CRISTIANE DORST MEZZAROBA
[orientadora][1]
Resumo: O presente estudo tem por tema a violência doméstica registrada em regiões periféricas. O objetivo geral busca analisar sob a ótica jurídico-social o contexto da violência doméstica contra mulheres nas regiões periféricas e como as políticas públicas podem contribuir para a diminuição da violência de gênero nesse contexto geográfico. Os objetivos específicos subdividem-se em apresentar o conceito de violência doméstica adotado internacionalmente, alicerçado nas estatísticas que permeiam o tema; verificar o desenvolvimento e as características da violência doméstica contra mulheres em contextos geográficos periféricos em comparação com áreas centrais; identificar quais tipos de políticas públicas direcionadas ao contexto jurídico, social e econômico das periferias podem contribuir para a diminuição da violência doméstica. O método dedutivo adotado para esta investigação combinou análises qualitativas e comparativas, permitindo a análise dos fatores sociais, econômicos e geográficos que envolvem o tema. A metodologia amparou-se na revisão bibliográfica, legislativa e jurisprudencial. Concluiu-se que combater a violência contra a mulher nas regiões periféricas inclui uma abordagem multidisciplinar associada a programas de educação e sensibilização que abordem as raízes culturais da violência doméstica, sendo necessário fortalecer as redes de apoio às mulheres nas periferias, incluindo o desenvolvimento de parcerias entre o governo e organizações não governamentais.
Palavras-chave: Violência Doméstica. Mulheres. Regiões Periféricas.
A violência doméstica contra a mulher é uma das mais cruéis manifestações da desigualdade de gênero, ultrapassando a esfera privada para se firmar como um grave problema de saúde pública e uma violação dos direitos humanos. Este fenômeno afeta mulheres de todas as classes sociais, etnias e culturas, deixando marcas profundas ao redor do mundo. Particularmente em regiões periféricas, onde as condições de vulnerabilidade são exacerbadas, a violência doméstica assume contornos ainda mais preocupantes. Dados recentes indicam que as vítimas em regiões periféricas, predominantemente mulheres pretas e de baixa renda, enfrentam barreiras significativas no acesso a recursos e suporte legal.
Diante desse contexto, este estudo tem como objetivo geral analisar sob a ótica jurídico-social o contexto da violência doméstica contra mulheres nas regiões periféricas e como as políticas públicas podem contribuir para a diminuição da violência de gênero nesse contexto geográfico. Os objetivos específicos subdividem-se em apresentar o conceito de violência doméstica adotado internacionalmente, bem como as estatísticas que permeiam a realidade desse tipo de violência; verificar o desenvolvimento e as características da violência doméstica contra mulheres em contextos geográficos periféricos em comparação com áreas centrais; identificar quais tipos de políticas públicas direcionadas ao contexto jurídico, social e econômico das periferias podem contribuir para a diminuição da violência doméstica contra a mulher nestas regiões.
O método dedutivo adotado para esta investigação combina análises qualitativas e comparativas. A análise qualitativa permitirá uma compreensão mais profunda dos fatores sociais e econômicos que não são facilmente quantificáveis, enquanto o método comparativo será utilizado para contrapor as situações de violência em áreas centrais e periféricas. A pesquisa utiliza como metodologia a revisão bibliográfica, incluindo estudos acadêmicos, relatórios estatísticos e artigos jornalísticos que discutem o tema, bem como a legislação e jurisprudências pertinentes ao tema.
A relevância deste estudo está na urgente necessidade de focar nas regiões periféricas, frequentemente negligenciadas nas discussões sobre políticas de segurança e justiça social. Ao iluminar as histórias e as lutas das mulheres nessas áreas, busca-se contribuir academicamente para a discussão sobre violência doméstica como um fenômeno sociojurídico que exigem políticas públicas pormenorizadas e pensadas para o contexto dessas regiões para combater com eficácia a violência doméstica contra mulheres.
Este artigo está estruturado em quatro seções principais para uma análise abrangente e detalhada da violência doméstica contra mulheres em regiões periféricas. A primeira seção aborda as estatísticas e desafios da luta contra a violência doméstica, destacando a severidade e persistência do problema em diferentes contextos sociais. A segunda seção explora especificamente as regiões periféricas, ilustrando como o alarme da violência doméstica e familiar contra a mulher é particularmente agudo nessas áreas devido a fatores socioeconômicos desfavoráveis e a falta de recursos. A terceira seção discute a necessidade de políticas públicas eficazes voltadas ao combate dessa violência, sugerindo estratégias e intervenções para mitigar e eventualmente eliminar a violência doméstica. A quarta seção examina o marco jurídico e os desafios operacionais na implementação das leis contra a violência doméstica nas periferias, abordando as dificuldades de efetivação da Lei Maria da Penha e outras regulamentações relevantes. As considerações finais, sintetizam os achados e reiteram a necessidade urgente de ação imediata para proteger e empoderar as mulheres em regiões periféricas, conclamando a adoção de medidas práticas e ao comprometimento contínuo dos envolvidos.
1 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA MULHERES: estatísticas e o desafio da luta por justiça
A violência doméstica, descrita como qualquer ação que implique em violência física, sexual ou psicológica contra mulheres, abrange desde intimidações morais até agressões severas que podem culminar em morte. Esta forma de violência é notoriamente marcada pela dinâmica de poder, onde predominam tentativas de controle e subjugação, muitas vezes naturalizadas culturalmente como manifestações de autoridade masculina (Houaiss, 2001; Organização Mundial da Saúde, 2017).
Em 2022, o Brasil registrou um alarmante aumento de 6,1% em feminicídios, somando 1.437 vítimas. Além disso, foram notificados 245.713 casos de agressão doméstica e mais de 27.530 incidentes de importunação sexual, evidenciando uma crise persistente que desafia as fronteiras do direito e da proteção social (Bueno et al., 2023). Estas estatísticas são ainda mais preocupantes nas regiões periféricas, onde a falta de recursos e acesso limitado a serviços de apoio exacerbam a vulnerabilidade das mulheres.
A pesquisa AVON de 2011 e estudos subsequentes, como os de Silva e Coelho (2023) e Ferreira e Lima (2014), demonstram que a percepção da violência doméstica está intrinsecamente ligada a fatores econômicos e culturais. Observa-se que 80% dos brasileiros reconhecem a gravidade dos atos de violência física em contexto familiar e muitos atribuem isso a uma cultura de posse masculina sobre as mulheres, um reflexo de estruturas patriarcais profundamente enraizadas.
Este panorama é corroborado por insights de teóricos como Almeida (2020), onde enfatiza que a violência contra a mulher emerge de uma complexa interação entre cultura, relações pessoais e condições socioeconômicas, muitas vezes perpetuada pela invisibilidade das vítimas no sistema de justiça. Apesar das leis como a Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006), que busca proteger as mulheres contra a violência doméstica, a implementação efetiva dessas medidas ainda enfrenta obstáculos significativos, especialmente nas áreas menos desenvolvidas.
A situação é ainda mais crítica para as mulheres negras e moradoras de periferias, que, segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (2022), frequentemente se veem excluídas dos mecanismos de proteção devido à falta de infraestrutura e a preconceitos institucionais. Essa exclusão não apenas perpetua a violência, mas também impede que essas mulheres acessem as poucas oportunidades de justiça disponíveis.
A conscientização sobre o papel das mulheres na sociedade, que foi historicamente moldada por movimentos como o representado por Olympe de Gouges durante a Revolução Francesa, destaca-se como um aspecto crucial na luta contra a violência doméstica (Silva, 2021). Esse reconhecimento é fundamental para combater as raízes culturais e institucionais da violência, que frequentemente relegam as mulheres a um status inferior.
A Deputada Tabata Amaral (2022) ressalta a insuficiência de recursos em áreas periféricas, especialmente no que se refere ao atendimento das vítimas de violência doméstica. A alocação de fundos específicos para combater a violência contra mulheres nas periferias é um passo importante para garantir que a Lei Maria da Penha seja aplicada de forma eficaz, superando barreiras que impedem o acesso das mulheres a serviços essenciais.
Em estudos recentes, como o realizado pela Organização Mundial da Saúde e pela ONU entre 2000 e 2018, foi revelado que uma em cada três mulheres no mundo sofreu violência física ou sexual por um parceiro íntimo, um indicativo claro da prevalência global desse problema (OMS/ONU, 2021). No Brasil, a situação é particularmente alarmante, com estatísticas mostrando que a violência doméstica é uma crise que persiste e se intensifica, especialmente em contextos de instabilidade econômica ou crises sociais, onde as mulheres são desproporcionalmente afetadas (MDHC, 2022).
O aumento da violência em períodos de crise econômica aponta para a necessidade de políticas que não somente respondam à violência depois que ela ocorre, mas que trabalhem proativamente para prevenir essas situações. Isso inclui políticas de emprego, habitação e educação que fortaleçam a posição das mulheres na sociedade e diminuam sua vulnerabilidade à violência. Oliveira et al. (2020) argumenta que a violência doméstica está intricadamente ligada à violência do Estado, e que políticas públicas robustas e inclusivas são essenciais para enfraquecer a perpetuação dessa violência.
Para enfrentar efetivamente a violência doméstica, é crucial entender as raízes culturais e econômicas que sustentam essa prática, especialmente em contextos de vulnerabilidade. Isto envolve não apenas punir os agressores, mas também criar políticas públicas que abordem as causas fundamentais da violência, promovam a igualdade de gênero e fortaleçam o apoio às vítimas. A colaboração entre órgãos governamentais, ONGs e comunidades locais é essencial para criar uma rede de segurança eficaz e acessível que possa proteger todas as mulheres, independentemente de sua localização ou situação socioeconômica.
Essas intervenções devem ser acompanhadas de uma mudança cultural que questione e modifique as normas de gênero prejudiciais, assegurando que a luta contra a violência doméstica seja uma prioridade constante nas agendas de segurança pública e direitos humanos. A construção de uma sociedade justa e segura para todas as mulheres exige um compromisso contínuo e ações concretas que vão além das medidas punitivas, abordando as estruturas sociais e econômicas que permitem que a violência persista.
A violência doméstica contra mulheres persiste como um grave desafio social, particularmente em áreas menos favorecidas, tema que será desenvolvido a partir da próxima seção.
2 REGIÕES PERIFÉRICAS: o alarme da violência doméstica e familiar contra a mulher
Regiões periféricas, caracterizadas pela distância dos centros econômicos e urbanos e por limitações em termos de desenvolvimento econômico e acessibilidade, são frequentemente o foco de políticas de desenvolvimento visando promover a equidade. Essas áreas não só representam uma localização geográfica marginalizada, mas também refletem disparidades socioeconômicas significativas que afetam profundamente a vida de seus habitantes (Fórum das Cidades, 2016).
Paula e Paula (2011) descrevem a periferia como um espaço frequentemente invisível e menosprezado pela sociedade, marginalizado não por sua localização geográfica, mas pela economia dominante que prioriza as classes mais altas. Este conceito de periferia é reforçado por Domingues (2007), que discute a complexidade de definir "periferia", variando em significado e impacto dependendo do contexto histórico e geográfico.
Alves (2011) nota que, no contexto brasileiro, a periferia emergiu com os primeiros loteamentos populares de São Paulo nos anos 1940, destacando uma transformação na percepção dessas áreas ao longo do tempo. Rodrigues (2022) destaca a dificuldade de acesso a políticas públicas efetivas nessas regiões, sublinhando a necessidade de fortalecer essas políticas para garantir direitos básicos para a população marginalizada.
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública relata um aumento significativo nos casos de feminicídio, especialmente em regiões periféricas, onde a maioria das vítimas são mulheres negras e pardas (NEV-USP). Este cenário é agravado pela falta de recursos e pelo acesso limitado a serviços essenciais, contribuindo para uma maior vulnerabilidade dessas mulheres à violência doméstica.
Pesquisas da Central Única das Favelas e do Instituto Sou da Paz, baseadas na Lei de Acesso à Informação, revelam altos índices de violência de gênero e feminicídios em Campo Grande, ressaltando que mulheres de bairros periféricos são frequentemente as principais vítimas (Cufa CG, 2022).
No Distrito Federal, a situação não é diferente. Dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) indicam que as regiões mais afastadas do centro, como Ceilândia e Planaltina, registram os maiores números de casos de violência doméstica e descumprimento de medidas protetivas (SSP-DF, 2023).
A abordagem para tratar a violência doméstica nas regiões periféricas deve ser adaptada às realidades específicas dessas áreas, levando em conta a falta de infraestrutura e a marginalização econômica e social que predomina. Políticas públicas eficazes devem, portanto, ser concebidas para lidar não apenas com as consequências da violência, mas também com suas causas profundas, incorporando estratégias de prevenção e intervenção precoce (Rodrigues, 2022).
A promoção de programas de educação e conscientização sobre direitos humanos e igualdade de gênero é fundamental para alterar as normas sociais que perpetuam a violência contra as mulheres nas periferias (Alves, 2011). Além disso, é crucial melhorar o acesso a serviços legais e de apoio psicossocial, que são frequentemente escassos nessas áreas. Esses serviços devem ser acessíveis e sensíveis às necessidades culturais das comunidades que atendem, garantindo que todas as mulheres, independentemente de sua situação socioeconômica, possam buscar e receber ajuda.
Investimentos em infraestrutura são igualmente importantes. A melhoria do transporte público, a iluminação adequada das ruas e a segurança pública podem diminuir significativamente os riscos de violência. Paralelamente, o fortalecimento das redes de apoio comunitário pode oferecer às mulheres recursos críticos em tempos de crise, criando um ambiente mais seguro e acolhedor (Paula, 2011).
Para que estas medidas sejam efetivas, é necessário um compromisso contínuo dos governos locais e nacionais, além de parcerias com organizações não governamentais e a sociedade civil. A colaboração entre diferentes setores pode facilitar a implementação de políticas integradas que abordem tanto os aspectos socioeconômicos quanto os culturais da violência doméstica (Domingues, 2007).
Para garantir a implementação eficaz dessas políticas, é essencial uma avaliação rigorosa e contínua dos programas em vigor. A monitoração e a análise de dados são cruciais para adaptar as estratégias às necessidades em constante mudança das comunidades periféricas e para assegurar a eficiência dos recursos investidos. Estas análises devem ser transparentes e envolver a participação das comunidades locais para garantir que as medidas adotadas sejam culturalmente relevantes e efetivamente dirigidas às necessidades das mulheres nessas regiões (Cufa CG, 2022).
Além disso, a legislação deve ser fortalecida para proteger melhor as mulheres contra a violência doméstica, assegurando que os perpetradores sejam adequadamente responsabilizados. Isso envolve não apenas penalidades mais severas para os agressores, mas também um sistema judicial mais acessível e ágil, capaz de responder rapidamente aos casos de violência. É crucial também que haja uma coordenação efetiva entre as forças policiais, o sistema judiciário e os serviços de apoio às vítimas, para criar um ambiente de zero tolerância à violência contra as mulheres (NEV-USP, 2020).
As políticas públicas devem, portanto, não só responder a incidentes de violência, mas também trabalhar proativamente para criar condições de vida que promovam a segurança e o bem-estar das mulheres. Isso inclui a garantia de acesso a oportunidades econômicas, o que é fundamental para que as mulheres possam se emancipar e ter autonomia para se afastar de ambientes abusivos. Programas de empoderamento econômico e social, juntamente com educação financeira, podem ajudar a reduzir a dependência econômica das mulheres em relação a parceiros abusivos, fortalecendo sua capacidade de tomar decisões livres de coerções (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2020).
Este compromisso com a melhoria contínua das políticas e a implementação de práticas inovadoras deve ser mantido como uma prioridade pelos formuladores de políticas, para garantir que todos os esforços sejam feitos para erradicar a violência doméstica nas regiões periféricas. O desenvolvimento de uma sociedade mais justa e segura é um objetivo que necessita do envolvimento e da dedicação de todos os setores da sociedade, incluindo governo, comunidade local e organizações não governamentais, para transformar efetivamente a realidade das mulheres em periferias urbanas e rurais.
A próxima seção do estudo aprofundará nas políticas públicas específicas que têm sido desenvolvidas para enfrentar esta problemática, examinando casos de sucesso e desafios ainda persistentes no combate à violência doméstica contra mulheres em regiões periféricas. Este segmento buscará não apenas delinear as estratégias eficazes, mas também incentivar uma reflexão crítica sobre como melhorar e expandir essas abordagens para alcançar resultados duradouros e significativos.
3 A PROMOÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DIRECIONADAS AO COMBATE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER NAS REGIÕES PERIFÉRICAS
Nas regiões periféricas, onde as políticas públicas muitas vezes falham em alcançar efetivamente as comunidades, a violência doméstica persiste como uma realidade sombria e complexa. Essas áreas, marcadas pela diversidade e particularidades locais, necessitam de abordagens específicas que considerem suas singularidades sociais e econômicas (Sgarioni, 2010). A implementação de políticas públicas eficazes para combater a violência doméstica nessas regiões é fundamental para garantir a segurança e o desenvolvimento das mulheres que nelas residem.
Para Suárez e Bandeira (2002) é crucial que tais políticas sejam desenvolvidas em conjunto com todas as esferas do poder público e organizações da sociedade civil, formando uma rede de suporte abrangente e contínua. Rodrigues (2003) complementa ao afirmar que a implementação de políticas públicas é essencial para a construção da cidadania das mulheres e para promover a igualdade de gênero, algo que começou a tomar forma no Brasil a partir dos movimentos feministas e sociais da década de 1980.
Estas políticas devem incluir uma série de medidas práticas para melhorar a condição das mulheres nas periferias, como: estabelecimento de delegacias especializadas no atendimento às mulheres vítimas de violência, assegurando um tratamento digno e profissional; promoção da educação sobre direitos e igualdade de gênero nas escolas, como forma de prevenir a violência desde cedo; fortalecimento dos serviços de assistência social, que podem oferecer suporte necessário às mulheres em situação de vulnerabilidade; oferecimento de orientação jurídica e assistência psicológica gratuita, facilitando o acesso a esses serviços essenciais para mulheres em situação de abuso; desenvolvimento de programas de geração de renda e inserção no mercado de trabalho, que são fundamentais para garantir a independência financeira das mulheres, reduzindo sua vulnerabilidade ao abuso doméstico.
Além disso, é necessário combater o estigma e o medo que muitas mulheres enfrentam ao denunciar casos de violência. O testemunho de uma mulher que sentiu o peso da negligência quando sua chamada de socorro foi ignorada ilustra dolorosamente este ponto. Ela relata que, ao contrário de quando um endereço de uma área mais favorecida é citado, o seu pedido de ajuda foi recebido com silêncio, evidenciando uma discriminação dolorosa e injusta (Anônimo).
Este quadro de desigualdade nas respostas a situações de violência doméstica reflete a urgência de políticas públicas que não apenas abordem as questões de gênero de forma geral, mas que também reconheçam e atuem nas complexidades específicas enfrentadas por mulheres em regiões periféricas. A criação e implementação dessas políticas deve ser guiada por um compromisso firme com a justiça e a igualdade, assegurando que nenhuma mulher, independentemente de sua localização ou condição socioeconômica, fique sem o apoio necessário para viver uma vida livre de violência.
Para avançar nessa direção, é vital que as políticas públicas sejam avaliadas e reformuladas constantemente para responder efetivamente às mudanças sociais e às necessidades emergentes das mulheres nas periferias. Isso requer um sistema de monitoramento robusto que não só acompanhe a eficácia das intervenções implementadas, mas também fomente uma cultura de responsabilidade e transparência entre as instituições envolvidas (Rodrigues, 2003).
A capacitação contínua dos profissionais que trabalham diretamente com vítimas de violência doméstica é outro aspecto crítico. Policiais, assistentes sociais, advogados e psicólogos devem receber treinamento específico que os habilite a lidar com as complexidades do abuso doméstico em contextos de alta vulnerabilidade, como as regiões periféricas. Esse treinamento deve incluir uma abordagem sensível ao gênero e um profundo entendimento das barreiras sociais e econômicas que essas mulheres enfrentam (Suárez e Bandeira, 2002).
Ademais, a integração de políticas públicas entre diferentes setores — saúde, educação, segurança, trabalho e assistência social — é essencial para uma abordagem verdadeiramente eficaz. A violência doméstica é uma questão multifacetada que se entrelaça com muitos outros aspectos da vida social e econômica, e só pode ser combatida efetivamente por meio de uma estratégia coordenada que aborde todas essas dimensões (Farah, 2004).
O engajamento comunitário e a participação das mulheres das próprias comunidades periféricas no desenvolvimento, implementação e avaliação das políticas públicas também são fundamentais. As mulheres que vivem as realidades da periferia têm insights valiosos que podem ajudar a moldar intervenções mais eficazes e culturalmente pertinentes. Suas vozes devem ser centralizadas no processo de formulação de políticas para garantir que as medidas adotadas sejam verdadeiramente inclusivas e representativas das necessidades daqueles que se pretende ajudar (Sgarioni, 2010).
Finalmente, o compromisso político em todos os níveis de governo com o financiamento adequado e sustentado dessas políticas é crucial para garantir que os recursos necessários estejam disponíveis para fazer uma diferença real na vida das mulheres nas periferias. Sem o apoio financeiro adequado, até mesmo os programas mais bem concebidos falharão em alcançar seu potencial (Rodrigues, 2018).
Ao encerrar esta discussão e avançar para a próxima seção, a reflexão sobre a necessidade urgente de políticas públicas eficazes para combater a violência doméstica nas periferias torna-se ainda mais relevante. A seção seguinte irá explorar exemplos específicos de políticas que têm sido bem-sucedidas e outras que necessitam de reavaliação e fortalecimento, fornecendo um caminho pragmático para o futuro da proteção e empoderamento das mulheres nas regiões mais marginalizadas.
4 O MARCO JURÍDICO E OS DESAFIOS OPERACIONAIS NA IMPLEMENTAÇÃO DAS LEIS CONTRA A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NAS PERIFERIAS
A legislação brasileira sobre violência doméstica, particularmente a Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006), representa um avanço significativo na proteção legal das mulheres contra a violência doméstica. Essa lei não só define mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica contra as mulheres, mas também estabelece medidas de assistência e proteção às vítimas. No entanto, a implementação dessa legislação nas periferias enfrenta desafios substanciais que comprometem sua eficácia.
Um dos principais obstáculos é a falta de conhecimento sobre os direitos legais entre as mulheres das áreas periféricas. Muitas mulheres não estão cientes dos direitos e proteções legais disponíveis, o que dificulta a sua capacidade de buscar ajuda e justiça. A insuficiência de infraestrutura judicial, como a ausência de delegacias especializadas e defensores públicos nessas regiões, agrava essa situação, limitando severamente o acesso das mulheres à justiça (Santos, 2012).
Além disso, a violência doméstica é enquadrada dentro de um contexto mais amplo de direitos humanos, sendo complementada por tratados internacionais como a Convenção de Belém do Pará (1994). Esta convenção obriga os Estados a agir com diligência para prevenir, investigar e punir a violência contra mulheres. Embora a ratificação desses tratados internacionais reforce a legislação nacional, também expõe lacunas significativas na proteção oferecida às mulheres, especialmente em contextos locais e nas áreas periféricas.
A prática demonstra que, mesmo com um marco jurídico robusto, a aplicação efetiva das leis requer uma infraestrutura adequada e a conscientização das comunidades sobre esses direitos. Nas periferias, onde os recursos são frequentemente limitados, é crucial o estabelecimento de parcerias entre o governo e organizações da sociedade civil para promover educação legal e apoiar as vítimas de violência. Santos (2012) enfatiza que sem a infraestrutura adequada e o envolvimento ativo da comunidade local, mesmo as leis bem-intencionadas podem falhar em alcançar seus objetivos.
A eficácia da Lei Maria da Penha também depende da capacidade do sistema judicial de responder prontamente aos casos de violência doméstica. A lentidão processual, a falta de preparo dos operadores do direito para lidar com a especificidade dos casos de violência de gênero e a carência de programas de reabilitação para agressores são desafios adicionais que precisam ser endereçados para melhorar a resposta legal. De acordo com Alves (2011), a resposta rápida e informada do sistema judicial é essencial para a proteção efetiva das vítimas e para a prevenção da reincidência dos agressores.
Além disso, é fundamental que haja um aumento no financiamento para os programas de apoio e reabilitação, bem como para a formação contínua dos profissionais de justiça. A implementação de medidas como essas requer uma visão integrada das necessidades das vítimas e uma compreensão detalhada das dinâmicas de violência doméstica. Segundo Ferreira e Lima (2014), investimentos em programas de treinamento para juízes, promotores e defensores públicos podem significativamente melhorar a qualidade da resposta legal.
Outro ponto crítico é a necessidade de mecanismos de monitoramento e avaliação contínua das políticas implementadas. Isso não só garante que as leis sejam aplicadas de maneira eficaz, mas também possibilita ajustes e melhorias com base em evidências concretas e feedback das comunidades afetadas. Rodrigues (2018) salienta que os sistemas de monitoramento robustos são fundamentais para entender o impacto real das políticas públicas e para garantir que elas sejam sustentáveis e adaptadas às mudanças nas dinâmicas sociais e econômicas.
Enquanto o marco jurídico como a Lei Maria da Penha é um passo crucial na direção certa, os desafios operacionais na sua implementação nas periferias exigem uma abordagem multifacetada que envolva educação, investimento em infraestrutura judicial, capacitação profissional e forte engajamento comunitário. Somente com um compromisso abrangente e colaborativo será possível garantir que todas as mulheres tenham acesso à justiça e à proteção contra a violência doméstica.
Embora o marco jurídico do Brasil represente um avanço significativo na luta contra a violência doméstica, a realidade nas periferias mostra que ainda há um longo caminho a percorrer para garantir que todas as mulheres possam viver livres de violência.
A implementação da Lei Maria da Penha nas regiões periféricas apresenta um panorama complexo de desafios que vão desde questões estruturais até barreiras sociais e culturais. Esta seção explora profundamente esses desafios, discutindo como eles afetam a eficácia da legislação e o que pode ser feito para superá-los.
Uma das principais dificuldades enfrentadas nas periferias é a falta de infraestrutura judicial adequada. Muitas dessas áreas não possuem delegacias especializadas ou centros de atendimento integral para mulheres vítimas de violência. Isso limita seriamente a capacidade das vítimas de buscar ajuda e proteção legal. A ausência de defensores públicos especializados e a escassez de recursos judiciais tornam o processo de obtenção de medidas protetivas lentas e ineficientes, exacerbando a vulnerabilidade das vítimas (Santos, 2012).
Outro obstáculo significativo é a falta de preparo dos profissionais de justiça, que muitas vezes não estão devidamente capacitados para lidar com as nuances dos casos de violência doméstica. A falta de sensibilidade e compreensão sobre as dinâmicas de gênero pode levar a retraumatização das vítimas durante o processo legal, desencorajando outras mulheres de denunciar os casos de abuso (Alves, 2011).
As periferias são frequentemente marcadas por normas culturais rígidas e estigmatização das vítimas de violência doméstica. O medo da rejeição social, a dependência econômica dos agressores, e a falta de apoio familiar ou comunitário são barreiras significativas que impedem as mulheres de denunciar os abusos. Além disso, a violência doméstica é muitas vezes vista como um assunto privado, o que dificulta a intervenção das autoridades e a mobilização da comunidade em defesa das vítimas (Ferreira & Lima, 2014).
Embora o Brasil seja signatário de tratados internacionais como a Convenção de Belém do Pará, que impõem aos Estados a obrigação de combater a violência contra mulheres, a aplicação desses tratados nas periferias ainda é incipiente. A integração dessas normativas internacionais com a legislação nacional é fundamental para fortalecer o marco jurídico e garantir uma proteção mais efetiva às mulheres (Rodrigues, 2018).
Para enfrentar esses desafios, é essencial uma abordagem multidisciplinar que inclua não apenas a melhoria da infraestrutura judicial, mas também programas de educação e sensibilização que abordem as raízes culturais da violência doméstica. Além disso, é necessário fortalecer as redes de apoio às mulheres nas periferias, incluindo o desenvolvimento de parcerias entre o governo e organizações não governamentais para oferecer serviços de apoio psicológico, jurídico e de reabilitação para os agressores.
O envolvimento da comunidade local na vigilância e no apoio às vítimas de violência também pode ser um fator chave para mudar as normas culturais e aumentar a eficácia das políticas públicas. Investimentos em programas de capacitação para profissionais de justiça e o fortalecimento das políticas de gênero nos planos de formação de servidores públicos são essenciais para garantir uma resposta mais sensível e eficaz.
Concluindo, a superação dos desafios operacionais e estruturais na implementação da Lei Maria da Penha nas periferias é crucial para assegurar que todas as mulheres tenham acesso a justiça e proteção contra a violência doméstica. A combinação de esforços legislativos, culturais e sociais é o caminho para construir uma sociedade mais justa e segura para todas.
A análise detalhada das políticas públicas direcionadas ao combate à violência doméstica contra mulheres nas regiões periféricas revela uma complexa intersecção de desafios legais, sociais e estruturais. Este estudo destaca a necessidade urgente de abordagens mais integradas e sensíveis ao contexto para garantir a eficácia da Lei Maria da Penha e outras regulamentações relevantes nas áreas mais marginalizadas e vulneráveis.
As periferias brasileiras, caracterizadas pela escassez de recursos e por limitações em infraestrutura, apresentam desafios únicos na implementação das políticas de proteção às mulheres. A falta de conhecimento sobre direitos, a insuficiência de estruturas de apoio judicial e social, e barreiras culturais profundamente enraizadas contribuem para a perpetuação da violência doméstica nessas áreas. Ademais, a lentidão processual e a falta de capacitação dos profissionais de justiça exacerbam a dificuldade de acesso à justiça para muitas vítimas.
Resta evidente que, para uma luta efetiva contra a violência doméstica, é essencial que as ações não se limitem apenas à aplicação da lei, mas também à transformação das condições sociais e econômicas que sustentam o ciclo de violência. Isso inclui fortalecer a educação e a conscientização sobre a violência de gênero, melhorar a infraestrutura de suporte às vítimas, e integrar ações de diferentes setores públicos e da sociedade civil.
Apesar dos obstáculos, houve progressos significativos devido à implementação de políticas públicas com recorte de gênero e à atuação de movimentos feministas e sociais que têm pressionado por mudanças legislativas e sociais. O reconhecimento internacional através de tratados como a Convenção de Belém do Pará e a implementação da Lei Maria da Penha são testemunhos do compromisso do Brasil com a erradicação da violência contra as mulheres. Contudo, esses avanços devem ser acompanhados de melhorias contínuas e de adaptações às realidades locais das periferias.
Este estudo reitera a necessidade de uma abordagem coordenada e sustentada para combater a violência doméstica, que inclua não apenas medidas punitivas, mas também estratégias preventivas e de empoderamento. É crucial que se continue a desenvolver políticas que fomentem a igualdade de gênero e que protejam todas as mulheres, independentemente de sua localização geográfica ou condição socioeconômica.
As considerações finais deste estudo não são apenas um encerramento, mas um convite à reflexão e à ação. A luta contra a violência doméstica nas regiões periféricas exige um compromisso renovado de todos os setores da sociedade para garantir que nenhuma mulher seja deixada para trás. Através de políticas públicas eficazes e da mobilização social, podemos esperar construir uma sociedade mais justa, onde a segurança e a dignidade de todas as mulheres sejam uma realidade incontestável.
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[1] Mestra em Educação. Advogada. Licenciada em Matemática. Bacharela em Direito. Docente nos cursos de Direito na Universidade Estadual do Tocantins – Câmpus de Paraíso do Tocantins e no Centro de Ensino Superior de Palmas - CESUP. Email: [email protected]. Lattes: https://lattes.cnpq.br/9973566335967079. Orcid: https://orcid.org/0009-0000-7792-6272.
graduanda do curso de Direito do Centro de Ensino Superior de Palmas - CESUP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUSA, Sinthya Alves de. Violência doméstica: a vulnerabilidade das mulheres periféricas enquanto vítimas de violência doméstica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jun 2024, 04:52. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/65551/violncia-domstica-a-vulnerabilidade-das-mulheres-perifricas-enquanto-vtimas-de-violncia-domstica. Acesso em: 23 dez 2024.
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