RESUMO: Estudar a Reforma Trabalhista e Previdenciária é significa analisar da tendência global e atual da busca de redução ou total retirada de direitos sociais, sob a justificativa de fortalecimento da economia e do incentivo ao desenvolvimento econômico, que segue uma lógica capitalista que beneficia apenas os detentores de grande capital, evidenciando um avanço incondicional do neoliberalismo, que busca se desligar de qualquer viés social. Foi justamente a Reforma Previdenciária que estabeleceu nova idade mínima para a aposentadoria voluntária dos servidores federais, mas não fez o mesmo com os servidores estaduais e municipais. Contudo, por força do pacto federativo e do princípio da simetria, antiga decisão do STF já dispunha sobre a autoaplicabilidade das normas previdenciárias constitucionais, fortalecendo a tese da desnecessidade de uma PEC Paralela e da extensão imediata, ainda que não expressa no texto reformador, da Reforma Previdenciária aos Estados e Municípios, ficando sem efeito a vontade política em driblar tal determinação.
Palavras-chave: Neoliberalismo; Reforma da Previdência, princípio da simetria; pacto federativo.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como foco a Emenda Constitucional nº 103 de 2019, popularmente chamada de “Reforma da Previdência”, que promoveu diversas mudanças, a nível constitucional, do direito previdenciário brasileiro, gerando discussões sobre as suas alterações e como estas afetarão os futuros aposentados e beneficiários do sistema previdenciário brasileiro.
Além da atualidade do tema, diversas questões continuam sem respostas ou sem unanimidade quanto ao tratamento a ser dado. Diante disso, a problemática principal adotada por este trabalho diz respeito à opção política, por parte do legislador, de retirar, ainda que parcialmente, os Estados e Municípios das novas regras do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), abarcando, por ora, apenas os servidores públicos federais. Com vistas a corrigir o erro anterior, tramita no Legislativo Federal a Proposta de Emenda Constitucional nº 133, de 2019, chamada de “PEC Paralela”, para fornecer a possibilidade de que os demais entes federativos integrem as mudanças feitas.
Antes de adentrar no cerne da questão, contudo, torna-se necessário realizar uma análise da conjuntura político-econômica em que nos situamos, de forma a entender os motivos que justificaram as recentes ondas de reformas, iniciando-se pela Reforma Trabalhista, de 2017, e, agora, a Reforma da Previdência. Em seguida, torna-se imprescindível a discussão acerca do que viria a ser o princípio da simetria, cuja discussão traz à baila pontos essenciais do direito constitucional, como o pacto federativo e a natureza das normas constitucionais.
A pesquisa alicerça-se na perspectiva teórico-jurídica acerca da reforma da previdência, de modo a difundir uma visão crítica das mudanças observadas na Constituição Federal de 1988. Também pretende-se utilizar o método histórico, visto que, sempre que possível, será feito um escorço histórico de determinado instituto ou princípio.
Como técnicas de pesquisa, serão utilizadas a documental indireta, através da busca por bibliografias acerca da temática da reforma previdenciária e as consequências das alterações trazidas pela EC nº 103, de 2019, buscando relatórios de entes nacionais e entendimentos doutrinários. Serão utilizadas, também, jurisprudências dos mais variados tribunais, como forma de fomentar perspectivas práticas ao tema exposto e demonstrar como este já foi e é tratado atualmente.
Diante disso, consta como objetivo geral da pesquisa a análise da possibilidade de aplicação automática das alterações atinentes do RPPS aos demais entes federativos, ainda que expressamente não abrangidos pela EC nº 103/2019. São objetivos específicos, também, verificar a influência neoliberal no contexto brasileiro; relacionar os principais institutos relacionados à discussão, a saber o princípio da simetria, o pacto federativo brasileiro e a natureza das normas constitucionais, naquilo pertinente ao direito previdenciário; e discutir quanto à desnecessidade da PEC Paralela, que busca a inclusão, ainda que tardia, dos demais entes federativos.
Para tanto, o primeiro capítulo abordará o contexto neoliberal no qual nos situamos, seguido, no capítulo segundo, da conceituação do princípio da simetria, do seu conteúdo e como ele é oriundo do pacto federativo, além de como a natureza da normas constitucionais influenciam a discussão do capítulo seguinte, qual seja como a aplicação automática de determinadas normas constitucionais torna desnecessária a tramitação da PEC Paralela ou, até mesmo, a necessidade que os entes federativos venham a aderir à alteração que tentou se limitar aos servidores federais.
2 A INFLUÊNCIA DA PAUTA NEOLIBERAL NAS REFORMAS TRABALHISTA E DA PREVIDÊNCIA[1]
Não é de hoje que os Chefes do Executivo federal e membros do Poder Legislativo demonstram interesse em promover reformas legislativas de vasto porte, aqui incluídas as reformas trabalhista, previdenciária e a, ainda por vir, tributária[2], sob o principal argumento de que seria necessário sanar as altas cifras da dívida pública e fortalecer a economia. Toda essa narrativa demonstrada acima se encaixa dentro de uma atual tendência liberal, de abrangência mundial, como se constata com as recentes eleições ocorridas nos Estados Unidos, na França e no Brasil, por exemplo.
O neoliberalismo tem como proposta o livre funcionamento do mercado, como meio de controle da inflação e conduzindo, natural e progressivamente, à redução do desemprego, à medida que neutraliza o poder de negociação dos sindicatos, reduz a intervenção estatal; e extingue ou, ao menos, enfraquece seguridade social. Os problemas econômicos modernos, para os neoliberais, adviriam das garantias sociais existentes atualmente, decorrentes da atuação dos sindicatos que, a todo momento, buscam melhores condições aos trabalhadora que representam. Dentre as melhorias, estão os salários, os benefícios do sistema de seguridade social e das políticas de pleno emprego, tratados, pelos neoliberais, como defeitos de uma sociedade igualitária e justa (NUNES, 2003, p. 451).
A responsabilidade estatal em proteger os indivíduos de situações de miserabilidade e em reduzir a desigualdade de riqueza deve dar vez à responsabilidade própria individual, por consistir, na visão neoliberal, um atentado à liberdade individual (NUNES, 2003, p. 441).
Dito de outra forma, “a diminuição dos salários reais é a condição indispensável e decisiva para que possa se reduzir o desemprego e possa se promover o (pleno) emprego” (NUNES, 2003, p. 431), pois, com o aumento do lucro das empresas, estas reverteriam o lucro em investimentos privados que, por conseguinte, ofertariam mais postos de trabalho. Contudo, não podemos deixar de lembrar que a desigualdade econômica é inerente ao capitalismo, cabendo aos seus defensores a busca de uma maneira de legitimá-la. Já os trabalhadores, por suas vezes, investiriam em poupanças e programas de previdência privados.
Por mais que se diga que o Estado liberal logrou êxito durante os séculos XVIII e XIX, estes foram marcados pela incipiente tecnologia nas indústrias, pela menor concentração de renda, de poucos direitos civis e políticos reconhecidos aos trabalhadores, bem como pelas precárias formas de organização de classes. Atualmente, as formas de Estado situam-se sob a égide de uma economia com um alto grau tecnológico e em constante alteração, além de haver uma variedade maior de direitos reconhecidos e a serem reconhecidos aos cidadãos, pondo em xeque a eficiência do estado liberal. Avelã Nunes (2003, p.433) afirma que a Grande Depressão dos anos 1929 a 1933 foi uma consequência das dificuldades que o estado liberal enfrentou, a partir das conquistas dos trabalhadores dos direitos civis e políticos e do sufrágio universal.
Consequentemente, para combater a aludida crise, nos Estados Unidos foi adotada a política chamada New Deal, inaugurando o estado keynesiano ou de bem-estar social e tornando o desemprego uma questão sócio-política central nas sociedades democráticas, contrapondo-se ao darwinismo social liberal de superação dos mais fortes, que defendia que o desemprego seria um fenômeno natural, resolvendo-se através da flexibilidade dos salários.
Ademais, os defensores liberais podem afirmar as consequências positivas do liberalismo do mercado. Contudo, jamais poderão afirmar que foi democrático:
Todas essas enormes restrições sociais, econômicas, políticas, institucionais e jurídicas enquadravam o Estado Liberal dentro dos marcos do liberalismo, é claro, porém jamais dentro dos marcos de um conceito real, consistente e efetivo de democracia. Em conformidade com esse primeiro paradigma do constitucionalismo, a sociedade política (o Estado e suas instituições) e a sociedade civil eram, no máximo, liberalistas; entretanto, de forma alguma, se tratava de Estado e sociedade democráticos (DELGADO, 2018, p.196).
Inegável, também, reconhecer que a existência de mais direitos leva à necessidade de uma maior atuação do Estado em corrigir injustiças sociais, fato esse que é rechaçado pelos neoliberais, sob o argumento de que as boas intenções de reforma e de transformações sociais são um dos inimigos da liberdade, olvidando-se das relações de poder existentes e que acabam por esfacelar a noção de liberdade e de igualdade material dos indivíduos.
O modelo de política neoliberal surgido na década de 1980 propõe a privatização de empresas estatais produtivas e veda que o Estado venha a contrair dívidas para a veiculação de políticas públicas, convertendo o patrimônio público em patrimônio privado (ASSIS, 2002, p. 130). A consequência da política neoliberal seria não só o aumento do desemprego, mas também a sua transformação em um problema estrutural, em virtude de que o desemprego não diminuiria na mesma proporção em que a produtividade cresceria e em que as novas tecnologias seriam incorporadas (ASSIS, 2002, p. 63).
É por isso que se afirma que o neoliberalismo representa uma contrarrevolução liberal que busca mudar o foco da acumulação do capital no sistema produtivo e com alta intervenção estatal para o sistema especulativo, com atuação mínima do Estado (ASSIS, 2002, p. 132).
Curioso notar, também, a guinada conservadora após o período da Grande Depressão, marcado por uma maior preocupação dos cidadãos com a inflação do que com o desemprego, pois os desempregados não teriam sua sobrevivência ameaçada, em virtude da existência da proteção estatal mediante a seguridade, na visão deles. A aludida guinada, no Brasil, não possui perspectivas de enfrentamento:
Aqui é fácil ver o que tem que ser feito, a fim de tornar compatível a realidade social com a cidadania ampliada. Difícil é superar as condições internacionais objetivas que, combinadas a resistências ideológicas externas e internas, se antepõem a qualquer projeto de mudança que se pretenda eficaz. No campo da ideologia, um claro embaraço decorre do fato de que, politicamente, os defensores da justiça social tenham que aparecer como conservadores (das conquistas passadas), enquanto os darwinistas sociais se apresentam como modernos (ASSIS, 2002, p. 76).
Por isso, falar da Reforma Trabalhista e Previdenciária, enfim, é falar da tendência global moderna da busca de redução ou total retirada de direitos sociais, sob a justificativa de fortalecimento da economia e do incentivo ao desenvolvimento econômico, que segue uma lógica capitalista que beneficia apenas os detentores de grande capital, evidenciando um avanço incondicional do neoliberalismo, que busca se desligar de qualquer viés social.
Em verdade, a intervenção estatal não significa a falta de inovações e investimentos, tanto que, a exemplo dos governos brasileiros de Getúlio Vargas, de Juscelino Kubitschek e, até mesmo, durante a ditadura militar, o papel de inovador cabia ao estado, arcando com todos os custos, e não aos empresários estrangeiros e nacionais (GRAU, 2010, p. 45).
Para o neoliberalismo conseguir ser implantado de forma plena, deve-se, antes de tudo, alterar o texto constitucional e, mesmo se isso ocorresse, não lograria êxito. Primeiro, por atender aos interesses exclusivos de investidores e reduzir os custos das empresas; segundo, por ter fracassado no sentido de não ter conseguido, até então, retomar o capitalismo de outrora, durante o período industrial, e nem de ter conseguido anular a atuação estatal (ANDERSON, 1995, p. 12).
Embora o trabalho não esteja em vias de desaparecer por completo, por ser necessária uma interação, ainda que reduzida, entre o trabalho vivo (feito pelos trabalhadores) e o morto (feito pelas máquinas), é patente que as empresas estão adotando modalidades de organização mais enxutas, buscando incrementar a utilização do trabalho morto e aumentar a produtividade, em tempo cada vez mais curto. É por isso que se diz que uma das facetas do capitalismo é a necessidade cada vez menor do trabalho estável e maior do trabalho subproletariado (aquele parcial, terceirizado ou precarizado). A outra faceta seria, por óbvio, a capacidade de descartar bilhões de pessoas, tornando-as desempregadas ou em condições precárias de trabalho (ANTUNES, 2005, p. 26-28).
Se o trabalhador não pode ter benesses enquanto trabalha, também não poderá após o seu tempo de trabalho. No que tange especificamente às reformas previdenciárias de outrora, também é patente a tentativa – com êxito, diga-se –, de onerar apenas um lado da relação:
Neste quadro cultural não se deve surpreender com o fato das emendas à Constituição do Brasil, ocorridas em 1998, 2003 e 2005, e conhecidas como “Reformas da Previdência,” terem contribuído significativamente para alastrar a sensação de insegurança quanto às regras para a concessão de aposentadorias e pensões. Sob o influxo neoliberal, ambos os regimes de previdência do Brasil (Geral e Próprio dos servidores públicos), sofreram inovações que relativizaram dogmas previdenciários. No regime geral, o conhecido “fator previdenciário”, fórmula criada pela Lei nº 9.876/99 para cálculo dos benefícios, foi cunhada com a intenção de reduzir o questionável déficit da previdência, diminuindo o valor daqueles e aumentando as exigências para a aposentadoria, principalmente em relação à idade e tempo de contribuição. Tal inovação historicamente “achatou” os valores a serem recebidos¹.
Já no regime próprio dos servidores públicos, a quebra da paridade entre ativos e inativos, e o abalo da segurança jurídica quanto às exigências para a aposentadoria, frustraram de forma abrupta as legítimas expectativas dos trabalhadores que almejavam se manter na velhice com o mínimo de dignidade, ao menos com o mesmo padrão remuneratório que auferiam em atividade. Tais alterações demonstram que o intuito reformador visou tão-somente o equilíbrio das contas governamentais, e o que é pior, com o sacrifício de apenas um dos atores sociais que devem, segundo a Constituição Brasileira, financiar a seguridade social: a massa de trabalhadores. [...] Se reformas são necessárias, que não se façam apenas sob a rispidez dos números, estatísticas e interesses privados inconfessáveis, mas também imbuídas do propósito de incorporar ao prefixo “neo”, expressões como dignidade, respeito e amparo. (IURK, 2014).
O neoliberalismo seria, portanto, antissocial, por ameaçar a própria sociedade civil, por meio da exclusão social, por suscitar a concorrência entre os indivíduos e a destruição do serviço público, bem como utilizar imoderadamente os recursos naturais. Está escandarada a contradição entre o neoliberalismo e a democracia (GRAU, 2010, p. 49):
[…] é eticamente inaceitável viver em uma sociedade que se fratura cada vez mais; é inaceitável viver nessas condições de desigualdade na distribuição de renda (desigualdade que se amplia cada vez mais); é extremamente inaceitável viver em um país onde são tão profundas as diferenças sociais entre pobres e ricos e, sobretudo, também onde essas desigualdades são tão acentuadas entre os próprios pobres (SALAMA, 1995, p. 53 apud GRAU, 2010, p. 48).
O Estado passa a ser visto como inimigo, sendo necessários desregulamentar o mercado e acabar com o protecionismo, além da remoção de quaisquer cláusulas sociais, mesmo havendo o fato histórico de que as taxas de crescimento durante o período intervencionista foram maiores do que em períodos neoliberais (GRAU, 2010, p. 50-51).
Há autores que simplesmente concluem que a política neoliberal é inconstitucional, por ferir o modelo econômico de bem-estar proposto pela Constituição Federal de 1988, por submeter áreas de interesse público ao âmbito particular, e por desrespeitar os fundamentos impostos pela mesma Constituição, dentre eles o de erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais.
Em que pese os argumentos acima, entendemos que é possível haver a coexistência entre ambos. Contudo, mais uma vez, o capitalismo deve exercer aquilo que é o motivo de continuar existindo até hoje: a sua capacidade de se modular a cada situação, transformando-se.
Os Estados e atores econômicos devem assumir responsabilidades e, voluntariamente, reconhecer limites ao avanço neoliberal, sob pena de sacrificar não só o próprio capitalismo, como também a sociedade como um todo. Seria o chamado efeito autofágico do neoliberalismo (GRAU, 2010, p. 57), que busca atacar os próprios direitos sociais e individuais que outrora foram conquistados, seja durante o estado intervencionista, seja durante o início do estado liberal, marcado pela conquista dos direitos de liberdade formal:
Há marcante contradição entre o neoliberalismo – que exclui, marginaliza – e a democracia, que supõe o acesso de um número cada vez maior de cidadãos aos bens sociais. Por isso dizemos que a racionalidade econômica do neoliberalismo já elegeu o seu principal inimigo: o Estado Democrático de Direito. O discurso neoliberal confronta o discurso liberal, que viabilizou o acesso da generalidade dos homens não apenas a direitos e garantias sociais, mas também aos direitos e garantias individuais. Pois é contra as liberdades formais, no extremo, que o discurso neoliberal investe (GRAU, 2010, p. 55).
É possível a coexistência, pois a Constituição Federal de 1988 é eclética, abarcando interesses diversos e buscando a conciliação destes, e, em que pese estejamos sobre um período de forte tendência neoliberal, não podemos deixar de buscar a conciliação entre o Estado capitalista e a legitimação social, ainda que para a própria sobrevivência daquele (NUNES, 2003, p. 456), motivo pelo qual as reforma atuais não podem favorecer apenas um lado do jogo de poderes existentes na sociedade brasileira.
3 PRINCÍPIO DA SIMETRIA DECORRENTE DO PACTO FEDERATIVO BRASILEIRO E A NATUREZA DAS NORMA CONSTITUCIONAIS
A Constituição da República Federativa do Brasil adota, como bem sabemos, a forma de estado federativa, traduzida na coexistência entidades dotadas de autonomia e de capacidade. O poder político passar a ser repartido entre as entidades federativas da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, que abrem mão de sua soberania, cuja característica pertence unicamente ao país Brasil, submetendo-se à indissolubilidade do vínculo federativo. (LENZA, 2019, p.481).
Cada um desses entes possui competências previstas na Constituição Federal de 1988 e a autonomia de cada um deles se traduz em quatro desdobramentos:
Primeiramente, graças à auto-organização, cada Estado possuirá a sua respectiva Constituição Estadual, ao passo que o Município e o Distrito Federal possuirão as suas Leis Orgânicas. Já a autolegislação diz respeito à elaboração, por cada um dos entes, de leis em conformidade com as suas competências. O autogoverno é a capacidade que tem o ente de escolher os representantes de seus poderes, ao passo que a administração se refere à capacidade de cada ente desempenhar as suas competências administrativas, legislativas e tributárias, expressamente previstas. (PRETTO; PRETTO, 2019, p.296)
É nesse momento que entra em cena o princípio da simetria, oriundo de construção jurisprudencial, que consiste em impor limitações aos entes federativos, de modo que se espelhem no modelo estabelecido, pela Constituição Federal, à União e não desaguem na discricionariedade, sob o mote da autonomia:
No desate de causas afins, recorre a Corte, com frequência, ao chamado princípio ou regra da simetria, que é construção pretoriana tendente a garantir, quanto aos aspectos reputados substanciais, homogeneidade na disciplina normativa da separação, independência e harmonia dos poderes, nos três planos federativos. Seu fundamento mais direto está no art. 25 da CF e no art. 11 de seu ADCT, que determinam aos Estados-membros a observância dos princípios da Constituição da República. Se a garantia de simetria no traçado normativo das linhas essenciais dos entes da Federação, mediante revelação dos princípios sensíveis que moldam a tripartição de poderes e o pacto federativo, deveras protege o esquema jurídico-constitucional concebido pelo poder constituinte, é preciso guardar, em sua formulação conceitual e aplicação prática, particular cuidado com os riscos de descaracterização da própria estrutura federativa que lhe é inerente. (...) Noutras palavras, não é lícito, senão contrário à concepção federativa, jungir os Estados-membros, sob o título vinculante da regra da simetria, a normas ou princípios da Constituição da República cuja inaplicabilidade ou inobservância local não implique contradições teóricas incompatíveis com a coerência sistemática do ordenamento jurídico, com severos inconvenientes políticos ou graves dificuldades práticas de qualquer ordem, nem com outra causa capaz de perturbar o equilíbrio dos poderes ou a unidade nacional. A invocação da regra da simetria não pode, em síntese, ser produto de uma decisão arbitrária ou imotivada do intérprete.[ADI 4.298 MC, voto do rel. min. Cezar Peluso, j. 7-10-2009, P, DJE de 27-11-2009; ADI 1.521, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 19-6-2013, P, DJE de 13-8-2013] (grifos nossos).
Importante ressaltar, contudo, que não há unanimidade atinente à existência do princípio da simetria, de forma que alguns detêm um olhar crítico sobre ele, alegando que, na verdade, o federalismo brasileiro pugna pela descentralização, sendo o princípio da simetria utilizado pelo STF, como forma de centralizar o poder nas mãos da União:
A centralização da Federação brasileira encontra no STF um agente na prática jurídica. Assim, o STF, ao se utilizar de um recurso retórico que os Ministros denominam em seus votos como princípio da simetria, retroalimenta a centralização do Estado federal brasileiro. O princípio da simetria, conforme demonstrado, não é um princípio jurídico; é um recurso argumentativo de cerceamento da autonomia dos Estados federados, em especial das disposições de suas Constituições. (LIZIERO, 2019, p. 409).
Contudo, e como já demonstrado, a finalidade da utilização do aludido princípio é o de apenas limitar a atuação dos demais entes, como forma de não fugir das diretrizes estabelecidas pela Constituição Federal, evitando arbitrariedades.
Antes de abordarmos a principal discussão do presente trabalho, torna-se imprescindível, também, tratar dos conceitos atinentes à natureza das normas constitucionais, que podem ser de reprodução obrigatória ou de mera repetição, tema que decorre diretamente do pacto federativo e da autonomia dos entes federativos.
Nas normas de mera imitação os demais entes federativos são sugestionados a aderir voluntariamente à determinação da Constituição Federal, por meio de simples cópia de institutos (o chamado mimetismo constitucional). Aqui, fala-se de normas que poderiam ter disciplina diversa ou que podem ser revogadas ou substituídas a qualquer tempo, sem infração à Constituição Federal. Tais normas representariam efetivamente parcela da autonomia normativa dos Estados. (MODESTO, 2016, p. 153).
Já as normas de reprodução obrigatória são aquelas que devem ser observadas de maneira compulsória (eficácia positiva) pelos demais entes, mesmo que não as prevejam em suas constituições, como as normas que regem o processo legislativo federal e os princípios da administração pública (do art. 37) da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, não admitindo a existência de normas contrárias a elas (eficácia negativa).
No último caso, portanto, violar uma norma de reprodução obrigatória significa que o Estado estaria violando, essencialmente, a Constituição Federal. A consequência prática é a de que, no caso das normas de mera repetição, caso o Estado a tenha adotado, caberia controle concentrado no Tribunal de Justiça, tendo como parâmetro a norma da Constituição Estadual.
Já no caso das normas de reprodução obrigatória da Constituição Federal em uma Constituição Estadual, caberia controle concentrado no Tribunal de Justiça, mas tendo como parâmetro a própria norma da Constituição Federal. Trata-se de situação peculiar que, em seguida, ainda permite a interposição de recurso extraordinário para o STF, cuja decisão terá os mesmos efeitos de uma ação direta de inconstitucionalidade, ou seja, em regra, erga omnes, ex tunc e vinculante. (LENZA, 2019, p. 466).
Cabe falar, ainda, sobre as normas de remissão, que possuem conteúdo incompleto, de forma que irão se remeter a dispositivos constitucionais. Estas, por sua vez, poderão ser de força obrigatória ou de mera repetição, de forma a se concluir que as normas de remissão terão caráter ambíguo, a depender do dispositivo da Constituição Federal a que se remetem:
[...] pois podem traduzir: (a) parcela da autonomia normativa dos Estados-membros (neste caso são simples equivalentes funcionais das normas de imitação); (b) fórmula para incorporar de modo elíptico conteúdos prescritivos de reprodução obrigatória (neste caso são simples equivalentes funcionais das normas de reprodução obrigatória); (c) normas de devolução, isto é, normas que devolvem a disciplina da matéria a normas indeterminadas de veículos normativos diversos ou a normas do próprio veículo de referência (normas de autorreferência), sem incorporar conteúdo prescritivo algum (neste caso funcionam como normas remissivas formais, caracterizadas pela renúncia à recepção de conteúdo normativo determinado sobre a matéria referida ou simples técnica de evitar autorredundância normativa). (MODESTO, 2016, p.153-154)
Delineadas as principais características de tais normas, finalmente podemos partir para o cerne do trabalho, que abordará a aplicação automática da reforma previdenciária aos Estados e Municípios.
4 A NÃO EXTENSÃO PARCIAL DA REFORMA PREVIDENCIÁRIA AOS ESTADOS E MUNICÍPIOS
É com fulcro no aludido princípio que se passa a discutir a promulgação da Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019, que aprovou a “Reforma da Previdência”. No projeto inicial (PEC nº 6/2019), havia a previsão de que as alterações atinentes à previdência abrangeriam, também, os Estados e Municípios.
Antes da reforma, era garantida a aposentadoria voluntária, que necessitava de tempo mínimo de exercício no serviço público era de 10 (dez) anos e de 5 (cinco) anos no cargo efetivo. No caso de aposentadoria proporcional, eram exigidos 65 (sessenta e cinco) anos de idade para homens e 60 (sessenta) para mulheres. Na aposentadoria por tempo de contribuição eram exigidos 60 (sessenta) anos de idade e mais 35 (trinta e cinco) anos de tempo de contribuição aos homens, enquanto que as mulheres necessitavam de 55 (cinquenta e cinco) anos de idade e 30 (trinta) anos de contribuição.
Além disso, o texto constitucional expressamente abrangia todos os demais entes federativos, como se pode notar:
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (grifos nossos)
Já após a reforma, assim ficou o dispositivo correspondente:
Art. 40. O regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos terá caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial. [...]
III - no âmbito da União, aos 62 (sessenta e dois) anos de idade, se mulher, e aos 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na idade mínima estabelecida mediante emenda às respectivas Constituições e Leis Orgânicas, observados o tempo de contribuição e os demais requisitos estabelecidos em lei complementar do respectivo ente federativo.[...]
§ 3º As regras para cálculo de proventos de aposentadoria serão disciplinadas em lei do respectivo ente federativo.
Vê-se, portanto, que, em momento posterior, os Estados e Municípios foram retirados parcialmente da reforma, no que tange às regras de aposentadoria do Regime Próprio da Previdência Social (RPPS), cálculos e pensão, conforme parecer da Comissão Especial:
É em tal contexto que devem ser compreendidas as alterações feitas no substitutivo no conteúdo do art. 40 da Constituição. De nenhuma forma se pode imputar a este relator ausência de preocupação com a situação fiscal de Estados e Municípios. Lamentamos profundamente que o contexto político tenha criado dificuldades incontornáveis à imediata extensão das alterações feitas no regime previdenciário dos servidores às demais unidades federativas, mas não se justifica, em razão deste fato, que se abdique da oportunidade de equacionar o regime previdenciário dos servidores federais. (grifos nossos) (BRASIL, 2019a, p. 66).
Dentre os motivos contrários à retirada, há argumentos de cunho econômico-financeiro:
Segundo dados do Tesouro Nacional, o déficit atuarial dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios é quase tão grande quanto o do Regime Geral operado pelo INSS. Conforme dados da publicação Aspectos Fiscais da Seguridade Social, de 2018, esse déficit era de R$ 5,5 trilhões em 2016, até 2060, não tão distante do déficit de R$ 8 trilhões do Regime Geral. Todavia, enquanto o Regime Geral atende dezenas de milhões de famílias brasileiras, os regimes próprios dos servidores estaduais, distritais e municipais cobrem uma minoria de brasileiros. Há algo profundamente fora de lugar. Tais dados são alarmantes: o déficit atuarial de vários Estados é maior do que o próprio PIB local. Ou seja, o passivo do Estado com seus servidores é muitíssimo maior do que os passivos que o Estado tem com a União, objeto de sucessivas renegociações neste Congresso Nacional ao longo dos anos. (BRASIL, 2019b, p. 32)
Dito de outra forma, a Reforma estabeleceu nova idade mínima para a aposentadoria voluntária dos servidores federais, mas não fez o mesmo com os servidores estaduais e municipais, “quebrando, assim, uma tradição de unidade de regras de aposentadoria e pensão de servidores públicos e seus dependentes, existente há anos no País.” (MARTINS, 2020).
Para solucionar tal celeuma, optou-se pela elaboração da PEC nº 133/2019, chamada de “PEC Paralela”, com vistas a evitar que os milhares de municípios e diversos Estados adotassem diferentes regras de aposentadorias e pensões, de modo a incluir, de maneira definitiva, os demais entes federativos à reforma promovida.
Disso, surgem dois questionamentos. Primeiramente, não seria mais viável cogitar que o artigo 40 da CF/88, dispositivo que versa sobre os regimes próprios de cada ente, em virtude do princípio da simetria constitucional e do pacto federativo, seria autoaplicável?
Indo além, a PEC Paralela, supostamente criada para evitar distorções no âmbito do RPPS dos entes, apenas fixará a possibilidade dos demais entes aderirem, por meio de lei ordinária de iniciativa do Poder Executivo, aos mesmos dispositivos que regem o RPPS da União:
Art. 40-A. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio de lei ordinária de iniciativa do respectivo Poder Executivo, poderão adotar para seu regime próprio de previdência social, desde que sem prazo definido, condições ou exceções, as normas de que tratam os incisos I e III do § 1º e os §§ 3º, 4º-A, 4º-B, 4º-C, 5º e 7º do art. 40 aplicáveis ao regime próprio de previdência social da União. (grifos nossos) (BRASIL, 2019b, p.68)
Ora, se a mesma não promove a inclusão imediata dos entes e grande parte dos Estados já possuem as suas respectivas reformas em vigor ou, no mínimo, aprovadas[3], é pacífico concluir quanto à desnecessidade da aludida PEC, visto que, caso seja aprovada, apenas restarão aos Municípios a adesão ou definição de regras próprias para seus servidores. (MARTINS, 2020).
Interessante expor decisão antiga do STF, anterior à reforma, dispondo que um dos dispositivos do art. 40 da CF/88 ( no caso, o atinente ao abono de permanência), seria autoaplicável, fortalecendo a tese da desnecessidade de uma PEC Paralela e da extensão imediata, ainda que não expressa no texto reformador, da Reforma Previdenciária aos Estados e Municípios:
É inconstitucional a norma do Estado de Pernambuco que prevê a regulamentação da isenção de contribuição previdenciária (abono de permanência), porquanto a norma prevista no § 1° do art. 3° da EC 20/1998 é autoaplicável, e devem ser observadas apenas as condições impostas no art. 40, § 1°, III, a, da CF. Violação do princípio da simetria constitucional. [ADI 3.217, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 11-10-2019, P, DJE de 4-11-2019] (grifos nossos)
Em outros julgados, tanto atuais quanto remotos, o STF expressamente afirmou que o artigo 40 da CF/88 constitui norma de reprodução obrigatória:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONTAGEM PROPORCIONAL DO TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO SOB O REGIME DE APOSENTADORIA ESPECIAL E SOB REGIME DIVERSO. IMPUGNAÇÃO DO § 6º DO ART. 126 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO: 'O TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO SOB O REGIME DE APOSENTADORIA ESPECIAL SERÁ COMPUTADO DA MESMA FORMA, QUANDO O SERVIDOR OCUPAR OUTRO CARGO DE REGIME IDÊNTICO, OU PELO CRITÉRIO DA PROPORCIONALIDADE, QUANDO SE TRATE DE REGIMES DIVERSOS. [...] 4. Ação direta conhecida e julgada procedente, por maioria, para declarar a inconstitucionalidade do § 6º do art. 126 da Constituição do Estado de São Paulo, porque o art. 40 da Constituição Federal é de observância obrigatória por todos os níveis de Poder. (ADI 178, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 22/02/1996, DJ 26-04-1996 PP-13112 EMENT VOL-01825-01 PP-00032) (grifos nossos)
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR. ART. 57, § 1º, II, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PIAUI, NA REDAÇÃO DADA PELA EC 32, DE 27/10/2011. IDADE PARA O IMPLEMENTO DA APOSENTADORIA COMPULSÓRIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS E MUNICIPAIS ALTERADA DE SETENTA PARA SETENTA E CINCO ANOS. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DA ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 40, § 1º, II, DA CF. PERICULUM IN MORA IGUALMENTE CONFIGURADO. CAUTELAR DEFERIDA COM EFEITO EX TUNC. I É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que as normas constitucionais federais que dispõem a respeito da aposentadoria dos servidores públicos são de absorção obrigatória pelas Constituições dos Estados. Precedentes. II A Carta Magna, ao fixar a idade para a aposentadoria compulsória dos servidores das três esferas da Federação em setenta anos (art. 40, § 1º, II), não deixou margem para a atuação inovadora do legislador constituinte estadual, pois estabeleceu, nesse sentido, norma central categórica, de observância obrigatória para Estados e Municípios. III Mostra-se conveniente a suspensão liminar da norma impugnada, também sob o ângulo do perigo na demora, dada a evidente situação de insegurança jurídica causada pela vigência simultânea e discordante entre si dos comandos constitucionais federal e estadual. IV Medida cautelar concedida com efeito ex tunc. (STF - ADI: 4696 DF, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 01/12/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-055 DIVULG 15-03-2012 PUBLIC 16-03-2012) (grifos nossos).
Visto os julgados acima, o argumento de que uma emenda constitucional seria desnecessária, nesse caso, ganha força, pois insiste em expor o que já é óbvio e pacífico. A vasta e reiterada jurisprudência do STF demonstra que os dispositivos da PEC Paralela atinentes ao art. 40 da CF/88 são de aplicação imperiosa, em virtude do princípio da simetria:
A substituição de uma pauta jurídico-constitucional mínima consolidada, acerca das regras de mudança de regime jurídico dos servidores públicos civis ativos para inativos (aposentados e instituidores de pensão), obrigatória aos entes políticos, permitindo a constituição de múltiplas legislações pelos gestores de Regimes Próprios de Previdência Social – RPPS em razão da adesão facultativa às regras previdenciárias previstas na PEC 133/2019, desestabiliza a segurança jurídica reinante neste tema, se contrapõe à racionalidade desejada à burocracia estatal, e tende a fomentar novas discussões a curto prazo, em razão da possível inviabilidade financeira de custeio dos benefícios previdenciários de muitos entes federativos que, decerto, optarão pela autonomia legislativa em questões previdenciárias locais. (CONCEIÇÃO, 2019, p.2).
O argumento da aplicação automática aos demais entes federativos está tão exposta que o Ministério da Economia, por meio da Portaria nº 1.348[4] estabeleceu prazo para que Estados e Municípios adequem as suas regras previdenciárias às alterações da Reforma que, teoricamente, aplicar-se-ia apenas aos servidores federais.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa possibilitou entender o contexto econômico e político pelo qual perpassamos e como isso findou com as Reformas Trabalhista e Previdenciária, no Brasil. Discutimos o papel que o princípio da simetria possui para a discussão e qual a aplicação prática desse princípio, que possui intrínseca relação com as normas de aplicação obrigatória e aquelas que dependem da opção política de cada ente federativo.
Para tanto, foi concedido o devido espaço para a disciplina de direito constitucional, de modo a inserir a discussão acerca das consequências que a forma de estado federativa traz para o modo de ser da República Federativa do Brasil, como meio apto a garantir, ao mesmo tempo, a descentralização das competências constitucionais e a autolimitação de atuação dos demais entes federativos, pois estes não possuem atuação livre, evitando-se situações de arbitrariedades.
No primeiro capítulo, vimos que as recentes reformas são fruto da crescente onda neoliberal, que prega a necessidade de um aparato estatal mais enxuto, com menos encargos e preocupações, com vistas a conter a crescente dívida pública e fomentar o crescimento da economia e geração de emprego. Contudo, apesar de tais justificativas, percebemos que o trabalhador e contribuinte acabam sendo os principais afetados pelas mudanças.
Foram justamente essas mudanças que foram o foco do quarto capítulo, que tratou da mudança atinente ao regime próprio de previdência dos servidores públicos dos entes federativos, com o aumento da idade mínima para aposentadoria. Contudo, a opção política pela sua não extensão ao Estados e Municípios serviu apenas para satisfazer interesses políticos locais.
Graças aos capítulos segundo e terceiro, tivemos o arcabouço teórico constitucional capaz de nos fazer concluir que, na verdade, o pacto federativo origina o princípio da simetria, que gera normas de aplicação automática, como é o caso do dispositivo do RPPS, que abrangeriam automaticamente todos os entes federativos, por força do pacto federativo. Consequentemente, seria desnecessária qualquer proposta legislativa ou opção de cada ente em aderir às mudanças promovidas em âmbito federal.
Com isso, as alterações relativas ao art. 40 da CF/88 teriam aplicação automática aos Estados e Municípios, fazendo-nos concluir que tanto a PEC Paralela quanto a necessidade de adesão dos demais entes seriam desnecessárias, por lhe faltarem efetividade, ocasionando o fenômeno de coexistência de diversos regimes jurídicos distintos.
REFERÊNCIAS
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DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A matriz da Constituição de 1988 como parâmetro para a análise da reforma trabalhista. Revista eletrônica [do] Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, PR, v. 7, n. 67, p. 7-21, abr. 2018. Disponível em: <https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/115870/2017_delgado_mauricio_matriz_constituicao.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em 12 jul. 2020.
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MARTINS, Bruno Sá Freire. O fim da PEC Paralela. Jornal Jurid. Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/colunas/previdencia-do-servidor/o-fim-da-pec-paralela. Acesso em: 12 jul. 2020.
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[1] O aludido capítulo foi majoritariamente baseado no subcapítulo “Neoliberalismo e democracia e direitos humanos” do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DA REFORMA TRABALHISTA: violação dos postulados da busca do pleno emprego e da vedação ao retrocesso social”, de minha autoria, que se encontra no endereço: https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/123456789/14354. Acesso em 18 jul. 2020.
[2] Conforme noticiado no endereço eletrônico: https://g1.globo.com/politica/noticia/veja-principais-pontos-das-reformas-trabalhista-e-da-previdencia.ghtml Acesso em 12 jul. 2020.
[3] Conforme notícia disponibilizada no endereço: <https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/01/02/interna_politica,817749/maioria-dos-estados-que-fizeram-reforma-da-previdencia-e-do-nordeste.shtml> Acesso em 11 jul. 2020.
[4] Disponível em: http://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-n-1.348-de-3-de-dezembro-de-2019-231269862. Acesso em 12 jul. 2020.
Advogado. Bacharel laureado em Direito na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Especialista em Advocacia Previdenciária pela Escola Brasileira de Direito (Ebradi) e em Compliance, LGPD e Prática Trabalhista pelo Instituto de Estudos Previdenciários (IEPrev).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Raphael Silva de Castro. Da influência neoliberal ao princípio da simetria: uma análise do contexto político-econômico atual e da aplicação automática da Reforma da Previdência a todos os entes federativos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jan 2024, 04:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/64351/da-influncia-neoliberal-ao-princpio-da-simetria-uma-anlise-do-contexto-poltico-econmico-atual-e-da-aplicao-automtica-da-reforma-da-previdncia-a-todos-os-entes-federativos. Acesso em: 26 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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