JANAÍNA VILELA[1]
(orientadora)
Resumo: Este artigo científico apresenta uma discussão a respeito do critério etário estipulado Lei 10.741/03 como um dos requisitos necessários para concessão ao direito do Benefício de Prestação Continuada (BPC) regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), de modo que o Estatuto do Idoso conceitua como idoso, para fins de direitos, a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, contudo para que tenha direito a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal, como benefício assistencial, é necessário atingir idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos. Será questionado se a legislação cumpre com o objetivo constitucional garantindo o direito social ao idoso neste quesito, tendo vista a exclusão da grande parcela de idosos com idade compreendida entre 60 (sessenta) a 64 (sessenta e quatro) anos.
Palavras Chaves: BPC, LOAS, idoso, idade, requisito.
Abstract: This scientific article presents a discussion regarding the age criterion stipulated by Law 10,741/03 as one of the necessary requirements for granting the right to the Continuous Payment Benefit (BPC) regulated by the Organic Social Assistance Law (LOAS), so that the Statute of Elderly defines as elderly, for the purposes of rights, a person aged 60 (sixty) years or over, however, in order to be entitled to a guarantee of 1 (one) monthly minimum wage, as an assistance benefit, it is necessary to reach a minimum age of 65 (sixty-five) years old. In summary, it will be questioned whether the legislation fulfills the constitutional objective guaranteeing the social right of the elderly in this regard, given the exclusion of the large portion of elderly people aged between 60 (sixty) and 64 (sixty-four) years old.
Keywords: BPC, LOAS, elderly, agr, requirement.
1. INTRODUÇÃO
O tema do presente artigo tem como principal objetivo discorrer a respeito do critério etário estipulado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) – lei 8.742/93 – como um dos requisitos objetivos para concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) aos idosos, partindo de uma análise comparativa com o conceito de idoso estipulado pelo Estatuto da Pessoa Idosa – Lei 10.741/03 – principalmente no que tange à delimitação etária trazida por esta lei.
Em suma, neste estudo, será discutida a falha na prestação do Estado, sobre a ótica constitucional defronte à dignidade da pessoa humana no que concerne à ausência de inclusão social dos idosos em situação de miserabilidade/vulnerabilidade com faixa etária compreendida entre 60 a 64 anos, os quais não gozam do direito de receber o BPC da LOAS, por ainda não possuírem idade suficiente, ou seja, de 65 (sessenta e cinco) anos completos, conforme prescrição do art. 20 da referida lei.
No desenvolver do estudo, serão ponderados pontos importantes de modo a refletir se a legislação possibilita que o Estado, cumpre de fato, com aquilo que lhe foi conferido pela Constituição Federal de 1988, ou seja, a proteção ao idoso, prevista no art. 203, inciso V e 230, da Carta Magna.
A metodologia será uma pesquisa descritiva, com investigação documental e bibliográfica, de modo que ocorrerá uma revisão literária a qual consistirá na coleta de informações em fontes específicas, tais como legislações, jurisprudências, artigos científicos, periódicos, sites oficiais do Governo Federal, manuais e doutrinas, de modo que ensejará um estudo aprofundado e completo para a investigação da problemática, bem como a solução a ser empregada.
Destarte, afere-se, na hipótese, que o mesmo grupo social com necessidades iguais não recebem tratamentos uniformes, uma vez que a lei infraconstitucional tratou-se de dispor regramento com diferenciações que afetam negativamente o compromisso com os direitos sociais, assim a solução para a dada problemática seria a modificação legislativa para se alcançar a então segurança jurídica necessária em honra ao direito social como garantia fundamental.
2. DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À PESSOA IDOSA
2.1 – Os direitos sociais como garantia constitucional e a assistência social
Inicialmente, antes de adentrar afetivamente na proteção constitucional conferida à pessoa idosa, faz-se necessário mencionar, que o Brasil, tido como um Estado Democrático de Direito, é regido por uma Constituição garantista que, defende o interesse social através de normas e garantias fundamentais à pessoa humana, independente de idade, sexo, cultura, raça classe social e religião, de modo a conferir defesa aos cidadãos através do princípio da igualdade, como sendo um dos basilares do atual ordenamento jurídico.
Neste sentido, de maneira suscinta, todo cidadão deve ter um tratamento isonômico perante a lei, sem que haja discriminações e diferenciações arbitrárias injustificáveis, assim, o legislador deve promover uma justiça que se reflita de forma equitativa em grupos sociais que se encontram em iguais condições, sem promoção de valores, de modo a assegurar os desiguais na medida de suas desigualdades, visando o controle do tratamento equilibrado de toda a coletividade.
Cumpre destacar, que os diretos sociais são tidos como espécie do gênero dos direitos e garantias fundamentais de segunda geração, cuja norma possui ordem pública de característica inviolável, com previsão difusa em todo texto constitucional, mais precisamente no rol exemplificativo do capítulo II da CF/88, de modo que está previsto no art. 6º a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a previdência social, a segurança, a proteção à maternidade e a infância, e a assistência aos desamparados, como sendo os direitos sociais da pessoa humana.
Se limitando ao presente tema, importante ressaltar o princípio do mínimo existencial, que nas palavras de Gilmar Ferreira Mendes e João Trindade Cavalcante:
tal princípio impõe ao Estado o dever de assegurar que os direitos sociais sejam respeitados, pelo menos para garantir o mínimo vital (mínimo existencial), isto é, um patamar mínimo que respeite a dignidade humana. Trata-se de princípio implícito, derivado do fundamento da República da dignidade humana (CF, art. 1º, III). (MENDES; CAVALCANTE, 2021, p. 141)
No Brasil, embora hoje, com os avanços tecnológicos, promoção de políticas públicas e um modelo de governo voltado ao incentivo do crescimento econômico, cultural e educacional do País, o que possibilitou diversas modificações no cenário financeiro de muitas famílias brasileiras, ainda existem milhares de pessoas que vivem em extrema condição de pobreza, muitas delas classificadas em posições que se superem abaixo da linha da miséria.
De certo, é que sempre existiram e existem grupos de pessoas que mais necessitam do suporte e da iniciativa do Estado para assegurar-lhes as condições mínimas de sobrevivência, tanto é que, partindo dessa necessidade, de acordo com André de Carvalho Ramos, “o conteúdo dos direitos sociais é essencialmente prestacional, exigindo-se ação do Estado e da sociedade para superar desigualdades fáticas e situação material ofensiva à dignidade.” (RAMOS, 2018, p. 70).
Neste viés, em atenção aos grupos que se encontram em situação de vulnerabilidade, de acordo com CF/88 o Estado deve garantir a proteção àquelas pessoas que de algum modo são mais afetadas pela pobreza existente em seu País, sendo que estas, ocupam a base inferior na pirâmide do sistema capitalista, como sendo a classe oprimida, de modo que não alcançam meios suficientes para proverem sua própria subsistência sem o auxílio humanitário.
Assim, de acordo com a lei 8.212/91, em seu art. 1º, “a Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar o direito relativo à saúde, à previdência e à assistência social.”.
Deste modo, em relação à espécie da Assistência Social, leciona Alexandre de Moraes:
A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independente de contribuição, pois não apresenta natureza de seguro social, sendo realizada com recursos do orçamento da seguridade social, previstos nos art. 195, além de outras fontes organizadas com base na descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; e na participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. (MORAES, 2004, p. 693)
Pois bem, o art. 203, da CF/88, prevê uma série de objetivos inerentes à assistência social, contudo, não descartando a integralidade do grau de importância de todo o rol descrito no referido artigo, o inciso V merece destaque por tratar-se da garantia de um salário-mínimo mensal ao idoso que comprove a impossibilidade de prover sua própria subsistência ou tê-la mantida por sua família.
A tutela legal relativa ao direito do idoso, prevista na CF/88, é tida como dever do Estado e da sociedade em zelarem por àqueles que exerceram total influência ao longo da história de um país e devido ao avançar da idade, encontram-se limitados de grande parte de sua autonomia pessoal para que desempenhe os próprios meios de exerceram individualmente a gestão da própria vida.
Dessa forma, menciona-se a doutrina de Alexandre de Moraes, que assim descreve:
Esse entendimento foi adotado com a edição, pelo Congresso Nacional, do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741, de 1º-10-2003), que visa consagrar os direitos de todas as pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, garantindo-lhes o pleno gozo de todos os direitos fundamentais que inerentes à pessoa humana e afirmando o princípio da solidariedade, ao obrigar a família, a comunidade, a sociedade em geral e o Poder Público a assegurarem, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. (MORAES, 2004, p. 709)
Embora a família e a sociedade como um todo dispõem do dever de assistir a pessoa idosa, este encargo é primordialmente de responsabilidade do Estado, que obrigatoriamente deve executar as imposições garantidas pela norma constitucional quanto às garantias fundamentais e a dignidade da pessoa humana subsidiando meios para que assim as exerçam.
Portanto, foi instituído o Benefício de Prestação Continuada (BPC), precipuamente disciplinado na Lei 10.741/2003, no seu art. 34, parágrafo único, e mais tarde confirmado pelo Decreto 6.214/2007, em seu art. 19, de modo que será garantido um salário-mínimo ao idoso necessitado, desde que atendidos os requisitos necessários para a sua concessão.
3. O CRITÉRIO ETÁRIO ESTIPULADO PELA LEGISLAÇÃO VIGENTE PARA A CONCESSÃO DO BPC
De acordo com a Lei Federal 8.842/94 e o Estatuto da Pessoa Idosa – lei 10.741/03 – considera-se idoso, a pessoa, com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.
Assim, no Direito, quando se fala em pessoa idosa, além da Constituição Federal, a primeira referência a ser remetida é o Estatuto da Pessoa Idosa, um regramento próprio, sancionado em 1º de outubro de 2003, com o propósito de regulamentar as garantias constitucionais a esse grupo alvo.
Ressalta-se que esta legislação, necessária e tardiamente promulgada, impõe ao Estado o seu dever de proporcionar uma melhor qualidade de vida aos idosos, a fim de prestar-lhes à devida assistência e diminuir as desigualdades existentes.
O art. 33 do Estatuto, prevê que “a assistência social às pessoas idosas será prestada, de forma articulada, conforme os princípios e diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), na Política Nacional da Pessoa Idosa, no SUS e nas demais normas pertinentes”.
Adiante, o art. 34, caput[2], do mesmo diploma legal, atualmente vigente, diz que, a pessoa idosa, com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuir meios para prover sua subsistência ou tê-la suprida por sua família, lhe será assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, de acordo com os termos delimitados pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).
Contudo, o legislador criou um evidente contrassenso ao estipular o critério etário para garantir o direito da assistência social a um mesmo grupo. Contudo, excluindo determinado número em iguais condições, já que são impedidos de usufruir da garantia constitucional, pelo simples fato de não se enquadrarem em um parâmetro etário injustificável.
Vale dizer que, não obstante o critério etário seja classificado como um dos requisitos ensejadores para se alcançar o direito ao BPC, sendo também exigida o enquadramento da renda per capita para aferição da miserabilidade, atenta-se ao fato de que o idoso, com sessenta anos de idade completos, mesmo vivendo em extrema condição de vulnerabilidade, em muitos casos não possuindo moradia própria, saúde e alimentação básica, está impedido de receber do Estado o salário mínimo mensal para suprir suas necessidades vitais.
Nestes casos, sabe-se que o avançar da idade já não mais permite ao idoso força motora o suficiente para suportar uma jornada de trabalho de 44 (quarenta e quatro) horas semanais, para se auferir renda fixa capaz de garantir-lhe o mínimo existencial, visto que, as pessoas que realmente necessitam do amparo do BPC, são aquelas cujas únicas qualificações se restringem aos tipos de trabalhos mais árduos.
Aliado a isso, o analfabetismo contribui significativamente para a limitação da alcançabilidade das pessoas mais velhas no mercado de trabalho, uma vez que no atual mundo informatizado exige-se cada vez mais mão de obra adepta à tecnologia.
Desta forma, a dificuldade de inserção de idosos carentes no setor profissional passa a ser um obstáculo ainda maior, já que, de acordo com um estudo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população idosa com 60 anos ou mais representa a maior fração de analfabetismo no Brasil, sendo que os números, de modo geral, variam com maior representatividade entre pessoas residentes em determinadas regiões do país, com destaque no Nordeste, bem como àquelas pretas ou pardas.
Com efeito, a incapacidade para a vida independente não está tão somente associada à perda da capacidade para o trabalho, mas também pela debilitação da saúde que muito influi nos diversos setores para a autonomia de subsistência quando do avançar da idade.
Neste sentido, insta mencionar que a legislação brasileira prevê uma gama de garantias voltadas às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, já que esta é a idade eleita pela legislação infraconstitucional ao definir o conceito de idosos, como já anteriormente mencionado.
Assim sendo, reporta-se a algumas prioridades definidas pela própria lei 10.471/2003:
Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar à pessoa idosa, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
§ 1º A garantia de prioridade compreende:
I – atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população;
II – preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas;
III – destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à pessoa idosa;
IV – viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio da pessoa idosa com as demais gerações;
V – priorização do atendimento da pessoa idosa por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência;
VI – capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços às pessoas idosas;
VII – estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento;
VIII – garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência social locais.
IX – prioridade no recebimento da restituição do Imposto de Renda.
De certo é que o rol acima descrito se refere a apenas uma pequena parcela a título de exemplo para se demonstrar a proteção dada aos idosos com idade igual ou superior a 60 anos, sendo que existem diversas outras benesses espalhadas por toda legislação brasileira esparsa.
Neste sentido, a delimitação da idade de 65 anos como um dos critérios necessários para a concessão do benefício assistencial a pessoa idosa, independente do sexo, não se denota justificável em relação aos outros direitos assegurados às pessoas em iguais condições.
A própria Constituição Federal no art. 203, inciso V, não fez diferenciação etária entre os idosos ao garantir o salário-mínimo como benefício mensal, apenas referiu-se ao grupo de forma ampla.
Assim, nota-se que a legislação infraconstitucional ainda que exerce o dever de regulamentar a lei magna, em certos aspectos, por si só, ostenta em seu texto, previsão normativa que atravanca a eficácia absoluta da garantia constitucional ao excluir um quórum de pessoas em iguais condições, com idade compreendida entre 60 a 64 anos, de modo a fomentar insegurança jurídica.
Logo, tal diferenciação se reveste contrária ao princípio da isonomia e consequentemente nefasto à dignidade da pessoa humana. A esse respeito, argumenta a pesquisadora Júlia de Alburquerque Reis e Silva:
Acerca do requisito etário para fins de conceituação de quem é a pessoa idosa a ser beneficiada pela Assistência Social, a indignação consiste no fato de que o Estatuto regula situações daquelas pessoas com mais de 60 (sessenta) anos de idade, mas o art. 34 do referido diploma legal, em especial, aplica-se apenas aos maiores de 65 (sessenta e cinco) anos. Em decorrência dessa especialidade, alguns especialistas, como por exemplo, Vinicius Pacheco Fluminhan, entendem pela inconstitucionalidade do artigo 34 do Estatuto do Idoso, conforme se passa a expor.
Ao analisar o art. 203, inciso V, da CRFB/88, observa-se que existe uma única razão a levar o indivíduo socialmente necessitado a ser assistido pelo Estado, qual seja, a sua incapacidade de prover a própria manutenção.
Entende-se que a incapacidade de prover a própria manutenção pode ser causada por duas situações conjuntas fundamentais, a saber: a debilitação da saúde e a perda de capacidade de trabalho. Portanto, a eleição dos idosos no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, se deve a uma presunção de que eles satisfaçam apenas pela idade os critérios de debilitação de saúde e perda da força de trabalho, causadores da incapacidade de prover a própria manutenção, que constitui estado de necessidade social passível de proteção pela Assistência Social.
Desta forma, é possível, através de dados estatísticos do IBGE (para saúde) e do CAGED (para o emprego), verificar que a situação do grupo de 60 (sessenta) anos ou mais é semelhante à situação do grupo de idosos com mais de 65 (sessenta e cinco) anos, no que diz respeito à concretização das situações fáticas que geram o estado de incapacidade previsto no art. 203, V, CF.
Ora, se existe de fato um alerta social para idosos a partir de 60 (sessenta) anos de idade comprovado por números oficiais, revelando que tal faixa acima de 65 (sessenta e cinco) anos, possui a mesma dificuldade de gerar renda, tal constatação coloca em dúvida a dignidade desta faixa etária quando em estado de necessidade social.
Logo, se o legislador do Estatuto do Idoso desequipara situações idênticas em seu artigo 34, descuidando do comento inserto no art. 1º, inciso III, da Constituição, tal norma não pode ser constitucionalmente válida, tendo em vista que a isonomia não permite tal diferenciação. (SILVA, 2012, p. 12)
Cumpre esclarecer, que a redução da idade já foi debate no Senado Federal através do Projeto de Lei do Senado nº 279, de 2012, o qual tinha como ementa a alteração da Lei Orgânica da Assistência Social com o fim de estabelecer a idade mínima de sessenta anos como critério etário para fins de recebimento do BPC.
Contudo, embora a matéria do PLS 279/2012, apresentado pelo ex-senador Cyro Miranda, tenha sido incluída na pauta e aprovado pela Comissão de Assuntos Sociais (SF-CAS), tal proposição foi arquivada no final da legislatura, conforme regulamentação disciplinada pelo art. 332, do Regimento Interno do Senado Federal, publicada em 20/12/2018.
Mais tarde, a mesma temática voltou a ser alvo de discussão na Câmara dos Deputados, cujo plano geral tinha como finalidade a modificação do sistema de previdência social por meio da Proposta de Emenda à Constituição 06/2019 (PEC 06/2019), o qual objetivava a alteração de várias disposições na previdência.
Dentre eles, destaca-se aqui o programa de Transferência de Renda à Pessoa Idosa em Condição de Miserabilidade, cujo art. 41 da proposta dispunha acerca da garantia da renda mensal de R$ 400,00 (quatrocentos reais) ao idoso em condições de miserabilidade. Observe:
Art. 41. Até que entre em vigor a nova lei a que se refere o inciso VI do caput do art. 203 da Constituição, à pessoa idosa que comprove estar em condição de miserabilidade será assegurada renda mensal de R$ 400,00 (quatrocentos reais) a partir dos sessenta anos de idade.
§ 1º A pessoa que estiver recebendo a renda na forma prevista no caput ao completar setenta anos de idade, e desde que atendidos os demais requisitos, fará jus à renda mensal de um salário-mínimo prevista no inciso VI do caput do art. 203 da Constituição.
§ 2º As idades previstas neste artigo deverão ser ajustadas quando houver aumento na expectativa de sobrevida da população brasileira, nos termos do disposto no § 4º do art. 201 da Constituição.
§ 3º É vedada a acumulação da transferência de renda de que trata este artigo com outros benefícios assistenciais e com proventos de aposentadoria ou pensão por morte dos regimes de previdência social de que tratam os art. 40 e art. 201 da Constituição ou com proventos de inatividade e pensão por morte de que tratam os art. 42 e art. 142 da Constituição, observadas as condições estabelecidas em lei.
§ 4º Não será devido abono anual para a pessoa idosa beneficiária da renda mensal de que trata este artigo.
No entanto, realizada a votação formal, infelizmente a ementa supramencionada foi rejeitada, e as que foram aprovadas, ainda que parcialmente, teve como resultado a atual Emenda Constitucional 103/2019, mas que manteve intacta as disposições do art. 203, inciso V, da CF/88.
Além do mais, ainda que em tão curto lapso temporal viu-se a necessidade de rediscutir a redução do critério etário, vale lembrar que em ocasiões pretéritas houve a redução gradativa acerca deste requisito legal objetivo, já que até dezembro de 1997 a idade mínima era de 70 (setenta) anos e logo depois, até dezembro de 2003, passou a ser de 67 (sessenta e sete) anos, de acordo com as modificações legislativas ao logo da história.
Logo, é forçoso concluir que embora existam dados que fundamentem a elevação da idade previdenciária no Brasil de acordo com o aumento da expectativa de vida, o fato da redução do critério etário para concessão do BPC da Assistência Social às pessoas idosas ao longo da história, é inarredável a evidência de que a prestação obrigacional do Estado como forma de erradicar a pobreza e garantir a proteção humanitária aos idosos, não cumpre com a intencionada proposta constitucional.
Portanto, além desse fato configurar uma dissonância ao Princípio da Universalidade da Cobertura da Seguridade Social, a seletividade de pessoas do mesmo grupo em iguais condições fere veemente o Princípio da Igualdade e da Dignidade à Pessoa Humana como sendo os basilares dos direitos humanos.
4. CONCLUSÃO
O Benefício de Prestação Continuada (BPC) à pessoa idosa, é uma forma de proteção constitucional quanto aos direitos humanos visando garantir o princípio da igualdade, com o fim de assegurar uma vida digna àqueles que mais necessitam da assistência do Estado e da sociedade.
Na ausência deste suporte, milhares de idosos brasileiros em situação de vulnerabilidade sofreriam dolorosamente com as consequências drásticas das desvantagens sociais, portanto, se faz necessária a manutenção do referido benefício, de modo a assegurar a universalidade de direitos àqueles que um dia tanto contribuíram para a construção de uma nação.
É cediço que todo e qualquer projeto se torna inócuo quando não se reveste de resultados seguros, capazes de atingir a função pela qual foi determinado. Assim, uma imposição normativa que se deriva da gênese dos direitos humanos, não se preserva resoluta quando não atinge de forma imutável o grupo pelo qual lhe foi destinado.
Neste sentido, conclui-se, portanto, que diante de tudo o que foi abordado, o critério etário estipulado pela lei 10.401/03 como um dos requisitos necessários para a concessão do BPC da LOAS aos idoso, por fazer distinção e selecionar pessoas do mesmo grupo em iguais condições impedindo que os idosos com idade compreendida entre 60 (sessenta) e 64 (sessenta e quatro) anos gozem do direito ao Benefício Assistencial de Prestação Continuada, impossibilita que o Estado exerça o integral cumprimento do dever constitucional que lhe foi atribuído, resultando, assim, que uma parcela do público idoso sofra com a ausência de amparo legal quanto a acessibilidade do mínimo existencial.
Deste modo, diante da falha estatal, considerando a evidente distinção entre os iguais, o que ocasiona a contrariedade ao Princípio da Igualdade e Isonomia de Direitos, denota-se que a hipótese cabível para solucionar a falha no sistema atual, seria, tão logo, a modificação legal a fim de viabilizar o efetivo objetivo jurídico relativamente à proteção da pessoa idosa, de modo que o legislador crie e aprove projetos que não se baseiem tão somente na política econômica do país, mas que se sustente em uma perspectiva mais humanizada em benefício do bem comum.
REFERÊNCIAS
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OLIVEIRA, Fabiano Melo Gonçalves de. Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2016. E-book. ISBN 9788530968908. Disponível em: <https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530968908/>. Acesso em: 15 nov. 2023.
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 5. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
SANTOS, Natália Vasconcellos dos. O Critério da Miserabilidade no Benefício de Prestação Continuada (LOAS). 2021. Disponível em: <https://aberto.univem.edu.br/handle/11077/2103>. Acesso em: 17 jun. 2023.
SILVA. Júlia de Albuquerque Reis e. Os requisitos legais para a concessão do Benefício Assistencial de Prestação Continuada sob a ótica constitucional. Artigo científico apresentado como exigência de conclusão de Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ. Rio de Janeiro: EMERJ, 2012. Disponível em: <https://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/2semestre2012/trabalhos_22012/JuliaAlbuquerqueReisSilva.pdf>. Acesso em: 28 jul. 2023.
[1] Mestre em Direito Público pela PUC/MG, Pós Graduada em Direito de Empresa pelo IEC/MG, Pós Graduada em Direito e Processo do Trabalho pela FGV. Assessora Jurídica do NAI – Núcleo de Assistência a pessoa idosa em situação de violência. Advogada. Professora Universitária. E-mail: [email protected]
[2] Art. 34. Às pessoas idosas, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário mínimo, nos termos da Loas.
Graduanda em Direito pelo Centro Universit[ario UNA - BETIM – MG
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CRUZ, SANDY TAMIRES DIAS. Análise do critério etário do idoso estipulado pela Lei 10.741/03 como requisito para concessão do Benefício Assistencial de Prestação Continuada e a inclusão do indivíduo em situação de vulnerabilidade. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jan 2024, 04:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/64457/anlise-do-critrio-etrio-do-idoso-estipulado-pela-lei-10-741-03-como-requisito-para-concesso-do-benefcio-assistencial-de-prestao-continuada-e-a-incluso-do-indivduo-em-situao-de-vulnerabilidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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