MARCELO BARBOSA SACRAMONE
(orientador)
RESUMO: A Lei nº 10.303, de 31 de outubro de 2001, incluiu os §§ 8º e 9º ao art. 118 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, afastando quaisquer dúvidas quanto a vinculação dos membros da administração aos acordos de acionistas arquivados em suas sedes. Esta vinculação, contudo, pode conflitar com a indelegabilidade da competência do conselho de administração e deveres fiduciários e independência dos seus membros. Este trabalho, assim, analisa se há e quais são os limites da vinculação dos conselheiros de administração às orientações de votos decorrentes de acordos de acionistas.
Palavras chave: Sociedades anônimas; Soberania da assembleia geral; Deveres fiduciários dos administradores; Interesse Social; Acordo de acionistas; Limites à vinculação dos administradores.
ABSTRACT: The Law nº. 10,303, of October 31, 2001, includes §§ 8º and 9º to art. 118 of Law nº. 6,404, of December 15, 1976, removing any doubts about shareholders' agreements power to biding directors votes. This biding power, however, may conflict with the non-delegability of the board of directors’ competence and fiduciary duties and independence of its members. This paper, therefore, analyzes whether there are and what are the limits of the biding power of the shareholders' agreements on directors’ votes.
Key words: Companies; Sovereignty of the shareholders’ general meeting; Administrators’ fiduciary duties; Companies’ interest; shareholders' agreement; Binding of administrators.
Os acordos de acionistas estão regulados pelo art. 118 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (“Lei das Sociedades por Ação” – “LSA”), diploma que primeiro disciplinou o instituto que, contudo, já era consagrado pelos usos e costumes empresariais brasileiros.[1] e [2]
Em sua redação originária, o art. 118, caput, da LSA estabelecia que os acordos de acionistas poderiam versar sobre a compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, ou exercício do direito de voto. Havia, então, controvérsias a respeito da possibilidade de vinculação dos votos dos conselheiros de administração às deliberações tomadas pelos acionistas nas reuniões prévias de acordos de acionistas.
A Lei nº 10.303, de 31 de outubro de 2001, contudo, alterou aquele dispositivo a fim de, dentre outros, incluir os §§ 8º e 9º afastando, conforme se verá abaixo, quaisquer dúvidas quanto a vinculação dos membros da administração.
Remanesce, contudo, dissenso no que diz respeito aos limites desta vinculação, visto que ela pode conflitar com outros princípios e dispositivos da LSA, em especial a indelegabilidade da competência do conselho de administração e os deveres fiduciários e independência dos seus membros.
Esta monografia tem por objetivo, portanto, analisar se há e quais são os limites à vinculação dos votos dos conselheiros de administração aos acordos de acionistas.
2.ESTRUTURA ORGÂNICA DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS
“O funcionamento eficiente e concatenado de qualquer ente coletivo tem como pressuposto inafastável a distribuição, específica e ordenada, de diferentes funções, deveres, responsabilidades, direitos e prerrogativas, entre várias células ou núcleos” (ADAMEK, 2009, p. 11).
A sociedade anônima, então, é constituída por diversos órgãos, aos quais a lei e o estatuto atribuem um feixe de direitos, deveres e responsabilidades.
A LSA não regula todos os órgãos da estrutura societária, mas apenas aqueles situados no topo da hierarquia, ou seja, a assembleia geral, o conselho de administração, a diretoria e o conselho fiscal (COELHO, 2012, p. 219).
Para fins deste trabalho, contudo, pertinente analisar, ainda que de maneira breve, o regime jurídico da assembleia geral, do conselho de administração e da diretoria.
A assembleia geral é o órgão de deliberação máximo das sociedades anônimas e, em consequência, “tem poderes para decidir todos os negócios relativos ao objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à sua defesa e desenvolvimento”, na forma do art. 121 da LSA[3].
A LSA, portanto, permite que a assembleia geral delibere “sobre qualquer assunto do interesse social, inclusive os mais diminutos problemas administrativos” (COELHO, 2012, p. 222), ou seja, não há óbices no direito societário brasileiro a intromissão nos assuntos de natureza administrativa.[4] e [5] Os limites da intervenção dos acionistas nos órgãos de administração, mais especificamente no conselho de administração, aliás, é o tema deste trabalho.
A soberania da assembleia geral na estrutura orgânica das sociedades anônimas brasileiras, contudo, não é absoluta, mas relativa e funcional, pois embora hierarquicamente superior aos demais órgãos da companhia, somente é capaz de eleger os seus membros e instruir sua atuação, mas não pode substituí-los nas atribuições e poderes que lhes foram atribuídas por lei em razão do disposto no art. 139 da LSA.[6] e [7]
Como se não bastasse, a convocação e realização de assembleias gerais depende de uma série de formalidades procedimentais custosos, o que torna impraticável a instauração deste órgão para deliberar sobre toda e qualquer questão relacionada aos negócios da companhia (CRUZ, 2018, p. 418).
Na prática, assim, a assembleia dos acionistas costuma ser convocada exclusivamente nas hipóteses em que a matéria em deliberação é de sua competência privativa, conforme elencado no art. 122 da LSA[8], sendo as demais questões de interesse da companhia decididas por outros órgãos societários, em especial o conselho de administração (CRUZ, 2018, p. 418 e COELHO, 2012, p. 223).
Destaca-se, por fim, que há na atualidade um movimento de declínio da assembleia geral caracterizado pelo crescente absenteísmo dos acionistas minoritários, reduzindo-a a um órgão societário meramente formal de homologação das decisões tomadas pelos controladores.[9]
2.2.1 Conselho de Administração
Nos termos do art. 138 da LSA, “a administração da companhia competirá, conforme dispuser o estatuto, ao conselho de administração e à diretoria, ou somente a diretoria”.
O conselho de administração é “órgão deliberativo e fiscalizador com competência para qualquer matéria do interesse social, exceto as privativas da assembleia geral” (COELHO, 2012, p. 244) e, na estrutura orgânica da sociedade anônima brasileira, “insere-se entre a assembleia geral e a diretoria [...] e, na medida em que o órgão é dominado pela maioria, é possível afirmar que se trata, realmente, de instância societária de consolidação do poder do controlador” (ADAMEK, 2009, p. 21).
A constituição do conselho de administração é, em regra, facultativa, sendo obrigatória nas companhias abertas e de capital autorizado (art. 138, § 2º da LSA) e nas sociedades de economia mista (art. 239 da LSA).
O art. 140 da LSA[10] estabelece que o conselho de administração será composto por, no mínimo, 3 (três) membros, eleitos pela assembleia geral e por ela destituíveis a qualquer tempo.
A LSA não estabelece, como regra geral, nenhuma modalidade de votação para a eleição e destituição do conselho de administração e, portanto, cabe ao estatuto social ou, na sua omissão, a mesa da assembleia geral optar entre votação majoritária ou proporcional (COELHO, 2012, p. 247).
Os estatutos sociais, contudo, não têm se ocupado desta questão, o que gera a prevalência do “interesse do acionista controlador (ou seja, votação majoritária), uma vez que a mesa da assembleia é eleita por ele e qualquer recurso, se houver, será decidido também por ele” (COELHO, 2012, p. 246).
A regra geral, portanto, possibilita que os acionistas controladores elejam todos os membros do conselho de administração, situação que a LSA e, com maior vigor, a Lei nº 10.303/01 tentaram evitar ao estabelecer formas especiais de eleição que possibilitam a assento a conselheiros eleitos por diferentes grupos de acionistas e stakeholders (SACRAMONE, 2015, p. 122).
Essas formas especiais de eleição podem ser reduzidas em duas categorias: voto múltiplo e a eleição em separado.
O voto múltiplo está positivado no art. 141 da LSA que prescreve que “na eleição dos conselheiros, é facultado aos acionistas que representem, no mínimo, 0,1 (um décimo) do capital social com direito a voto, esteja ou não previsto no estatuto, requerer a adoção do processo de voto múltiplo, atribuindo-se a cada ação tantos votos quantos sejam os membros do conselho, e reconhecido ao acionista o direito de cumular os votos num só candidato ou distribuí-los entre vários”. Esse sistema permite que o acionista concentre seus votos em um ou alguns candidatos, o que aumenta a possibilidade dos minoritários conseguirem eleger um dos membros (SACRAMONE, 2015, p. 123).
A eleição em separado, por outro, lado consiste na possibilidade de determinados acionistas ou stakeholders elegerem conselheiros de administração por meio de votação sem a participação do acionista controlador e está prevista em quatro situações, duas delas incluídas pela Lei nº 10.303/01.
Vejamos.
O art. 16, III da LSA estabelece que as “ações ordinárias de companhia fechada poderão ser de classes diversas em função de [...] direito de voto em separado para o preenchimento de determinados cargos de órgãos administrativos”.
O art. 18 da LSA, por sua vez, prescreve que “o estatuto pode assegurar a uma ou mais classes de ações preferenciais o direito de eleger, em votação em separado, um ou mais membros dos órgãos de administração”.
O art. 140, par. único da LSA, incluído pela Lei nº 10.303/01, dispõe que “o estatuto poderá prever a participação no conselho de representantes dos empregados, escolhidos pelo voto destes, em eleição direta, organizada pela empresa, em conjunto com as entidades sindicais que os representem”.
O art. 141, § 4º, incisos I e II da LSA, incluídos pela Lei nº 10.303/01, por fim, estabelece que “terão direito de eleger e destituir um membro e seu suplente do conselho de administração, em votação em separado na assembleia-geral, excluído o acionista controlador, a maioria dos titulares, respectivamente: I) de ações de emissão de companhia aberta com direito a voto, que representem, pelo menos, 15% (quinze por cento) do total das ações com direito a voto; e II) de ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito de emissão de companhia aberta, que representem, no mínimo, 10% (dez por cento) do capital social, que não houverem exercido o direito previsto no estatuto, em conformidade com o art. 18.
Caso os minoritários ou preferencialistas acima mencionados não perfizerem, respectivamente, o quórum dos incisos I e II do § 4º do art. 141 da LSA, ser-lhes-á facultado agregar suas ações para elegerem em conjunto um membro e seu suplente para o conselho de administração desde que alcancem ao menos 10% (dez por cento) do capital social (art. 141, § 5º da LSA, incluído pela Lei nº 10.303/01).
Somente poderão exercer o direito previsto no § 4º do art. 141 da LSA, contudo, os acionistas que comprovarem a titularidade ininterrupta da participação acionária ali exigida durante o período de 3 (três) meses, no mínimo, imediatamente anterior à realização da assembleia geral (art. 141, § 6 da LSA art. 141, § 5º da LSA, incluído pela Lei nº 10.303/01).
Na hipótese de cumulação do sistema de voto múltiplo e da eleição em separado do art. 141, § 4º da LSA, seria possível que os controladores não detivessem maioria no conselho de administração, implicando em indevida transferência do poder de controle (SACRAMONE, 2015, p. 128).
Para evitar esta situação, o art. 141, § 7º da LSA, também incluído pela Lei nº 10.303/01, dispõe que “será assegurado ao acionista ou grupo de acionistas vinculados por acordo de votos que detenham mais do que 50% (cinquenta por cento) das ações com direito de voto o direito de eleger conselheiros em número igual ao dos eleitos pelos demais acionistas, mais um, independentemente do número de conselheiros que, segundo o estatuto, componha o órgão”.
Verifica-se, portanto, que a LSA e, posteriormente, a Lei nº 10.303/01 buscaram fortalecer, principalmente, os direitos dos acionistas minoritários[11] por meio de mecanismos que objetivam garantir a sua participação na administração da empresa com o fim de incentivar a desconcentração acionária do mercado de capitais brasileiro (VIEIRA; MENDES, 2004, p. 109).
Este fato deve ser considerado na interpretação do art. 118, §§ 8º e 9º da LSA, também incluídos pela Lei nº 10.303/01, que estabelecem a vinculação dos conselheiros de administração às deliberações tomadas pelos em reunião prévia de acordos de acionistas.
A participação de acionistas minoritários na administração da companhia por meio da eleição em separado tornar-se-ia inócua se os acionistas controladores tiverem a possibilidade esvaziar a competência do conselho de administração. Por outras palavras, a ausência de limites à vinculação dos conselheiros de administração aos acordos de acionistas tornaria o conselho de administração um órgão deliberativo que nada delibera, mas apenas ratifica as vontades dos acionistas controladores.[12]
A reforma da Lei nº 10.303/01, portanto, deve ser interpretada de forma sistemática e harmônica, ou seja, o art. 118, §§ 8º e 9º da LSA não podem ser lidos de forma a esvaziar a competência e utilidade do conselho de administração, pois inegável que àquela mesma lei buscou fomentar a participação de trabalhadores e acionistas minoritários na administração da companhia.
Essa primeira constatação indica, assim, a existência de limites ao poder vinculativo das orientações de votos decorrentes de acordos de acionistas que versem sobre voto dos conselheiros de administração.
Os arts. 122, II[13] e 140, caput, da LSA estabelecem que os membros do conselho de administração são destituíveis pela assembleia geral a qualquer tempo, ou seja, sem qualquer motivação (ad nutum).
Esta regra, contudo, sobre algumas modulações e limitações, conforme o conselheiro a ser destituído tenha sido eleito por voto múltiplo ou eleição em separado.
A destituição do conselheiro eleito por voto múltiplo submete-se à regra geral de destituição pela assembleia, ou seja, depende apenas da votação da maioria dos acionistas (COELHO, 2012, p. 253).
Para que o controlador não abuse de seu poder para destituir livremente administrador, contudo, o art. 141, § 3º da LSA estabelece que sempre que a eleição tiver sido realizada por voto múltiplo, a destituição de qualquer membro do conselho de administração pela assembleia geral importará destituição dos demais membros, procedendo-se a nova eleição, o que mantém a possibilidade de representação proporcional de interesses no conselho de administração (SACRAMONE, 2015, p. 131).
No que diz respeito a destituição do conselheiro eleito por voto em separado, o art. 141, § 4º da LSA assegura aos minoritários de companhias abertas e aos titulares de ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito o poder de destituir ad nutum os administradores por eles eleitos em deliberação em separado, ou seja, sem a presença do acionista controlador.
Este entendimento deve ser aplicado, por analogia, a destituição de outros conselheiros eleito por voto em separado, visto que “o direito de possuir um representante no órgão administrativo deve ser composto pelo direito de escolher a pessoa, mas também pelo direito de conservar o eleito no cargo durante o mandato, a destituição ‘ad nutum’ dos representantes apenas poderia ocorrer por nova deliberação em separado do particular grupo” (SACRAMONE, 2015, p. 134).
Verifica-se, portanto, que LSA e a Lei nº 10.303/01 buscaram não apenas fomentar a participação de stakeholders e acionistas minoritários no conselho de administração, mas também criar mecanismos para garantir a continuidade desta participação. Esta constatação também reforça a intenção legislativa de tornar o conselho de administração um órgão mais representativo e participativo e, assim, indica a existência de limites a intromissão dos acionistas na administração da companhia.
O conselheiro, contudo, que não observa as orientações da assembleia geral ou dos acionistas que o elegeu pode ser destituído, o que constitui um óbice a sua independência funcional. Essa questão será com mais vagar em capítulo próprio deste trabalho.[14]
O conselho de administração pode, conforme já visto, deliberar sobre qualquer matéria do interesse da companhia, com exceção daquelas que se inserem na esfera da competência privativa da assembleia geral.
O art. 142 da LSA, contudo, reserva ao conselho de administração a competência[15] de (I) fixar a orientação geral dos negócios da companhia; (II) eleger e destituir os diretores da companhia e fixar-lhes as atribuições, observado o que a respeito dispuser o estatuto; (III) fiscalizar a gestão dos diretores, examinar, a qualquer tempo, os livros e papéis da companhia, solicitar informações sobre contratos celebrados ou em via de celebração, e quaisquer outros atos; (IV) convocar a assembleia geral quando julgar conveniente, ou no caso do art. 132 da LSA[16]; (V) manifestar-se sobre o relatório da administração e as contas da diretoria; (VI) manifestar-se previamente sobre atos ou contratos, quando o estatuto assim o exigir; (VII) deliberar, quando autorizado pelo estatuto, sobre a emissão de ações ou de bônus de subscrição; (VIII) autorizar, se o estatuto não dispuser em contrário, a alienação de bens do ativo não circulante, a constituição de ônus reais e a prestação de garantias a obrigações de terceiros; e (IX) escolher e destituir os auditores independentes, se houver.
Estas atribuições de gestão e supervisão que podem, doutrinariamente, ser classificadas em três grupos (a) programáticas ou normativas (art. 142, I); (b) fiscalização ou controle (art. Art. 142, III e V); e (c) administrativas (art. 142, II, IV VI, VII, VIII, IX)[17].
Estas atribuições e os poderes atribuídos pela lei não podem ser delegadas a qualquer outro órgão societário, criado por lei ou pelo estatuto, em razão do disposto no art. 139 do LSA, sendo inegável, portanto, a relativa soberania da assembleia geral (e, por extensão, dos acionistas na condução dos negócios da sociedade[18]), conforme já visto anteriormente.
A diretoria é o órgão executivo obrigatório em todas as sociedades anônimas e é composta por dois ou mais diretores, eleitos e destituíveis a qualquer tempo pelo conselho de administração ou, se inexistente, pela assembleia geral (art. 143 da LSA[19]).
“Compete aos seus membros, no plano interno, gerir a empresa e, no externo, manifestar a vontade da pessoa jurídica na generalidade dos atos e negócios que ela prática” (COELHO, 2012, p. 256), ou seja, a representação da companhia é privativa dos diretores (art. 138, § 1º da LSA[20]).
A diretoria não é órgão colegiado, pois “cada diretor detém, ex vi legis, funções próprias individualmente exercitáveis”, nos termos do art. 144 da LSA.[21] O estatuto, contudo, pode estabelecer que determinadas decisões, de competência dos diretores, sejam tomadas em reunião da diretoria com fundamento no art. 143, § 2º da LSA (ADAMEK, 2009, p. 23).
A vinculação dos votos dos diretores aos acordos de acionistas, portanto, é possível, mas eventual e restrita às situações – raras na prática societária brasileiras – nas quais a diretoria atue como órgão de decisão colegiada[22], motivo pelo qual este estudo focar-se-á na vinculação dos conselheiros de administração.
2.2.3 Deveres Fiduciários e Independência dos Administradores
A LSA impõe aos administradores, dentre outros, os deveres de diligência (art. 153), dar cumprimento as finalidades das atribuições do cargo (art. 154), lealdade (art. 155) e não atuar em conflito de interesses (art. 156) (ADAMEK, 2009, p. 119-120).
A independência dos conselheiros em relação aos acionistas é consequência lógica destes direitos fiduciários e, como se não bastasse, está prevista de forma expressa no art. 154, § 1º da LSA.
Vejamos.
O dever de diligência está previsto no art. 153 da LSA, segundo o qual o administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.[23]
O cargo de conselheiro, portanto, deve ser ocupado por profissional qualificado e com boa reputação[24] e as suas atribuições devem ser exercidas com comprometimento e responsabilidade.[25]
O conselheiro que, sem maiores reflexões, acata e reproduz as deliberações da assembleia geral ou dos acionistas que o elegeu não age com a diligência que é esperada dos administradores de sociedades anônimas.[26]
O dever de dar cumprimento às finalidades das atribuições do cargo está positivado no art. 154, caput, da LSA que prescreve que o administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.
A norma tem caráter manifestamente institucional, pois estabelece que o administrador, ao perseguir os fins sociais (maximização de lucros), leve em conta o bem público e a função social, ou seja, busque o equilíbrio nem sempre convergentes interesses da companhia, da empresa e da comunidade (CARVALHOSA, 1998, p. 154).
Como consequência lógica, o § 1º do art. 154 da LSA estabelece que os administradores eleitos por grupo ou classe de acionistas têm, para com a companhia, os mesmos deveres que os demais, não podendo, ainda que para defesa do interesse dos que o elegeram, faltar a esses deveres.
Os conselheiros de administração não são meros mandatários dos acionistas, mas corporificam órgãos da companhia, devendo pautar sua atuação sempre visando ao melhore interesse da companhia, que não necessariamente confunde-se com os interesses dos acionistas que os elegeram.[27]
O dever de lealdade, por sua vez, consta do art. 155 da LSA[28] e consiste na obrigação do administrador de preferirem os interesses da companhia aos seus próprios e de quem os indicou. [29] e [30]
Os administradores devem lealdade apenas e tão somente a companhia, não podendo atuar visando a atender aos interesses particulares próprios ou dos acionistas que o tenham eleito, situação que reforça a sua independência no exercício de suas atribuições.
Nos termos do art. 156 da LSA, é vedado ao administrador intervir em qualquer operação social ou deliberação em que tiver interesse conflitante com o da companhia, cumprindo-lhe cientificar o seu impedimento e fazer consignar, em ata de reunião, a natureza e extensão do seu interesse.
Em termos práticos, o conselheiro de administração que, por exemplo, se sentir pressionado pelos acionistas que o elegeu a proferir voto em determinado sentido deve se declarar em conflito de interesses e abster-se de votar ou de qualquer forma influenciar os demais administradores, inclusive afastando-se fisicamente das discussões e deliberações.
A legislação, portanto, impõe que o conselheiro seja crítico e proferia voto sempre no melhor interesse da companhia, ainda que receba orientações de votos da assembleia geral ou dos acionistas que o elegeram.[31] e [32]
O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem no “interesse da companhia” nos termos do art. 154 da LSA, conforme visto no capítulo anterior.
A definição de interesse social constitui um dos principais problemas do direito societário e “as múltiplas tentativas de sua delimitação deram ensejo a intenso e irritante debate, com o surgimento de diversas teorias com as suas múltiplas ‘subtilezas’” (ADAMEK, 2010, p. 116).
Foge ao escopo deste trabalho tentar conceituar interesse social ou enunciar todas as teorias doutrinárias sobre ele, sendo necessário apenas expor apenas a grande divisão entre as correntes institucionalistas e contratualistas, bem como a possibilidade de existirem conflitos entre os interesses da companhia e dos acionistas em ambas.
As correntes institucionalistas “identificam o interesse social no interesse da empresa, concebido como interesse distinto e superior ao interesse comum dos sócios, sem com isso excluir que ele coincida, ocasional ou frequentemente, com o interesse dos sócios, os quais, em todo o caso, são colocados em posição subordinada e marginal” (ADAMEK, 2010, p. 117).
Para estas correntes doutrinarias, as companhias desempenham papel fundamental para o desenvolvimento nacional e, portanto, existiram interesses públicos e sociais transcendentes aos dos próprios acionistas que justificaria a sua proteção pelo Estado.[33] O conflito de interesses da companhia e dos acionistas, portanto, é facilmente visualizado no institucionalismo e se verifica quando os interesses dos sócios não são compatíveis com o interesse superior da empresa.
Já as correntes contratualistas – as quais nos filiamos – concebem o interesse social como “o interesse comum dos sócios atuais. [O] conceito de interesse social funda-se na distinção entre interesse social e interesse extrassocial dos sócios: é interesse social qualquer interesse que se enquadre no esquema causal do contrato de sociedade, seja esse o interesse à maximização da eficiência produtiva ou aquele à maximização do dividendo; e, por outro lado, interesse extrassocial um interesse estranho à causa do contrato de sociedade (fim social) e, portanto, pessoal de um ou mais sócios, ou mesmo da maioria dos sócios. O conflito de interesses, portanto, não pressupõe um contraste entre o interesse do sócio e o interesse (superior) da sociedade, mas um contraste entre dois interesses, ambos relacionados ao sócio: o interesse social e o seu eventual interesse extrassocietário.” (ADAMEK, 2010, p. 119).
O conflito entre os interesses companhia e dos acionistas, portanto, é possível tanto no institucionalismo quanto no contratualismo, embora inegável que sua caracterização seja sensivelmente diversa em ambas.
Se, de um lado, os administradores devem exercer as atribuições no interesse da companhia e, de outro, os interesses dos acionistas, controladores ou minoritários, não necessariamente representam o interesse da companhia, de rigor concluir que os conselheiros de administração não estão sempre obrigados a observar as instruções da assembleia geral ou dos acionistas que os elegeram, mas, pelo contrário, tem o poder-dever de contrariá-las caso concluam pela violação do interesse social.[34] e [35]
Não por outro motivo, aliás, os acordos de acionistas firmados pelo grupo de controle não vinculam os votos dos conselheiros de administração que não tenham sido por ele eleitos, tema será abordado com maior profundidade em capítulo específico deste trabalho.[36] Os acionistas controladores, por definição do art. 116, “a” da LSA, são titulares da maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral. Caso o interesse social sempre coincidisse com as deliberações da assembleia geral (acionistas controladores), todos conselheiros de administração, sem exceção, deveriam observar as suas orientações, sob pena de violarem o interesse social. Por extensão, os acordos de acionistas do grupo de controle, que substituem a assembleia geral na prática societária[37] e [38], também deveriam vincular todos os membros do conselho de administração. O art. 118, § 9º da LSA, contudo, estabelece que apenas “os membros do conselho de administração eleitos nos termos de acordo de acionistas” têm o voto vinculado às deliberações da reunião prévia. A doutrina majoritária, ademais, entende que as orientações de votos decorrentes de acordos de minorias vinculam os conselheiros por ele eleitos que, em consequência, não estão vinculados às orientações dos acionistas controladores.
Como se não bastasse, extrai-se do art. 118, §§ 8º e 9º da LSA que conselheiro de administração tem o poder de impedir a intromissão do grupo de acionistas que o elegeu na administração da companhia, bastando que profira voto contrário ao deliberado na reunião prévia. Possível concluir, assim, o administrador não está vinculado a toda e qualquer orientação de voto oriunda de acordo de acionistas, em especial àquelas que violem o interesse social, pois caso contrário a legislação não lhe conferiria esse poder. Este tema também será abordado em capítulo específico deste trabalho.[39]
3.1 DEFINIÇÃO E NATUREZA JURÍDICA
O acordo de acionistas pode ser conceituado como “o contrato entre determinados acionistas de uma mesma companhia, distinto de seus atos constitutivos, e que tem por objeto o exercício dos direitos decorrentes da titularidade de suas ações” (BARBI FILHO, 2011, p. 244).
Trata-se, portanto, de um “negócio jurídico de direto privado, sendo um contrato civil, nominado, parassocial em relação a companhia, preliminar, plurilateral em relação aos interesses que congrega, podendo ainda ser plurilateral, bilateral ou unilateral quanto às obrigações que impõe as partes” (BARBI FILHO, 2011, p. 248).
A característica mais marcante dos acordos de acionista é a sua parassocialidade, ou seja, é um contrato firmado “pelos sócios (por alguns ou também por todos), fora do ato constitutivo e do estatuto, para regular entre si ou também nas relações com a sociedade, com os órgãos sociais ou terceiros, seus interesses ou uma conduta social". O acordo de acionistas é, portanto, parassocial pois se posicionaria "à margem do contrato social, embora dele dependa" (OPPO, apud SACRAMONE, 2007).
Os acordos de acionistas, portanto, coexistem com o estatuto social, mas não pode modificá-lo ou revogá-lo, embora a sociedade possa ficar sujeita aos seus efeitos, nos termos da legislação vigente.
O art. 118 da LSA prescreve que “os acordos de acionistas, sobre a compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle deverão ser observados pela companhia quando arquivados na sua sede” (grifou-se) sendo possível concluir, em uma primeira leitura, que são parte legítimas para celebrados os titulares de ações.
A doutrina, contudo, admite a celebração de acordos de acionistas também por pessoas que são titulares de direitos sobre ações, tais como o usufrutuário e o fideicomissário (BARBI FILHO, 2011, p. 250).
Os administradores da companhia que também são acionistas podem figurar como parte em acordos de sócios, desde que o façam na exclusiva condição de acionista, ou seja, sem transacionar sobre matéria de competência dos órgãos societários, caso em que o negócio jurídico será ilícito.[40] e [41]
Os acordos de acionistas contemporâneos, aliás, não têm conselheiros ou diretores não acionistas como partes ou intervenientes anuentes, ainda que contenham previsão expressa de vinculação dos votos dos membros da administração.[42]
O art. 118, § 9º da LSA[43], aliás, diferencia “parte do acordo de acionistas” dos “membros do conselho de administração eleito nos termos de acordo de acionista”, evidenciando que ambos não se confundem.
A companhia, ademais, não é parte legítima para firmar acordo de acionistas, sendo comum na prática societária, entretanto, figurar no instrumento contratual como interveniente para se dela exigir a observância do pacto, providência que, a rigor, seria desnecessária em razão do art. 118 da LSA.[44]
Os administradores não acionistas e a companhia, contudo, podem ficar sujeitos aos efeitos dos acordos nos temos do art. 118 da LSA[45], fazendo com que a discussão quanto a sua legitimidade para firmar acordos de acionistas tenha pouco relevância prática.
Os acordos celebrados entre acionistas e terceiros “não constituem ‘acordo de acionistas’, contrato tipificado no art. 118 da Lei societária, com regime próprio ali previsto”, ou seja, são “inoponíveis à companhia e a outros acionistas” (BARBI FILHO, 2011, p. 251).
Esses negócios jurídicos, contudo, embora “destituídos dos efeitos atribuídos ao instituto do acordo de acionistas, não são considerados prontamente como inválidos pelo ordenamento jurídico, tendo seus efeitos disciplinados pelas regras gerais estabelecidas aos negócios jurídicos notadamente efeitos inter partes” (SACRAMONE, 2007).
O art. 118 da LSA, com redação da Lei nº 10.303/2001, estabelece que os acordos de acionistas podem ter como objeto a compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle.
Os acordos de acionistas, portanto, podem ser divididos em duas modalidades básicas o (a) acordo de voto, que tem por objeto o exercício do direito de voto ou poder de controle e (b) acordo de bloqueio, que objetivam regular o compra e venda das ações e a preferência para adquiri-las.
O acordo de voto pode, ainda, ser classificado como acordo de comando ou controle “quando se destina a obtenção ou manutenção do mando na companhia” ou acordo de defesa se tem como objetivo o “exercício coeso da participação minoritária, congregando percentuais acionários mínimos para o exercício de direitos assegurados na Lei” (BARBI FILHO, 2011, p. 253-254).
Os acordos de acionistas, entretanto, podem conter cláusulas que versem sobre outras matérias diversas daquelas elencadas no art. 118 da LSA. Essas cláusulas, [contudo], não têm nenhuma eficácia perante a sociedade [...] restringindo-se ao âmbito das obrigações e das reponsabilidades afetas aos signatários e cuja eventual execução judicial ou arbitral não deve trazer a sociedade para a respectiva lide” (CARVALHOSA, 2014, p. 802).
Considerando os fins do presente trabalho, a análise do dispositivo focar-se-á nos acordos de voto e em sua relação com a vinculação dos votos dos conselheiros de administração.
Há uma corrente doutrinária que entende que a vinculação dos administradores decorre da inserção do “poder de controle” no caput do art. 118 da LSA, de modo que apenas os acordos de controle vinculam os conselheiros de administração (CARVALHOSA, 2014, p. 792-730).
Essa interpretação tem fundamento na presunção de que os controladores atuam no melhor interesse da companhia e, em consequência, a administração deve observar a instrução emanada do grupo de controle, sob pena de contrariar o interesse da companhia (SILVA, 2014, p. 70).
Esse entendimento não pode ser acolhido.
Não há a alegada presunção de que as decisões do grupo de controle representam, sempre, o interesse social de tal forma a curvar toda a administração da companhia.[46] e [47]
Considerar válido o argumento de que os administradores ficariam vinculados como consequência do controle expressar vontade da maioria do capital votante, deslocada a decisão da assembleia ao acordo de acionistas. “Corolário desse pressuposto é que, em conformidade com o art. 154 [da LSA] que determina que os administradores têm o dever de perseguir o interesse social, todos os administradores deveriam votar no sentido do pacto, e não somente ‘os membros do Conselho de Administração eleitos nos termos do acordo de acionistas’, conforme a redação expressa do art. 118, § 9º da LSA” (SACRAMONE, 2007).
Como se não bastasse, inexiste previsão legal de tratamento diferenciado entre acordos de controle e de acordos de minoria, no que diz respeito à incidência dos §§ 8º e 9º do art. 118 da LSA, não cabendo ao interprete fazer distinção que a própria lei não fez (SILVA, 2014, p. 71).
Como se não bastasse, “entender que a vinculação dos administradores somente seria possível se o acordo versasse sobre o poder de controle alijaria os minoritários de uma importante prerrogativa, proporcionando um tratamento legislativo desigual e injustificado, que agravaria ainda mais a já alarmante disparidade entre os poderes do controlador e do acionista minoritário no ordenamento jurídico brasileiro” (SACRAMONE, 2017).
A vinculação dos administradores, assim, não decorre do exercício do poder de controle, mas dos efeitos que os §§ 8º e 9º do art. 118 da LSA atribuem aos acordos de acionistas, sendo irrelevante o fato de terem sido firmados pelo grupo de controle ou não.
A lei não exige formalidades especiais para a celebração de acordos de acionistas que, consequentemente, têm forma livre, nos termos do art. 104, III[48] e art. 107[49] do Código Civil.
A forma escrita, contudo, é essencial para a sua eficácia perante a companhia e outros terceiros, o que depende da publicidade do instrumento contratual, tema abordado no próximo capítulo.
O princípio da relatividade dos efeitos dos contratos veda que os seus efeitos diretos, relacionados ao cumprimento da prestação e responsabilidade pelo seu inadimplemento, repercutam na esfera jurídica de terceiro. Toda relação obrigacional, contudo, “representa um fato da vida jurídica que, como tal, produz efeitos reflexos sobre terceiros”, e o “mecanismo de produção desses efeitos reflexos está ligado ao conhecimento – efetivo ou presumido – da relação obrigacional por quem não é parte” (COMPARATO, 1981, p. 79).
O art. 118 da LSA estabelece duas formas pelas quais se presume o conhecimento do acordo de acionista por terceiros que, em consequência, ficam sujeitos aos seus efeitos. O caput do art. 118 dispõe que os “acordos de acionistas [...] deverão ser observados pela companhia quando arquivados na sua sede”. Já o § 1º do art. 118 prescreve que “as obrigações ou ônus decorrentes desses acordos somente serão oponíveis a terceiros, depois de averbados nos livros de registro e nos certificados das ações, se emitidos”.
Esse duplo regime de publicidade está relacionado às duas modalidades de acordos de acionistas previstas na legislação, quais sejam, os acordos de voto ou controle, e os de bloqueio.
Os acordos de voto ou controle produzem efeitos essencialmente “perante a companhia, na medida em que é no âmbito dos órgãos sociais que os convenentes e os administradores por ele indicados devem proferir o voto de acordo com as disposições pactuadas”. O arquivamento do acordo na sede da companhia, portanto, destina-se a impor a sociedade a observância das cláusulas referentes ao exercício do direito de voto ou poder de controle (EIZIRIK, 2003, p. 47).
Aos acordos de bloqueio, por outro lado, “é fundamental assegurar sua oponibilidade perante terceiros, uma vez que somente com a presunção do conhecimento por parte destes é que lhes poderão ser opostas as restrições à livre circulação das ações”. A averbação do acordo nos livros de registro e certificados de ações, assim, visa a garantir a eficácia dos acordos de bloqueio (EIZIRIK, 2003, p. 47).
A averbação dos acordos de voto nos livros de registro e certificados de ações, contudo, proporcionaria aos terceiros adquirentes o “conhecimento sobre a existência de acordo de voto firmado na companhia, o que pode repercutir no valor da ação adquirida, na medida em que interfere na própria influência política interna corporis esperada da ação adquirida”, sendo, portanto, uma prática recomendável (SACRAMONE, 2007).
O art. 118, caput, da LSA estabelece que a companhia deve observar os acordos de acionistas arquivados em sua sede.
Em se tratando de acordos de voto, a companhia fica obrigada a observar dois deveres nas assembleias geral e nas reuniões dos seus demais órgãos de deliberação colegiada.
O primeiro dever encontra-se no art. 118, § 8º da LSA segundo o qual “o presidente da assembléia ou do órgão colegiado de deliberação da companhia não computará o voto proferido com infração de acordo de acionistas devidamente arquivado”.
O voto infringente do acordo, portanto, é ineficaz[50] perante a companhia, cabendo ao presidente do conclave não o computar caso entenda pela inobservância do acordo de acionistas.[51]
O segundo dever, por fim, extrai-se do art. 118, § 9º da LSA que estabelece o seguinte: “O não comparecimento à assembléia ou às reuniões dos órgãos de administração da companhia, bem como as abstenções de voto de qualquer parte de acordo de acionistas ou de membros do conselho de administração eleitos nos termos de acordo de acionistas, assegura à parte prejudicada o direito de votar com as ações pertencentes ao acionista ausente ou omisso e, no caso de membro do conselho de administração, pelo conselheiro eleito com os votos da parte prejudicada.”
O presidente da assembleia ou do órgão de deliberação colegiada, portanto, tem a obrigação de viabilizar o exercício da autotutela, ou seja, computar o voto do acionista ou conselheiro ausente ou omisso no sentido deliberado na reunião prévia do acordo de acionistas se assim for requerimento pelo acionista prejudicado ou outro membro do órgão colegiado de deliberação eleito pelo acordo de sócios infringido.
3.6.2 Vinculação do Conselheiro de Administração
A possibilidade de vinculação dos votos dos conselheiros de administração ao que foi deliberado em reunião prévia em acordos de acionistas foi, conforme já visto, sedimentada com a inclusão dos §§ 8º e 9º ao art. 118 da LSA pela Lei nº 10.303/01.
O art. 118, § 8º da LSA prescreve que o presidente do “órgão colegiado de deliberação da companhia” não computará o voto proferido com infração de acordo de acionistas devidamente arquivado, norma que, evidentemente, alcança o conselho de administração.
Como se não bastasse, o art. 118, § 9º da LSA estabelece expressamente que o não comparecimento às reuniões do conselho de administração, bem como as abstenções de voto dos membros eleitos nos termos de acordo de acionistas, assegura a quaisquer conselheiros eleitos com os votos da parte prejudicada votar no lugar no ausente ou omisso.
Há duas correntes doutrinárias sobre estes dispositivos.
A primeira corrente entende pela sua aplicação liberal, ou seja, o voto proferido em desacordo com o acordo de acionistas apenas não será computado (§ 8º), sendo impossível a alteração do conteúdo do voto infringente pelo presidente ou por outro conselheiro de administração por ausência de previsão legal expressa (§ 9º), restando aquele que se sentir prejudicado a execução específica do acordo.[52]
A segunda corrente entende que o voto infringente, não computado pelo presidente da reunião (§ 8º), equiparar-se-ia a abstenção de voto e, em consequência, permitiria que outro conselheiro de administração eleito nos termos do acordo de acionistas votasse pelo infrator (§ 9º) observando, evidentemente, o que foi decidido na reunião prévia do acordo de acionistas[53].
Respeitada a construção dos juristas defensores desta última posição, não há como negar que a atual legislação não permite a alteração do conteúdo dos votos expressamente proferidos pelos conselheiros de administração em contrariedade a orientação oriunda de acordo de acionistas.
Em razão desta eloquente omissão legislativa, não é possível dar interpretação extensiva e sistemática ao art. 118, §§ 8º e 9º da LSA, autorizando a alteração do voto dissidente pela presidência do órgão deliberativo ou por outros conselheiros.
Com efeito, por serem dispositivos legais que autorizam autotutela, situação excepcional no ordenamento jurídico[54], os §§ 8º e 9º do art. 118 da LSA devem receber interpretação declarativa ou restritiva[55].
Deste modo, na ausência de lei autorizando expressamente a alteração extrajudicial do voto proferido em violação ao que foi decidido na reunião prévia de acordo de acionistas, o presidente da mesa deve se limitar a não o computar, restando aquele que se sentir prejudicado deflagrar o competente processo judicial ou arbitral para a execução específica do acordo.
Essa constatação demonstra, por si só, que há limites ao poder vinculativo das orientações de votos decorrentes de acordos de acionistas que versem sobre voto dos conselheiros de administração.
Se as orientações de voto fossem sempre vinculantes o legislador não teria deixado brechas para eventuais dissenso, autorizando a alteração extrajudicial do conteúdo do voto.[56] A legislação, contudo, permite que o administrador ao menos impeça o computo do voto no sentido orientado pelos acionistas que o elegeram, fazendo com que a controvérsia tenha que ser submetida ao Poder Judiciário ou, se o caso, ao Tribunal Arbitral.
O art. 118, § 2º da LSA estabelece que os acordos de acionistas não poderão ser invocados para eximir o acionista de responsabilidade por proferido voto em desacordo com o interesse social.
Os conselheiros de administração, com maior razão, também não poderão invocar os acordos de acionistas para se eximirem da responsabilidade de terem proferido votos em desacordo com o interesse social.[57]
Como se não bastasse, os acionistas que distanciaram os votos dos administradores do interesse da sociedade poderão responder solidariamente com o conselheiro pelos danos causados à companhia.[58]
Se os conselheiros estiverem sempre vinculados às orientações oriundas dos acordos de acionistas, não seria juridicamente possível responsabilizá-los por seus votos. Se assim fosse, os conselheiros estariam agindo como meros mandatários dos acionistas que seriam os únicos responsáveis pelos votos proferidos pelos administradores.[59]
Esta solução, contudo, não foi adotada pela legislação vigente que não isenta os administradores de seus deveres e de suas responsabilidades pelo simples fato de estarem vinculados a um acordo de acionistas.
4.LIMITES A VINCULAÇÃO DOS CONSELHEIROS DE ADMINISTRAÇÃO
Em razão do conflito entre, de um lado, a indelegabilidade da competência legal do conselho de administração (art. 139 da LSA) e deveres fiduciários e independência dos seus membros (art. 154, caput e § 1º da LSA) e, de outro, da vinculação de seus votos as orientações oriundas dos acordos de acionistas (art. 118, § 8º e 9º da LSA), a doutrina diverge quanto à existência e aos limites desta vinculação.
As diferentes correntes doutrinárias sobre essa questão podem ser separadas em três grandes grupos: (a) ausência de vinculação e (b) favoráveis a vinculação de maneira (i) genérica ou absoluta, ou (i) relativa ou limitada (SILVA, 2014, p. 102-111).
A primeira corrente doutrinária é contrária à vinculação dos conselheiros por entender que haveria violação aos deveres fiduciários e a independência dos administradores, bem como das melhores práticas de governança corporativa.[60], [61] e [62]
Os conselheiros de administração teriam, portanto, a possibilidade de acatar ou não a orientação do acordo de acionistas ao quais estariam vinculados caso entendam, no livre exercício das suas atribuições, não conveniente para a companhia.
Este entendimento, contudo, nega vigência aos §§ 8º e 9º do art. 118 da LSA que estabelecem a vinculação dos administradores as orientações decorrentes de acordos de acionistas, de modo que a questão colocada na atualidade são apenas os seus limites.
4.1.2 Vinculação Genérica ou Absoluta
A segunda corrente doutrinária, posição diametralmente oposta a primeira, é no sentido de que os administradores estão sempre vinculados as orientações de votos decorrentes do acordo de acionistas, sem quaisquer limites (SILVA, 2014, p. 103).
Os doutrinadores favoráveis à vinculação absoluta ou genérica fundam o seu entendimento (i) na soberania da assembleia geral, (ii) na prevalência dos acordos de acionistas (em especial aqueles firmados pelos acionistas controladores) sobre o princípio da indelegabilidade da competência legal do conselho de administração, (iii) no interesse social no exercício coerente e harmônico do poder de controle e (iv) na presunção de que o acordo de acionistas será sempre celebrado no interesse da companhia.[63] e [64] (GATTAZ, 2017, p. 116)
Este entendimento, contudo, também não se sustenta.
A assembleia geral não tem soberania absoluta na sociedade anônima brasileira, pois não é capaz de substituir os órgãos societários nas competências que lhe foram atribuídas pela lei em razão do disposto no art. 139 da LSA. Se assembleia geral, ainda que por deliberação unanime dos acionistas, não pode substituir os outros órgãos societários nas suas atribuições legais, acionistas reunidos em acordo de voto também não o podem.[65]
Não se nega, por outro lado, o interesse da companhia em uma administração harmônica e coerente. Esse objetivo, contudo, não pode ser obtido desconsiderando a estrutura orgânica da sociedade anônima, os deveres fiduciários e a independência dos administradores e, ainda, alijando completamente dos acionistas minoritários qualquer possibilidade de influir na administração da companhia.
Não há como presumir, por fim, que a orientação do bloco de controle coincide, necessariamente, com os interesses sociais, sendo certo que até os adeptos das teorias contratualistas do interesse social reconhecem a possibilidade de conflitos de interesses.[66]
4.1.3 Vinculação Relativa ou Limitada
A terceira corrente, por fim, é intermediária entre as duas anteriores, ou seja, entende que os acordos de acionistas vinculam os conselheiros da administração, exceto em determinadas situações (SILVA, 2014, 104).
Os doutrinadores adeptos desta corrente entendem que os conselheiros de administração não estão vinculados às orientações de votos oriundas de acordos de acionistas nos casos de (a) ilegalidade ou contrariedade ao estatuto social, (b) violação ao interesse social, e (c) invasão da competência privativa do conselho de administração e (d) o conselheiro não parte do acordo (SILVA, 2014, p. 105-109; GATTAZ, 2017, p. 111).
Vejamos.
Ilegalidade ou contrariedade ao estatuto social. O administrador que receber orientação de voto ilegal ou contrária ao estatuto social teria o poder-dever de não a observar.[67] e [68] O administrador deve perseguir os interesses da companhia, ou seja, não aprovar e denunciar o ato à assembleia geral ou ao conselho de administração, conforme for o caso, sob pena de responder por violação dos seus deveres fiduciários (GATTAZ, 2017, p. 113).
Violação ao interesse social. O conselheiro deve atuar pautado pelo interesse social (art. 154 da LSA) e a orientação de voto decorrente de acordo de acionista não pode ser invocada para eximi-lo deste poder-dever, conforme interpretação analógica do art. 118, § 2º da LSA.[69] e [70]
Invasão da competência privativa do conselho de administração. Os acordos de acionistas não vinculam o conselho de administração nos assuntos de sua competência privativa, conforme elencado no art. 142 da LSA.[71]
Há doutrinadores, ainda, que entendem que a vinculação pode ocorrer em algumas das matérias de competência privativa do conselho de administração.
Arnold Wald (2001, p. 13-30), João Laudo Camargo e Maria Isabel Bocater (2002, p. 400), por exemplo, entendem que apenas as matérias de competência facultativa, ou seja, àquelas que podem ser atribuídas ou não ao conselho de administração pelo estatuto social são passíveis de vinculação por meio de acordos de acionistas que, portanto, poderiam alcançar as competências previstas no art. 142, VI, VII e VIII da LSA.[72]
Não nos parece, contudo, que está seja a melhor solução. Se o estatuto atribuir ou não suprimir, conforme o caso, determinadas competências ao conselho de administração, o acordo de acionistas não pode dispor de forma diversa, pois estaria alterando o próprio estatuto social, o que contraria a natureza de contrato parassocial do pacto.
Miguel Tornovski (2002, p. 102), por outro lado, propõe que o conselho de administração pode ser vinculado nas matérias de natureza deliberativa e inerentes ao exercício do poder de controle e, em consequência, o efeito vinculativo dos acordos de acionistas podem alcançar as competências previstas no art. 142, I, II, VI, VII, VIII e IX da LSA.[73]
Esse entendimento, contudo, também não parece se sustentar.
Em primeiro lugar, a vinculação dos conselheiros não decorre do exercício do poder de controle, pois, se assim fosse, os acordos de minoria não poderiam produzir os efeitos do §§ 8º e 9º do art. 118 da LSA.
E, em segundo lugar, essa interpretação retiraria do conselho de administração as suas principais funções, tornando esse órgão societária praticamente inútil, pois apenas poderia livremente fiscalizar a gestão dos diretores, examinar, a qualquer tempo, os livros e papéis da companhia, solicitar informações sobre contratos celebrados ou em via de celebração, e quaisquer outros atos (inc. III), convocar a assembleia-geral quando julgar conveniente, ou no caso do artigo 132 (inc. IV) e manifestar-se sobre o relatório da administração e as contas da diretoria (inc. V).
Conselheiro não parte ou não eleito nos termos do acordo de acionistas. As orientações de votos não vinculam os membros do conselho de administração que não são parte ou não foram eleitos nos termos do acordo de acionistas.
A vinculação dos administradores, em nossa opinião, não decorre de um vínculo obrigacional, mas sim da própria lei que vincula o membro do conselho de administração eleito por acordos de acionistas ao deliberado em reuniões prévias (art. 118, §§ 8º e 9º da LSA), conforme já visto acima.[74]
O § 9º do art. 118 da LSA, ademais, é claro ao dispor que apenas estão vinculados apenas os “membros do conselho de administração eleitos nos termos de acordo de acionistas” (grifou-se), sendo eficazes eventuais cláusulas contratuais que prescrevem a vinculação de outros membros daquele órgão societário.[75]
A questão em estudo, portanto, resume-se a como integrar o conflito entre, de um lado, a indelegabilidade da competência legal do conselho de administração (art. 139 da LSA) e deveres fiduciários e independência dos seus membros (art. 154, caput e § 1º da LSA) e, de outro, da vinculação de seus votos as orientações oriundas dos acordos de acionistas (art. 118, § 8º e 9º da LSA).
Entendemos que os acordos de acionistas não vinculam os conselheiros de administração por ele eleitos em orientações de votos (a) ilegais, (b) contrários ao interesse social ou (c) invasoras das competências privativas do conselho de administração (art. 142 da LSA).
Isto porque os §§ 8º e 9º do art. 118 da LSA, incluídos pela Lei nº 10.303/01, não autorizam o desrespeito as competências privativas atribuídas por lei aos órgãos societários e, assim, a vinculação dos administradores encontra insuperáveis limites nos arts. 139 e 142 da LSA.
Os administradores, ademais, têm deveres fiduciários para a companhia, sendo independentes dos acionistas que os elegeram e responsáveis por votos contrários aos interesses sociais, ainda que proferidos em observância ao que foi deliberado em reunião prévia de acordo de acionistas.
A Lei nº 10.303/01, por fim, também incluiu os §§ 4º a 7º do art. 141 da LSA possibilitando que as deliberações do conselho de administração sejam tomadas de forma mais representativa e, assim, razoável interpretar que a mesma lei não buscou esvaziar as competências daquele órgão societário.
As discussões teóricas sobre os limites da vinculação do conselho de administração aos acordos de acionistas têm relevância para o desenvolvimento do direito societários brasileiro.
Nos parece, contudo, que a legislação e as práticas comerciais contemporâneas não criam incentivos suficientes para que os conselheiros descumpram orientações de votos que entendam prejudiciais à companhia, ou seja, a independência do administrador é questionável.
Os acionistas buscam eleger conselheiros de administração que representem os seus interesses e imponham à companhia o modelo de negócio que entendem como o mais correto e adequado. O conselheiro, portanto, é pessoa de confiança dos acionistas que o elegeram e, não por outro motivo, pode ser destituído ad nutum pela assembleia geral ou, ainda, pelo próprio grupo de sócios que o elegeu em votação em separado.
O conselheiro que não observa as orientações de voto dos acionistas que o elegeu, portanto, fica sujeito a ser destituído, ou seja, perder seu trabalho e sua remuneração e, assim, é natural que tende a não o fazê-lo.
A reticência do conselheiro em não votar no sentido predeterminado no acordo de sócios, ademais, pode ser mal vista por acionistas de outras companhias que, certamente, não elegeriam como membros da administração pessoas que já se mostraram desleais aos seus eleitores no passado.
Os conselheiros que desagradam os acionistas que o elegeram, portanto, ficam sujeito não só a destituição, mas também a maiores dificuldades para integrar a administração em outras companhias.
Como se não bastasse, a observância da orientação de votos decorrentes de acordos de acionistas – que inclusive vinculam os membros da administração nos termos do art. 118, §§ 8º e 9º da LSA – pode servir como argumento dos conselheiros para excluir ou minorar eventual responsabilidade pessoal por danos causados a companhia e, portanto, há agora um incentivo legal para a observância da instrução de voto.
Os administradores, por fim, contam, especialmente em grandes companhias, com seguros de responsabilidade civil que os reembolsam das indenizações que forem obrigados a pagar por danos causados em consequência de atos ilícitos culposos praticados no exercício das funções (“Seguro D&O”), situação que também contribui para que o conselheiro siga as orientações do acionista que o elegeu.
Os conselheiros de administração, em suma, têm inegavelmente mais incentivos (jurídicos e mercadológicos) para observar as orientações de voto do que para não o fazê-lo.
As deliberações da reunião prévia de acordo de acionistas, assim, não serão observadas pelos conselheiros em casos muito específicos, relacionados a manifesta ilegalidade ou violação ao interesse social da instrução de voto, de modo que os incentivos acima deixem de existir ou, quando menos, sejam superados pelos malefícios que possa advir da observância.
Estrutura orgânica das sociedades anônimas.
A assembleia geral é o órgão de deliberação máximo das sociedades anônimas e, em consequência, tem poderes para decidir todos os negócios relativos ao objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à sua defesa e desenvolvimento, o que inclui deliberar sobre questões administrativas, na forma do art. 121 da LSA.
A soberania da assembleia geral na estrutura orgânica das sociedades anônimas brasileiras, contudo, é relativa e funcional, pois embora hierarquicamente superior aos demais órgãos de societários (em especial os órgãos de administração), somente é capaz de eleger os membros destes e instruir sua atuação, mas não pode substituí-los em suas funções, nos termos do art. 139 da LSA.
A administração das sociedades anônimas brasileiras compete ao conselho de administração e à diretoria, ou somente a diretoria.
O conselho de administração é órgão deliberativo e fiscalizador com competência para qualquer matéria do interesse social, exceto as privativas da assembleia geral, e a maioria dos seus membros são eleitos pelos acionistas controladores.
A LSA e a Lei nº 10.303/2001, contudo, criaram diversas formas especiais de eleição que possibilitam a assento a conselheiros que representam diferentes grupos de acionistas e stakeholders.
A reforma da Lei nº 10.303/01, portanto, deve ser interpretada de forma sistemática e harmônica, ou seja, o art. 118, §§ 8º e 9º da LSA não podem ser lidos de forma a esvaziar a competência e utilidade do conselho de administração, pois inegável que os arts. 140, par. único e 141, § 4º da LSA buscaram fomentar a participação de trabalhadores e acionistas minoritários e na administração da companhia.
A diretoria, por outro lado, é órgão executivo obrigatório em todas as sociedades anônimas e é composta de por dois ou mais diretores, eleitos e destituíveis a qualquer tempo pelo conselho de administração, ou, se inexistente, pela assembleia geral.
A diretoria não é órgão colegiado, pois a cada diretor compete funções próprias individualmente exercitáveis. O estatuto, contudo, pode estabelecer que determinadas decisões sejam tomadas em reunião da diretoria, caso em que o acordo de acionistas pode vincular também o voto dos diretores.
Os administradores, contudo, são independentes dos acionistas que o elegeram, situação que deriva dos seus deveres fiduciários e está expressamente prevista no art. 154, § 1º da LSA, segundo o qual devem exercer as suas atribuições em observância ao interesse social.
O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem no interesse da companhia, que não, necessariamente, confundem-se com os interesses dos acionistas.
O conflito entre os interesses da companhia e dos acionistas é possível nas correntes institucionalistas ou contratualistas do interesse social, embora sua caracterização seja sensivelmente diversa em uma ou outra.
Se os administradores devem exercer as atribuições no interesse da companhia (art. 154 da LSA) e os interesses dos acionistas, controladores ou minoritários, não necessariamente representam o interesse da companhia, de rigor concluir que os conselheiros de administração não estão sempre obrigados a observar as instruções da assembleia geral ou dos acionistas que os elegeram, mas, pelo contrário, tem o poder-dever de contrariá-las caso concluam pela existência de conflito de interesses.
Acordos de acionistas.
Os acordos de acionistas são contratos parassociais entre determinados sócios de uma mesma companhia, distinto de seus atos constitutivos, e que tem por objeto o exercício dos direitos decorrentes da titularidade de suas ações.
Estes pactos coexistem com o estatuto social, mas não pode modificá-lo ou revogá-lo, embora a sociedade possa ficar sujeita a alguns dos seus efeitos, nos termos da legislação vigente.
Os acordos de acionistas podem ser firmados entre titulares de ações ou titulares de direitos sobre ações, tais como o usufrutuário e o fideicomissário.
O administrador-acionista pode figurar como parte em acordos de sócios, desde que o faça na exclusiva condição de acionista, ou seja, sem transacionar sobre matéria de competência dos órgãos societários, caso em que o negócio jurídico será ilícito.
A companhia também não é parte legítima para firmar acordo de acionistas, sendo comum na prática societária, entretanto, figurar no instrumento contratual como interveniente para se dela exigir a observância do pacto.
Os administradores não-acionistas e a companhia, contudo, podem ficar sujeitos aos efeitos dos acordos nos temos do art. 118 da LSA, fazendo com que a discussão quando a sua legitimidade para firmar acordos de acionistas tenha pouco relevância prática.
Os acordos de acionistas podem ter como objeto a compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle.
A vinculação dos conselheiros de administração aos acordos de acionistas não decorre do exercício do poder de controle, mas diretamente dos §§ 8º e 9º do art. 118 da LSA.
Os acordos de acionistas têm forma livre.
A forma escrita, contudo, é essencial para a sua eficácia perante a companhia e outros terceiros, o que depende da publicidade do instrumento contratual.
A companhia deve observar os acordos de acionistas que versem sobre direito a voto arquivados em sua sede.
A companhia fica obrigada a observar dois deveres nas assembleias geral e nas reuniões dos seus demais órgãos de deliberação colegiada: (i) não computar o voto proferido com infração de acordo de acionistas; e (ii) computar o voto do acionista ou conselheiro ausente ou omisso no sentido deliberado na reunião prévia do acordo de acionistas se assim for requerimento pelo acionista prejudicado ou outro membro do órgão colegiado de deliberação eleito pelo acordo de sócios infringido.
Os votos dos conselheiros de administração também são vinculados ao que foi deliberado em reunião prévia de acordos de acionistas, nos termos do art. 118, §§ 8º e 9º da LSA.
O art. 118, § 8º da LSA prescreve que o presidente do “órgão colegiado de deliberação da companhia” não computará o voto proferido com infração de acordo de acionistas devidamente arquivado, norma que, evidentemente, alcança o conselho de administração.
Como se não bastasse, o art. 118, § 9º da LSA estabelece expressamente que o não comparecimento às reuniões do conselho de administração, bem como as abstenções de voto dos membros eleitos nos termos de acordo de acionistas, assegura a quaisquer conselheiros eleitos com os votos da parte prejudicada votar no lugar no ausente ou omisso.
O voto proferido em desacordo com o acordo de acionistas apenas não será computado, sendo impossível a alteração do conteúdo do voto infringente pelo presidente ou por outro conselheiro de administração por ausência de previsão legal.
O administrador, portanto, tem o poder de impedir o computo do voto no sentido orientado pelos acionistas que o elegeram, fazendo com que a questão tenha que ser submetida, conforme o caso, ao Poder Judiciário ou Tribunal Arbitral.
Os conselheiros de administração não poderão invocar os acordos de acionistas para se eximirem da responsabilidade de terem proferido votos em desacordo com o interesse social.
Há três grandes correntes doutrinárias sobre os limites da vinculação dos conselheiros de administração aos acordos de acionistas.
A primeira corrente é contrária a vinculação dos conselheiros por entender que haveria violação aos deveres fiduciários e a independência dos administradores, bem como das melhores práticas de governança corporativa.
A segunda corrente doutrinária, em posição diametralmente oposta a primeira, é no sentido de que os administradores estão sempre vinculados as orientações de votos decorrentes do acordo de acionistas, sem quaisquer limites.
A terceira corrente, por fim, é intermediária entre as duas anteriores, ou seja, entende que os acordos de acionistas vinculam os conselheiros da administração, exceto em determinadas situações relacionadas a (a) ilegalidade ou contrariedade ao estatuto social, (b) violação ao interesse social, e (c) invasão da competência privativa do conselho de administração, e (d) o conselheiro não parte do acordo.
Entendemos que os acordos de acionistas não vinculam os conselheiros de administração por ele eleitos em orientações de votos (a) ilegais, (b) contrários ao interesse social ou (c) invasoras das competências privativas do conselho de administração (art. 142 da LSA).
Reflexões práticas.
As discussões teóricas sobre os limites da vinculação do conselho de administração aos acordos de acionistas têm relevância para o desenvolvimento do direito societários brasileiro. Nos parece, contudo, que a legislação e as práticas comerciais contemporâneas não criam incentivos suficientes para que os conselheiros descumpram orientações de votos que entendam prejudiciais à companhia, ou seja, a independência do administrador é questionável.
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[1] Consta da exposição de motivos da LSA: “O artigo 118 regula o acordo de acionistas - modalidade contratual de prática intensa em todas as latitudes, mas que os códigos teimam em ignorar. Ocorre que essa figura jurídica é da maior importância para a vida comercial, e a ausência de disciplina legal é, certamente, a causa de grande número dos abusos e malefícios que se lhe atribuem. Com efeito, como alternativa à holding (solução buscada por acionistas que pretendem o controle pré-constituído, mas que apresenta os inconvenientes da transferência definitiva das ações para outra sociedade) e ao acordo oculto e irresponsável (de eficácia duvidosa em grande número de casos), cumpre dar disciplina própria ao acordo de acionistas que, uma vez arquivado na sede da companhia e averbado nos registros ou nos títulos, é oponível a terceiros e tem execução especifica. Trazido, pois, à publicidade (§ 5º do art. 118), esses acordos representam ponto médio entre a holding e o acordo oculto, com as vantagens legítimas que ambos podem apresentar, e sem os inconvenientes para a companhia ou para os sócios, que também podem acarretar.”
[2]A evolução do instituto no Brasil foi bem sintetizada por Celso A. Barbi Filho (2011, p. 607-608): “No direito brasileiro anterior a Lei das S/ A de 1976, não havia previsão legal sobre os acordos de acionistas. Assim, destacavam-se duas correntes doutrinarias a respeito. Uma, admitindo a validade do acordo como neg6cio jurídico fundado no direito das obrigações e valido dentro do princípio privatista de que está permitido tudo o que a lei não proíbe. A eventual ilicitude ficava reservada ao exame de casas concretos pelos tribunais nas hip6teses da venda do voto ou das convenções permanentes. Outra corrente repudiava o acordo de acionistas, por constituir pacta que retirava das assembleias sua função institucional de fórum de debates, fazendo prévias todas as resoluções dos signatários. Não se negava a validade inter partes, do neg6cio, mas apenas sua oponibilidade a companhia. Assim, os votos contrários aos acordos eram válidos perante a sociedade, vigorando o princípio da ‘impenetrabilidade das convenções de voto nas sociedades’, como expressava Pontes de Miranda. Apesar disso, os empresários utilizavam-se intensamente dos acordos de acionistas na pratica societária, inclusive no setor público, notadamente com as participações do então BNDE em companhias privadas na década de 60, além da formação das joint ventures com empresas estrangeiras. Diante de tal realidade e considerando o interesse econômico envolvido, o legislador brasileiro resolveu pôr fim a controvérsia, prevendo expressamente os acordos de acionistas no art. 118, da Lei 6.404/76, em que se fez questão de estabelecer o discutido dever de observância da companhia aos acordos nela registrados. Essa regulamentação legal do instituto merece aplausos quanto à ‘previsão’ da legalidade dos acordos de acionistas, pondo fim à polêmica até então existente a respeito.”
[3] Art. 121 da LSA. A assembléia-geral, convocada e instalada de acordo com a lei e o estatuto, tem poderes para decidir todos os negócios relativos ao objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à sua defesa e desenvolvimento.
[4] Conforme ensina Fábio Ulhôa Coelho (2012, p. 222) esta limitação existe em outros países. “Na Itália, por exemplo, a assemblea somente pode deliberar assunto relativo à gestão social se expressamente prevista a competência no ato constitutivo ou mediante solicitação dos órgãos de administração (Galgano, 1998: 219/223). No Reino Unido, cabe também ao estatuto dispor sobre a distribuição de poderes entre o general meeting e o board of directors, explicitando as matérias da competência privativa deste último (Davies, 1954: 183/187). Nos Estados Unidos, decisões judiciais consideram a definição de políticas específicas de negócios um assunto da exclusiva alçada do board of directors, inacessível aos acionistas no anual meeting (Clark, 1986: 94), delimitação que se encontra, com naturais variações, em normas de direito estatutários estadual (Hamilton, 1980: 156/168)
[5] A possibilidade dos acionistas decidirem sobre assuntos de natureza administrativa, aliás, foi confirmada pelo art. 118, §§ 8º e 9º da LSA, que estabelecem a vinculação dos votos dos administradores as deliberações tomadas em reunião prévia de acordos de acionistas.
[6] Art. 139 da LSA. As atribuições e poderes conferidos por lei aos órgãos de administração não podem ser outorgados a outro órgão, criado por lei ou pelo estatuto.
[7] Marcelo Viera von Adamek (2009, p. 137-138) entende, com fundamentado nas lições de Fábio Konder Comparato, que “a subordinação hierárquica dos administradores à assembleia geral deve ser compreendida em seus estritos termos. Nenhum dos órgãos da companhia recebe os seus poderes por delegação de outro; recebe-os diretamente da lei (ou do contrato social, para parte da doutrina) e deles não pode ser espoliado. A administração não é mandatária da assembleia geral e, de acordo com a precisa lição de Fábio Konder Comparato, ‘a intervenção de um órgão no outro não se faz a nível de competência, mas de preenchimento de cargos’ (In: Novos ensaios..., cit., p. 97). A relação estabelecida entre assembleia geral e administração é, antes de tudo, de controle e orientação, e não propriamente de supremacia. Até mesmo o poder atribuído pela lei acionária à assembleia geral para ‘decidir todos os negócios relativos ao objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à sua defesa e desenvolvimento’ (LSA, art. 121) – previsão esta de todo platônica e idealista, quando se tem em vista a preponderância da vontade do acionista controlador, a quem cabe o efetivo poder de ditar os rumos da companhia (LSA, art. 116) – não é absoluto, pois, em tema de gestão de empresa, a competência da administração é privativa (LSA, art. 139), e os administradores, por isso, não são instrumentos passivos das decisões de outrem: não estão vinculados ao cumprimento de deliberações da assembleia geral diretamente relacionadas com matérias de gestão nem podem curvar-se a estipulações de acordos de acionistas usurpadoras de suas privativas competências. Na Lei das S.A., os poderes sociais encontram-se institucionalmente distribuídos entre os vários órgãos, e todo órgão é soberano no âmbito de sua própria esfera privativa de competência.”
[8] Art. 122 da LSA. Compete privativamente à assembleia geral: I - reformar o estatuto social; II - eleger ou destituir, a qualquer tempo, os administradores e fiscais da companhia, ressalvado o disposto no inciso II do art. 142; III - tomar, anualmente, as contas dos administradores e deliberar sobre as demonstrações financeiras por eles apresentadas; IV - autorizar a emissão de debêntures, ressalvado o disposto nos §§ 1º, 2º e 4º do art. 59; V - suspender o exercício dos direitos do acionista (art. 120); VI - deliberar sobre a avaliação de bens com que o acionista concorrer para a formação do capital social; VII - autorizar a emissão de partes beneficiárias; VIII - deliberar sobre transformação, fusão, incorporação e cisão da companhia, sua dissolução e liquidação, eleger e destituir liquidantes e julgar-lhes as contas; e IX - autorizar os administradores a confessar falência e pedir concordata. Parágrafo único. Em caso de urgência, a confissão de falência ou o pedido de concordata poderá ser formulado pelos administradores, com a concordância do acionista controlador, se houver, convocando-se imediatamente a assembléia-geral, para manifestar-se sobre a matéria.
[9] A questão é bem tratada por Modesto Carvalhosa (2014, p. 876-877): “A desmitificação do princípio majoritário e o surgimento da nova estrutura de relação entre acionistas, com predomínio dos sócios dispersos organizados, acarretou um crescente absenteísmo nas assembleias gerais. Tal fenômeno suscitou um amplo movimento doutrinário em prol da revisão do sistema de poderes no seio da sociedade anônima. Partiu-se da constatação de que tais fenômenos reduziram efetivamente a importância prática da assembleia de acionistas, que passou a ter função meramente formal, sem qualquer relevância prática. Contrariamente à habitual configuração da assembleia geral como expressão suprema da vontade social, temos, na realidade, um órgão relativamente soberano. Os acionistas minoritários não costumam estar presentes à assembleia geral, onde nenhuma decisão é, na realidade, originalmente tomada. [...] A assembleia geral, nos países em que ainda a adotam como órgão necessário, reduz-se a um conclave apenas de acionistas controladores (art. 116) que auto-homologam o que decidiram em reunião prévia (art. 118) e, assim, ratificam os atos que praticaram no Conselho de Administração e as medidas tomadas pelos diretores”
[10] Art. 140. O conselho de administração será composto por, no mínimo, 3 (três) membros, eleitos pela assembléia-geral e por ela destituíveis a qualquer tempo, devendo o estatuto estabelecer: I - o número de conselheiros, ou o máximo e mínimo permitidos, e o processo de escolha e substituição do presidente do conselho pela assembléia ou pelo próprio conselho; (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001) II - o modo de substituição dos conselheiros; III - o prazo de gestão, que não poderá ser superior a 3 (três) anos, permitida a reeleição; IV - as normas sobre convocação, instalação e funcionamento do conselho, que deliberará por maioria de votos, podendo o estatuto estabelecer quorum qualificado para certas deliberações, desde que especifique as matérias. (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001)
[11] Sobre os objetivos da Lei nº 10.303/01, as lições de Marcelo Barbosa Sacramone (2015, p. 125): “Com o intuito de incentivar o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro, a Lei 11.303/2001 procurou fortalecer os direitos dos acionistas minoritários e consagrar princípios de governança coorporativa para tornar mais transparente as decisões societárias. A participação mais efetiva de diversos grupos de interesse no Conselho de Administração asseguraria maior fiscalização dos atos da diretoria, maior divulgação das informações entre os diversos envolvidos com a empresa. Contribuiria, também, a um melhor desempenho da atividade empresarial. Antônio Kandir, ao se manifestar sobre o substitutivo na Comissão de Finanças e Tributação, afirmou que ‘a transparência, como princípio de gestão, constitui-se no pressuposto de que uma empresa, ao abrir seu capital e fazer apelo à poupança pública, terá que, em contrapartida, compartilhar com os investidores as decisões de maior importância para o desenvolvimento de sua atividade. O propósito colimado pelo Substitutivo, através do dispositivo em questão, é o de exortar as companhias a seguir o rumo de uma cooperação entre o acionista controlador e os titulares de ações ordinárias, acionistas minoritários, bem como os preferencialistas, com o consequente compartilhamento da responsabilidade pela tomada de decisões estratégicas’”.
[12] Sobre a importância do estimulo ao debate no conselho de administração para a tomada de decisões estratégicas da companhia, a orientação do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (2017, p. 17-18): “É inquestionável, portanto, que uma decisão estratégica de qualidade deve se basear em dados, informações e análises confiáveis e suficientes (e o mais possível isentas de julgamentos falhos, vontades pessoais, erros e imprecisões de interpretação), mas é igualmente importante atuar com sensibilidade em relação a aspectos subjetivos. Debates proveitosos ocorrem quando o diretor-presidente (e, se necessário, os demais diretores) e os conselheiros confrontam as suas percepções sobre o negócio. Essa combinação de visões constitui a base sobre a qual a organização cria alternativas estratégicas e, posteriormente, faz suas escolhas. A própria construção da estratégia pode trazer melhorias importantes para o processo decisório: a elaboração de cenários e a análise da cadeia de valor da empresa em comparação com a dos concorrentes proporcionam discussões ricas – se conduzidas para alinhar posições e opiniões e criar uma visão compartilhada sobre a indústria, a empresa e a concorrência. Para que isso ocorra, entretanto, é preciso assegurar um ambiente adequado à tomada de decisão o tempo todo. Talvez seja necessário recorrer à experiência de especialistas e autoridades em determinados assuntos complexos, e também a pesquisas de mercado, estudos, canais de relacionamentos com os públicos externo e interno e projetos-piloto que gerem convencimento suficiente sobre questões relevantes. Em alguns casos, pode ser necessário fazer intervenções mais amplas no funcionamento da organização ou promover mudanças culturais para remover obstáculos à eficiência do processo de decisão. É fundamental, nesse sentido, que as agendas de reunião dos conselhos reservem um tempo específico para as discussões estratégicas. Isso dará clareza e foco à busca de novos pontos de vista e novas percepções do negócio.”
[13] Art. 122. Compete privativamente à assembleia geral: [...] II - eleger ou destituir, a qualquer tempo, os administradores e fiscais da companhia, ressalvado o disposto no inciso II do art. 142. (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001).
[15] Nas precisas lições de Modesto Carvalhosa (1998, p. 142), reserva de competência “significa que nenhum outro órgão societário pode deliberar quando se configurada a competência do conselho”.
[16] O mencionado art. 132 da LSA refere-se à assembleia geral ordinária: “Art. 132. Anualmente, nos 4 (quatro) primeiros meses seguintes ao término do exercício social, deverá haver 1 (uma) assembléia-geral para: I - tomar as contas dos administradores, examinar, discutir e votar as demonstrações financeiras; II - deliberar sobre a destinação do lucro líquido do exercício e a distribuição de dividendos; III - eleger os administradores e os membros do conselho fiscal, quando for o caso; IV - aprovar a correção da expressão monetária do capital social (artigo 167)”.
[17] A classificação é proposta por Paulo Fernando Campos Salles de Toledo (1999, p. 37): “As atribuições do conselho de administração na S.A. brasileira podem ser divididas em três grupos distintos. Todos têm em comum as circunstâncias de serem exercidas por meio de deliberações colegiadas, dizerem respeito à administração da companhia e não atingirem o plano de execução, reservado aos diretores. Apesar desses pontos em comum, que as identificam como próprias de um único órgão social, apresentam diferenças. Assim é que tais funções podem ser classificadas em: (a) programáticas ou normativas; (b) de fiscalização ou controle; (c) propriamente administrativas. As primeiras dizem respeito ao norteamento das atividades da companhia; com as segundas verificam-se o cumprimento dessas normas e a consecução desses objetivos, enquanto as últimas propiciam os meios para a realização dos fins sociais (nisto se distinguindo, por serem atividades-meios, daquelas desenvolvidas pelos diretores, que são atividades-fim”.
[18] Neste sentido, as lições de Modesto Carvalhosa (1998, p. 37-38): “A indelegabilidade assegura a legitimidade das competências tanto dos órgãos como dos atos praticados pelos respectivos membros. Os poderes e respectivas reservas de competência advém da lei e não da vontade dos acionistas. Os órgãos é que manifestam a vontade social. São eles obrigatórios, não podendo o contrato suprimi-lo e, muito menos, delegar os poderes de um a outro ou a outros. Os órgãos societários são, dessa forma, institucionalmente criados. A vontade, neste caso, também é orgânica e autônoma com referência aos acionistas. Estes são membros da assembleia, mas é o colégio que delibera exprimindo a vontade social. Os órgãos são, portanto, expressões da vontade social nos limites da competência de cada um. São aparelhos da companhia. A lei impõe a sua existência, a sua organização e a reserva dos poderes respectivos. Constituem a vontade da sociedade. Impostos pela lei, prevalecem sobre a vontade geral dos acionistas. [...] O conceito de soberania aplicado à assembleia geral é relativo, em face do institucionalismo que caracteriza a sociedade anônima atual. Assim, a assembleia geral não pode ser entendida como órgão absolutamente soberano, do qual derivam todos os poderes. Essa concepção somente seria aceitável no âmbito do contratualismo que, como já se viu, foi amplamente suplantado pela vontade da lei.”
[19] Art. 143 da LSA. A Diretoria será composta por 2 (dois) ou mais diretores, eleitos e destituíveis a qualquer tempo pelo conselho de administração, ou, se inexistente, pela assembléia-geral, devendo o estatuto estabelecer: I - o número de diretores, ou o máximo e o mínimo permitidos; II - o modo de sua substituição; III - o prazo de gestão, que não será superior a 3 (três) anos, permitida a reeleição; IV - as atribuições e poderes de cada diretor.
[20] Art. 138, § 1º da LSA. O conselho de administração é órgão de deliberação colegiada, sendo a representação da companhia privativa dos diretores.
[21] Art. 144 da LSA. No silêncio do estatuto e inexistindo deliberação do conselho de administração (artigo 142, n. II e parágrafo único), competirão a qualquer diretor a representação da companhia e a prática dos atos necessários ao seu funcionamento regular.
[22] Segundo explica Modesto Carvalhosa (2014, p. 735) a vinculação dos diretores “se verifica da redação do § 8º [do art. 118 da LSA] quando fala em ‘presidente da assembleia ou do órgão colegiado de deliberação da companhia’. Ocorre que a diretoria também é um órgão colegiado, pois exerce função deliberativa, em reunião regular, além daquela competência que lhe é própria, de representação da companhia (art. 143, § 2º [da LSA])”.
[23] Ensina Fábio Ulhôa Coelho (2012, p. 273-274) que, em que pese a grande fluidez da norma, entende-se que o dever de diligência será atendido sempre que o administrador atuar em conformidade com os padrões de gestão fixados pela ciência da administração de empresas.
[24] Nos termos do art. 117, § 1º, “d” da LSA pratica abuso de poder o acionista controlador que ele administrador inapto, moral ou tecnicamente.
[25] Segundo Ana Frazão (2017) e o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (2012, p. 50-53), em razão do seu dever de diligência, o administrador é obrigado a, dentre outras, (i) qualificar-se para o exercício do cargo, (ii) ter conhecimento sobre os negócios da companhia, (iii) adotar processos decisórios justos, adequados e razoáveis, (iv) destinar tempo suficiente ao exercício de suas funções, (v) tomar decisões informadas, refletidas e desinteressadas, (vi) assessora-se com especialistas, (vii) estrutura a organização empresarial de modo compatível com as atividades da companhia e o risco por ela assumido, (viii) delegar tarefas com responsabilidade e supervisão, (ix) intervir diante de problemas graves ou respectivas ameaças e (x) compartilhar conhecimento e discutir com os demais administradores.
[26] “O administrador que, de forma cega e submissa, limitar-se a dar cumprimento a toda e qualquer deliberação de outros órgãos societários, em especial a assembleia geral, não estará atuando em atenção ao seu dever de diligência, mas, ao contrário, estará violando-o (por ser passivo, e não ativo) e, com isso, expondo-se a responsabilidade civil.” (ADAMEK, 2009, p. 142).
[28] Nos termos dos incisos do art. 155 da LSA, age de maneira desleal o administrador que (a) usa, em benefício próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para a companhia, as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício de seu cargo, (b) omite-se no exercício ou proteção de direitos da companhia ou, visando à obtenção de vantagens, para si ou para outrem, deixa de aproveitar oportunidades de negócio de interesse da companhia, (c) adquire, para revender com lucro, bem ou direito que sabe necessário à companhia, ou que esta tencione adquirir.
[29] Nas palavras de Paulo Fernando Campos Salles de Toledo (1999, p. 58), o administrador “deve servir a companhia, e não servir-se dela”.
[30] De acordo com a American Bar Association (2007, p. 21), “The duty of loyalty require a director to act in good faith and in the best interests of the corporation – and not in the director’s own interest or in the interest of another person (e. g., a family member or potential competitor) or organization with which the director is associated”. Em tradução livre: “O dever de lealdade requerer que o conselheiro atue de boa fé e no melhor interesse da companhia – e não no interesse do próprio conselheiro ou no interesse de outra pessoa (p. ex., um membro de sua família ou um potencial competidor) ou de organização da qual o conselheiro seja associado”.
[31] É o que defende Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa (2012, p. 335): “O membro do conselho de administração eleito pela junção de forças em acordo de acionistas está subordinado a dois regimes distintos. O primeiro, aquele correspondente ao dever de lealdade à sociedade e de defender a lei e o estatuto social no exercício da atividade. O segundo, decorrente das determinações emanadas dos acionistas participantes do acordo e manifestadas nas reuniões prévias. Em certas situações o conselheiro deverá descumprir as instruções tomadas nas reuniões prévias, toda vez que elas ofenderem o estatuto social e a lei.”
[32] Essa é a posição do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBCG externada na “Carta Diretriz 1” (2008): “[A] compatibilização dos novos §§ 8º e 9º, do art. 118 com o § 2º, do mesmo artigo, conduz a conclusão de que o conselheiro de administração deve tomar a orientação de voto recebida pelo bloco de controle como mera recomendação de conduta, que somente deverá ser seguida caso o conselheiro, efetivamente, com ela concorde. Na visão do IBGC, esta é a única interpretação cabível deste dispositivo legal, ainda que resulte na invalidação do voto. [...] Todos os conselheiros que proferirem voto com base em acordo de acionistas deverão, previamente, verificar o atendimento dos princípios que se sobrepõem a qualquer acordo. Assim, será adequado o voto que: a. for exercido no exclusivo interesse da companhia, subordinando-se a tais interesses; b. estiver em consonância com as exigências do bem público; c. for proferido com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir a sua função social; d. respeitar os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e a comunidade em que a sociedade atua, cujos direitos e interesses deve lealmente preservar; e. não for abusivo, assim considerados aqueles proferidos com o fim de: I. causar dano à companhia ou a outros acionistas; ou II. Obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou passa resultar, prejuízo para a companhia ou para os outros acionistas; e f. estiver em consonância com o próprio juízo de conveniência do conselheiro”
[33] Sobre como os escopos do institucionalismo conduzem a socialização da sociedade anônima, as lições de Marcelo Viera von Adamek (2010, p. 118-119): “[O] institucionalismo move-se por um duplo escopo. Em seu primeiro escopo, traduz a idéia de que a sociedade deve ser conduzida por uma administração forte, capaz de interpretar de modo autônomo a exigência de condução da empresa: de um órgão administrativo subtraído do poder diretivo da assembléia e não influenciado pelos reclamos dos sócios por dividendos mais altos. Um segundo escopo da teoria institucionalista atém-se às relações internas: o interesse da empresa em si vem configurado como um interesse superior, transcendente do interesse de todos os sócios, compreendido dentre estes o sócio controlador: o interesse social, por essa teoria, torna-se um interesse comum aos sócios e a todos os dependentes da sociedade, um interesse próprio da inteira coletividade nacional, frente ao qual qualquer interesse particular – mesmo aquele do grupo de comando da sociedade – deveria sucumbir; um interesse cuja proteção deve ser conferida ou a órgãos em que exista a co-gestão dos trabalhadores, como na experiência alemã, ou então a órgãos da máxima instituição representativa da coletividade nacional, ou seja, órgãos do Estado. A teoria institucionalista reflete, sob este último aspecto, a suposição de que a economia de mercado não pode ser deixada ao livre e incontrolado jogo das partes, sem que o inteiro sistema sofra prejuízo. Mais do que isso, ao propugnar a penetração de interesses de terceiros na conformação do interesse social, aponta-se, assim, para a socialização da empresa e, portanto, para a socialização dos fatores de produção, publicizando-os.”
[34] Neste sentido, as lições de José Luiz Bulhões Pedreira (2002): “Na maioria das deliberações ou atos dos órgãos sociais da companhia não se colocam, todavia, questões de legalidade, e sim de adequação ao interesse da companhia, ou de conveniência. Nesses casos, a conclusão é diferente: prevalece o princípio da estrutura hierárquica - de que o subordinado tem o dever de cumprir as ordens recebidas de seus superiores - porque se há opiniões diferentes sobre qual a deliberação ou o ato mais conveniente para a companhia, são os órgãos hierarquicamente superiores que têm competência para decidir. O que justifica a lei legitimar o poder da maioria da assembléia geral e do acionista controlador para determinarem a orientação dos administradores da companhia é o fato de que os acionistas são os únicos que contribuem para o capital social, indispensável ao funcionamento da companhia e da sua empresa, e correm o risco de perder esse capital em caso de prejuízo: seria um contra-senso se a opinião do administrador que não responde pelas obrigações sociais nem pelos prejuízos causados pelos seus atos regulares pudesse prevalecer sobre a dos proprietários do capital da companhia. [...] Tal como observado quanto ao aspecto da legalidade ou não da ordem recebida, o administrador que está convicto de que a ordem não atende à conveniência ou ao interesse da companhia, e não consegue convencer o acionista controlador da sua opinião, pode deixar de cumpri-la, sem prejuízo do poder do acionista controlador de destituí-lo.”
[35] Na mesma linha, e abordando o tema a luz da vinculação dos administradores às orientações de acordos de acionistas, Marcelo Barbosa Sacramone (2007): “Na medida em que o interesse social apresenta-se como um dado elástico, não objetivo, a conformar tanto o escopo-meio como o escopo-final, devendo ser concretizado conforme a realidade fática presente à época da decisão, aos acionistas seria possível, dentro da amplitude do conceito de interesse social, especificá-lo, indicando aos administradores qual a melhor decisão diante do caso concreto. Não haveria, assim, qualquer incompatibilidade entre o § 1º do Artigo 154 e os §§ 8º e 9º do art. 118, pois o administrador continuaria a decidir conforme o interesse social, ainda que vinculado aos termos do acordo de acionistas, o qual indicaria a melhor decisão ao caso concreto conforme esse interesse. [...] Tendo em vista a natureza do exercício do voto do administrador como um poder-dever, na hipótese do acordo de acionistas manifestar-se em evidente conflito com o interesse social, o administrador não estaria vinculado a cumprir o pactuado, ficando isento de qualquer responsabilidade. Caso o administrador, contudo, não observe o seu dever de agir conforme o interesse social, emitindo voto em consonância com os termos do acordo de acionistas, porém contrário ao interesse da companhia, responderá solidariamente com os acionistas participantes do pacto pelos prejuízos que vier a causar à companhia e terceiros.”
[37] O fenômeno ocorre em razão da existência de maioria pré-constituídas do capital votante. Sobre o assunto, vale citar novamente as precisas lições de José Luiz Bulhões Pedreira (2002): “A evolução das companhias a partir do fim do século XIX foi marcada pela admissão de pessoas jurídicas como acionistas, a difusão das holdings, o processo de concentração industrial e a formação de grupos de sociedades, que contribuíram para criar e generalizar o fenômeno da pré-constituição da maioria nas Assembléias Gerais, no sentido de que a maioria passa a existir antes e independentemente das reuniões da Assembléia: um acionista torna-se titular de ações em quantidade suficiente para determinar as deliberações da assembléia geral, ou dois ou mais acionistas se organizam para formar a maioria mediante exercício de seus votos de modo uniforme. Esse acionista, ou grupo de acionistas, passa a comandar os órgãos administrativos da companhia de modo permanente - independentemente de reunião da Assembléia - pois tem a segurança de que a próxima assembléia ratificará suas ordens; e os administradores aceitam os comandos do controlador porque sabem que ele pode a qualquer momento convocar a assembléia geral e destituí-los de seus cargos. O poder exercido pelo acionista ou grupo de acionistas que formam a maioria pré-constituída da assembléia geral é designado poder de controle da companhia.”
[40] A doutrina majoritária se posiciona neste sentido. Celso Barbi Filho (2011, p. 615): “São ilícitos ajustes entre acionistas e administradores que não sejam acionistas, nos quais se pactuem normas sobre questões de interesse da administração. Quando os administradores forem também acionistas, poderão obviamente firmar acordos, desde que neles só se ajuste voto sobre declarações de vontade (v.g. eleição de administradores) e não sobre declarações de verdade (v.g. aprovação de contas da administração). São ilegais quaisquer estipulações para concessão de benefícios especiais pelos administradores a determinados acionistas, em troca da eleição daqueles, pois isso configura venda de voto. Lamentavelmente, existem muito na pratica tais contratos, sempre mascarados sob outras formas”; Modesto Carvalhosa (2011, p. 31): “[Com] acordos de acionistas firmados entre acionistas e administradores da companhia, estará configurado, desde logo, fraude à lei [art. 139 da LSA], não sendo, portanto, tal avença admissível em qualquer circunstância”; e Fábio Konder Comparato e Calixto Salomão Filho (2014, p. 218): “A doutrina distingue três espécies de convenção de voto, conforme a qualidade das partes contratantes: entre acionistas, entre acionistas e pessoas estranhas a sociedade, entre acionistas e a própria companhia ou seus administradores. A primeira é a mais comum. A segunda pode ter por objeto a organização do controle externo. Quanto a última, embora tenha prosperado na Alemanha nas primeiras décadas do século, é agora, em toda parte considerada ilícita”..
[41] Em sentido contrário, Arnold Wald (2001, p. 15) entende os membros da administração são parte legítimas para firmar acordos de acionistas, pois “não deve haver intepretação restritiva quando à liberdade contratual, não especificando o legislador que o direito de voto ao qual se refere o acordo só pode ser o dos acionistas, pois se refere genericamente ao mencionado direito que deve ser observado pela companhia, que, em nosso entender, abrange tanto a pessoa jurídica, como os seus órgãos, pois somente através deles é que a companhia atua.”
[42] Vide, por exemplo, o “Acordo de Acionistas da Vale S.A.” firmados entre BNDES Participações S.A, Bradespar S.A, Litel Participações S.A e Mitsui & CO. LTD em 17 de agosto de 2017. (disponível em http://www.vale.com/PT/investors/corporate-governance/notices-minutes-corporate-documents/atasEditaisDocumentosCorporativos/20170814%20Acordo%20Vale%20-%20Final_p.pdf – acesso em 20.01.2019) e o “Acordo de Acionistas da Itaúsa – Investimentos Itaú S/A” firmados entre as famílias controladores da Itausa S/A em 01.09.2015 (disponível em http://static.itausa.aatb.com.br/Imagens/acordo_acionistas_01092015.pdf - acesso em 20.01.2019).
[43] Art. 118, § 9º da LSA: O não comparecimento à assembléia ou às reuniões dos órgãos de administração da companhia, bem como as abstenções de voto de qualquer parte de acordo de acionistas ou de membros do conselho de administração eleitos nos termos de acordo de acionistas, assegura à parte prejudicada o direito de votar com as ações pertencentes ao acionista ausente ou omisso e, no caso de membro do conselho de administração, pelo conselheiro eleito com os votos da parte prejudicada (grifou-se).
[44] É o que ensina Celso Barbi Filho (2001, p. 215): “Não se admitem acordos entre acionistas e a companhia, que não é parte legítima nesses pactos [...] embora ela assuma pela Lei uma série de funções na sua implementação, previstas, no caso brasileiro, no próprio art. 118 da Lei 6.404/76. É comum, na prática societária, que a companhia figure como interveniente no acordo, para fins de dela se exigir observância do pacto já prevista em Lei. Tal providência, contudo, não faz da sociedade parte da avença, nem supre o ato do seu arquivamento, destinado a dar publicidade presumida ao acordo”
[45] É o que se extrai das lições de Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa (2012, p. 307), segundo o qual a sociedade estaria obrigada aos acordos de acionistas por força de lei, e não por serem parte na avença: “[As] obrigações da sociedade, por ocasião das assembleias-gerais, nascem, agora, diretamente do texto legal, especialmente os §§ 8º e 9º [do art. 118 da LSA]”.
[46] Marcelo Viera von Adamek (2009, p. 147) faz contundente e pertinente crítica a este entendimento: “Temos dificuldade em admitir o raciocínio desenvolvido por Modesto Carvalhosa, em outra obra, no sentido de que o administrador deverá sempre curvar-se à deliberação tomada pela comunhão de controladores, porque, se o acordo de acionistas deve conformar-se ao interesse social (LSA, art. 118, § 2º), ‘presume-se que a orientação tomada pela comunhão dos controladores, majoritariamente, em reunião prévia e dirigida aos representantes dessa mesma comunhão nos órgãos de administração da companhia está em consonância com o interesse social’. E se não estiver? E se essa presunção não corresponder a à realidade, estaria o administrador mesmo assim obrigado a curvar-se ao que foi deliberado? Não cremos que assim seja; o administrador é, antes de tudo, obrigado a dar cumprimento às atribuições de seus cargos; não pode ser desleal nem deixar de ser diligente. E esses vetores hão de informar, acima de tudo, o seu comportamento e leva-lo a verificar se a deliberação decorrente do acordo de acionistas viola ou não esses comandos”
[47] Conforme já visto acima, a existência de possíveis conflitos entre os interesses da companhia e dos acionistas é reconhecida inclusive pelos adeptos das teorias contratualistas do interesse social. Vide Capítulo 2.2.4, acima.
[48] Art. 104 do Código Civil. A validade do negócio jurídico requer: [...] III - forma prescrita ou não defesa em lei.
[49] Art. 107 do Código Civil. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.
[50] Neste sentido, Alexandre Tavares Guerreiro (1981, p. 745-746): “O voto discrepante não e, desenganadamente, inválido, posto que não o inquinam os vícios que induzem nulidade, nem, tampouco, as razoes que determinam anulabilidade. Trata-se, ao contrário, de voto ineficaz. A ineficácia do voto discrepante contamina a deliberação da assembleia, como expressão da vontade coletiva, formada e integrada pelas declarações individuais dos acionistas. Na mesma ordem de ideias, o voto discrepante de acordo de acionistas devidamente arquivado na sede social, nos termos do art. 118, caput, da Lei 6.404, não pode ser computado pela mesa diretora do conclave assemblear, pelas razoes que já anteriormente expusemos, e, se o for, estará efetivamente atingida, por via de consequência, a eficácia da deliberação da assembleia”.
[51] Urge anotar as críticas de Celso Barbi Júnior (2011, p. 252-253) ao então projeto de Lei 10.303/2001: “[Q]uestiono, isolado na doutrina, mas com vivência prática a respeito, o que seja ‘dever de observância’ da companhia aos acordos de voto nela arquivados. Se há controvérsia entre os signatários, o presidente da assembléia não pode decidir qual é o voto contrário ao acordo para deixar de computá-lo. Afinal, ele não é juiz de direito e, portanto, não tem jurisdição para resolver o problema, cabendo-lhe apenas suspender a deliberação, ou devolver o conflito à assembléia, que decidirá por maioria, frustrando o acordo (BARBI, 1993, p. 102-103). Diante disso, seria importante inserir-se na reforma da Lei a determinação para que a mesa da assembléia limite-se a suspender a deliberação nos casos de controvérsia entre os contratantes do acordo de acionistas. Mas, pelo Projeto em votação no Congresso Nacional, o novo § 9º proposto para o art. 118 da LSA estabelece que ‘o presidente da assembléia geral ou de órgão de deliberação colegiada da companhia não computará o voto proferido com a infração a acordo de acionistas devidamente arquivado’. Com o devido respeito, é de se insistir na seguinte pergunta: como pode presidente da assembleia decidir o que seja juridicamente ‘voto proferido com infração ao acordo’, se ele não tem poder jurisdicional?
[52] É o que entende, dentre outros, Fábio Ulhôa Coelho (2012, p. 349): “Embora, de um lado, os votos contrários ao acordado entre os acionistas não possam ser computados, de outro, eles não podem ter o seu conteúdo alterado pela mesa da assembleia geral ou presidência do órgão deliberativo”; e Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa (2012, p. 332): “No caso de acordo de votos devidamente arquivados, se um dos seus participantes vier a exercê-lo com infração aos termos daquele, o presidente da assembleia (nas assembleias gerais) ou do órgão colegiado (conselho de administração e, em certos casos em que se tenha de manifestar por votação, a diretoria) está proibido de computá-lo [...]. Com a falta dos votos do acionista desobediente, é possível que o acordo de acionistas não alcance o seu resultado, com o surgimento de prejuízos para os demais participantes. Em tal hipótese, e segundo as condições previstas no instrumento de acordo, as partes prejudicadas poderão exigir a execução específica, ou seja, o suprimento judicial no sentido da manifestação do voto segundo as especificações do acordo.”
[53] Neste sentido, Nelson Eizirik (2011, p. 118-119): “A norma contida no §9º refere-se aos casos de ausência ou abstenção de voto, não prevendo expressamente a hipótese de o acionista prejudicado votar em lugar do inadimplente quando este está presente à assembleia geral e, ao invés de se abster, vota em sentido contrário ao determinado na reunião prévia. A introdução dos §§ 8º e 9º teve por finalidade assegurar a coercibilidade imediata dos acordos de voto em bloco, evitando que determinado convenente possa impedir a aprovação das matérias deliberadas em reunião prévia. Interpretando-se sistematicamente os 2 (dois) parágrafos e tendo em visa a sua finalidade comum, pode-se concluir que: na hipótese em que alguém pretende descumprir o acordo de acionistas comparecendo à assembleia e votando contra o decidido na reunião prévia, deve tal voto ser desconsiderado pelo presidente do conclave, com fundamento no § 8º, tal como se o acionista tivesse se abstido de votar, consequentemente, os acionistas prejudicados estarão legitimados, com base no §9º, a votar em nome do acionista inadimplente. Ou seja, o voto contrário ao deliberado na reunião prévia e não computado equipara-se à abstenção de voto, permitindo-se que o acionista prejudicado possa conferir eficácia ao acordo de voto em bloco, determinando o sentido do voto proferido pelas ações do acionista que descumpriu o acordo.”; Paulo Cézar Aragão (2002, p. 373-374): “Dir-se-á que, se malgrado o mandato, o acionista mandate lançar voto contrário ao acordado, perder-se-á a efetividade do contratado, mas a conclusão não é correta, já que – havendo mandatário indicado e presente – o presidente deverá abster-se de computar, ao amparo do acionista mandante inadimplente e computar o voto do mandatário, no sentido convencionado”; e Jairo Saddi (2012, p. 666): “Cabe mencionar, além disso, que a autotutela do § 9º pode ser exercida mesmo que o acionista inadimplente esteja presente na assembleia geral, ou especial, e vote contrariamente ao predeterminado. Deve ocorrer, nessa hipótese, desconsideração do voto pelo presidente da assembleia, por afronta ao acordo (§ 8º), com subsequente exercício do voto pelo acionista prejudicado, como se o inadimplente fosse omisso ou ausente”.
[54] Segundo Daniel Amorim Assumpção Neves (2017, p. 61), “[é] evidente que uma solução de conflitos resultante do exercício da força não é a forma de solução de conflitos que se procura prestigiar num Estado democrático de direito. [...] [A] autotutela é consideravelmente excepcional, sendo raras as previsões legais que a admitem”.
[55] Conforme leciona Tércio Sampaio Ferraz Júnior (2001, p. 289-291), uma interpretação declarativa ou especificadora “parte do pressuposto de que o sentido da norma cabe na letra de seu enunciado”, ou seja, “para elucidar o conteúdo da norma não é necessário sempre ir até o fim de suas possibilidades significativas, mas até o ponto em que os problemas pareçam razoavelmente decidíveis. Era esse, provavelmente, o propósito de um famoso aforismo jurídico, hoje menos citado, segundo o qual ‘in claris cessat interpretation’”. Por outro lado, “uma interpretação restritiva ocorre toda vez que se limita o sentido da norma, não obstante a amplitude de sua expressão literal”, o que deve ocorrer com as normas excepcionais, pois “uma exceção é, por si só, uma restrição que só deve valer para os casos excepcionais. Ir além é contrariar sua natureza”.
[56] Sobre os limites dos poderes do presidente da assembleia ou da reunião, valem destacar as lições de Celso A. Barbi Filho (2011, p. 617): “O mesmo acontece quando os acionistas entram em conflito na assembleia sobre a interpretação do acordo, e o Presidente, não tendo poder de jurisdição, fica impossibilitado de resolver a controvérsia. Daí porque, inclusive, questiono, isolado na doutrina, mas já com vivencia prática a respeito, o tal "dever de observância" da companhia aos acordos de voto nela arquivados. Se há controvérsia entre os signatários, o Presidente não pode decidir qual é o voto contrário ao acordo para deixar de computá-lo. Afinal, ele não é juiz de direito e, portanto, não tem jurisdição para resolver o problema, podendo apenas suspender a deliberação, ou devolver o problema a assembleia, que decidira por maioria, frustrando o acordo”
[57] É o que ensina Paulo Fernando Campos Salles de Toledo (2002, p. 429): “Não pode o conselheiro de administração, em nome de um acordo de acionistas, votar contra os interesses da companhia. Nem poderia invocar esse acordo para eximir-se de responsabilidade (LSA, art. 118, § 2º)”.
[58] Art. 158, § 5º da LSA: “Responderá solidariamente com o administrador quem, com o fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a prática de ato com violação da lei ou do estatuto.”
[59] Essa, alias, é a orientação do § 7.32 (e) da Model Business Corporate Act (2016 Revision) da American Bar Association (2016): “An agreement authorized by this section that limits the discretion or powers of the board of directors shall relieve the directors of, and impose upon the person or persons in whom such discretion or powers are vested, liability for acts or omissions imposed by law on directors to the extent that the discretion or powers of the directors are limited by the agreement.” Em tradução livre: “Um acordo autorizado por esta seção que limita a discricionariedade ou os poderes do conselho de administração isenta os conselheiros, e impõe à pessoa ou às pessoas em quem tal discricionariedade ou poderes são investidos, da responsabilidade por atos ou omissões impostas por lei aos conselheiros na medida em que a discrição ou poderes dos conselheiros são limitados pelo acordo.
[60] Conforme orientação do Código das Melhores Práticas de Governança Coorporativa do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC (2015), “todos os conselheiros que proferirem voto com base em acordo de acionistas deverão, previamente, verificar o atendimento dos princípios que se sobrepõem a qualquer acordo. Assim, será adequado o voto que: a. for exercido no exclusivo interesse da companhia, subordinando-se a tais interesses; b. estiver em consonância com as exigências do bem público; c. for proferido com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir a sua função social; d. respeitar os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e a comunidade em que a sociedade atua, cujos direitos e interesses deve lealmente preservar; e. não for abusivo, assim considerados aqueles proferidos com o fim de: I. causar dano à companhia ou a outros acionistas; ou II. Obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou passa resultar, prejuízo para a companhia ou para os outros acionistas; e f. estiver em consonância com o próprio juízo de conveniência do conselheiro.
[61] É o que escreve Carlos Henrique Barroso (2005, p. 54): “Somos da opinião de que o conselheiro continua não apenas podendo, mas também devendo, votar na melhor forma para a companhia, independentemente do que dispuser o acordo de acionistas. A nova disposição legal [arts. 118, § 8º da LSA] apenas determina que o presidente do conselho de administração deve desconsiderar o voto, o qual ele entenda não esteja em linha com o que prevê o acordo de acionistas.” e Rodrigo Ferraz Pimenta da Cunha (apud SILVA, 2014): “A situação [inclusão dos §§ 8º e 9º ao art. 118] causa estranheza, já que em evidente conflito com a disciplina de independência dos membros do conselho e, especificamente, com o disposto no art. 154, parágrafo único. Isso para não dizer que vem na contramão dos mais elementares princípios de governança corporativa. Juristas de escol já se manifestaram nesse sentido. Afirma Simões: ‘Essas disposições [§§ 8º e 9º do art. 118] criam uma distorção dos controles de legitimidade do voto, transformando na prática em ‘ex post’ a verificação da legalidade das obrigações decorrentes de acordos de acionistas. Com efeito, esses novos dispositivos negam toda a formulação do princípio organicista ao transformar os administradores, eleitos por acionistas signatários de acordos parassociais, em delegados ou representantes desses acionistas, e ao permitir que o presidente do conclave recuse o voto que, a seu juízo de valor, viole o acordo de acionistas e, mais ainda, que um acionista membro do conselho de administração vote por outro, ausente, ou que venha a abster-se na votação.”
[62] No mesmo sentido: Paulo Fernando Campos Salles de Tolledo, Carlos Eduardo Vergueiro, Márcio Tadeu G. Nunes, Paulo C. G. Simões (GATTAZ, 2017, p. 109-111; e SILVA, p. 2014, 109-110)
[63] É o que escreve Nelson Eiziriki (2003, p. 50-51): “[A] cláusula que vincula os administradores aos termos dos acordos de acionistas deixou de ter caráter meramente acessório, passando a ser ela vinculativa para a sociedade, que deverá observá-la nas reuniões do conselho de administração ou da diretoria. Nota-se que a obrigatoriedade de observância das disposições do acordo de acionistas pelos administradores constitui consequência direta do reconhecimento do poder de controle, e não apenas do exercício do direito de voto, como matéria que pode vincular a sociedade. Isto porque, na maioria dos casos, o poder de controle é exercido primeiro nos órgãos da administração da companhia para, depois, exprimir-se na assembleia geral. [...] Vale salientar que não há incompatibilidade entre o dever de independência do administrador, previsto no art. 154, § 1º da Lei das S/A, e o acatamento das decisões que os signatários do acordo de acionistas adotaram em reunião prévia. Isto porque o próprio acordo deve conformar-se com o interesse social, consoante o § 2º do art. 118 da lei societária, que prescreve que ‘os acordos não poderão ser invocados para eximir o acionista da responsabilidade no exercício do direito de voto ou do poder de controle’. Em consequência, o interesse social deve ser absolutamente preservado pelos termos do acordo de voto em bloco, bem como na sua execução e implementação. [...] De fato, é do interesse da sociedade que o poder de controle seja exercido de forma coerente e harmônica, não se devendo permitir que o grupo que detém o controle possa adotar uma orientação nas assembleias da companhia e outra diversa nas manifestações dos seus órgãos de administração. [...] Assim, o voto em bloco obtido na reunião prévia atende ao interesse dos acionistas participantes do controle e ao mesmo tempo ao interesse social, visto que este identifica-se com o interesse comum dos sócios. [...] Diante disso, conclui-se que os membros do conselho de administração e da diretoria estão vinculados ao disposto no acordo de acionistas no que respeita aos seus votos proferidos nas reuniões de tais órgãos, não sendo tal vinculação incompatível com seus deveres de administrador. Dessa forma, não poderá o administrador, representante do acordo de acionistas, obstruir o exercício do poder de controle estabelecido na convenção de voto em bloco, visto que, ao desobedecer à diretriz dada pelo bloco de controle, estará ele atuando com abuso de poder”.
[64] No mesmo sentido: Jairo Saddi, Luiz Antônio Sampaio Campos, Felipe de Freitas Ramos, Luiz Gastão de Barros, Carlos Augusto da Silveira Lobo, Waldírio Bulgarelli, Daniel Moreira do Patrocínio (GATTAZ, 2017, p. 109-111; e SILVA, p. 2014, 109-110).
[67] O art. 117, § 1º, “e” da LSA, aliás, estabelece que configura exercício abusivo do poder de controle “induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou, descumprindo seus deveres definidos nesta Lei e no estatuto, promover, contra o interesse da companhia, sua ratificação pela assembléia-geral”.
[68] Neste sentido escrevem Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa (2012, p. 335): “O membro do conselho de administração eleito pela junta de forças em acordo de acionistas está subordinado a dois regimentos distintos. O primeiro, aquele correspondente ao dever de lealdade à sociedade e de defender a lei e o estatuto social no exercício de sua atividade. O segundo, decorrente das determinações emanadas dos acionistas participantes do acordo e manifestadas nas reuniões prévias. Em certas ocasiões o conselheiro deverá descumprir as instruções tomadas nas reuniões prévias, toda vez que elas ofenderem o estatuto social e a lei.” e José Luiz Bulhões Pedreira (2002): “É inquestionável que o acionista controlador não pode validamente dar instruções ilegais ao administrador e que este não tem apenas a faculdade – mas o dever – de não cumprir ordens ilegais. Mas nem sempre a ilegalidade de uma ordem é manifesta, ou incontrovertida, e toda empresa de algum porte mantém serviços de assistência jurídica, de que se vales os administradores para se assegurarem da legalidade de seus atos. O administrador conversa, evidentemente, a liberdade de agir segundo suas convicções, e se não consegue convencer os serviços jurídicos ou o acionista controlador da ilegalidade da ordem, deve se recusar a cumpri-la; mas o fato de assim agir não lhe dá direito de impedir que o acionista controlador exerça o poder de destituí-lo.”
[69] Art. 118. Os acordos de acionistas, sobre a compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle deverão ser observados pela companhia quando arquivados na sua sede. [...] § 2° Esses acordos não poderão ser invocados para eximir o acionista de responsabilidade no exercício do direito de voto (artigo 115) ou do poder de controle (artigos 116 e 117).
[70] Neste sentido Eduardo Secchi Munhoz (2013, p. 286): “Nesse sentido, sempre que receber do acionista controlador orientação contrária aos fins da companhia, tem o administrador o dever de descumprir a ordem, em defesa do interesse da companhia.”; Paulo Cézar Aragão (2002, p. 376-378): “O conceito de que os conselheiros são, no Brasil, escolhidos pela sua independência – isto sim, uma regra saudável de boa governança corporativa – é a exceção no Brasil, ao contrário do que sucede em outros países. [...] Seria um absurdo – como acontece hoje – que os acionistas assinem os acordos e, mais adiante, por força de tal ou qual divergência, se invoque a suposta ‘liberdade de consciência’ para descumprir o pactuado. [...] Não existe, assim, a suposta possibilidade de o conselheiro descumprir o acordo com base na sua ‘liberdade de consciência’. Se o fizer, deverá necessariamente basear-se naquelas hipóteses estabelecidas numerus clausus no referido §2º do art. 118.”; e Denise Chachamovitz Leão de Salles (2007, p. 506-507): “Se as determinações dos acionistas controladores forem contrárias aos interesses da companhia, os membros do conselho de administração podem e devem atuar de acordo com sua convicção pessoal. Ainda seguindo esse raciocínio, entendemos ser inválida a vinculação do voto dos membros do conselho de administração que tenham natureza fiscalizatória a respeito das contas e relatórios, por exemplo, quando da manifestação a respeito das contas e relatórios da diretoria. Nesses casos, a fim de fazer valer o disposto no artigo 139 da Lei 6.404/76, faz-se necessário que os conselheiros atuem de acordo com a sua própria convicção, inclusive como forma de se protegerem de eventual responsabilidade civil.” (apud SILVA, 2014, p. 105).
[71] É o entendem Sheila Christina Neder Cerezetti (2011, p. 591): “[Os acordos de acionistas] não devem versar sobre assuntos que escapam à esfera das competências dos próprios participantes do capital e abrangem as funções dos administradores. Não há autorização, nesses termos, para que as competências privativas legalmente traçadas sejam desrespeitadas”; Érica Gorga e Marina Gelman (2012, p. 7 e 16): “[Se] a matéria em pauta na reunião do Conselho de Administração for de competência exclusiva do conselho, haverá necessária invasão de competência e expressa ilegalidade, já que, como vimos, a lei das S.A. veda a delegação de competências entre os órgãos societários. Se, por outro lado, a matéria em pauta não for de competência exclusiva do conselho, mas de competência dos acionistas, não haveria invasão de competência e seria legítima a previsão contratual.” e Modesto Carvalhosa (2014, p. 730), embora de maneira não muito clara e direta: “Tal vinculação dos administradores às decisões da comunhão, tomadas em reunião prévia – deve ser desde logo ressaltado – refere-se apenas às matérias de natureza relevante e extraordinária, expressamente enumeradas no respectivo acordo de controle. Não pode essa vinculação abranger matérias da administração ordinária, ou seja, aquelas necessárias à condução da companhia, para as quais prevalece integralmente o poder-dever de independência dos administradores, previsto no art. 154 [da LSA]”
[72] Art. 142 da LSA. Compete ao conselho de administração: [...] VI - manifestar-se previamente sobre atos ou contratos, quando o estatuto assim o exigir; VII - deliberar, quando autorizado pelo estatuto, sobre a emissão de ações ou de bônus de subscrição; [e] VIII – autorizar, se o estatuto não dispuser em contrário, a alienação de bens do ativo não circulante, a constituição de ônus reais e a prestação de garantias a obrigações de terceiros (grifou-se).
[73] Art. 142. Compete ao conselho de administração: I - fixar a orientação geral dos negócios da companhia; II - eleger e destituir os diretores da companhia e fixar-lhes as atribuições, observado o que a respeito dispuser o estatuto; [...] VI - manifestar-se previamente sobre atos ou contratos, quando o estatuto assim o exigir; VII - deliberar, quando autorizado pelo estatuto, sobre a emissão de ações ou de bônus de subscrição; VIII – autorizar, se o estatuto não dispuser em contrário, a alienação de bens do ativo não circulante, a constituição de ônus reais e a prestação de garantias a obrigações de terceiros; IX - escolher e destituir os auditores independentes, se houver.
[75] Conforme pesquisa empírica realizada por Érica Gorga e Marina Gelman (2012, p. 19-20) existem acordos de acionistas que estabelecem a vinculação dos votos inclusive de “Conselheiros Independentes”: “Surpreende que existam inclusive acordos de acionistas que vinculam até mesmo o voto do Conselheiro Independente. De fato, como o conceito de Conselheiro Independente vigente nos regulamentos dos segmentos especiais da BM&FBOVESPA não trata do assunto, existem atualmente companhias que tem Conselheiros Independentes, conforme indicado pelas próprias companhias, eleitos pelo grupo controlador e vinculados a acordos de acionistas. É o caso, exemplificativamente, do acordo de acionistas da Companhia de Locação das Américas, que tem suas ações negociadas no Novo Mercado, e cujo acordo prevê a eleição dos Conselheiros Independentes pelas partes do acordo. Outras duas disposições contratuais neste mesmo acordo disciplinam que os Conselheiros eleitos pelo grupo controlador votarão de acordo com o deliberado em reunião prévia. Portanto, não apenas o Conselho de Administração desta companhia encontra-se genericamente vinculado, como o denominado Conselheiro Independente igualmente não pode ter seu voto computado se não estiver plenamente de acordo com a prévia deliberação dos acionistas controladores.”
graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e Especialista em Direito Empresarial pela Escola Paulista da Magistratura. Sou Assistente Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CLEMENTINO, FREDERICO GERALDO. Acordos de acionistas e limites à vinculação dos Conselheiros de Administração Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 maio 2024, 04:41. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/65462/acordos-de-acionistas-e-limites-vinculao-dos-conselheiros-de-administrao. Acesso em: 22 dez 2024.
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