FERNANDA DE JESUS SOUSA ANDRADE[1]
MARIA VITÓRIA DE ARRUDA[2]
(coautoras)
ANDRÉ DE PAULA VIANA[3]
(orientador)
RESUMO: O presente artigo científico tem o condão de estudar as origens do Tribunal do Júri, desde os primórdios até a atualidade, apresentando os principais princípios que o regem, os integrantes e o rito utilizado, as razões que o faz ser contemporâneo e as críticas que o levam ao anacronismo, sendo, por fim, apresentado hipóteses de modificação, sem que haja a sua extinção. Em suma, o artigo possui a finalidade de apresentar pontos referentes ao Tribunal do Júri, que o leve a crer que, esta instituição, embora tenha sido considerada um pilar na democracia, atualmente, necessita de reformas para o seu aprimoramento. Buscou-se examinar as várias críticas dirigidas a essa instituição por meio da realização de pesquisas bibliográficas. Além disso, consultou-se a literatura especializada em busca de correntes de pensamento que tanto apoiassem quanto se opusessem a essas críticas. A principal questão levantada para a elaboração deste trabalho foi: o Tribunal do Júri é uma instituição que se tornou anacrônica ou ainda se reveste pela contemporaneidade? O objetivo principal deste artigo científico foi encontrar razões que pudessem concluir essa pergunta, sendo assim, foi estudado sua história, princípios, argumentos positivos e negativos.
Palavras-chave: Tribunal; Júri; anacrônico.
ABSTRACT: This scientific article has the power to study the origins of the Jury Court, from the beginnings to the present, presenting the main principles that govern it, the members and the rite used, the reasons that make it contemporary and the criticisms that the lead to anachronism, and, finally, hypotheses for modification are presented, without their extinction. In short, the article aims to present points regarding the Jury Court, which leads you to believe that this institution, although it has been considered a pillar of democracy, currently needs reforms for its improvement. We sought to examine the various criticisms directed at this institution by carrying out bibliographical research. Furthermore, specialized literature was consulted in search of currents of thought that both supported and opposed these criticisms. The main question raised in the preparation of this work was: is the Jury Court an institution that has become anachronistic or is it still contemporary? The main objective of this scientific article was to find reasons that could conclude this question, therefore, its history, principles, positive and negative arguments were studied.
Keywords: Court; Jury; anachronistic.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como peça fundamental embasar questões sobre o Tribunal do Júri, sua instituição é considerada venerável e profundamente enraizada nos sistemas judiciais de diversos países. Entretanto, conforme o mundo caminha rumo ao século XXI, surge a pertinente questão: o Tribunal do Júri é contemporâneo ou anacrônico? Tal questionamento ecoa pelo contexto das transformações sociais, tecnológicos e culturais que se amoldam em nossas sociedades, e diante de tal evolução, o sistema do Júri enfrenta diversas críticas e desafios quanto à sua compatibilidade com o nosso ordenamento jurídico.
O Tribunal do Júri foi contemplado como um pilar da democracia na Constituição Federal de 1988, sua instituição permite que os cidadãos de nossa sociedade participem de forma direta no julgamento, agindo conforme sua consciência e a justiça, de modo que, tal justiça seja cumprida perante os valores e as normas da comunidade. Entretanto, em um mundo cada vez mais interconectado, o Júri tem sido alvo de críticas e questionamentos quanto a sua imparcialidade, eficácia e eficiência nos casos complexos.
Neste embasamento, buscaremos os méritos e as limitações do Tribunal do Júri no contexto contemporâneo. Veremos como as mudanças sociais e tecnológicas condicionam a sua eficácia e operação, assim como os desafios enfrentados para garantir julgamentos justos e imparciais. O questionamento principal prevalece: o Tribunal do Júri, instituído desde os primórdios, continua a ser importante e indispensável em nossos sistemas judiciais atuais, ou, trata-se de um vestígio anacrônico do passado que necessita de adaptações ou métodos alternativos de julgamento?
Pesquisar argumentos pertinentes foi o objetivo principal deste trabalho para responder a esta questão, sendo utilizado, pesquisas sobre seu conceito, seus princípios, bem como, os pontos positivos e negativos, através de doutrinas e pesquisas bibliográficas.
2. TRIBUNAL DO JÚRI
O Tribunal do Júri nasceu em nosso ordenamento jurídico pela Lei de 18 de junho de 1822, no qual tinha competência para julgar os crimes de imprensa.
Em 1824, com a Constituição Imperial, o Poder Judiciário passou a integrar essa instituição, recebendo a competência para julgar amplamente causas cíveis e criminais. Nesta época, o júri era constituído por 24 juízes de fato escolhidos “dentre os homens patriotas, honrados, bons e inteligentes”, sendo que, suas nomeações eram de competência dos corregedores e ouvidores do crime. Sublinha-se que aos jurados era atribuído o poder de decidir sobre a matéria fática, enquanto os juízes aplicavam o direito. Através deste entendimento, leciona Capez:
o júri foi disciplinado em nosso ordenamento jurídico pela primeira vez pela lei de 18 de junho de 1822, a qual limitou sua competência ao julgamento dos crimes de imprensa. Com a Constituição imperial de 25 de março de 1824, passou a integrar o Poder Judiciário como um de seus órgãos, tendo sua competência ampliada para julgar causas cíveis e criminais. Alguns anos depois, foi disciplinado pelo Código de Processo Criminal, de 29 de novembro de 1832, o qual conferiu-lhe ampla competência, só restringida em 1842, com a entrada em vigor da lei n. 261. (2023, p. 675).
A Constituição de 1937 permitiu que o Decreto n. 167, de 5 de janeiro de 1938, suprimisse a soberania que exalava nas Constituições anteriores em relação ao Tribunal do Júri, permitindo que os tribunais de apelação reformassem seus julgamentos pelo mérito. Prevendo os direitos e garantias constitucionais, a Constituição democrática de 1946 restabeleceu a soberania do Júri. Após, a Constituição de 24 de janeiro de 1967 manteve o júri como direito e garantia individual, e, com a Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969, restringiu-se a competência do júri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida.
Atualmente, o Tribunal do Júri encontra-se pautado no artigo 5º, XXXVIII, da Constituição Federal de 1988 no Capítulo Dos Direitos e Garantias Individuais e Coletivos.
2.1 Conceito
O Tribunal do Júri é uma instituição legal constituída por 01(um) juiz e 25 (vinte e cinco) jurados, que são cidadãos comuns da sociedade, dentre os 25 jurados, são sorteados sete para constituírem o Conselho de Sentença. Tais jurados possuem a competência para decidir sobre a culpabilidade ou inocência de réus envolvidos em crimes dolosos contra a vida, como por exemplo o homicídio.
Nesse contexto, Nucci afirma que: “O jurado vota pela condenação ou absolvição do réu, o que lhe confere poder, mas, sobretudo, responsabilidade. Essa mescla provoca o sentimento de civismo, extremamente interessante às nações que se pretendam democráticas. (2015, p.58)”
2.2 Previsão constitucional
O Tribunal do Júri está previsto no artigo 5º, XXXVIII, na Constituição Federal de 1988, no capítulo dos Direitos e Garantias Individuais e Coletivos, garantindo ao cidadão o direito de defesa sem eventuais abusos dos representantes do poder, permitindo que seja julgado por cidadãos de sua classe:
Art. 5º, XXXVIII. É reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
Assim, a previsão constitucional do Tribunal do Júri promove um papel vital na proteção dos direitos dos cidadãos, na participação popular no sistema jurisdicional e na garantia de julgamentos justos, fortalecendo os princípios de democracia, equidade e respeito aos direitos humanos.
2.3 Princípios do Tribunal do Júri
A Constituição Federal de 1988, assegurou ao Tribunal do Júri princípios fundamentais que são essenciais para o seu funcionamento adequado. Esses princípios constitucionais visam garantir um julgamento justo e imparcial. São eles os seguintes princípios:
A plenitude de defesa garante ao réu a oportunidade de ter uma defesa completa e eficaz perante o Tribunal do Júri. Por isso, o réu possui o direito de ser assistido por um advogado, o direito de arrolar suas próprias testemunhas, o de interrogar e confrontar as testemunhas da acusação e o direito de apresentar provas para sua defesa.
Em razão disso, se em determinada Sessão em Plenário o juiz-presidente verificar que o defensor do acusado não está produzindo uma defesa adequada, poderá considerar-lhe réu indefeso, dando a ele a oportunidade de constituir um novo advogado, ou lhe ser nomeado um advogado.
Este princípio tem como fundamento resguardar a privacidade dos jurados, de modo que, eles possam expressar suas opiniões de maneira independente e sem se preocuparem com as consequências pessoais de seus votos. Segundo Gustavo Henrique Badaró:
para que os jurados possam ter tranquilidade e serenidade para votar, manifestando livremente suas convicções e evitando qualquer forma de constrangimento, é justificável que a votação ocorra longe dos olhos do público. Em suma, a sala secreta não é decorrência do sigilo das votações. Todavia, o interesse público de que os jurados decidam de maneira isenta e sem pressões justifica a restrição da publicidade dos atos processuais (CR, art. 93, caput, IX) no momento da votação dos quesitos. (2021, p. 1068)
Por isso, conclui-se que, este princípio possui o condão de garantir a liberdade de expressão na votação em plebiscito e prevenir qualquer forma de coerção, intimidação ou discriminação, protegendo a privacidade dos jurados e a autonomia de decidir sobre o veredicto.
2.3.3 Soberania dos veredictos
Em relação ao princípio da soberania dos veredictos, Fernando Capez colaciona que:
A soberania dos veredictos implica a impossibilidade de o tribunal técnico modificar a decisão dos jurados pelo mérito. Trata-se de princípio relativo, pois no caso da apelação das decisões do Júri pelo mérito (art. 593, III, d) o Tribunal pode anular o julgamento e determinar a realização de um novo, se entender que a decisão dos jurados afrontou manifestamente a prova dos autos. (2016, p. 677)
Através do entendimento de Capez, é possível compreender que a soberania dos veredictos impossibilita que o tribunal técnico modifique a decisão dos jurados pelo mérito. Entretanto, trata-se de princípio relativo, pois em uma apelação, se o tribunal entender que a decisão dos jurados afrontou manifestamente a prova dos autos, poderá o julgamento ser anulado e determinado a realização de um novo.
2.4 Competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida
A Constituição Federal assegura em seu artigo 5°, XXXVIII, d, a competência do júri para julgar os delitos dolosos contra a vida.
Tal competência é considerada mínima, pois ela não pode ser suprimida, ou seja, somente o Tribunal do Júri pode julgar os crimes dolosos contra a vida. Além disso, essa competência também é considerada mínima, pois, ela pode ser estendida, como por exemplo, nos casos de conexão ou continência.
O artigo 78, inciso I, do Código de Processo Penal, estabelece que: “Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras: I - no concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição comum, prevalecerá a competência do júri.”
O texto constitucional estabelece que os crimes julgados pelo Tribunal do Júri são homicídio simples (art. 121, caput); privilegiado (art. 121, § 1°), qualificado (art. 121, § 2°), induzimento, instigação e auxílio ao suicídio (art. 122), infanticídio (art. 123) e as várias formas de aborto (arts. 124, 125, 126 e 127). Além desses, vinculam-se os delitos conexos, que devem ser julgados também, pelo Tribunal do Júri.
2.5 Tribunal do Júri e seus integrantes
O Tribunal do Júri é composto pelo Juiz Presidente, que é responsável em conduzir o julgamento, além disso, ele garante que as regras sejam seguidas e que haja um julgamento justo. Também pelo Promotor de Justiça, que é responsável em apresentar evidências e argumentos para provar a culpa do réu, e pelo Advogado de Defesa, no qual representa o réu, e que possui a finalidade de realizar a defesa do acusado e tentar provar sua inocência.
Por fim, compõe-se também, de sete jurados selecionados na comunidade, cidadãos maiores de 18 anos, com plenos direitos políticos e sem antecedentes criminais. A presença dos jurados possui a finalidade de garantir que a justiça seja feita com as perspectivas da sociedade.
O rito do Tribunal do Júri é bifásico, ou seja, é dividido em duas fases bem distintas.
1ª fase – “judicium accusationis” ou juízo de acusação.
Nesta fase, o objeto é a admissibilidade da acusação perante o Tribunal, de modo que são produzidas provas para apurar a existência de crime doloso contra a vida. Inicia-se essa fase com o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público ou queixa pelo querelante, e termina com a sentença de pronúncia, impronúncia, desclassificação ou absolvição sumária. José Frederico Marques interpreta que a primeira fase, é fase da:
formação da culpa, um procedimento preliminar da instância penal em que
se examina da admissibilidade da acusação. Desde que o crime fique
provado, e que se conheça o provável autor da infração penal, prossegue a
relação processual para que se instaure a fase procedimental em que vai
realizar-se o judicium causae […] (1997,p.348).
Para que o processo siga para a segunda fase, é necessário que a sentença final seja de pronúncia.
2ª fase – “judicium causae” ou juízo da causa.
A segunda fase tem início após o trânsito em julgado da decisão de pronúncia, passando o processo pela preparação para o julgamento em plenário, encerrando-se pela sentença dada pelo Conselho de Sentença, que poderá ser de condenação ou absolvição.
3. A CONTEMPORANEIDADE DO TRIBUNAL DO JÚRI
O Tribunal do Júri tem como simbolismo a participação da sociedade no julgamento dos crimes dolosos contra a vida, de modo que, sejam julgados de forma justa e equitativa, elevando a confiança do público no sistema de justiça.
O Tribunal do Júri é frequentemente elogiado por sua capacidade de envolver cidadãos comuns no processo de julgamento, garantindo a participação democrática e a imparcialidade.
Muitos doutrinadores defendem que o Tribunal do Júri tem contemporaneidade, pois permite a participação cidadã, ou seja, que pessoas comuns tenham voz no processo de julgamento de crimes, bem como, que os réus tenham um julgamento por seus pares. Nessa lógica, Joseane de Menezes Condé, discente de Direito, colaciona que:
conclui-se que o Tribunal do Júri é uma instituição sui generis de suma importância interpretativa e teleológica para o mundo jurídico e para os cidadão protegidos pelo Estado Maior. A partir da contextualização sobre sua origem, nota-se que desde os primórdios os indivíduos necessitavam de julgar crimes de maior ofensividade e de maior potencial lesivo. Resta saber se a processualística implementada na contemporaneidade permite atingir a verdade real necessária à absolvição ou à condenação do réu, com amparo na Constituição Federal de 1988 e na Declaração Universal de Direitos humanos. (MENEZES, 2021)
Em que pese as mudanças na sociedade e no sistema legislativo, muitos entendem que o Tribunal do Júri ainda desempenha um papel excepcional na busca pela justiça na manutenção do equilíbrio de poder e na promoção da democracia e dos direitos humanos.
4. A VISÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI COMO ANACRÔNICO
Muito embora a instituição do Tribunal do Júri seja amplamente reconhecida por seus méritos na busca pela justiça e democracia, este não se exime das críticas existentes. O Tribunal do Júri é alvo de debates em relação ao seu funcionamento e sua eficácia. Veja-se abaixo as principais crítica quanto a esta instituição:
4.1 A influência da mídia na decisão do Conselho de Sentença
Atualmente, a mídia possui grande importância quando se trata do direito à informação, sendo que, através dela é repercutido todos os eventos mundiais, sendo eles bons e ruins. Figueiredo Teixeira (2011, p. 15) reforça sobre tal entendimento que:
A Imprensa, por sua vez, tornou-se indispensável à convivência social, com atividades múltiplas, que abrangem noticiário, entretenimento, lazer, informação, cultura, ciência, arte, educação e tecnologia, influindo no comportamento da sociedade, no consumo, no vestuário, na alimentação, na linguagem, no vernáculo, na ética, na política, etc. Representa, em síntese, o mais poderoso instrumento de influência na sociedade dos nossos dias.
A mídia tem forte repercussão para a sociedade e para o mundo jurídico, de modo que, a depender do caso concreto, pode influenciar na decisão dos jurados no Tribunal do Júri. Sabe-se que as notícias propagadas pela mídia, nem sempre são condizentes com a realidade. Na maioria das vezes, as informações apresentadas são bem limitadas, ressaltando apenas o pensamento do jornalista, informante, baseado no seu ponto de vista.
Normalmente, os crimes contra a vida são os que mais ocupam espaço no jornalismo brasileiro. O delito de homicídio (art. 121, CP) é o que mais se destaca dentre eles, principalmente pelo modo que são praticados e pela desigualdade entre a violência praticada e o fim pretendido.
Um exemplo de caso muito comovente e que tomou grande proporção por todo o Brasil, antes mesmo da realização do julgamento, foi o caso do homicídio da criança Isabella Nardoni, que foi jogada do sexto andar de um edifício em São Paulo. Este caso teve grande repercussão, tomando conta de todos os meios de comunicação do país, principalmente porque os réus eram pai e madrasta da vítima.
Illana Casoy testemunhou durante todo o julgamento e declarou que o fator decisivo para o veredicto foi o desempenho das testemunhas, ou seja, a minuciosa investigação técnica realizada em relação aos eventos ocorridos no interior do Edifício London na noite do incidente. No entanto, é inegável que, mesmo na ausência dessa investigação meticulosa realizada pelos peritos para comprovar a materialidade do crime, o casal teria sido condenado da mesma forma, devido à influência sensacionalista que a mídia exerceu sobre o público brasileiro. Assim colaciona Flávio Prates:
Enquanto a mídia conta com a mais alta tecnologia na divulgação de informações, as quais muitas vezes não correspondem à veracidade dos fatos, o Tribunal do Júri se mantém quase que nos mesmos moldes dos tempos mais remotos. É valiosa a pretensão de que o réu seja “julgado pelos seus pares”, como garantia de justiça, mais nem sempre, (…) esses “pares” terão o equilíbrio e o discernimento para filtrar o que reiteradamente incutido em seus pensamentos antes do julgamento do processo que irão decidir. Dificilmente um jurado consegue manter-se isento diante da pressão da mídia e do prévio julgamento “extrajudicial“ transmitido diariamente para suas casas. (PRATES, 2008, p.38)
Em razão disso, pode-se concluir que com a influência da mídia, nem sempre os jurados agirão com imparcialidade, chegando muita das vezes com seus veredictos formados antes mesmo do julgamento.
4.2 A Incapacidade Técnica do Conselho de Sentença
O artigo 436 do Código de Processo Penal estabelece que, para assumir a função de jurado, o cidadão deverá ser maior de 18 (dezoito) anos, com notória idoneidade, devendo estar em pleno gozo dos direitos políticos, bem como, possuir bons antecedentes criminais e prestar o serviço voluntariamente.
Entretanto, sabe-se que a maioria dos jurados selecionados para assumir essa função, são cidadãos leigos e desprendidos do conhecimento técnico necessário para a gravidade do caso. Marques preceitua que:
“Para julgar não basta o bom senso, nem tampouco o rigorismo com o delinquente. A tarefa é muito mais vasta e complexa e requer, por isso, amadurecimento e reflexão baseada em conhecimentos científicos bem sedimentados” (MARQUES, 1997, p. 26).
Portanto, pode-se inferir que a ausência de conhecimento técnico por parte do júri pode resultar em uma decisão injusta, evidenciando também a capacidade da defesa ou da acusação de influenciar o desfecho do julgamento por meio de elementos externos ao caso em questão. Isso, por sua vez, representa uma ameaça à confiabilidade do sistema de júri aos olhos da sociedade.
4.3 A Falta de Motivação nas Decisões do Tribunal do Júri
A Constituição Federal de 1988, delibera em seu artigo 93, inciso IX, o princípio da motivação das decisões judiciais, isto é, determina que o julgador ao proferir determinada decisão, deve impreterivelmente expor suas razões práticas e jurídicas, sob pena de nulidade processual. Tal fundamentação está ligada ao princípio do contraditório, tendo em vista que, o acusado possui o direito de ter discernimento dos motivos de sua sentença, principalmente quando esta for de natureza condenatória.
Entretanto, o Código de Processo Penal, deliberou o jurado de fundamentar sua decisão, ou seja, este possui discricionariedade para decidir qual será o seu voto, através de sua consciência. Percebe-se assim, um evidente conflito entre norma infraconstitucional e a Carta Magna. De acordo com Aury Lopes Junior:
A “íntima convicção”, despida de qualquer fundamentação, permite a imensa monstruosidade jurídica de ser julgado a partir de qualquer elemento, pois a supremacia do poder dos jurados chega ao extremo de permitir que eles decidam completamente fora das provas dos autos e até mesmo decidam contra as provas. Isso significa um retrocesso ao direito penal do autor, ao julgamento pela “cara”, cor, opção sexual, religião, posição socioeconômica, aparência física, postura do réu durante o julgamento ou mesmo antes do julgamento, enfim, é imensurável o campo sobre o qual pode recair o juízo de (des) valor que o jurado faz em relação ao réu. E, tudo isso, sem qualquer fundamentação. A amplitude do mundo extra autos de que os jurados podem lançar mão sepulta qualquer possibilidade de controle e legitimação desse imenso poder de julgar. “LOPES JUNIOR, 2014, p. 406)
Assim, a falta de motivação traz riscos ao resultado do julgamento, pois, a íntima convicção dos jurados excede os fatos explícitos no processo, podendo levar a situações de condenação/absolvição por razões de religião, opção sexual, aparência física, cor e posição socioeconômica.
4.4 A Encenação no Plenário
No Tribunal do Júri, certamente, inúmeros elementos se entrelaçam, desde a capacidade de evocar emoções até a habilidade de narrar, o domínio do espaço na sala de julgamento ou no palco, o poder de envolver a audiência e, por último, a destreza na arte da representação, conhecida como capacidade dramática.
Tendo em vista que, o princípio da oralidade é o que rege no Tribunal do Júri, a acusação e a defesa empregam estratégias não jurídicas para influenciar os jurados ao tomarem suas decisões, estratégias que geralmente não teriam impacto sobre o veredito de um juiz profissional. Conforme destaca Gabriel Chalita:
Não adianta, em suma, o conhecimento afunilado das técnicas e dos jargões jurídicos. De nada vale a cultura puramente jurídica ou o amplo conhecimento do Direito Penal e Processual Penal, ou ainda o domínio sobre as legislações extravagantes. É preciso mais: o poder da palavra, o toque imponderável e intangível da sedução. (CHALITA, 2007, p. 160)
Assim, os elementos externos, como a linguagem, a roupa ou a expressão do promotor, advogado ou acusado, influem na decisão dos jurados, dificultando a análise objetiva do caso concreto, tornando o julgamento profundamente subjetivo.
4.5 O Desinteresse dos Jurados em Participarem do Tribunal do Júri
É certo que, a participação dos jurados no Tribunal do Júri é excepcional, pois confere a eles, cidadãos do povo, o papel de exercer a democracia de forma direta.
Entretanto, a maioria das pessoas que são sorteadas para serem jurados, não possuem interesse em exercer essa função por diversos motivos, dentre eles, a impossibilidade dos jurados de realizarem atividades pessoais de seu interesse, como por exemplo, comparecer ao serviço, a não remuneração pelo trabalho, bem como, as pressões emocionais que os jurados sofrem. A juíza de direito Ana Raquel Colares dos Santos Linard, afirma que:
A par de todas essas considerações, ainda é preciso levar em conta que essas pessoas se transformam em alvo das famílias da vítima e do acusado, sofrendo, por vezes, pressões de cunho emocional, quando não ameaças de toda sorte ou até promessas de recompensa pecuniária. (LINARD, 2007)
Por fim, a magistrada supramencionada possui o entendimento que, a imposição aos cidadãos, que cumprem suas obrigações fiscais e legais, de julgar criminosos perigosos, sem possuírem qualquer treinamento técnico apropriado, os expõe de maneira injustificada, sem qualquer compensação financeira por essa incumbência. Além disso, o argumento de que ganham o direito a prisão especial e preferência em concorrências públicas não se mostra convincente.
5. MODIFICAÇÕES NO FUNCIONAMENTO DO TRIBUNAL DO JÚRI
Frente as diversas características consideradas anacrônicas pela doutrina e jurisprudência, é imperativo destacar igualmente as alterações propostas para modernizar o processo do Tribunal do Júri em sintonia com as demandas da sociedade, visando sua plena adequação às necessidades sociais.
Modificar o Tribunal do Júri é necessário, de modo que, acompanhe o contínuo desenvolvimento da sociedade, possuindo o objetivo de: investir na educação dos jurados; melhorar a seleção de jurados; proteger os jurados; proteger as testemunhas.
Ao investir em programas de educação para jurados, estes poderão compreender plenamente suas funções e responsabilidades, bem como, evitar que façam julgamentos baseados em estereótipos e preconceitos. Também, em relação a seleção de jurados, esta deve ser realizada de forma minuciosa, devendo ser avaliada não somente os antecedentes criminais, mas também se possuem condições e aptidão para exercer tal função no caso concreto, garantindo que haja imparcialidade no julgamento. Ainda, deve-se garantir a proteção dos jurados, evitando represálias por parte do réu e sua família, assim como, da vítima, de modo que, façam um julgamento livre e de plena consciência. Nessa mesma vertente, é imprescindível a proteção da testemunha, que se expõe perante as partes e o Plenário, tal proteção deve garantir que preste o depoimento, sem se preocupar com o que possa acontecer posteriormente. Nesse sentido, argumenta o juiz de direito Pedro Pia de Freitas:
Sendo o Conselho de Sentença constituído por cidadãos comuns, que estão no seu dia-a-dia bem próximos do réu e de seus familiares, estão sempre sujeitos a qualquer represália que possa advir do próprio réu e/ou de seus familiares, quando a este réu que é conhecedor do jurado, de sua família e de seus hábitos, submetido a julgamento, lhe sobrevem resultado desfavorável, ficam todos expostos a sua índole agressiva. São por assim, “presas” fáceis. (FREITAS, 2000, p.116)
Além disso, é fundamental mencionar outras propostas de alteração apresentadas pelo ex-ministro de Justiça, Sérgio Fernando Moro, no âmbito do pacote anticrime. Nesse contexto, destacam-se duas mudanças significativas no procedimento do Tribunal do Júri, destinadas a aprimorar sua eficácia. A primeira delas diz respeito à eliminação do efeito suspensivo do recurso contra a decisão de pronúncia, o que significa que o réu será submetido ao julgamento pelo Tribunal do Júri mesmo se houver um recurso pendente. A segunda inovação consiste na introdução da execução provisória da pena, permitindo que o sentenciado inicie o cumprimento da pena imediatamente após a condenação pelo Tribunal do Júri, mesmo que haja a possibilidade de recurso.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das considerações apresentadas, é evidente que o Tribunal do Júri é uma instituição com raízes profundas em nossa história jurídica, desempenhando um papel fundamental na busca pela justiça e na garantia da participação democrática dos cidadãos. No entanto, a contemporaneidade do sistema do Júri traz à tona, preocupações legítimas quanto à sua eficácia e imparcialidade.
As críticas mencionadas, como a influência da mídia, a falta de conhecimento técnico dos jurados, a ausência de motivação nas decisões, a encenação no plenário e o desinteresse dos jurados, revelam desafios significativos que precisam ser enfrentados para assegurar a integridade e a confiabilidade desse importante mecanismo de justiça.
Nesse contexto, a necessidade de reformas no funcionamento do Tribunal do Júri se torna evidente. As modificações sugeridas, incluindo o investimento na educação dos jurados, a melhoria na seleção, a proteção dos jurados, a proteção das testemunhas, representam passos importantes em direção a um sistema de Júri mais eficiente e justo.
Além disso, a proposta de eliminar o efeito suspensivo dos recursos e introduzir a execução provisória da pena, conforme apresentada pelo ex-ministro Sérgio Fernando Moro no pacote anticrime, pode contribuir para agilizar os processos do Tribunal do Júri e garantir que as decisões sejam efetivamente cumpridas.
Em última análise, a modernização do Tribunal do Júri é essencial para manter sua relevância e sua capacidade de cumprir sua missão de julgar os crimes dolosos contra a vida de forma justa e equitativa. A sociedade em constante evolução demanda um sistema de justiça que acompanhe as mudanças e se adapte às necessidades atuais, garantindo a todos os cidadãos o direito a um julgamento imparcial e eficaz. Considerando a necessidade de adaptação de qualquer instituição ou lei para evitar que se torne anacrônica, é imperativo reconhecer que o Tribunal do Júri não escapa a essa regra e, como não é possível extingui-lo, é essencial que se faça modificações em seu funcionamento.
REFERÊNCIAS
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CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
CASOY, Ilana. A prova é a testemunha. Larousse, 2010.
CHALITA, Gabriel. A Sedução no Discurso – O Poder das Linguagens no Tribunal do Júri. 4ª ed., Saraiva. 2007.
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CONDÉ, Joseane de Menezes. Tribunal do Júri – Avaliação procedimental na realidade legislativa aplicada ao caso concreto. Revista Migalhas, 2021. Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/354027/tribunal-do-juri. Acesso em: 19/10/2023.
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LINARD, Ana Raquel Colares dos Santos. Tribunal do Júri não consegue cumprir seus propósitos. Revista Consultor Jurídico, 2007. Disponível em https://www.conjur.com.br/2007-mar-27/tribunal_juri_nao_cumprir_propositos. Acesso em: 19/10/2023.
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[1]Graduanda em Direito, Faculdade Aldete Maria Alves/FAMA, Iturama/MG. [email protected]
[2]Graduanda em Direito, Faculdade Aldete Maria Alves/FAMA, Iturama/MG. [email protected]
[3]Graduado em Direito. Advogado. Pós Graduado em "O Processo e o Direito Civil". Mestre em "Ciências Ambientais". Docente no curso de Direito e no curso de Medicina, Presidente Docente da Liga de Medicina Legal (LAMEL) do Curso de Medicina, Membro de Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), Membro do NDE do Curso de Direito, todos pela Universidade Brasil - Fernandópolis-SP. Pós Graduado em "Direito Médico" pela UNIARA - Araraquara-SP. Membro do NDE e Docente no curso de Direito da Faculdade FAMA-Iturama-MG.
graduanda do curso de Direito da Faculdade Aldete Maria Alves.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: QUEIROZ, Geovana Freitas. Tribunal do júri: anacrônico ou contemporâneo? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 dez 2023, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/64314/tribunal-do-jri-anacrnico-ou-contemporneo. Acesso em: 23 dez 2024.
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