresenta como um mecanismo alternativo à resolução de conflitos, haja vista que é celebrado por consentimento mútuo das partes, sem nenhuma interferência de terceiros, onde, de um lado, temos a Administração Pública e, de outro, a Pessoa Jurídica leniente. Nesse sentido, Simão e Vianna (2017, p.59) "Nessa concepção, pode-se dizer que o acordo de leniência é uma espécie do gênero transação. Pegando-se de empréstimo o conceito trazido pelo Código Civil brasileiro (art. 840), entende-se que transação é o meio pelo qual duas partes previnem ou terminam um litígio, por meio de concessões mútuas".
Nesse contexto, o propósito do acordo de leniência é desmantelar o sistema de corrupção, por meio de um modelo que se vale de mecanismos consensuais de resolução de conflitos. Conforme afirma Ferraz (2015, p. 40):
O acordo de leniência não só encerra uma situação de litigiosidade entre a Administração e o administrado (fim sempre desejável), como facilita a apuração e a correção de ilícitos ocorridos, ao mesmo tempo em que atua como eloquente fator de prevenção ao cometimento de outros. (…) Ademais disso, além de contribuir fortemente para a restauração do princípio da moralidade, realiza excelsamente as metas do princípio da eficiência.
Por todas essas razões, chega-se à conclusão de que "(...) o elemento fundamental para a celebração do acordo de leniência deve ser sempre a busca pelo aumento da capacidade investigativa do Estado para, desse modo, alcançar maior punição dos atos de corrupção" (Simão e Vianna, 2017, p. 61). Assim, para uma compreensão dos capítulos subsequentes, é preciso que fique nítido que o acordo de leniência se refere a acordos celebrados entre o Poder Público e a pessoa jurídica envolvida em atos contrários à administração pública, nos quais esta se compromete a colaborar na produção de provas e, em contrapartida, à atenuação das sanções a ela aplicadas.
O acordo de leniência tem sua origem estadunidense, na década de 1978, pelo Departamento de Justiça, o instituto intitulado como Corporate Leniency Program tinha o propósito de buscar a repreensão de atos ilícitos anticoncorrenciais, onde qualquer integrante de quartel poderia celebrar acordo com a autoridade antitruste, desde que fosse o primeiro a denunciar o conluio, antes mesmo do início de qualquer investigação. Como benefício, o delator seria agraciado com a concessão de "anistia" penal, o que significa que nenhuma acusação criminal seria permitida contra ele em relação à conduta antitruste praticada, além de ser isento às sanções pecuniárias. Ocorre que a observância das exigências legais para a celebração do acordo não assegurava o benefício da anistia, isso se devia ao fato de que a concessão dos benefícios estava sujeita à discricionariedade da Divisão Antitruste do Departamento de Justiça norte-americano. Esse fato causou grande insegurança jurídica, comprometendo, assim, a eficácia do acordo de leniência (Salomi, 2012).
No contexto do tema combate à corrupção, os Estados Unidos também foi o país pioneiro em seu combate. De acordo com Xavier (2015) antes da década de 1990, somente os Estados Unidos tinham regulamentações de combate à corrupção, notadamente o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), uma lei aprovada em 19 de dezembro de 1977, pelo Congresso dos Estados Unidos. O FCPA tinha como objetivo combater o suborno de funcionários públicos estrangeiros e restaurar a confiança do público na integridade do sistema empresarial.
No Brasil, o Acordo de Leniência não é novidade da Lei Anticorrupção, o instrumento surge com a Medida Provisória nº 2.055/2000, posteriormente convertida na Lei nº 10.149 de 2000 (que altera e acrescenta dispositivos à Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994), nos artigos 35-B e 35-C. Além de estabelecer uma regulamentação detalhada, a lei condicionava a eficácia do acordo de leniência à obtenção de resultados específicos, como a identificação de outros coautores da infração e a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração em questão. Mesmo com a revogação da Lei nº 8.884/94 pela Lei nº 12.529 de 2011, o instituto do acordo de leniência foi preservado em seus artigos 86 e 87 (Souza, 2016). Pode-se dizer que a Lei Antitruste surge como mecanismo de controle com escopo na prevenção de práticas anticoncorrenciais. Outrossim, a Lei Anticorrupção tem normas direcionadas à prevenção e sancionamento de atos lesivos ao patrimônio e interesse públicos.
Conforme citado anteriormente, a finalidade da Lei anticorrupção e da Lei antitruste são diferentes. Nesse sentido, Caser (2013, p. 214) esclarece que:
A finalidade da Lei Anticorrupção é evidenciada no primeiro artigo da Lei: “Esta Lei dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira” (BRASIL, 2013). Trata-se, portanto, de uma finalidade de atribuição de responsabilidade objetiva restrita às pessoas jurídica nos âmbitos civil e administrativo. A finalidade da Lei antitruste também é evidenciada no primeiro artigo da Lei: Esta Lei estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência - SBDC e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico (BRASIL, 2011).
Nessa perspectiva, o acordo de leniência da Lei Anticorrupção, objeto desse artigo, encontra-se presente em seu art. 16 e sua regulamentação estabelecida pelo Decreto nº 11.129. Assim, iremos estudar as minúcias desse instrumento nos capítulos subsequentes, sob a luz desses dois diplomas legislativos.
Conforme explicado, o Acordo de Leniência é o instrumento criado pelo ordenamento jurídico com a finalidade de controlar a corrupção, durante um período de diversos escândalos no país.
Para se pensar na organização do Acordo de Leniência, é importante observar seu procedimento, que envolve várias etapas, a saber: a proposta, a análise, a negociação e a celebração do acordo. Além disso, destaca-se que o Acordo de Leniência é aplicável em situações que envolvam fusões ou incorporações de empresas que tenham cometido atos lesivos à Administração Pública, conforme estipulado no artigo 5º da Lei nº 12.846/13.
Com relação à proposta, o Decreto n° 11.129/2022, em seu artigo 38, determina que deverá ser feita de forma escrita, declarando expressamente que foi orientada a respeito de seus direitos, garantias e deveres legais, inclusive de que está ciente de que o não atendimento às determinações e às solicitações durante a etapa de negociação importará a desistência da proposta.
Quanto à análise, a proposta apresentada será submetida ao juízo de admissibilidade para verificação. Uma vez admitida a proposta, procede-se à assinatura de um memorando de entendimentos com a pessoa jurídica proponente, definindo os parâmetros da negociação do acordo de leniência. Importante destacar que o memorando de entendimentos pode ser resilido a qualquer momento, seja por solicitação da pessoa jurídica proponente ou a critério da administração pública federal. A assinatura desse memorando possui implicações legais, interrompendo a prescrição e suspendendo-a durante o prazo da negociação, limitado, em qualquer circunstância, a trezentos e sessenta dias, em consonância com o disposto no artigo 39 do Decreto de regulamentação da LAC.
Ademais, o Decreto estipula que a negociação a respeito da proposta do acordo de leniência deverá ser concluída no prazo de cento e oitenta dias, contados a partir da data da assinatura do memorando de entendimentos, podendo ser prorrogado caso presentes circunstâncias justificativas que o exijam, nos termos do seu artigo 42.
Embora o acordo traga benefícios por meio da colaboração da parte, é importante destacar que, conforme apontado por Henrique e Antabi (2023) em sua análise da LAC, a lei carece de elementos essenciais que podem comprometer a efetividade do programa de leniência, potencialmente resultando em alguns prejuízos, por exemplo, a impunidade para as partes envolvidas.
Há autores que entendem que o ordenamento deveria ter seguido outro procedimento no lugar da manifestação inicial da empresa que se interesse em colaborar.
Ponderamos que o elemento central para julgar o grau de efetividade do acordo de leniência para o Estado é o ineditismo da informação trazida pelo preponente. É a possibilidade de a Administração ter conhecimento de uma infração que, pelos métodos convencionais de investigação, ela teria grande dificuldade para obter (Simão e Vianna, 2017, p.119).
Conforme citado acima, percebe-se que o primordial na análise da efetividade da aplicação do acordo de leniência é que a informação fornecida por aquele que busca colaborar seja inédita, a ponto de a Administração não conseguir obtê-las de outra maneira. Nesse sentido, uma proposta para melhoria do funcionamento desse instrumento seria ampliar a oportunidade de colaboração para outras pessoas, não se limitando aos requisitos estipulados no artigo 16, parágrafo 1º, da Lei 12.846/2013 e no artigo 37 do Decreto n° 11.129/2022. Isso se justifica, pois, como destacam Simão e Vianna (2017), "um dos objetivos do acordo é criar a concorrência como meio de colaboração, embora haja casos em que o ilícito é praticado de forma unilateral".
Assim, no decorrer deste estudo, abordaremos o tema do Acordo de Leniência e sua efetividade como ferramenta no combate à corrupção e promoção da integridade nas relações entre o setor privado e a Administração Pública. Conforme elucidado, verifica-se que a capacidade da Administração Pública de acessar informações que seriam de difícil obtenção por métodos convencionais de investigação é um dos principais diferenciais deste instrumento. No entanto, é notório que há espaço para melhorias na legislação e na prática do Acordo de Leniência.
Para melhor compreensão dos procedimentos e requisitos para celebração do Acordo de Leniência, é imprescindível destacar que o processo se inicia com o pedido de acordo fornecido pela pessoa jurídica envolvida em atos lesivos à Administração Pública, sendo necessário que seja a primeira a manifestar interesse em cooperar para a apuração de ato lesivo específico, quando tal circunstância for relevante. Após o envio, é necessário fornecer informações e documentos que comprovem a infração relatada, aguardando negociações até a assinatura do Acordo de Leniência.
No que se refere aos requisitos, a Lei 12.846/2013 estabelece que a celebração do acordo de leniência deve cumprir cumulativamente os requisitos elencados no artigo 16, § 1º, isso implica que a pessoa jurídica deve ser a primeira a manifestar seu interesse em colaborar na apuração do ato ilícito, além disso, a pessoa jurídica deve extinguir completamente seu envolvimento na infração a partir da data de apresentação do acordo, sendo, ainda, indispensável que a pessoa jurídica admita sua participação no ato ilícito e coopere plena e continuamente com as apurações e com o processo administrativo, atendendo a todos os atos processuais solicitados, assumindo os custos envolvidos, até o encerramento do processo (Brasil, 2013).
Ainda, o Decreto n° 11.129/2022, em seu artigo 37, incisos V, VI e VII, exige que a pessoa jurídica forneça informações, documentos e elementos que comprovem o ato ilícito; repare integralmente a parcela incontroversa do dano causado; e perca, em favor do ente lesado ou da União, conforme o caso, os valores correspondentes ao acréscimo patrimonial indevido ou ao enriquecimento ilícito direta ou indiretamente obtido da infração, nos termos e nos montantes definidos na negociação. Logo de início, percebe-se que o Decreto ampliou o rol de requisitos a serem cumpridos pela pessoa jurídica interessada em celebrar o acordo de leniência.
Entendido os requisitos e as etapas para a celebração do acordo, faz-se necessário entender, finalmente, de quem é a competência para celebrar tal instrumento e qual responsabilização é cabível. Sobre a competência para celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo Federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira, a Lei Anticorrupção (LAC) prevê em seu artigo. 16, §10º, que é de competência da Controladoria Geral da União - CGU. Ademais, há de se verificar que, além desta previsão da LAC, o Decreto nº 11.129/22, reitera, em seu artigo 34, a competência da Controladoria-Geral da União. Por outro lado, quando se tratar de outras esferas, a Lei prevê que será de competência da autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública.
Sob tal ótica, entendemos a importância de ser estudado não só o conceito do que é o Acordo de Leniência, mas sim, de sabermos o procedimento observado no referido instrumento, sabendo como deverá ser requerido, quais requisitos devem ser observados e, principalmente, qual a responsabilização resultante deste acordo. Sobre a responsabilização, vale ressaltar, ainda, que é de suma necessidade que seja entendida a comunicação da Lei Anticorrupção com as normais penais, as quais trazem consequências não somente à pessoa jurídica que tenha lesado à Administração Pública, mas, também, a pessoa natural nos termos das normas penais.
Diante exposto e sob a perspectiva de que a Lei Anticorrupção veio para suprir lacunas nas legislações anteriores à referida lei, percebe-se que ela ainda carece de regulamentação em alguns pontos a fim de garantir a efetividade na celebração dos Acordos de Leniência. Sendo assim, faz-se necessário a criação de medidas para reduzir as lacunas existentes nos procedimentos aplicados para oferecimento de tal acordo.
Os benefícios concedidos às empresas pela colaboração estão estabelecidos no artigo. 16, §2º e artigo. 17, ambos da LAC, que são: isenção da sanção do inciso II do artigo 6º e do inciso IV do artigo 19, flexibilização em até 2/3 o valor da multa aplicável, atenuação ou isenção das penalidades previstas na Lei de Licitações e Contratos, além de interromper o prazo prescricional da pretensão punitiva em relação aos atos ilícitos objeto do acordo, nos termos do disposto no § 9º da Lei em comento (Brasil, 2013).
Ademais, conforme mencionado anteriormente, o Decreto nº 11.129/22 regulamenta a Lei Anticorrupção. Assim, além dos benefícios constantes na Lei, o decreto estabelece mais alguns benefícios concedidos à pessoa jurídica leniente. Em seu artigo. 50, inciso II, isenta a pessoa jurídica da proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicos e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo Poder Público. Acrescenta, também, em seu § 1º, que, no acordo de leniência poderá ser pactuado a resolução de ações judiciais que tenham por objeto os fatos que compõem o escopo do acordo (Brasil, 2022). Isso torna o acordo atraente para as empresas ao promover a cooperação e reduzir as sanções administrativas.
Contudo, como observam Simão e Vianna (2017), a Lei 12.846/2013, não oferece imunidade para pessoas físicas, mas apenas benefícios para pessoas jurídicas, o que pode desestimular na adesão do acordo, conforme será visto adiante.
Em suma, os autores explicam que o Acordo de Leniência busca beneficiar àqueles responsáveis na esfera administrativa, ou seja, as empresas praticantes dos atos lesivos à Administração Pública, e, aos indivíduos que serão responsabilizados penalmente não haverá expansão dos benefícios. Conforme explicado acima, os benefícios serão voltados às pessoas jurídicas e servem como incentivo à colaboração.
Os benefícios trazidos pela Lei Anticorrupção, bem como por seu decreto, é um diferencial de todos os instrumentos já criados. Isso se deve ao incentivo que é proporcionado à pessoa jurídica ao se dispor a colaborar com as investigações.
Vê-se, pois, que é oferecido benefícios substanciais às empresas que optam por cooperar com as autoridades na identificação e na proteção de atos ilícitos contra a Administração Pública, incluindo a isenção de sanções, a redução de multas e a interrupção do prazo prescricional das infrações. Todavia, há limitações em relação aos benefícios concedidos, uma vez que se restringem ao âmbito das avaliações administrativas, não abrangendo por completo a pessoa jurídica colaboradora, que ainda está sujeita a uma multa reduzida. Além disso, os efeitos do acordo de leniência não se estendem às esferas civil e criminal, limitando-se ao processo administrativo. No entanto, apesar de tais limitações, é indiscutível o fato de que esse instrumento desempenha um papel significativo na promoção da colaboração no combate à corrupção. Ao promover o sistema de cooperação, o referido instrumento contribui para a eficácia das investigações e a responsabilização das empresas envolvidas em atos lesivos à Administração Pública.
Conforme exposto, o Acordo de Leniência é de suma importância na penalização de atos lesivos à Administração Pública e, por essa razão, tem particular relevância em nosso ordenamento jurídico. Outrossim, existem situações em que o acordo não é efetivado, seja por descumprimento, desistência ou recusa, e, consequentemente, haverá reflexos à empresa que quebre o acordo.
Com relação ao cumprimento do acordo de leniência pela pessoa jurídica colaboradora, a autoridade competente, conforme estabelecido no artigo 52 do Decreto nº 11.129/022, declarará: o cumprimento das obrigações constantes no acordo; a isenção das sanções estipuladas no inciso II do caput do artigo 6º e no inciso IV do caput do artigo 19 da Lei nº 12.846/13, assim como de outras sanções aplicáveis ao caso; o cumprimento da sanção prevista no inciso I do caput do artigo 6º da Lei 12.846/13; e, o atendimento dos compromissos assumidos de que tratam os incisos II a VII do caput do artigo 37 do Decreto.
De outro modo, Nohara (2021) explica que se não houver cumprimento do acordo por parte da empresa, ela será sancionada a pagar pela multa integral, sem a redução que havia sido negociada, além disso, a pessoa jurídica ficará proibida de celebrar novo acordo durante três anos, a contar da ciência do descumprimento. Portanto, faz-se necessário ressaltar as consequências na ocorrência do descumprimento, desistência ou recusa do referido acordo.
Primeiramente, no que tange ao descumprimento do acordo, a Lei Anticorrupção prevê em seu artigo 16, §8º que, para esta hipótese, a empresa ficará impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de três anos, contados do conhecimento pela administração pública do referido descumprimento. Já o Decreto n° 11.129/2022, em seu artigo 45, II, estabelece que, nestes casos, a pessoa jurídica perderá os benefícios pactuados. Além disso, o artigo 53, reforça que, declarada a rescisão do acordo de leniência pela autoridade competente, em caso de seu injustificado descumprimento, a pessoa jurídica perderá os benefícios pactuados e ficará proibida de celebrar novo acordo pelo período de três anos, contado da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa que julgar rescindido o acordo. Acrescenta, ainda, que, haverá o vencimento antecipado das parcelas não pagas e serão executados o valor integral da multa, com desconto das frações eventualmente quitadas; os valores integrais referentes aos danos, ao enriquecimento indevido e a outros valores acordados, descontando-se as frações já pagas; e a aplicação das demais sanções e consequências estipuladas nos termos dos acordos de leniência e na legislação aplicável. Por fim, o parágrafo único do artigo destaca que o descumprimento do acordo, será registrado pela Controladoria-Geral da União no Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP) por um período de três anos.
Em segundo lugar, a pessoa jurídica poderá, antes da celebração do acordo, desistir da proposta. Nesse sentido, o Decreto n° 11.129/2022 prevê que o não atendimento às determinações e às solicitações durante a etapa de negociação, importará em desistência, sem que isso signifique reconhecimento da prática do ato lesivo. É importante frisar que o artigo 43 do Decreto estabelece que a desistência da proposta ou sua rejeição também não implicam no reconhecimento da prática do ato lesivo. Aliás, o §2º desse artigo reforça que, no caso de desistência ou rejeição, a administração pública federal não poderá utilizar os documentos recebidos durante as negociações do acordo de leniência. Em contrapartida, o §3º esclarece que essa restrição não impede a apuração dos fatos relacionados à proposta, desde que haja indícios ou provas autônomas que sejam obtidos ou levados ao conhecimento da autoridade por qualquer outro meio.
Sendo assim, é notória a importância do cumprimento do acordo, por sua relevância para o combate à corrupção, bem como pelos benefícios concedidos aos signatários.
Apesar de inovador, o Acordo de Leniência, embora se encontre regulamentado em uma lei que se encontra em vigor há praticamente dez anos, ainda apresenta desafios na sua interpretação e aplicação. Conforme explicam Simão e Vianna (2017), deve-se evitar margem para uma interpretação equivocada de que a empresa não possui a obrigação de apresentar as informações e provas no que se refere às pessoas físicas, de quem ela possua conhecimento de envolvimento na infração.
Os autores Simão e Vianna (2017) elucidam, ainda, que, apesar de sua responsabilidade ser objetiva, a empresa não deve usar desta razão para apresentar provas que visam ocultar a identidade daqueles que, de fato, praticaram os atos ilícitos. Diante disso, a empresa deverá fornecer não somente as provas de seu envolvimento com a prática delituosa, mas, também, apontar as pessoas naturais que efetivamente praticaram a ação.
Consoante explicado acima, é notória a necessidade de uma interpretação precisa, fazendo-se importante o entendimento claro e preciso das disposições do Acordo de Leniência, a fim de garantir a eficácia de sua aplicação. Em outras palavras, deve-se evitar ambiguidades que possam comprometer a integridade do processo, para que não haja abertura de margens para interpretações equivocadas, uma vez que este equívoco pode minar os objetivos do acordo, portanto, é necessário um entendimento preciso das responsabilidades da empresa no processo de leniência.
Sob tal perspectiva, verifica-se que a empresa colaboradora deverá ser transparente e apontar as pessoas naturais envolvidas na prática do ato lesivo contra a Administração Pública. Nestes termos, é importante ressaltar que:
(...) as pessoas físicas praticam ilícitos por meio da pessoa jurídica, os quais podem resultar em responsabilidade nos âmbitos cível, criminal e de improbidade administrativa, demandando que a adesão para a colaboração com as autoridades públicas, para ser coerente, também as abranja (Batich et al., 2020, p.1).
Sendo assim, é perceptível que, mesmo após uma década de vigência da legislação que rege o Acordo de Leniência, subsistem desafios na interpretação e aplicação deste mecanismo, sendo a principal relacionada à responsabilização da pessoa natural vinculada à prática do ato ilícito, bem como a não legitimação do Ministério Público para celebrar acordos de leniência. Ademais, vale ressaltar que para que o referido instrumento seja eficaz, é de suma importância a interpretação precisa de suas disposições, nestes termos, deve-se buscar evitar ambiguidades nesta interpretação. Em suma, para que haja uma aplicação eficaz do acordo, far-se-á necessário o comprometimento coerente com a transparência e a responsabilidade, e também é precisa a definição concreta da competência para aplicação de tal acordo, garantindo que a colaboração esteja alinhada com os princípios legais e éticos que fundamentam esse importante instrumento no combate à corrupção, contando com a presença de um órgão responsável por sua fiscalização.
Tendo em vista tais considerações, é importante considerar os contra-argumentos sobre o sistema de leniência. O Acordo de Leniência é um instrumento inovador e tal fator é inquestionável, entretanto, o sistema ainda carece de melhorias para que seja mais eficaz. Conforme explica Rodas (2023), o instrumento é importante, no entanto, promoveu alguns abusos, por não observar a responsabilidade penal das pessoas naturais causadoras do ilícito, bem como por não possuir uma competência estabelecida.
De acordo com Nucci (2015), a Lei Anticorrupção estabelece condutas tipificadas e efeitos delituosos de substância penal. Contudo, é importante ressaltar que, por não abordar diretamente a responsabilidade na esfera criminal, torna-se fundamental observar as garantias previstas na legislação penal, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) nos processos administrativos correlatos. Sendo assim, verifica-se uma das dificuldades na eficácia do acordo, uma vez que a lei não contempla disposições específicas para fins de responsabilização criminal.
Como mencionado, é importante considerar que a ausência de uma abordagem direta sobre a responsabilidade na esfera criminal na LAC representa um desafio substancial para a eficácia do acordo. O autor ressalta, ainda, a necessidade de se atentar às garantias previstas na legislação penal, conforme interpretadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em processos administrativos correlatos. Esta observação se faz importante para que se possa preencher as referidas lacunas legislativas e, inclusive, para se garantir a aplicação dos princípios assegurados pela legislação penal. Ademais, vale ressaltar que estas lacunas podem resultar em interpretações divergentes e desafios na aplicação efetiva do acordo, o que resulta no prejuízo da harmonização entre os objetivos administrativos e as garantias individuais previstas no âmbito penal.
Conforme explicam Shulz e Brasil (2021), é perceptível que o sistema de leniência não contempla benefícios para a pessoa natural que cometa a conduta ilícita, mas apenas à pessoa jurídica colaboradora. Os autores deixam claro que esse obstáculo é um óbice substancial para que tal instrumento seja celebrado de forma eficaz.
Conforme mencionado pelo autor Nucci, a Lei Anticorrupção, ao estabelecer condutas tipificadas e impor efeitos delituosos de natureza penal, deixa uma lacuna significativa ao não abordar diretamente a responsabilidade na esfera criminal. Essa omissão torna crucial a observância das garantias previstas na legislação penal, conforme interpretadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em consonância, a abordagem trazida por Shulz e Brasil destaca um segundo obstáculo substancial relacionado ao Acordo de Leniência, que se refere à falta de benefícios previstos pela LAC no que tange às pessoas naturais envolvidas na conduta lesiva em face da Administração Pública. Essa imprevisibilidade faz com que muitas vezes o acordo não seja uma boa oportunidade, uma vez que as pessoas jurídicas, que são representadas por pessoas naturais, não se sentem atraídas em colaborar, uma vez que esses últimos não serão contemplados em benefícios. Ainda sobre a falta de previsão de benefícios, os autores Batich et al. (2020, p. 1), salientam que: "a ausência de previsão, ou mesmo a dificuldade na obtenção, de benefícios na esfera criminal, cível e em outras esferas administrativas representa um desincentivo ao acordo".
Nesse viés, é perceptível a necessidade de aprimoramentos para a eficácia do Acordo de Leniência, tendo em vista a existência de alguns obstáculos a serem enfrentados como, por exemplo, a ausência de disposições claras sobre a responsabilidade penal e a falta de previsão de benefícios para a pessoa natural, para celebração de tal instrumento. Sob tal ótica, é notória a importância de aprimorar o sistema de leniência, considerando a responsabilidade penal, os benefícios para colaboração em favor das pessoas físicas e a necessidade de proteções claras ao colaborador. Tais melhorias são de suma importância para fortalecer a eficácia do instrumento, harmonizando os objetivos administrativos com as garantias individuais previstas na legislação penal.
No entanto, para que haja tais melhorias devem ser realizados por meio de adequação legislativa, pois, conforme explicam Simão e Vianna (2017, p. 176):
Ainda que a legislação esteja sujeita a críticas e incrementos, a LAC permanece válida, e a observância aos preceitos elaborados pelo legislador deve ser cumprida até que uma norma em sentido contrário assim disponha ou uma decisão judicial vinculante determine.
Neste sentido, verifica-se a importância de se buscar melhorias, uma vez que, apesar de tais críticas aqui apontadas, os autores deixam claro que, enquanto a legislação não for alterada, deverão ser respeitadas as normas já existentes, o que ocasiona em uma eficácia precária do acordo de leniência. Portanto, verificamos a necessidade de se compreender quais são gargalos da aplicação do referido acordo, a fim de melhor se entender o que e como devem ser trabalhados.
Conclui-se, assim, que o Acordo de Leniência, suscita debates significativos sobre a sua eficácia. Verifica-se que a falta de atenção pela responsabilidade penal dos indivíduos e a ausência de previsão de benefícios para a pessoa natural destacam a real necessidade de aprimoramentos legislativos para enfrentar esses desafios. Ademais, verifica-se a importância da necessidade dos aprimoramentos legislativos, pois, conforme mencionado, enquanto não houver essas melhorias o sistema de leniência permanecerá sendo executado da forma em que se encontra.
Quanto à competência para a celebração do acordo de leniência, o artigo 16 nos traz em seu texto que "a autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei (...)", já o § 10º dispõe que a “Controladoria-Geral da União – CGU é o órgão competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira” (Brasil, 2015). Nesses termos, com exceção no âmbito Federal, a competência para a celebração do acordo de leniência é conferida às autoridades máximas de órgãos e entidades públicas em todas as esferas de governo.
Do ponto de vista de Simão e Vianna (2017) a decisão do legislador foi assertiva ao criar uma regra específica para o Poder Executivo Federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira. Segundo os autores, a regra está alinhada com o disposto no §2º do art. 8º da Lei Anticorrupção, que conferiu à CGU a competência concorrente para iniciar processos de responsabilização de pessoas jurídicas ou avocar aqueles iniciados por outros órgãos, a fim de examinar sua regularidade ou corrigir o seu andamento. Contudo, atribuir à CGU competência exclusiva para celebrar acordos de leniência no âmbito federal pode gerar conflitos com outros órgãos, como o Ministério Público Federal (MPF) e o Tribunal de Contas da União (TCU).
É interessante, aliás, destacar que a vasta generosidade da lei ao conceder a competência às autoridades máximas de órgãos e entidades públicas em todas as esferas de governo, causa uma insegurança jurídica na aplicação dos acordos de leniência. À luz disso, sustenta Simão e Vianna (2017, p. 104) "a doutrina se debruçou sobre o tema e criticou a norma por sua generosidade ao distribuir a competência para celebração do acordo de leniência a uma pluralidade tão vasta de dirigentes".
Conforme Pereira (2016), a controvérsia em torno desse tema reside na argumentação de que a celebração de acordos de leniência pela CGU, sem a concordância e participação do MPF e do Tribunal de Contas da União, pode comprometer as investigações desses órgãos. O autor deixa claro, ainda, que além do comprometimento das investigações, poderia prejudicar a aplicação de penalidades por crimes de corrupção e a adequada quantificação dos prejuízos causados. Não obstante, destaca Queiroz e Andrade (2020, p. 132):
Apesar do Ministério Público ser a instituição, por excelência, vocacionada ao combate da corrupção e na defesa do Patrimônio Público, por meio da ação penal pública, da ação civil pública e do inquérito civil, de acordo com a Magna Carta de 1988, o legislador –que não é impessoal e não é isento- foi omisso no que se refere à participação desta instituição na fiscalização e na celebração do acordo de leniência, atribuindo-se essa tarefa, em sua totalidade, à autoridade máxima de cada entidade ou órgão, à qual podem ser estendidas as mesmas críticas anteriormente explanadas. Sendo ela, em regra, a responsável pelas práticas corruptivas, por possuir as competências para deflagrar e homologar as licitações e celebrar os contratos administrativos como, privativamente, encarregá-la da celebração dos acordos de leniência?
Pode-se dizer que a Lei Anticorrupção, especialmente em seu artigo 16, exige uma revisão para extinguir interpretações no que tange à celebração dos acordos de leniência. Neste contexto, fica claro que conforme expressamente estabelecido pela Constituição da República, em seu artigo 129, inciso III, a competência para combater a corrupção e defender o Patrimônio Público é exclusiva do Ministério Público. Logo, a participação do Ministério Público, quer na qualidade de competente para celebração do acordo ou como custo legis, revela-se imprescindível para assegurar a observância de princípios constitucionais, bem como os norteadores do Direito Administrativo. Esses princípios devem ser observados pois conforme mencionado pelos autores Queiroz e Andrade (2020, p. 132) "(...) as empresas privadas interessadas em colaborar com a Justiça poderão ser impedidas de firmar essa espécie de acordo, haja vista serem estas autoridades, de acordo com o cotidiano do país, as mesmas envolvidas em atos de corrupção". Em uma perspectiva diferente, Carvalhosa (2015, p. 391) entende que "Deve, assim, ser desconsiderado em parte o caput do artigo 16 para prevalecer a regra contida no seu referido § 10º também nos planos estadual e municipal, bem como nos demais Poderes – Legislativo e Judiciários – nas três instâncias federativas".
Ora, em tese, conforme explicado acima, a não legitimação do Ministério Público como órgão competente para a celebração de acordos de leniência pode causar prejuízos à pessoa jurídica leniente, como, por exemplo, a possibilidade da instauração de uma investigação e, posteriormente, a propositura de uma Ação Penal Pública, sobre o fato confessado pela empresa. Com isso, com base no que foi exposto, conclui-se que, seguindo a linha exposta por Queiroz e Andrade, torna-se indispensável, no mínimo, a participação do Ministério Público junto à CGU, como custo legis no processo de celebração do acordo de leniência.
Nesse contexto, mostra-se importante, destacar, sobre o Projeto de Lei nº 105/2015. Pereira (2016, p. 81) elucida que:
(...) o Senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) editou o Projeto de Lei do Senado nº 105/2015, pelo qual pretendia alterar a Lei Anticorrupção, na orientação de condicionar todos os acordos de leniência à apreciação do Ministério Público, que ficaria responsável pelo exame de legalidade, moralidade, razoabilidade e proporcionalidade, concedendo sua anuência ou não para a assinatura dos ajustes. Por si só, essa proposta seria suficiente para acabar com a insegurança jurídica nas negociações, uma vez que a anuência do órgão ministerial inviabilizaria medidas judiciais desarrazoadas contra empresas em momento posterior ao enlace.
Contudo, o Senado usurpou o projeto, aprovou um substitutivo que supostamente inclui o parquet como legitimado a celebrar os acordos de leniência, mas que, na realidade, é omisso ao não explicitar claramente o papel do Ministério Público perante os acordos e, além disso, abre possibilidade para que a Controladoria Geral da União e a Advocacia Geral da União firmem os acertos isoladamente, sem qualquer fiscalização.
O autor deixa claro na citação acima que o Projeto de Lei nº 105/2015 seria suficiente para acabar com as inseguranças jurídicas nas negociações, uma vez que sua proposta era condicionar todos os acordos de leniência à apreciação do Ministério Público. Esse é o motivo pelo qual é importante frisar esse ponto, uma vez que a não participação do parquet nas negociações pode acarretar diversos prejuízos na eficácia do acordo. Além disso, o PL substitutivo citado acima tramita na Câmara dos Deputados sob o nº 3.636 de 2015. O autor esclarece, ainda, que o PL “modifica negativamente várias passagens do texto original da Lei nº 12.846/2015 que tratam do acordo de leniência, deturpando a essência do instituto”.
Dessa forma, espera-se que "o Poder Público envide esforços no sentido de implementar uma atuação coordenada entre CGU, AGU, MPF e TCU, por meio da regulamentação do instituto da mediação nos Acordos de Leniência, a fim de se dirimir eventuais divergências que surjam entre os envolvidos nas negociações." (Bessa, 2017). Por todas essas razões, é evidente que o conflito de competência para celebração do acordo de leniência emerge como uma complexa questão jurídica, permeada por desafios que exigem uma abordagem cuidadosa. A análise minuciosa das competências envolvidas, seja entre órgãos reguladores, autoridades judiciais ou entidades administrativas, revela a necessidade de uma cooperação entre os órgãos envolvidos na celebração de acordos de leniência, a fim de garantir a efetividade desses acordos e o combate à corrupção. À vista disso, como evidenciado ao longo do capítulo, a não legitimação do Ministério Público como competente para celebrar acordos de leniência, ou a ausência de sua cooperação com outros órgãos na fiscalização do acordo celebrado, pode comprometer a eficácia e objetivos do acordo. Além disso, embora a problemática esteja centrada no âmbito Federal, a Lei deve ser cristalina ao designar a competência para celebração em suas três esferas, quais sejam: Municipal, Estadual e Federal.
Por fim, cumpre-se ressaltar que, apesar da edição do Decreto nº 11.129/22, que visa regulamentar a Lei nº 12.846/13, persiste uma lacuna em relação à atuação do Ministério Público nos acordos de leniência. Isso se deve ao fato de que o mencionado decreto, em seu teor, faz menção apenas à CGU, ao Ministro de Estado da Controladoria-Geral da União e do Advogado-Geral da União. (vide arts. 35 e 36 do Decreto nº 11.129/22).
O desenvolvimento do presente estudo possibilitou uma análise da Lei Anticorrupção, com foco na eficácia dos acordos de leniência no combate à corrupção. Além disso, também proporcionou a avaliação dos benefícios e das dificuldades na implementação desses acordos no contexto brasileiro, examinando também os pontos que, ao invés de combater, podem estimular a prática da corrupção. Inicialmente, cuidamos de analisar o histórico da corrupção no Brasil, bem como, os aspectos históricos sobre o surgimento da Lei nº 12.846/13, conhecida como Lei Anticorrupção. O estudo também buscou conceituar o acordo de leniência, estabelecendo definições relevantes e destacando sua origem. Em continuidade, buscamos analisar a procedimentalização dos acordos de leniência, suas condições, requisitos para celebração, benefícios para os signatários e consequências no caso de descumprimento do acordado. Por fim, foram analisados os desafios na aplicação dos acordos de leniência, destacando críticas ao referido instrumento.
De um modo geral, o Acordo de Leniência é o instrumento criado pelo ordenamento jurídico com a finalidade de controlar a corrupção. Por um lado, o instrumento se mostra benéfico à Administração Pública por propiciar o acesso a informações que seriam de difícil obtenção por métodos convencionais de investigação. Em contrapartida, infere-se que há espaço para melhorias na legislação e na prática do Acordo de Leniência, sobretudo, no que diz respeito aos benefícios oferecidos à pessoa jurídica leniente e a competência para celebração dos acordos. Desse modo, percebe-se que o Acordo de Leniência é uma ferramenta valiosa no combate à corrupção, e seu potencial pode ser otimizado por meio de ajustes legislativos.
No que diz respeito ao conflito de atribuições de competência para celebração do acordo, decorrido entre a Controladoria Geral da União e o Ministério Público Federal, nota-se que é preciso o aprimoramento da Lei Anticorrupção, especialmente em relação ao seu artigo 16. Isso porque, em que pese a edição do Decreto 11.129/22, nos casos que envolverem o Poder Executo federal, seu texto faz menção apenas à CGU, ao Ministro de Estado da Controladoria-Geral da União e do Advogado-Geral da União, e, com relação as outras esferas, estabelece que a CGU poderá aceitar delegação para negociar, celebrar e monitorar o cumprimento dos acordos. Logo, fica evidenciado ao longo da pesquisa, que sem esse aprimoramento, a eficácia desse instrumento de consenso da Administração Pública estará comprometida. Ademais, destaca-se a necessidade da cooperação entre esses órgãos, haja vista que, a participação do Ministério Público, quer na qualidade de competente para celebração do acordo ou como custo legis, revela-se imprescindível para assegurar a observância de princípios constitucionais, bem como os norteadores do Direito Administrativo.
No que tange à extensão de seus benefícios às pessoas físicas, a Lei é omissiva em prevê-los. Tendo em vista tal imprevisibilidade, o acordo de leniência muitas vezes não é tido como interessante para fins de colaboração, uma vez que, a lei garante apenas às pessoas jurídicas os benefícios por contribuir com as investigações. Desta forma, verifica-se a importância de uma adequação legislativa para contemplar não somente as empresas, para que, assim, haja maior adesão ao referido sistema.
Assim, conclui-se que o Acordo de Leniência é um instrumento promissor no combate à corrupção, sendo necessário seu aprimoramento para alcançar resultados mais benéficos, tanto para a Administração Pública quanto para a pessoa jurídica leniente.
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[1] Graduanda do curso de Direito do Centro Universitário de Belo Horizonte (UNIBH). E-mail: [email protected].
Graduanda do curso de Direito do Centro Universitário de Belo Horizonte (UNIBH).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Kelly Natasha. Acordo de leniência: uma análise crítica da eficácia do instrumento na prevenção e combate à corrupção Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 nov 2023, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/64014/acordo-de-lenincia-uma-anlise-crtica-da-eficcia-do-instrumento-na-preveno-e-combate-corrupo. Acesso em: 23 dez 2024.
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