Resumo: A finalidade deste artigo informativo é abordar os casos em que o Estado pode ser responsabilizado por atos praticados por servidores públicos, sobretudo agentes de segurança pública em operações policiais.
Palavras-chave: Vítima de bala perdida. O Estado responde em caso de bala perdida?. Responsabilização do operador de segurança pública em caso de bala perdida?. A família da vítima tem direito à indenização?
1 – Introdução
Apesar de o Estado estar em uma posição diferente quando comparado ao particular, tendo em vista que o interesse público, em regra, se sobrepõe ao interesse individual, isso não é motivo que justifique a falta de responsabilização estatal por danos causados ao particular.
2 – Desenvolvimento
Mesmo com previsão no § 6º do art. 37 da Constituição Federal de 1988, em que há previsão de responsabilização do Estado decorrente de danos causados na prestação de serviço público, é no ramo do Direito Administrativo que esse tema é mais detalhado, embora a doutrina administrativa lecione sobre diversas teorias existentes, duas merecem destaques: risco administrativo e risco integral.
Adotada, em regra, pelo ordenamento jurídico brasileiro, o risco administrativo é uma teoria em que não há necessidade de comprovação da culpa estatal, apenas se houve nexo de causalidade entre atividade administrativa e o dano sofrido (responsabilidade objetiva). No entanto, essa teoria possui uma qualidade diferente pelo fato de ser possível o Estado apresentar causas de redução responsabilidade, por exemplo, um agente público que utiliza uma viatura oficial para deslocamento em uma velocidade superior à permitida na via e isso resulte no atropelamento de um cidadão que tentou atravessar a via em um momento que não era permitido assim como é admissível a exclusão da responsabilidade do Estado por culpa exclusiva da vítima, por exemplo, uma pessoa que se joga nos trilhos de um metrô, nota-se que ela fez questão de se colocar na situação que é causa do dano, com isso o Estado é dispensado de responsabilização.
Tratando-se da teoria do risco integral, que é exceção no ordenamento pátrio, não é possível o Estado apresentar causas de diminuição ou exclusão da responsabilização, basta que o lesado prove que sofreu um dano, e então surgirá a obrigação de indenizar o prejuízo sofrido. Contudo, essa teoria, por ser a exceção, só é aplicada em casos específicos previstos em lei como dano de atividade nuclear, dano ambiental, danos decorrentes de atos terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos contra aeronaves de empresas aéreas brasileiras.
O Estado, via de regra, não é isento de prejuízos causados a terceiros mesmo que em contexto de operações policiais. Utilizando-se como destaque um caso específico, o da morte de Vanderlei Conceição de Albuquerque em meio à troca de tiros entre traficantes e a Força de Pacificação do Exército, esse assunto chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) após um recurso dos familiares de Vanderlei contra decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio) que afastou a responsabilidade do Estado pela morte sob o argumento de que não teria restado comprovado que o disparo que alvejou a vítima tenha sido efetivamente realizado por militares.
O placar do julgamento, na Suprema Corta, está em 2 x 1. Os ministros Edson Fachin e Rosa Weber votaram no sentido de que o governo fluminense é responsável por vítimas de disparos durante operações mesmo quando não há conclusão sobre de onde partiu a bala. De forma contrária, o ministro Mendonça divergiu parcialmente de Fachin, defendendo que o Estado não seja responsabilizado, ‘caso demonstre a total impossibilidade da perícia, mediante o emprego tempestivo dos instrumentos técnicos disponíveis, para elucidação dos fatos’. Apesar de ser necessária a prevalência do voto da maioria simples (pelo menos seis dos onze ministros), a discursão em pauta é se a responsabilização estatal deve ser automática, com base na teoria do Risco Integral, ou se o Estado possui a possibilidade de comprovar, por meios técnicos, que o disparo não surgiu da arma de um agente de segurança pública ou se eximir da obrigação, caso não seja possível a realização de perícia.
3 – Conclusão
Destarte, ainda que o Estado possua recursos financeiros para o pagamento de indenizações às famílias das vítimas drasticamente atingidas por “balas perdidas”, a responsabilização automática pode implicar redução do quantitativo de operações policiais e, consequentemente, na redução do combate à criminalidade.
Conquanto um tema não pacificado nem mesmo pelo STF, a prevalência das teses presentes nos votos dos ministros Edson Fachin e Rosa Weber, por se tratar da responsabilização de forma excepcional sob o viés do risco administrativo integral, é necessária a manifestação do Poder Legislativo por meio de sua função típica, legislar. Assim como não é razoável a provocação da inércia das forças policiais, também não é tolerável que o Estado se exime em realizar investimentos em tecnologias para realização de perícias mais complexas, a fim de responsabilizar os responsáveis por efetuar disparos de arma de fogo de forma imprudente, inclusive indivíduos que decidem iniciar tiroteios com as forças estatais. Dessa forma, o voto do ministro André Mendonça, aparentemente, está mais próximo à teoria do risco administrativo, haja vista que pertence ao Estado o dever de provar a alegação da exclusão de responsabilidade quando, por meios legais, for constatado que os disparos imprudentes não foram realizados por operadores de segurança pública, do contrário recairá sob o Estado, ainda quando não for possível a realização de perícia, a obrigação de indenizar a família da vítima, mesmo que isso não ocasione a reparação do principal dano, a vida.
Referências:
Constituição Federal da República do Brasil. Planalto. Brasília, 1988. Disponível em:
(planalto.gov.br)
Lenza, Pedro Direito Constitucional / Pedro Lenza. – 26. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022.
Di Pietro, Maria Sylvia Zanella - Direito administrativo. – 33. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020.
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