RESUMO: O presente artigo propõe abordar a temática referente ao uso da imagem à luz do Direito Civil Constitucional, com enfoque especial à utilização desse direito da personalidade pelos modernos meios de comunicação e o enfrentamento da questão pela jurisprudência com escopo de evitar excessos ou reparar eventuais danos provocados, de modo a alcançar a almejada pacificação social propalada pela Carta Magna de 1988.
Palavras-chave: Imagem, Comunicação, Constituição Federal, Poder Judiciário.
ABSTRACT: This article proposes to discuss the issue concerning the use of image according to the Constitutional Civil law, with special focus on the use of personality rights by modern means of communication and the confrontation of the issue by the jurisprudence with the purpose to avoid excesses or repair any damage caused, in order to achieve the desired social pacification intended by the Magna Carta of 1988.
Keywords: Image, Communication, Constitution, Judiciary
O crescente processo de globalização e a massificação dos meios de comunicação ampliaram, por consequência, o acesso da população em geral aos mais variados canais de informação, o que tem refletido no próprio comportamento social e na maneira de interação entre pessoas.
Tais reflexos podem ser percebidos em atividades rotineiras e comuns à considerável parcela da sociedade, que, por exemplo, deixou de ir às agências bancárias para realizar operações financeiras pela internet e dentro da comodidade de seus lares, mediante portais eletrônicos ou apps.
Não obstante as facilidades dos tempos modernos, uma problemática igualmente crescente e que tem demandado especial atenção do Poder Judiciário é a que diz respeito à proteção dos direitos da personalidade dentro desse novo contexto social, a exigir soluções também de vanguarda.
Isso porque, com as novas tecnologias de comunicação, as distâncias foram encurtadas e as barreiras outrora existentes restaram ultrapassadas, de modo que uma informação divulgada pela internet pode se tornar imediatamente conhecida em todo país – quiçá no globo terrestre – e, para tanto, basta que o interlocutor esteja conectado à rede mundial de computadores.
E a rapidez com que esse processo de divulgação ocorre não pode preterir os direitos da personalidade dos sujeitos envolvidos, porquanto, a despeito de às vezes mitigados, permanecem hígidos.
Sabe-se que os direitos da personalidade constituem núcleo essencial de atributos e direitos voltados à preservação da dignidade da pessoa humana, e, nas palavras de Maria Helena Diniz:
São direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio, vivo ou morto, partes separadas do corpo, vivo ou morto); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária) e sua integridade moral (honra, recato, segredo pessoal, profissional e doméstico, imagem, identidade pessoal, familiar e social)[1].
Pelo o que se viu, a imagem – seja a imagem-retrato ou imagem-atributo – constitui elemento integrante do direito da personalidade e neste trabalho buscar-se-á apresentar linhas gerais do confronto existente entre essa prerrogativa inerente à dignidade da pessoa humana e os meios modernos de comunicação, por vezes dirimida pela jurisdição estatal.
1. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL
A partir da Constituição Federal de 1988 o critério estanque entre Direito Público e Privado passou a ser questionado e entendido como insuficiente, na medida em que a nova ordem constitucional tutelou diversos institutos até então relegados exclusivamente ao Direito Civil – a exemplo da família, da propriedade e dos contratos –, assim como fixou parâmetros interpretativos fundamentais para normas privadas.
De acordo com Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:
(...) ao reunificar o sistema jurídico em seu eixo fundamental (vértice axiológico), estabelecendo como princípios norteadores da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana (art.1º,III), a solidariedade social (art. 3º) e a igualdade substancial (arts. 3º e 5º), além da erradicação da pobreza e redução das desigualdade sociais, promovendo o bem de todos (art. 3º III e IV), a Lex Fundamentalis de 1988 realizou uma interpenetração do direito público do direito privado, redefinindo os seus espaços, até então estanques e isolados. Tanto o direito público quanto o privado devem obediência aos princípios fundamentais constitucionais, que deixam de ser neutros, visando ressaltar a prevalência do bem-estar da pessoa humana[2].
Essa releitura do direito privado à luz das regras constitucionais fez surgir uma nova disciplina ou ramo metodológico denominado Direito Civil Constitucional, que, baseado numa visão unitária do direito, busca “(...) interpretar o Código Civil segundo a Constituição e não a Constituição segundo o Código, como ocorria com frequência (e ainda ocorre)” [3].
Dentro desse novo contexto, o Direito Civil passou de um arcabouço normativo isolado e voltado para questões estritamente privadas – e de cunho inegavelmente patrimonialista –, para integrar o todo do sistema jurídico brasileiro norteado por princípios constitucionais maiores.
Passou-se a entender que cada relação privada, a despeito dos efeitos diretos e próprios inerentes ao instituto, tem o condão de refletir no corpo social, daí a importância de se obedecer aos princípios constitucionais que conferem novos delineamentos à ciência civilista.
Deste modo, o Direito Civil Constitucional propõe a “releitura do Código Civil e das leis especiais à luz da Constituição, redefinindo as categorias jurídicas civilistas a partir dos fundamentos principiológicos-constitucionais [...]”, como leciona Carlos Roberto Gonçalves[4].
Em resumo, para o Direito Civil Constitucional não existem mais dois ramos distintos e incompatíveis entre si, mas uma interligação necessária entre as matérias civilistas e os princípios constitucionais, de modo que, na expressão adotada por Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona, “um se prende ao outro como corpo e alma” [5].
Firmado o panorama atual, é mister analisar, a partir de agora, aspectos relevantes dos direitos da personalidade, com enfoque ao direito da imagem e os limites estabelecidos pelo Direito Civil Constitucional para sua proteção.
2. DIREITO DE IMAGEM À LUZ DO DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL E O CONFRONTO COM OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu no Título II, Capítulo I, dentre os direitos e garantias fundamentais, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”, nos moldes de seu art. 5º, X, reportando-se inegavelmente à categoria de direitos consagrada na doutrina como sendo da personalidade.
O Código Civil de 2002, em festejada inovação, passou igualmente a estabelecer os direitos da personalidade entre os artigos 11 a 21, de modo a incluir na legislação infraconstitucional proteção já consagrada pelo texto constitucional.
Da fluente doutrina brasileira se extrai o entendimento de que os direitos de personalidade garantem a defesa do que é próprio à pessoa, como a vida, a identidade, a liberdade, a imagem, a honra, dentre outros, e são dotados de particularidades que limitam a própria ação ou vontade do seu titular, como a irrenunciabilidade, intransferibilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade[6].
Vale ressaltar as palavras de Silvio Venosa, para quem a personalidade constitui um conceito básico sobre o qual se apoiam os direitos, de modo que “[...] não há que se entender que nossa lei, ou qualquer lei comparada, apresente um número fechado para elencar os direitos da personalidade. Terá essa natureza todo o direito subjetivo pessoal que apresentar as mesmas características” [7].
E é assim – rol meramente exemplificativo – porque na concepção civil-constitucional os direitos da personalidade estão ligados a três princípios constitucionais básicos, a saber: princípio da proteção da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/1988); princípio da solidariedade social (art. 3º, I e III, da CF/1988) e princípio da isonomia (art. 5º, caput, da CF/1988)[8].
Portanto, se determinado direito estiver voltado à garantia ou proteção de qualquer dos princípios retrocitados, pode-se concluir que estará incluído na concepção de um direito da personalidade e com as características que lhe são próprias.
Idêntico raciocínio subsidiou a elaboração do Enunciado 274 da IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, segundo o qual:
“Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, inc. III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação”[9]
A despeito do conteúdo não exaustivo, a doutrina de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona classificam os direitos da personalidade levando-se em conta a tricotomia corpo/mente/espírito e protegendo-se: a) vida e integridade física (corpo vivo, cadáver, voz); b) integridade psíquica e criações intelectuais (liberdade, criações intelectuais, privacidade, segredo); c) integridade moral (honra, imagem, identidade pessoal).[10]
Adentrando a seara específica do direito de imagem, como anteriormente destacado, este recebe tratamento bipartido em “imagem-retrato” e “imagem-atributo”. O primeiro reporta-se à reprodução física do sujeito (nariz, boca, olhos, cabelo, cor de pele etc); no último, protege-se a imagem levando-se em consideração todos os atributos pessoais e reconhecidos pelo meio social.
Acrescenta-se, ainda, o entendimento de Uadi Lammêgo Bulos, para quem o direito de imagem é compreendido dentro de um conceito amplo que envolve, além de traços característicos da personalidade, a “fisionomia do sujeito, ar, rosto, boca, partes do corpo, representação do aspecto visual da pessoa pela pintura, pela escultura, pelo desenho, pela fotografia, pela configuração caricata ou decorativa” [11].
Noutras palavras, o direito de imagem compreende não apenas a aparência exterior e o semblante visível da pessoa que a faz reconhecível, mas também o somatório de suas qualificações pessoais, que integram sua representação social.
E o legislador infraconstitucional conferiu especial atenção ao direito em destaque, pois ponderou no art. 20 do Código Civil:
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais[12].
Da leitura do texto em epígrafe se extrai o entendimento de que a utilização da imagem de outrem pode ocorrer em três situações: se houver autorização do titular; se for necessária à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública. Não observados esses parâmetros, o suposto ofendido poderá postular a proibição da divulgação e indenização correspondente ao dano sofrido.
Sucede que os fatos da vida não são estanques e apresentam situações deveras peculiares, mormente em uma sociedade que experimentou profunda alteração em seus padrões comportamentais nos últimos anos, impulsionada pelo avanço da tecnologia que, hoje, não está mais adstrita às empresas em grandes centros.
Por tais razões, o uso do direito de imagem – e a eventual alegação de violação – deve ser analisada cum grano salis, caso a caso e mediante a verificação das circunstâncias do caso concreto, a fim de que não haja um engessamento das possibilidades e uma indesejável censura prévia.
Neste passo convém colacionar as palavras pontuais de Flávio Tartuce de que o art. 20 do CC possui uma redação criticável, “pois deve ficar claro que esse artigo não exclui o direito à informação e à liberdade da expressão, protegidos no art. 5.°, IV, IX e XIV, da CF/1988”[13].
No embate entre a liberdade de informação e de expressão e os direitos inerentes à personalidade, notadamente de imagem, ambos de envergadura constitucional, deve-se lançar mão da técnica de harmonização de valores, já que não existe direito absolutamente prevalente sobre os demais em qualquer situação.
O tema ganha novos contornos quando a divulgação da imagem ultrapassa os limites do conteúdo meramente informativo ou jornalístico, tangenciando a exploração econômica indireta, como ocorre, por exemplo, em revistas ou programas televisivos de entretenimento que divulgam imagens de artistas em situações corriqueiras ou em locais alheios às atividades hodiernas a fim de atrair a atenção do público.
Nessas hipóteses, doutrina e jurisprudência entendem ser possível o uso da imagem independentemente de autorização expressa dos artistas porque se tratam de pessoas públicas e, assim, a exposição às lentes midiáticas faz parte do seu cotidiano. Contudo, essa exploração indireta deve ser ponderada, vez que, como adverte Maria Helena Diniz, a notoriedade “[...] não constitui uma permissão para devassar sua privacidade, pois sua vida íntima deve ser preservada” [14].
E não são raros os casos em que o Judiciário é instado a resolver conflitos entre o uso da imagem de pessoas públicas pelos meios de comunicação e a alegação de malbaratamento dessa prerrogativa por violação à honra e privacidade.
Tal embate pode ser verificado no caso envolvendo os atores Luana Piovani e Dado Dolabela contra a emissora RedeTV, pois, segundo aqueles, os repórteres do programa denominado “Pânico na TV” ultrapassaram os limites da mera divulgação tolerada da imagem ao perseguirem os artistas, em um famoso quadro do programa, para que calçassem as “sandálias da humildade”, destinadas às celebridades tidas por antipáticas.
Ao analisar a demanda mencionada, nos autos de apelação cível nº 2008.001.14793, o TJRJ entendeu que:
“A livre manifestação do pensamento e da informação, instrumentados pela imprensa, sofre a devida limitação estabelecida pelo respeito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, as quais lhes socorre o direito fundamental ao resguardo destes valores transcendentais.
Quando o meio de comunicação se afasta do interesse público, ainda que para o entretenimento de seu público, e envereda para o interesse particular de conteúdo ofensivo à honra, à privacidade e demais direitos da personalidade, configura ato ilícito indenizável.”
Por ocasião de seu voto no citado recurso, o Des. Francisco de Assis Pessanha ponderou que a violação estaria passível de reparação porque a divulgação constante da imagem dos artistas pelos “[...] apresentadores, acunhados de Vesgo e Silvio, têm a explícita intenção de constranger e denegrir a imagem dos autores, diante do público que assiste ao programa”.
A corte carioca também teve a oportunidade de analisar o famigerado caso envolvendo a atriz Maitê Proença, que, após realizar ensaio fotográfico para a Revista Playboy, teve um dos retratos publicados por jornal de responsabilidade da S/A Editora Tribuna da Imprensa.
Após ter sido reconhecido em primeiro grau o direito à reparação por danos materiais e morais, o TJRJ entendeu que não houve abalo à ordem anímica da atriz porque, na hipótese, “[...] o uso inconsentido da imagem não acarretou para a pessoa fotografada dor, tristeza, magoa, sofrimento, vexame, humilhação, tendo-lhe proporcionado, ao revés, alegria, jubilo, contentamento, satisfação, exultação e felicidade.” (Embargos infringentes nº 0011236.18.1998.8.19.0000).
Para subsidiar essa tese, o tribunal estadual afirmou que “[...] só mulher feia pode se sentir humilhada, constrangida, vexada em ver seu corpo desnudo estampado em jornais ou em revistas. As bonitas, não”. Se a atriz fosse “feia, gorda, cheia de estrias, de celulite, de culote e de pelancas, a publicação de sua fotografia desnuda – ou quase – em jornal de grande circulação, certamente lhe acarretaria um grande vexame”.
Contudo, no REsp 270.730 / RJ o Superior Tribunal de Justiça ressaltou que embora, de fato, a publicação tenha servido para comprovar as qualidades físicas de Maitê Proença, houve autorização para divulgação de sua imagem desnuda apenas em determinada revista destinada ao público adulto e com preços superiores à média, de modo que o desvirtuamento causado pelo jornal maculou a imagem da atriz, que “é um produto que lhe pertence e compõe importante parcela de seu patrimônio econômico, obtido ao longo de sua carreira e comportamento profissional [...]”. Com esses argumentos, foi restabelecida a condenação por danos morais.
Convém ressaltar que o precedente em destaque serviu para subsidiar, em outubro de 2009, a edição do enunciado 403, da súmula do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual: “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais”.
Outra hipótese em que se admite a exploração indireta sem autorização do titular é a captura da imagem tão-somente como parte de um cenário maior, normalmente um espaço público, show, evento esportivo etc. Nesses casos, como não há um destaque da figura, pretende-se “[...] divulgar o acontecimento e não a pessoa que integra a cena” [15].
Com esse fundamento o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou provimento à apelação cível nº 9076246-40.2007.8.26.0000 e, por consequência, rejeitou pretensão indenizatória formulada por determinada cidadã que fora fotografada dentro de uma agência bancária por um periódico da cidade de Itatiba a fim de ilustrar matéria jornalística.
Concluiu-se que, a despeito de a titular não ter autorizado a captura de sua imagem e “da maneira como ficou registrada na foto, parece estar dormindo, o que fez com que fosse ridicularizada pela vizinhança”, a fotografia buscou retratar todo ambiente e não apenas a figura da postulante, assim como inexistiu intenção de colocá-la em situação vexatória ou humilhante.
Entretanto, como anteriormente se afirmou os limites da exploração da imagem de outrem devem ser verificados em cada caso concreto e mediante os elementos apresentados, pois nem todo registro feito em local público estará livre de atingir a esfera jurídica de terceiros.
A exemplo disso, no julgamento do Resp. nº 1.024.276 / RN o Superior Tribunal de Justiça condenou a Editora Abril S/A por ter publicado em uma de suas revistas a foto de uma mulher tomando sol em traje de banho na praia, mas sem o consentimento dela.
Não obstante o registro tenha sido realizado em local público e a foto veiculada em tamanho mínimo, sem qualquer menção ao nome da titular ou exposição à situação vexatória, a Corte Superior entendeu que a publicação teve a intenção de ilustrar a reportagem com os atributos físicos da mulher e não apenas da paisagem, de modo que esta teve seu direito de imagem violado e, por isso, passível de reparação.
Seara não menos delicada e que traz à tona debates igualmente relevantes é a proteção do direito de imagem na internet, por ser este o meio de comunicação mais utilizado pelos brasileiros, atrás da televisão e à frente do rádio, conforme dados divulgados pela “Secretaria de Comunicação da Presidência da República”[16].
E essa nova realidade social, como salientou a Min.ª Nancy Andrighi por ocasião do julgamento dos EDcl no REsp. nº 1.323.754 / RJ, exige “do Juiz a interpretação do ordenamento vigente, com os olhos voltados para a realidade que o cerca, sabedor de que a sociedade encontra-se em constante mutação e que as leis nada mais são do que o reflexo dos anseios dessa sociedade.”
Além de conviver com novas expressões e conceitos técnicos, os tribunais passaram a fixar verdadeiras diretrizes na apreciação de casos envolvendo embate entre o direito de imagem e o uso da internet como meio de comunicação, haja vista a impossibilidade de o legislador prever todas as hipóteses em um ramo que se encontra em franca evolução.
Oportuno ressaltar que a internet permitiu não apenas aos grandes grupos de comunicação difundir seus trabalhos, mas também possibilitou que pessoas físicas e pequenas empresas pudessem trocar mensagens e informações por intermédio de fan pages, redes sociais e outros meios afins.
E uma simples consulta aos repertórios jurisprudenciais é suficiente para revelar o número crescente de ações questionando possíveis violações ao direito de imagem por meio da internet, cuja indicação pormenorizada não se encontra na finalidade deste trabalho.
Todavia, é relevante destacar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça na apreciação da responsabilidade dos provedores de internet em razão de conteúdo ofensivo postado em mídias sociais e em sites de compartilhamento de vídeos.
No julgamento do AgRg no REsp 1.402.104 / RJ, em que se discutia a postagem de conteúdo ofensivo por meio do Orkut, o STJ assentou não haver responsabilidade objetiva dos provedores de internet pelo dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas em site por usuário, haja vista não constituir risco inerente às suas atividades e não lhe ser exigível proceder ao controle prévio de conteúdo disponibilizado na rede mundial de computadores, mormente em redes sociais.
No mesmo precedente reiterou-se que a responsabilidade subjetiva do provedor estaria configurada se (i) ao ser comunicado de que determinado texto ou imagem tem conteúdo ilícito, por ser ofensivo, não atua de forma ágil, retirando o material do ar imediatamente, passando a responder solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão em que incide; (ii) não mantiver um sistema ou não adotar providências a identificar o usuário responsável pela divulgação.
Já no julgamento do REsp nº 1.403.749 a Corte Superior, ao apreciar demanda envolvendo a publicação de uma filmagem no site YOUTUBE intitulado “a falsidade do reitor da basílica de trindade” – em que uma autoridade eclesiástica da Igreja Católica Apostólica Romana foi surpreendido por vídeo contendo imagens não autorizadas da sua pessoa –, reiterou a tese de que os provedores de internet não possuem responsabilidade objetiva pelo conteúdo dos arquivos postados por seus usuários.
Acrescentou-se, ainda, que ao ser comunicado de que determinada imagem postada no site de compartilhamento possui conteúdo potencialmente ilícito ou ofensivo, deve o provedor remover o vídeo preventivamente no prazo de 24 horas, até que tenha tempo hábil para apreciar a veracidade das alegações do denunciante, de modo a que, confirmando-as, exclua definitivamente o vídeo ou, tendo-as por infundadas, restabeleça o seu livre acesso, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano em razão da omissão perpetrada.
Neste ponto, convém um breve destaque sobre a responsabilidade dos provedores à luz da Lei nº 12.965/2014, que estabeleceu o Marco Civil da Internet, e em seus arts. 18, 19 e 21, trouxe as seguintes disposições a respeito da responsabilidade dos provedores de conexão à internet e de aplicação:
Art. 18. O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.
Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
[...]
Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.
Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e a verificação da legitimidade para apresentação do pedido.
Oportuno mencionar que o art. 5º, incisos V e VII, do Marco Civil da Internet, define a conexão como “a habilitação de um terminal para envio e recebimento de pacotes de dados pela internet, mediante a atribuição ou autenticação de um endereço IP”; de outro lado, como os provedores de aplicação como aqueles que ofertam um “conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à Internet”.
A nova lei regulatória consolidou o entendimento firmado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça de que a verificação do conteúdo das imagens postadas por cada usuário não constitui atividade intrínseca ao serviço prestado pelos provedores de aplicação, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, a aplicação que não exerce esse controle. (REsp 1501603/RN, TERCEIRA TURMA, DJe 18/12/2017; AgInt nos EDcl no REsp 1402112/SE, QUARTA TURMA, DJe 26/06/2018; REsp 1880344/SP, DJe 11/03/2021).
Assim, na esteira da jurisprudência da Corte Superior, em consonância com os princípios do art. 19, da Lei 12.965/2014, a responsabilidade dos provedores de conteúdo de internet depende da existência do controle editorial do material disponibilizado na rede. Não havendo este controle, somente será responsabilizado o provedor de internet se, mesmo após notificação judicial para a retirada do material, ele se mantiver inerte. (REsp 1568935/RJ, TERCEIRA TURMA, DJe 13/04/2016; REsp 1501187/RJ, QUARTA TURMA, DJe 03/03/2015; REsp 1694405/RJ, TERCEIRA TURMA, DJe 29/06/2018; REsp 1783269/MG, QUARTA TURMA, DJe 18/02/2022)
Tais parâmetros realçam a importância do papel do Poder Judiciário na árdua tarefa de tutelar o direito de imagem na atual realidade social brasileira, mormente quando em confronto com outros valores de igualmente assegurados pela Constituição Federal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu parâmetros fundamentais para normas privadas, fazendo surgir o Direito Civil Constitucional, que busca a validade interpretativa de suas matérias no texto maior.
Assim, passou-se à compreensão de que não mais existem um Direito Civil voltado a questões meramente patrimoniais e sem qualquer vinculação aos demais ramos do direito, porquanto integra o todo do arcabouço legislativo pátrio.
E o Direito Civil Constitucional assumiu relevante papel na tutela dos direitos da personalidade, mormente para assegurar a inviolabilidade da imagem – que fora alavancado como direito fundamental e vinculado à dignidade da pessoa humana – numa sociedade cada vez mais influenciada pelos meios de comunicação.
E não poucas vezes o embate entre o direito de informação e o direito de imagem é dirimido pelo Poder Judiciário, que busca no princípio da ponderação de valores o equilíbrio necessário ao convívio harmônico das liberdades fundamentais.
Sucede que a modernidade e os novos padrões comportamentais da sociedade fazem exsurgir situações não previstas na letra fria da lei, exigindo do operador do direito uma análise criteriosa do caso concreto e soluções que visam resguardar a dignidade da pessoa humana.
Tais contornos jurisprudenciais podem ser verificados em diversos casos nos quais há publicação da imagem do titular e, mediante análise das circunstâncias fáticas, decide-se acerca da regularidade ou não da divulgação realizada.
Por derradeiro, ressalta-se que mesmo quando a publicação é realizada por meio da rede mundial de computadores, o Judiciário tem fixado verdadeiras regras de conduta a fim de assegurar que não haja desrespeito às normas constitucionais.
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SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação cível nº 9076246-40.2007.8.26.0000, 1ª Câmara de Direito Privado. Apelante: Terezinha Maria Machado. Apelado: Editora Itatiba Ltda. São Paulo, 23 de outubro de 2012. Disponível em: < http://esaj.tjsp.jus.br/cpo/sg/search.do;jsessionid=02FDA086F24802A50DF55F8595638CDA.cpo6?conversationId=&paginaConsulta=1&localPesquisa.cdLocal=-1& cb Pesquisa=NUMPROC&tipoNuProcesso=UNIFICADO&numeroDigitoAnoUnificado=9076246- 40.2007& foroNumeroUnificado=0000&dePesquisaNuUnificado=9076246-40.2007.8.26.0000&dePesquisaNuAntigo=>
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil : volume único. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011.
VENOSA, Silvio. Direito Civil: Parte Geral. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
[1] DINIZ, Mana Helena. Código Civil anotado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 47.
[2] Direito civil: teoria geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 12-13.
[3] LÔBO, Paulo. Teoria Geral das Obrigações, p. 2.
[4] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
[5] Op. cit, p. 91.
[6] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. v. 1: teoria geral do direito civil. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 122-123.
[7] VENOSA, Silvio. Direito Civil: Parte Geral. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 149.
[8] TARTUCE, Flávio. Op. cit, p. 85.
[9] Disponível em < http://www.stj.jus.br/publicacaoseriada/index.php/ jornada/ article/ view File/ 2622/ 2697>. Acesso em 15/06/2014
[10]13 Op. cit., p. 193.
[11] Constituição Federal Anotada. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 146.
[12] BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em http://www.planalto.gov.br
[13] Op. cit., p. 100.
[14] Op. cit., p. 133.
[15] DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 134.
[16] Disponível em: <https://noticias.r7.com/brasil/internet-ja-e-segundo-meio-de-comunicacao-preferido-pelos-brasileiros-segundo-pesquisa-23082021>. Acesso em 04/12/2022.
O presente artigo visa à análise do conflito existente entre dois direitos fundamentais – dignidade da pessoa humana e direito de propriedade – que possam eventualmente incidir dentro do contexto de violência doméstica, notadamente quando a mulher necessita residir na propriedade comum de seu atual e ex-companheiro. Buscar-se-á, por intermédio de pesquisa bibliográfica, fazer o levantamento concernente aos embates envolvendo os temas e as soluções que podem ser alcançadas, à luz dos direitos humanos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ASSIS, BRUNO MARQUES DE. A tutela do direito de imagem à luz do direito civil constitucional: novas perspectivas e tratamento jurisprudencial frente aos meios modernos de comunicação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 dez 2023, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/64107/a-tutela-do-direito-de-imagem-luz-do-direito-civil-constitucional-novas-perspectivas-e-tratamento-jurisprudencial-frente-aos-meios-modernos-de-comunicao. Acesso em: 23 dez 2024.
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