RESUMO: Este trabalho apresenta uma análise crítica, frente aos princípios constitucionais da celeridade e da duração razoável do processo, do panorama atual da competência para o julgamento das ações tributárias, que se dá junto à Justiça Comum. Com suporte na bibliografia de autores clássicos do direito processual tributário brasileiro, são expostos argumentos a fim de se buscar uma conclusão sobre a necessidade da especialização da justiça tributária.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Processual Tributário. Justiça especializada. Princípio da duração razoável do processo.
1.INTRODUÇÃO
O Direito Tributário, ramo do Direito Público, tem por objeto a relação estabelecida entre Estado e contribuinte. Possui um conjunto de normas e princípios que regulam e fiscalizam a arrecadação de tributos, de modo que restringe o poder do Estado de exigi-los, bem como traz previsões acerca dos deveres dos contribuintes.
Vale destacar que o sistema tributário brasileiro é notoriamente constitucionalizado. A Constituição Federal de 1988 prevê nos seus arts. 145 a 162, além das espécies de tributos, diversas normas de definição e repartição de competências, bem como limitações ao poder de tributar.
A legislação tributária é formada por um conjunto vasto de normas e princípios e, em decorrência disto, surgem muitos conflitos entre Fisco e contribuintes que, na maioria das vezes, buscam as soluções de tais questões junto ao Poder Judiciário, responsável por dizer o direito em última instância.
As ações judiciais em matéria tributária são processadas e julgadas perante a Justiça Comum e, considerando a complexidade que envolve tais ações, muitas vezes o deslinde do feito é, até mesmo, comprometido. O presente artigo visa demonstrar a necessidade de especialização da justiça tributária, à luz da economia processual e da duração razoável do processo.
A partir de um estudo das obras publicadas pelos juristas Rubens Gomes de Sousa e Gilberto de Ulhôa Canto sobre o tema, são expostos os motivos pelos quais se acredita ser necessária tal especialização.
2.DO LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO E DAS POSSIBILIDADES DE INSURGÊNCIA PELO SUJEITO PASSIVO DA RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA
Limitando-se ao tema do presente artigo, válido tecer algumas considerações sobre a constituição da obrigação tributária e, logo, sobre o lançamento tributário.
A obrigação tributária nasce com a ocorrência do fato gerador que, em linhas gerais, pode-se conceituar como a subsunção de um fato tributário à hipótese de incidência tributária prevista na legislação correspondente.
Em várias situações, a mera ocorrência do gerador não exige que aquele sujeito que o realizou cumpra, de imediato, a obrigação tributária, uma vez que esta deve passar pelo crivo do lançamento, a fim de se formar o crédito tributário, passando, então, aquela obrigação a ser exigível pelo Fisco.
Em outras palavras: não basta a ocorrência do fato gerador para que se possa exigir o cumprimento da obrigação pelo contribuinte. É preciso que haja um procedimento ou ato administrativo formal, por parte do Fisco, para que a obrigação passe a ser exigível, denominado lançamento tributário.
2.1 Do lançamento tributário
O conceito legal de lançamento tributário, instituto este próprio do Direito Tributário, pode ser extraído do art. 142 do Código Tributário Nacional:
Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional. (BRASIL, 1966).
O lançamento, portanto, ocorre de acordo e nos termos da lei vigente na data da ocorrência do fato gerador, que tem o condão de conferir à obrigação, segundo Seixas Filho (1988, p. 03), a certeza jurídica:
O que caracteriza substancialmente o lançamento tributário é o grau de certeza jurídica conferido por um órgão da administração fiscal competente para tal, suficiente para liquidar e exigir o pagamento do tributo.
Muito se discute na doutrina se o lançamento tributário constitui um ato administrativo ou um procedimento, como expresso no artigo de lei supramencionado.
Sacha Calmon, jurista brasileiro, é um dos defensores da tese de que o lançamento se trata, de forma incontroversa e lógica, de ato administrativo, ao fundamento de que não constitui uma sucessão encadeada de atos e sim apenas um ato (COELHO. 1999, p. 655).
O mesmo raciocínio é externado por Alberto Xavier quando da conceituação de lançamento tributário em suas obras (1998, p. 66). Por outro lado, o magistrado Hugo de Brito Machado (2005, p. 181) considera o lançamento tributário um procedimento administrativo, assim o conceituando:
(...) procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, identificar o seu sujeito passivo, determinar a matéria tributável e calcular ou por outra forma definir o montante do credito tributário, aplicando, se for o caso, a penalidade cabível.
Para fins do presente artigo, considerar-se-á que o lançamento é um ato administrativo, não se diminuindo, por óbvio, os respeitáveis entendimentos em sentindo contrário. Todavia, há de se atentar que em diversas situações a constituição deste ato administrativo exige um procedimento prévio para, justamente, possibilitar a elaboração do ato.
Considerando que eventual procedimento administrativo prévio não tem o condão de implicar em lesão ao contribuinte, não se exige, neste momento, a estrita observância do contraditório e da ampla defesa, ao contrário do que ocorre quando da instauração de um processo administrativo, tema este que será objeto de análise no tópico seguinte.
Outra questão que também é objeto de divergência doutrinária é a natureza jurídica do lançamento tributário, se possui natureza declaratória do crédito tributário, natureza constitutiva do lançamento tributário ou se possui natureza híbrida, entendida como aquela constitutiva do crédito tributário e declaratória do lançamento.
Em que pese o art. 142 do Código Tributário Nacional, acima transcrito, trazer a previsão de que o lançamento constitui o crédito tributário, entende-se, aqui, que o entendimento no sentido de que o lançamento possui natureza híbrida ou mista é o mais razoável.
Isto pois, considera-se nesta corrente que a obrigação tributária surge no momento da ocorrência do fato gerador e o efeito do lançamento sobre esta obrigação é meramente declaratório, enquanto o crédito tributário, por outro lado, para ser constituído, depende do ato de lançamento. Separa-se, assim, a obrigação e o crédito, considerando que surgem em momentos distintos (CARVALHO, 2007, p. 380).
Hugo de Brito Machado (2011, p. 175) explica com sabedoria esta corrente:
[...] é praticamente pacífico o entendimento segundo o qual o lançamento não cria direito. Seu efeito é simplesmente declaratório. Entretanto, no Código Tributário Nacional o crédito tributário é algo diverso da obrigação tributária. Ainda que, em essência, crédito e obrigação sejam a mesma relação jurídica, o crédito é um momento distinto. [...] O lançamento, portanto, é constitutivo do crédito tributário, e apenas declaratório da obrigação correspondente.
Assim, delineadas as principais questões acerca do conceito legal de lançamento tributário e da sua natureza jurídica, passa-se à exposição das modalidades de lançamento.
2.2 Das modalidades de lançamento tributário
Quanto às modalidades de lançamento, o Código Tributário Nacional traz a previsão de três modalidades, quais sejam, lançamento por declaração, lançamento de ofício e lançamento por homologação.
A principal diferença entre elas é o grau de participação do sujeito passivo e, a seguir, serão feitas breves considerações sobre cada uma destas modalidades. Senão vejamos:
O lançamento por declaração, previsto no art. 147 do Código Tributário Nacional, é realizado integralmente com base nas declarações fornecidas pelo sujeito passivo ou por terceiro. Considera-se que nesta modalidade o sujeito passivo exerce um papel fundamental, pois as informações prestadas quanto à matéria de fato servem de base para a quantificação do valor devido.
O lançamento de ofício, por sua vez, ocorre quando a atividade de lançamento é realizada pela Administração através de informações colhidas por procedimentos de fiscalização e, via de regra, sem qualquer auxilio por parte do contribuinte.
O dispositivo do Código Tributário Nacional que trata desta modalidade é o art. 149, que versa tanto sobre a hipótese de lançamento de ofício, quanto sobre a revisão de ofício de lançamentos que possam ter sido realizados com base em outras modalidades de lançamento:
Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: I - quando a lei assim o determine; II - quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária; III - quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade; IV - quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória; V - quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte; VI - quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária; VII - quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação; VIII - quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior; IX - quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial. Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública. (BRASIL, 1966).
Esta modalidade se aplica tanto aos casos em que a lei determina a sua adoção, quanto pode ser aplicada de maneira subsidiária, substituindo o lançamento por declaração ou por homologação, caso necessário.
Já o lançamento por homologação, previsto no art. 150 do CTN, “ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa” (BRASIL, 1966). Trata-se de tributos que tem o recolhimento exigido do sujeito passivo independentemente de prévia manifestação do sujeito ativo. Em outras palavras: o contribuinte paga o tributo sem nenhuma intervenção estatal, sendo que cabe ao Estado somente o controle do cumprimento da obrigação tributaria.
Sobre esta modalidade de lançamento, Luciano Amaro (2010, p. 389) faz a seguinte consideração:
Cuida-se aqui de tributos que, por sua natureza (multiplicidade de fatos geradores, de caráter instantâneo, como, tipicamente, se dá com os chamados tributos indiretos e com tributos sujeitos a retenção na fonte), têm o recolhimento exigido do devedor independentemente de prévia manifestação do sujeito ativo, vale dizer, sem que o sujeito ativo deva lançar para tornar exigível a prestação tributária.
Para que ocorra a conclusão do lançamento tributário e a constituição definitiva do crédito, o sujeito passivo deve ser notificado. Abre-se prazo para que o sujeito passivo pague o valor que a Administração entende devido ou para que impugne administrativamente. Caso opte o sujeito passivo pelo pagamento, extingue-se o crédito e a relação obrigacional tributária.
Todavia, caso haja a devida notificação e ausente impugnação por parte do sujeito passivo, considera-se finalizado o ato de lançamento, bem como constituído o crédito. Surge, assim, para o Estado, o poder-dever de cobrá-lo.
A cobrança do crédito tributário possui um meio próprio, qual seja, deve o Estado inscrever o crédito tributário em dívida ativa, por meio de um procedimento que resultará em uma Certidão de Dívida Ativa (CDA), título este executivo extrajudicial, e ajuizar uma ação de execução, munido deste título.
E, ainda, como mencionado, há a possibilidade de o sujeito passivo se insurgir contra o lançamento tributário, seja administrativamente, seja judicialmente, hipóteses estas que serão tratadas de forma minuciosa no tópico a seguir.
2.3 Das possibilidades de insurgência pelo sujeito passivo
É permitido ao contribuinte impugnar o lançamento realizado pelo Fisco. Para tanto, pode-se usar da via administrativa ou da via judiciária. A Administração Pública que, em atenção ao princípio da legalidade, deve atuar em estrita observância à lei, possui a prerrogativa de rever os seus próprios atos e, portanto, realizar o controle de legalidade do seu próprio lançamento.
Este, inclusive, é o entendimento externado no enunciado da Súmula nº 346 do Supremo Tribunal Federal:
A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos. (BRASIL, 2012).
E também da Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal:
A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. (BRASIL, 2012).
O controle administrativo de legalidade do ato de lançamento tributário é realizado por órgãos da Administração Pública que detém competência para tanto. No âmbito federal, o processo administrativo tributário é processado perante a Secretaria da Receita Federal, sendo que em sede de primeira instância é julgado por Delegacias da Receita Federal de Julgamento e, em segunda instância, pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), nos termos do artigo 25, II, do Decreto nº 70.235/72.
Já em nível estadual e municipal, cada ente federado possui competência tributária para legislar sobre o processo administrativo tributário, de modo que não há uniformidade de procedimento, mesmo considerando que alguns entes optam por repetirem alguns artigos previstos no Decreto nº 70.235/72.
Válido ressaltar que havendo a instauração de um processo administrativo, em que se percebe um conflito de interesses entre fisco e contribuinte, ao contrário do que ocorre em um mero procedimento administrativo, deve-se, obrigatoriamente, observar que se estabeleça o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal.
A respeito da diferença entre o procedimento administrativo, citado no tópico anterior, e o processo administrativo, em relação à observância dos princípios constitucionais do processo, Bernardo Motta Moreira (2013, p. 125-126) assim explica:
Cuida o procedimento fiscal do ato de lançamento. Tem caráter fiscalizatório ou apuratório e por finalidade preparar o ato de lançamento. Não havendo impugnação desse ato pelo sujeito passivo, o procedimento exaure-se como pagamento do montante do tributo e seus acréscimos legais. Por outro lado, o processo administrativo tributário refere-se ao conjunto de normas que disciplina o regime jurídico processual-administrativo aplicável às lides tributárias deduzidas perante a Administração.
Todavia, sabe-se que as decisões proferidas no âmbito administrativo não são dotadas de definitividade. Isto porque, o poder judiciário tem competência para rever tais decisões e, em última esfera, dizer o direito.
Tal entendimento pode ser extraído do princípio da inafastabilidade do poder judiciário, esculpido no art. 5º, XXXV da Constituição Federal de 1988, em que dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;” (BRASIL. 1988).
Sobre a questão, Machado Segundo (2009, p. 221) faz a seguinte consideração:
No âmbito tributário, caso o conflito não seja equacionado na esfera administrativa (...) sempre haverá a possibilidade de acesso ao Poder Judiciário, único competente para impor às partes uma solução definitiva para os conflitos.
Todavia, a recíproca não é verdadeira. Consta tanto do Decreto Lei nº 1.737/79, em seu art. 1º, §2º, quanto da Lei nº 6830/80, em seu art. 38, parágrafo único, que a escolha do contribuinte em buscar o seu direito perante o poder judiciário, implica diretamente na renúncia de eventual discussão administrativa.
Este entendimento, inclusive, foi sumulado pelo CARF:
Súmula CARF nº 1: Importa renúncia às instâncias administrativas a propositura pelo sujeito passivo de ação judicial por qualquer modalidade processual, antes ou depois do lançamento de ofício, com o mesmo objeto do processo administrativo, sendo cabível apenas a apreciação, pelo órgão de julgamento administrativo, de matéria distinta da constante do processo judicial. (BRASIL, 2010)
Firmadas estas premissas, certo é que é permitido ao contribuinte, inconformado com a decisão proferida no âmbito administrativo, recorrer ao poder judiciário ou, até mesmo, optar por este desde o primeiro momento, observado o disposto nos artigos de lei supramencionados e no enunciado da sumula do CARF.
s ações judiciais em matéria tributária podem ser tanto de iniciativa do Fisco, quanto de iniciativa do contribuinte. Via de regra, aquelas de iniciativa do Fisco são as ações de execução fiscal, em que se busca a satisfação do crédito tributário, e a cautelar fiscal, cujo objetivo é, justamente, resguardar e garantir o pagamento de eventual obrigação.
Já as ações propostas pelo contribuinte, geralmente são os embargos à execução fiscal, ações anulatórias, declaratórias, cautelares e de consignação em pagamento, bem como o mandado de segurança, na hipótese de direito líquido e certo.
3. DA COMPETÊNCIA
O poder judiciário se divide em justiça comum e justiça especializada e, a teor do disposto nos incisos I a VII do art. 92 da Constituição Federal de 1988, é composto pelos seguintes órgãos:
I - o Supremo Tribunal Federal;
I-A o Conselho Nacional de Justiça;
II - o Superior Tribunal de Justiça;
II-A - o Tribunal Superior do Trabalho;
III - os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;
IV - os Tribunais e Juízes do Trabalho;
V - os Tribunais e Juízes Eleitorais;
VI - os Tribunais e Juízes Militares;
VII - os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios. (BRASIL, 1988).
Cada um destes órgãos possui competências distintas, que se diversificam de acordo com a matéria fática, partes envolvidas, entre outros fatores, sendo que alguns deles pertencentes à justiça comum e outros, à justiça especializada.
3.1 Da Justiça Comum versus Justiça Especializada
A justiça comum, que abrange tanto a Justiça Federal, quanto a Justiça Estadual, em razão caráter residual, possui competência para processar e julgar as ações que não são de competência da justiça especializada.
A Justiça Federal, prevista nos arts. 106 a 110 da Constituição Federal, formada por juízes, juizados federais e Tribunais Regionais Federais, é competente, em suma, para o processamento e julgamento das causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal figurarem como interessadas. Senão vejamos:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
II - as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País;
III - as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional;
IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
V-A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;
VII - os habeas corpus , em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição;
VIII - os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais;
IX - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar;
X - os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o "exequatur", e de sentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização;
XI - a disputa sobre direitos indígenas. (BRASIL, 1988).
Por sua vez, a Justiça Estadual possui competência para processar e julgar aqueles feitos que, no âmbito da justiça comum, não são de competência da Justiça Federal e, por esta razão, o seu regramento está previsto nas Constituições de cada um dos Estados.
Vale ressaltar, ainda, que tanto a Justiça Federal, quanto a Justiça Estadual, possuem Juizados Especiais, que são responsáveis pelo processamento e julgamento de demandas com menor complexidade, estas entendidas como aquelas ações cujo valor da causa não ultrapassa certo teto estabelecido, bem como não demandam a produção de prova complexa.
Já a justiça especializada, composta pelas Justiça Eleitoral, do Trabalho e Militar, todas integrantes pelo Poder Judiciário da União, justifica-se na medida em que as matérias ali tratadas exigem um nível de especialidade maior, tanto no que diz respeito à legislação processual aplicável, quanto no tocante ao conhecimento aprofundado da matéria pelo julgador.
A Justiça do Trabalho, prevista nos arts. 111 a 116 da Constituição Federal de 1988, é responsável pelo julgamento das causas que envolvem relações de trabalho. A Justiça Eleitoral, ao seu turno, disposta nos arts. 118 a 121 da Carta Magna, possui competência para o processamento e julgamento das demandas envolvendo as eleições municipais, estaduais, distritais e nacionais. A última justiça especializada, a Militar, responsável pelo julgamento dos crimes militares e das ações judiciais relativas a atos disciplinares militares.
3.2 Panorama atual da competência para o julgamento das ações tributárias
As ações que têm por objeto matérias tributárias são de competência da justiça comum. Muitos Tribunais, visando uma melhor organização das demandas, optam pela criação de Varas especializadas, amparados pelo disposto no art. 96, I, “d”, da Constituição Federal de 1988:
Art. 96. Compete privativamente: I - aos tribunais: (...) d) propor a criação de novas varas judiciárias; (BRASIL, 1988).
No âmbito do Estado de Minas Gerais, por exemplo, a Lei Complementar nº 59 de 18/01/2001, que dispõe sobre a organização e a divisão judiciárias do Estado de Minas Gerais, definiu a competência das Varas da Fazenda Pública e Autarquias:
Art. 59 – Compete a Juiz de Vara de Fazenda Pública e Autarquias processar e julgar causas cíveis em que intervenham, como autor, réu, assistente ou opoente, o Estado, os municípios, suas autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as fundações públicas, ressalvada a competência: I – dos Juizados Especiais Cíveis e da Fazenda Pública; II – do Juiz de Vara de Execuções Criminais, prevista no inciso VIII do caput do art. 61; III – onde não houver vara da Justiça Federal, as decorrentes do § 3º do art. 109 da Constituição da República, respeitada a competência de foro estabelecida na lei processual. § 1º – As Varas de Fazenda Pública e Autarquias poderão ter competência, na forma estabelecida em resolução do órgão competente do Tribunal de Justiça, para o julgamento das causas cíveis que envolvam questões relacionadas com o meio ambiente. § 2º – (Vetado). (MINAS GERAIS, 2001).
Vale ressaltar, ainda, que quando da edição da Resolução nº 377/2001 do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, houve a mudança de denominação das antigas "Varas de Execuções Fiscais" para “Varas de Feitos Tributários”, sendo assim definida a competência destas últimas:
Art. 1º. As 1ª, 2ª, 3ª e 4ª Varas de Execuções Fiscais do Estado, da Comarca de Belo Horizonte, passam a denominar-se, respectivamente, 1ª, 2ª, 3ª e 4ª Varas de Feitos Tributários do Estado, com competência para julgar as ações envolvendo matéria tributária do Estado de Minas Gerais. Parágrafo único. Incluem-se na matéria prevista neste artigo os feitos judiciais em que o debate se restrinja à contribuição previdenciária estadual. (MINAS GERAIS, 2001)
Assim, verifica-se que na Comarca de Belo Horizonte, por exemplo, as causas tributárias são diretamente distribuídas às Varas de Feitos Tributários, cuja competência está atrelada ao julgamento das ações que envolvam discussões relacionadas aos tributos.
Todavia, o direcionamento das ações tributárias para tais Varas se trata de mera organização e divisão de matérias, ainda dentro da justiça comum. Em diversas outras comarcas, especialmente as menores, não há que se falar nesta divisão, de modo que as causas tributárias são processadas e julgadas por juízes, muitas vezes, de Varas Únicas, que são responsáveis por todas e quaisquer demandas que surgirem.
A criação de Varas Especializadas não tem o condão de solucionar as dificuldades que existem em razão do julgamento das ações tributárias na justiça comum, questão esta que será exposta minuciosamente mais adiante, no capítulo 4, ao passo que tal especialização se dá apenas em primeira instância e não tem o condão de promover celeridade na resolução das lides e exigir do magistrado conhecimento específico em matéria tributária, “o que falseia o objetivo visado justamente com seu aspecto mais importante.” (SOUSA, 1943, p. 23).
Conclui-se, portanto, que apesar de haver, em algumas comarcas, a repartição da competência em Varas de Feitos Tributários, não é o suficiente para a especialização da matéria tributária. Esta situação só demonstra, na realidade, a necessidade de uma real especialização em âmbito nacional.
4.DA NECESSIDADE DE ESPECIALIZAÇÃO DA JUSTIÇA TRIBUTÁRIA
Como destacado, as causas tributárias são processadas e julgadas na justiça comum. Serão apresentados, neste capítulo, os motivos pelos quais se acredita ser necessária a especialização da justiça tributária.
É cediço que as justiças especializadas existentes possuem previsão constitucional, de modo que a criação de uma justiça especializada em matéria tributária exigiria uma proposta de emenda à constituição e, embora este não seja um procedimento simples, defende-se, aqui, ser necessário. Senão vejamos alguns dos motivos mais relevantes:
4.1 Dos diplomas legais tributários e da sua aplicabilidade ao caso concreto
A legislação tributária é composta por uma série de normas e princípios extensos e complexos, de observância obrigatória daqueles que estão sujeitos ao seu campo de incidência, bem como do aplicador do Direito. A seguir, o tema será exposto de forma minuciosa, visando demonstrar as implicações e os impactos do julgamento das causas tributárias junto à justiça comum.
4.1.1 da legislação tributária
A Constituição Federal de 1988 atribuiu competência tributária aos entes federados, discriminando a competência de cada um para instituir os tributos. Todavia, exige-se de cada ente federado a criação de uma Lei Ordinária para que esta competência possa ser exercida. Em outras palavras: A Constituição outorga a competência para que os entes federativos criem os tributos nela previstos.
A respeito da edição das normas gerais e disposições sobre conflitos de competência em matéria de legislação tributária, bem como sobre as limitações ao poder de tributar, o art. 146 da Constituição Federal dispõe ser de competência do legislador complementar.
No atual ordenamento jurídico, o Código Tribunal Nacional (CTN), Lei nº 5.172/1966, é o responsável por tal normatização e, apesar de ter sido editado como uma lei ordinária à época, CTN foi recepcionado pela atual Constituição com o status de Lei Complementar.
Pode-se considerar que um dos papéis principais do CTN é estabelecer normais gerais visando dirimir conflitos de competências, de modo a evitar que os entes federativos, ao exercerem suas competências em relação aos impostos, entrem em conflito, bem como estabelecer uniformidade à legislação tributária, visando evitar normatizações díspares em cada estado e em cada município.
Com base nestas disposições gerais contidas no CTN os entes federados criam as suas próprias leis visando exercer a competência que a Constituição lhes outorgou.
André Portella (2018, p. 39), Professor e Doutor em Direito Financeiro e Tributário, explica:
Por meio da CF/88, distribui-se o poder de legislar em matéria tributária; por meio da lei complementar, regulamenta-se essa competência; mas é por meio da lei ordinária que efetivamente se institui, extingue, majora ou minora tributo.
A instituição do tributo por meio de lei ordinária é decorrência do princípio da legalidade tributária, que possui a seguinte previsão constitucional:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; (BRASIL, 1988)
Assim, tendo em vista que cada ente deve criar uma lei para a instituição ou majoração de terminado tributo, conclui-se que o volume de leis em matéria tributária é, de fato, exorbitante.
Válido ressaltar tal regra para a instituição de tributos comporta exceção, qual seja, a possibilidade de instituir e alterar tributos, observadas as disposições legais, por meio de outros instrumentos normativos, tais como decreto e medida provisória, fator este que tem o condão de aumentar, ainda mais, o volume de normas a serem observadas quando da discussão e julgamento de ações tributárias.
Há de se considerar, ainda, que a expressão “legislação tributária” não se restringe apenas às normas advindas de um processo legislativo, ao contrário, abrange uma vasta gama de normas e orientações relativas à matéria tributária. Sobre a expressão, assim considera André Portella (2018, p. 50):
Seja qual for o tema específico no âmbito do universo da tributação e seja qual for o instrumento legislativo utilizado, a legislação tributária incluirá sempre toda e qualquer norma que se refira ao pagamento de tributo. Encontram-se aí incluídos desde as normas de incidência até as normas referentes a procedimentos de pagamento, benefícios fiscais, organização da estrutura administrativa fazendária, prazo para entrega de declarações, dentre quaisquer outros.
Dito isso, importante destacar o Decreto nº 70.235/72, que dispõe sobre o processo administrativo fiscal. Em que pese as normas ali lançadas serem aplicáveis no âmbito administrativo, diversas demandas no âmbito do poder judiciário exigem o conhecimento e a análise do referido decreto, especialmente as ações anulatórias, que visam apontar vícios contidos nos procedimentos ou processos administrativos.
Não se ignora o fato de que não cabe ao Poder Judiciário, em atenção do princípio da separação de poderes, intervir no mérito administrativo. Todavia, permite-se o controle de legalidade dos atos ali praticados.
Este é o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça:
MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR. ATO DE REDISTRIBUIÇÃO. DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA. I - O ato de redistribuição de servidor público é instrumento de política de pessoal da Administração, que deve ser realizada no estrito interesse do serviço, levando em conta a conveniência e oportunidade da transferência do servidor para as novas atividades. II - O controle judicial dos atos administrativos discricionários deve-se limitar ao exame de sua legalidade, eximindo-se o Judiciário de adentrar na análise de mérito do ato impugnado. Precedentes. Segurança denegada. (MS 12.629/DF, Rel. Ministro FELIX FISCHER, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/08/2007, DJ 24/09/2007, p. 244). (BRASIL, 2007).
A 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, quando do julgamento do recurso de Apelação Cível nº 1.0000.19.158244-4/001, de Relatoria do Des. Maurício Soares, já manifestou sobre o tema:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - MANDADO DE SEGURANÇA - SINDICATO DOS ESCRIVÃES DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE MINAS GERAIS - PROMOÇÃO NA CARREIRA - PRETENSÃO DE MUDANÇA NO QUANTITATIVO DE VAGAS - MÉRITO ADMINISTRATIVO - IMPOSSIBILIDADE DE INTERFERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO - SEGURANÇA DENEGADA. - Compete ao Poder Judiciário o controle judicial dos atos da Administração, não podendo, porém, exceder o referido controle além da legalidade do ato impugnado, sob pena de interferir no mérito da decisão e adentrar na função administrativa, típica do Poder Executivo, o que configuraria verdadeira infringência ao sistema de tripartição de poderes. - Assim, não cabe ao Judiciário se imiscuir na competência da Administração e modificar o quantitativo de vagas disponíveis para promoção vertical dos servidores da Polícia Civil, já que tal ato deve observar os critérios de conveniência e oportunidade, dentre eles o orçamento disponível. (MINAS GERAIS. 2020).
Firmadas todas estas premissas, percebe-se que a legislação tributária comporta um número considerável de normas que devem ser interpretadas de forma independente com relação às normas aplicáveis ao Direito Privado, vez que patente a sua autonomia.
Portella (2018, p. 72) explica com propriedade:
Demarca-se, assim, a autonomia entre o Direito Tributário e o Direito Civil, ou o Direito Empresarial. Cada um tem os seus próprios institutos, sem que se possa falar em dependência de um para com o outro. Não obstante, em que pese a autonomia entre tais ramos do Direito, deve haver uma simbiose entre os mesmos. Assim, é possível que os princípios do Direito Privado sejam utilizados na pesquisa da definição, conteúdo e alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado. Porém não devem ser utilizados na definição dos efeitos tributários.
Assim, verifica-se que as demandas tributárias exigem a observância e a aplicação de diversos diplomas legais que não aqueles gerais. Tal fato implica, inclusive, na necessidade de um conhecimento aprofundado da matéria tributária por parte do julgador, tema este que será analisado minuciosamente no tópico seguinte.
4.1.2 da aplicação da lei ao caso concreto
A Constituição Federal de 1988 estabelece no seu art. 37, II, que a investidura em cargos e empregos públicos se dá mediante a realização de concurso público:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (...) II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (BRASIL, 1988).
Por sua vez, a Lei Complementar nº 35/79, que dispõe sobre a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, também frisa a necessidade de observância à norma constitucional supramencionada referente ao concurso público como forma de ingresso na carreira:
Art. 78 - O ingresso na Magistratura de carreira dar-se-á mediante nomeação, após concurso público de provas e títulos, organizado e realizado com a participação do Conselho Secional da Ordem dos Advogados do Brasil. (BRASIL, 1979).
E, a teor do disposto no art. 96, I, “c” e “d” da Constituição Federal, compete privativamente aos Tribunais “prover (...) os cargos de juiz de carreira da respectiva jurisdição”, bem como “prover, por concurso público de provas, ou de provas e títulos, (...) os cargos necessários à administração da Justiça, exceto os de confiança assim definidos em lei.” (BRASIL, 1988).
Em outras palavras: cada Tribunal é o responsável por promover os concursos públicos para o provimento dos cargos de juízes da sua jurisdição. Via de regra, os editais de concursos públicos realizados pelos Tribunais pertencentes à justiça comum exigem conhecimento amplo de diversos ramos do direito.
A título de exemplo, cita-se o Edital nº 1/2021 para o concurso público de provas e títulos, para ingresso na carreira da Magistratura do Estado de Minas Gerais. Consta do referido documento que a prova objetiva seletiva é composta por 100 (cem) questões de múltipla escolha, envolvendo 12 (doze matérias). Dentre essas 100 (cem) questões, apenas 05 (cinco) envolvem a disciplina de Direito Tributário.
Já nos casos da justiça especializada, os editais para o provimento dos cargos de juízes ali existentes, com exceção da Justiça Eleitoral, exigem conhecimento específico da matéria ali tratada, diferente do que ocorre no âmbito da justiça comum, em que é exigido conhecimento acerca de inúmeras matérias, como já ressaltado.
Percebe-se, portanto, que não é exigido conhecimento específico de Direito Tributário dos magistrados da Justiça Comum. Ao contrário, é cobrado um número irrisório de questões de conhecimento específico da matéria, fator este que tem o condão de influenciar, ao menos em tese, na qualidade das decisões que serão proferidas em ações que envolvam matéria tributária.
A maioria das matérias tributárias que são discutidas no poder judiciário apresentam considerável grau de complexidade e, uma vez que não é exigido do magistrado da justiça comum conhecimento profundo e específico da matéria tributária, dificilmente as causas são resolvidas em primeira instância, o que enseja a demora no julgamento e a interposição de diversos recursos pelas partes.
Rubens Gomes de Souza, um dos pioneiros nos estudos de direito processual tributário no Brasil, em sua obra A Distribuição da Justiça em Matéria Fiscal, defende a necessidade de uma magistratura especializada nas questões tributárias, ao fundamento de que os magistrados, via de regra, possuem dificuldade na resolução das causas tributárias, não só em razão da complexidade e do volume de leis, mas também em razão da constante inovação delas, considerando, inclusive, que no Brasil, a formação acadêmica dos magistrados possui caráter predominantemente civilista (SOUZA, 1943, p. 19-22).
O tema também foi objeto de análise da dissertação de Mestrado de Marina Vitório Alves (2013, p. 255):
A criação de um órgão especializado em matéria tributária atribuiria maior celeridade ao processo tributário judicial, já que os juízes teriam maior conhecimento técnico sobre a matéria, reduzindo o tempo de tramitação do processo.
Assim, percebe-se que exigir do magistrado responsável pelo julgamento das causas tributárias um conhecimento específico da matéria, seja por meio de maior número de questões quando da realização do concurso público de provas, seja por meio da exigência de títulos relacionados ao Direito Tributário, seria de grande valia para que o julgamento das causas tributárias se desse de modo mais certeiro e célere.
4.2 Da (in) observância aos princípios da economia processual e da duração razoável do processo
Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior, o princípio da economia processual “vincula-se diretamente com a garantia do devido processo legal” e, ainda, considera não ser justa “uma causa que se arrasta penosamente pelo foro, desanimando a parte e desacreditando o aparelho judiciário perante a sociedade” (THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 65).
Por sua vez, a partir de um outro prisma, Daniel Amorim Assumpção Neves considera que “a única medida que gera uma economia processual (...) é o oferecimento de um processo mais rápido, porque a experiência mostra que, quanto mais demorado o processo, mais oneroso ele se torna.” (NEVES, 2017, p. 200).
Intimamente ligado ao princípio celeridade, o princípio da duração razoável do processo se encontra expressamente previsto na Constituição Federal no art. 5º, LXXVIII:
LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (BRASIL, 1988).
Sobre a questão, importante transcrever o escólio de Humberto Theodoro Júnior (2016, p. 65):
É evidente que sem efetividade, no concernente ao resultado processual cotejado com o direito material ofendido, não se pode pensar em processo justo. Não sendo rápida a resposta do juízo para a pacificação do litígio, a tutela não se revela efetiva. Ainda que afinal se reconheça e proteja o direito violado, o longo tempo em que o titular, no aguardo do provimento judicial, permaneceu privado de seu bem jurídico, sem razão plausível, somente pode ser visto como uma grande injustiça. Daí por que, sem necessidades de maiores explicações, se compreende que o Estado não pode deixar de combater a morosidade judicial e que, realmente, é um dever primário e fundamental assegurar a todos quantos dependam da tutela da Justiça uma duração razoável para o processo e um empenho efetivo para garantir a celeridade da respectiva tramitação.
Quando o assunto é Direito Tributário percebe-se uma clara inobservância dos princípios da celeridade e da duração razoável do processo. A título de exemplo, cita-se o Recurso Extraordinário nº 565048, tema 31, de Relatoria do Min. Marco Aurélio, em que se firmou a tese de que é inconstitucional o uso de meio indireto coercitivo para pagamento de tributo. Entre a data do protocolo e a do trânsito em julgado da decisão de mérito, transcorreram-se sete anos (BRASIL. 2014).
Destaca-se, também, o Recurso Extraordinário nº 593849, tema 201, de Relatoria do Min. Edson Fachin, em que se discutiu a ser devida ou não a restituição da diferença de ICMS pago a mais no regime de substituição tributária. Protocolado em setembro de 2008, apenas teve o trânsito em julgado da decisão meritória em março de 2018, aproximadamente dez anos depois. (BRASIL. 2008).
Não é razoável considerar que uma ação judicial demore cerca de dez anos para transitar em julgado. A morosidade para o julgamento de ações com temas tão relevantes para a sociedade e que atingem a população como um todo, tem o condão de gerar insegurança jurídica.
Este fator, além de sobrecarregar o poder judiciário e fazer com que as ações tributárias demorem anos para transitarem em julgado, tem o condão, também, de influenciar nas demais demandas cujas matérias também sejam de competência da justiça comum, ao passo que acabam tendo um curso moroso em razão do grande volume de processos.
5.DA EVENTUAL CONCRETIZAÇÃO DA ESPECIALIZAÇÃO DA JUSTIÇA TRIBUTÁRIA
Em que pese o presente artigo se limitar à análise da necessidade de especialização e não em propor uma forma de implantação da especialização propriamente dita, vale tecer algumas considerações gerais sobre como se daria eventual especialização da justiça tributária.
Como exposto anteriormente, as justiças especializadas – do Trabalho, Eleitoral e Militar, possuem previsão expressa constitucional, de modo que eventual criação de justiça especializada em matéria tributária deve ser dar por meio de uma emenda à Constituição.
O art. 60 da Constituição Federal de 1988 versa sobre o tema:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da República; III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. § 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. § 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros. § 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. § 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. (BRASIL, 1988).
Conclui-se, assim, que eventual proposta de emenda à Constituição sobre o tema da especialização da justiça tributária, proposta por um dos legitimados previstos nos incisos I, II e III, poderia ser objeto de deliberação, ao passo que, claramente, não ofende nenhuma das cláusulas pétreas descritas nos incisos do § 4º do artigo supramencionado. Ao contrário, pode-se considerar que a especialização da justiça tributária teria o condão de ampliar os direitos e garantias individuais, tornando mais efetiva e célere a prestação jurisdicional.
Um dos antigos defensores desta ideia foi Gilberto de Ulhôa Canto, responsável pela apresentação de um anteprojeto de lei orgânica para a regulamentação do processo tributário no Brasil, feita através de seu livro “O processo tributário”, publicado no ano de 1964. Apesar de a proposta de Canto ser anterior à Constituição de 1988, apresenta ideia plenamente aplicável nos dias atuais, qual seja, sugeriu a criação, por meio de Emenda Constitucional, de um Tribunal Federal Tributário, que teria competência para processar e julgar as demandas tributárias em nível federal, visando proporcionar, justamente, maior eficiência e celeridade dos julgamentos envolvendo matérias tributárias (CANTO, 1964, p. 87-91).
No Brasil, nos dias de hoje, há algumas Propostas de Emenda à Constituição (PEC) referentes ao sistema tributário nacional. Inclusive, recentemente, em dezembro do ano de 2023 foi publicada a Emenda Constitucional nº 132/2023, responsável por alterar Sistema Tributário Nacional.
Trata-se de uma reestruturação profunda nesse sistema, sendo possível afirmar, até mesmo, que se trata da primeira ampla reforma tributária realizada no Brasil sob a égide da CF/88. Além da unificação dos impostos, a Reforma Tributária propõe, a partir do fortalecimento do pacto federativo, corrigir disparidades regionais e trazer maior transparência na gestão fiscal do Brasil.
Tais pretensões podem ser observadas, de plano, pela inclusão de determinados princípios no texto da Constituição Federal, como os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente (art. 145, §3º, da CF/88).
Contudo, é correto afirmar que tanto as propostas de emendas, quanto a recente Reforma Tributária, não abrangem o sistema processual tributário nacional como um todo. Isto é, não há uma pretensão relacionada à alteração do trâmite dos processos envolvendo matéria tributária no âmbito do Poder Judiciário.
Como se sabe, o procedimento de aprovação de uma proposta de emenda à constituição é complexo e moroso. Entende-se que a atual reforma do sistema tributário nacional deveria ter ocorrido de forma ampla, para atingir, além das questões envolvendo os tributos em espécie, o curso das demandas no judiciário.
Neste sentido Hamilton Dias de Souza (2019) fez a seguinte consideração:
O esforço inerente à aprovação de emenda constitucional deve ser melhor aproveitado no bojo de reforma ampla, que solucione, na maior extensão possível, os inúmeros problemas do sistema tributário.
A especialização da justiça tributária teria o condão de minimizar a complexidade do atual cenário das demandas no judiciário. Não se ignora o fato de que eventual proposta de emenda à Constituição neste sentido exigiria um estudo prévio e complexo, visando a adequação às demais normas constitucionais e a estrita observância ao pacto federativo.
Os estudos e as obras publicadas por Rubens Gomes de Sousa e por Gilberto de Ulhôa Canto sobre o tema são parâmetros que, caso observados quando da elaboração de eventual proposta de emenda à Constituição visando a especialização da justiça tributária, seriam de grande valia para tornar a justiça tributária uma justiça especializada.
6. CONCLUSÃO
O lançamento tributário é providência necessária para que a Administração Pública possa exercer as medidas cabíveis para a cobrança do tributo, tornando-o, assim, exigível. Uma vez realizado o lançamento, surge para o sujeito passivo a possibilidade de impugná-lo, caso haja alguma discordância. Esta insurgência pode ser dar tanto na esfera administrativa, quanto na judicial.
Caso o sujeito passivo opte por acionar o poder judiciário, visando a satisfação do direito que entende devido, a ação tributária proposta será processada e julgada perante a Justiça Comum. Esta competência implica em uma série de fatores que tornam o processo tributário na esfera judicial moroso e ineficiente.
Sabe-se que o Direito Tributário é formado por um número considerável de leis, muitas vezes complexas, que exigem do poder judiciário, diante do caso concreto, dizer o direito. Justamente em razão do volume e da complexidade das leis, defende-se que o ideal seria que o julgamento das ações se desse por magistrados com conhecimento específico em matéria tributária, visando, não só a certeira aplicação da lei ao caso, mas também a observância da duração razoável do processo.
Percebe-se, a partir da análise do panorama atual de julgamento das ações tributárias, a inobservância dos princípios da duração razoável do processo e da celeridade, ao passo que diversas ações envolvendo matérias tributárias demoram anos e até mesmo década para serem julgadas, fator este que tem o condão de gerar, de forma incontroversa, insegurança jurídica na população como um todo.
A criação de uma justiça especializada em matéria tributária, por meio de Emenda Constitucional, seria uma solução viável para diminuir, consideravelmente, tais questões que prejudicam o andamento das ações tributárias.
Eventual proposta de Emenda Constitucional neste sentido poderia, perfeitamente, ser objeto de deliberação, uma vez que não constitui qualquer ofensa às cláusulas pétreas esculpidas nos incisos I a IV, § 4º do art. 60 da Constituição da República. Pelo contrário, defende-se que a especialização da justiça tributária culminaria na ampliação dos direitos e das garantias individuais, tornando mais efetiva e célere a prestação jurisdicional.
7.REFERÊNCIAS
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BRASIL. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). Súmula nº 1. Importa renúncia às instâncias administrativas a propositura pelo sujeito passivo de ação judicial por qualquer modalidade processual, antes ou depois do lançamento de ofício, com o mesmo objeto do processo administrativo, sendo cabível apenas a apreciação, pelo órgão de julgamento administrativo, de matéria distinta da constante do processo judicial. Disponível em: < http://carf.fazenda.gov.br/sincon/public/pages/Sumulas/listarSumulas.jsf > Acesso em: 26 de jun. 2020.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 5 out. 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm > Acesso em: 26 jun. 2020.
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XAVIER, Alberto Pinheiro. Do Lançamento Teoria do Ato do Procedimento e do Processo Tributário. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
Servidora pública do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG). Advogada. Pós-graduada em Direito Tributário. Bacharel em Direito pela Universidade FUMEC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LADEIA, Maria Vitória de Resende. A necessidade de especialização da justiça tributária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 maio 2024, 04:48. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/65424/a-necessidade-de-especializao-da-justia-tributria. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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