Resumo: Este trabalho acadêmico visa analisar o Estado democrático de Direito, o princípio da dignidade da pessoa humana, as gerações dos direitos e garantias fundamentais e os principais princípios constitucionais aplicáveis às leis temporárias no âmbito do direito penal brasileiro. Revela a importância dos princípios no ordenamento jurídico e na elaboração das legislações.
Palavras chaves: Constituição Federal. Princípios. Leis Temporárias. Direito Penal.
Abstract: This academic work aims to analyze the democratic rule of law, the principle of human dignity, the generations of fundamental rights and guarantees and the main constitutional principles applicable to temporary laws within the scope of Brazilian criminal law. Reveals the importance of principles in the legal system and in the drafting of legislation.
Keywords: Federal Constitution. Principles. Temporary Laws. Criminal Law.
Sumário: 1 Introdução; 2 Análise constitucional; 3 Estado democrático de direito; 4 Dignidade da pessoa humana; 5 Direitos e garantias fundamentais: gerações; 6 Princípios constitucionais inerentes às leis temporárias no direito penal 6.1 Princípio da legalidade 6.2 Princípio da irretroatividade da lei penal 6.3 Princípio da individualização da pena; 7 Conclusão; 8 Referências.
1 – Introdução
O presente trabalho tem por objetivo analisar os principais princípios constitucionais aplicáveis às leis temporárias no âmbito do direito penal brasileiro.
A Constituição Federal é a base do ordenamento jurídico e, pelo conceito de Kelsen, encontra-se no ápice da pirâmide normativa, ou seja, as normas constitucionais se encontram em um patamar superior em relação às demais normas jurídicas. Dessa forma, a Constituição serve como fundamento de validade de qualquer espécie normativa que integre essa mesma ordem jurídica. Logo, tudo que se encontra abaixo da Constituição tem de ostentar conformidade com ela. É o princípio da compatibilidade vertical.
Na seara penal, a Constituição Federal estabelece alguns princípios importantes a fim de garantir o estado democrático de direito e a dignidade da pessoa humana. Tais princípios fundamentam e regulam a elaboração e a vigência das leis temporárias.
Neste artigo, será detalhado os principais princípios constitucionais e penais, sob a perspectiva das leis temporárias, utilizando a Lei Geral da Copa como exemplo deste tipo de lei, uma vez que a sistemática principiológica é imprescindível para regular a matéria e para inibir uma atuação arbitrária do Estado.
2 – Análise Constitucional
A Constituição é a lei suprema de um Estado, constituída por um conjunto de normas fundamentais e com a finalidade de estruturar o Estado estabelecendo os seus poderes, a sua forma de governo, as suas competências, os direitos, deveres e garantias dos cidadãos e, ainda, dar validade a todas as normas do ordenamento jurídico de uma Nação.
Neste sentido, Ricardo Chimenti, Marisa dos Santos, Márcio Rosa e Fernando Capez (2009, p. 2) conceituam:
Constituição, em seu sentido jurídico-material, corresponde ao conjunto de normas fundamentais que exterioriza os elementos essenciais de um Estado, regulando a participação do povo no exercício do poder, a existência ou não de uma divisão interna do Estado, o grau de autonomia das unidades porventura existentes, as funções tipicamente estatais, os órgãos que as exercem, os limites das ações do Estado e os direitos e garantias fundamentais das pessoas a ele submetidas. É o conjunto de normas essenciais que disciplina a organização do Estado e dá fundamento de validade às suas leis.
Assim, o Direito Constitucional, ramo do Direito Público, através da Constituição, é o responsável pela organização e funcionamento do Estado.
3 - Estado Democrático de Direito
O Estado Democrático de Direito, atual configuração de modelo de Estado no Brasil, somente foi assim proclamado após uma extensa e lenta evolução história que começou pelo modelo de Estado de Direito (Estado Liberal), passando pelo modelo de Estado Social para, enfim, chegar ao modelo de Estado Constitucional, o qual é regido por normas democráticas.
Através do constitucionalismo clássico (liberal) do século XIX surge o Estado de Direito, trazendo consigo a necessidade de edificar a construção jurídica do Estado. Surgiram, então, a Constituição de Cádis, de 19 de março de 1812, a 1ª Constituição Portuguesa, de 23 de setembro de 1822, a 1ª Constituição Brasileira, de 25 de março de 1824 e a Constituição Belga, de 7 de fevereiro de 1831. (MORAES, 2011, p.3).
No tocante as principais características do Estado de Direito (Estado Liberal), Marcelo Novelino (2012, p.39) leciona:
As principais características do Estado Liberal são:
I) os direitos fundamentais, basicamente correspondem aos direitos da burguesia (liberdade e propriedade), sendo consagrados apenas de maneira formal e parcial para as classes inferiores;
II) a intervenção da Administração Pública somente pode ocorrer dentro da lei (princípio da legalidade da Administração Pública);
III) a limitação pelo Direito se estende ao soberano que, ao transformar em “órgão do Estado”, também passa a se submeter ao império da lei (Estado limitado);
IV) o Estado se limita à defesa da ordem e segurança públicas, deixando os domínios econômicos e sociais à esfera da liberdade individual e de concorrência (Estado mínimo).
Do mesmo modo, Alexandre de Moraes (2011, p.5) assegura:
O Estado de Direito caracteriza-se por apresentar as seguintes premissas: (1) primazia da lei, (2) sistema hierárquico de normas que preserva a segurança jurídica e que se concretiza na diferente natureza das distintas normas e em seu correspondente âmbito de validade; (3) observância obrigatória da legalidade pela administração pública; (4) separação de poderes como garantia da liberdade ou controle de possíveis abusos; (5) reconhecimento da personalidade jurídica do Estado, que mantém relações jurídicas com os cidadãos; (6) reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais incorporados à ordem constitucional; (7) em alguns casos, a existência de controle de constitucionalidade das leis como garantia ante o despotismo do Legislativo.
Assim, o Estado de Direito caracteriza-se principalmente pela supremacia da legalidade, também chamada de “The Rule os Law”, no direito inglês; “État Legal”, no direito francês; “Rechtsstaat”, no direito alemão e “Always Under Law” no direito norte-americano.
Fazendo parte do constitucionalismo clássico, surge, então, o novo modelo de Estado, o Estado Social, voltado à satisfação das necessidades individuais e coletivas dos cidadãos, permanecendo a adesão ao capitalismo. Neste sentido, Marcelo Novelino (2012, p. 43) comenta que “com a crise econômica e a crescente demanda por direitos sociais após o fim da Primeira Guerra Mundial (1918) houve uma crise do liberalismo, dando origem a uma transformação na superestrutura do Estado Liberal. ”
Com relação às características do modelo de Estado supracitado, expressa Marcelo Novelino (2012, p.43):
Suas principais características são:
I) intervenção no âmbito social, econômico e laboral, com o abandono da postura abstencionista;
II) papel decisivo na produção e distribuição de bens;
III) garantia de um mínimo bem-estar, por exemplo, com a criação de um salário social para os mais carentes;
IV) estabelecimento de um grande convênio global implícito de estabilidade econômica (pacto Keynesiano).
O Estado Democrático de Direito, presente no constitucionalismo contemporâneo, surge após o final da Segunda Guerra Mundial, em virtude da necessidade de garantir a permanência do que fora conquistado, bem como de prevenir e impedir novas guerras.
O atual modelo de Estado é regido por normas democráticas e, portanto, vem à tona com mais força o princípio da soberania popular.
Marcelo Novelino (2012, p.46) explicita as principais características do supracitado modelo de Estado:
As principais características do Estado Constitucional Democrático são:
I) consagração de institutos de democracia direta e indireta que introduzem o povo no governo do Estado, tais como plebiscito, referendo e iniciativa popular (CF, art. 14, I a III);
II) preocupação com a efetividade e dimensão material dos direitos fundamentais, assegurados mediante a jurisdição constitucional;
III) limitação do Poder Legislativo, não apenas no aspecto formal (modo de produção do direito), mas também no âmbito material, fiscalizando a compatibilidade do conteúdo das leis com os valores consagrados na Constituição;
IV) imposição constitucional não apenas de limites, mas também de deveres ao legislador;
V) aplicação direta da Constituição com o reconhecimento definitivo de sua força normativa;
VI) ampliação do conceito meramente formal de democracia (participação popular, vontade da maioria, realização de eleições periódicas, alternância no Poder) para uma dimensão substancial, como decorrência do reconhecimento da força normativa e vinculante dos direitos fundamentais, os quais devem ser usufruídos por todos, inclusive pelas minorias perante a vontade popular (pluralismo, proteção das minorias, papel contra majoritário do Poder Judiciário...).
Assim, fica o Estado Democrático de Direito caracterizado pela soberania popular, ou seja, pela participação absoluta do povo na vida política do país, através do plebiscito, referendo e iniciativa popular.
4 - Dignidade da Pessoa Humana
A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, ou seja, é um dos valores estruturantes de um Estado, como podemos constatar na previsão legal do Art. 1º, III da Constituição Federal, vejamos:
Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III – dignidade da pessoa humana;
O referido fundamento somente passou a ter um maior reconhecimento após o final da Segunda Guerra Mundial, em virtude das diversas práticas nazistas e fascistas ocorridas na guerra.
Assim, com o objetivo de evitar que a condição do ser humano fosse reduzida ao mero objeto, vários países passaram a adotar, em seu ordenamento jurídico, o princípio da dignidade da pessoa humana, visando proteger a pessoa, lhe garantindo conforto existencial, e, consequentemente, garantindo o direito de opor-se a qualquer ato desumano e degradante, já vez que o ser humano passa a ser o responsável pela própria vida, devendo respeitar as demais pessoas.
Porém, os direitos fundamentais não são absolutos, podendo, excepcionalmente, sofrer limitações ao seu exercício, desde que observadas as condições mínimas necessárias de respeito às pessoas enquanto seres humanos.
Assim, somente em casos excepcionais é que os fundamentos da República Federativa do Brasil, quais sejam soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo político, podem ser limitados.
5 - Direitos e Garantias Fundamentais: Gerações
A expressão Direitos Fundamentais foi adotada no Brasil pela Constituição Federal de 1988 com o objetivo de estabelecer limites ao poder político delegado pelo povo e seus representantes, cumprindo a função de direitos de defesa dos cidadãos.
Tais direitos fundamentais são materializados através de normas, as quais são reconhecidas atualmente como normas positivas constitucionais e possuem natureza normativa e vinculante. Ainda, via de regra, as supracitadas normas são de eficácia e aplicabilidade imediata.
Observa-se, no entanto, que os direitos fundamentais não surgiram simultaneamente, mas gradativamente e em épocas distintas, dando origem à classificação temporal denominada de gerações de direitos fundamentais, as quais são subdivididas em: 1ª geração (artigos 5º e 14 da CF), 2ª geração (artigos 6º, 7º, 205 da CF), 3ª geração (artigo 225 da CF) e 4ª geração (artigos 1º e 3º da CF).
Ressalte-se que o surgimento de uma nova geração não implica na exclusão dos direitos da geração anterior. Ao contrário, os direitos de cada geração persistem válidos juntamente com os direitos da nova geração, ainda que o significado de cada um sofra o influxo das concepções jurídicas e sociais prevalentes nos novos momentos. (MENDES; BRANCO, 2013, p. 138)
Os primeiros direitos fundamentais, posteriormente denominados de direitos de primeira geração, surgiram no final do século XVIII com as revoluções liberais (francesa e norte-americana) e com o seu lema revolucionário (liberdade, igualdade e fraternidade).
Neste sentido, Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Branco (2013, p. 137) preceituam:
Outra perspectiva histórica situa a evolução dos direitos fundamentais em três gerações. A primeira delas abrange os direitos referidos nas Revoluções americana e francesa. São os primeiros a ser positivados, daí serem ditos de primeira geração. Pretendia-se, sobretudo, fixar uma esfera de autonomia pessoal refratária às expansões do Poder. Daí esses direitos traduzirem-se em postulados de abstenção dos governantes, criando obrigações de não fazer, de não intervir sobre aspectos da vida pessoal de cada indivíduo. São considerados indispensáveis a todos os homens, ostentando, pois, pretensão universalista. Referem-se a liberdades individuais, como a de consciência, de reunião, e à inviolabilidade de domicílio. São direitos em que não desponta a preocupação com desigualdades sociais. O paradigma de titular desses direitos é o homem individualmente considerado. Por isso, a liberdade sindical e o direito de greve – considerados, então, fatores desarticuladores do livre encontro de indivíduos autônomos – não eram tolerados no Estado de Direito liberal. A preocupação em manter a propriedade servia de parâmetro e de limite para a identificação dos direitos fundamentais, notando-se pouca tolerância para as pretensões que lhe fossem colidentes.
Assim, nos direitos de primeira geração o titular é o indivíduo, que reivindica o respeito às liberdades individuais, e são, portanto, oponíveis ao Estado, que passa a possuir uma limitação dos seus poderes.
Os direitos de segunda geração, quais sejam os direitos sociais, econômicos e culturais, surgem nas primeiras décadas do século XX, oportunidade em que passam a ser amplamente garantidos, visando a igualdade material, ou seja, a redução das desigualdades.
Sobre o tema, Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Branco (2013, p. 137) afirmam que:
O descaso para com os problemas sociais, que veio a caracterizar o État Gendarme, associado às pressões decorrentes da industrialização em marcha, o impacto do crescimento demográfico e o agravamento das disparidades no interior da sociedade, tudo isso gerou novas reivindicações, impondo ao Estado um papel ativo na realização da justiça social. O ideal absenteísta do Estado liberal não respondia, satisfatoriamente, às exigências do momento. Uma nova compreensão do relacionamento Estado/sociedade levou os Poderes Públicos a assumir o dever de operar para que a sociedade lograsse superar as suas angústias estruturais. Daí o progressivo estabelecimento pelos Estados de seguros sociais variados, importando intervenção intensa na vida econômica e a orientação das ações estatais por objetivos de justiça social. Como consequência, uma diferente pletora de direitos ganhou espaço no catálogo dos direitos fundamentais – direitos que não mais correspondem a uma pretensão de abstenção do Estado, mas que o obrigam a prestações positivas. São os direitos de segunda geração, por meio dos quais se intenta estabelecer uma liberdade real e igual para todos, mediante a ação corretiva dos Poderes Públicos. Dizem respeito a assistência social, saúde, educação, trabalho, lazer etc.
Desta forma, na segunda geração dos direitos fundamentais, também chamado de direitos sociais, sobressaiu-se o princípio da igualdade, uma vez que se pretendia a prestação e o reconhecimento de liberdades sociais.
Com a necessidade de atenuar as diferenças entre as nações desenvolvidas e subdesenvolvidas surgem os direitos fundamentais de terceira geração. Tem-se, aqui, os direitos ligados à fraternidade (ou solidariedade), quais sejam: direito à paz, ao desenvolvimento, à autodeterminação dos povos, à qualidade do meio ambiente, à conservação do patrimônio histórico e cultural, ao direito de comunicação, dentre outros.
Nos direitos da terceira geração a titularidade é coletiva, ou seja, visa a proteção da coletividade e não do indivíduo isoladamente. Nos dizeres de Marcelo Novelino (2012, p. 405): “os direitos de terceira dimensão são direitos transindividuais, destinados à proteção do gênero humano. ”
Finalmente, em razão da globalização política, surgem os direitos fundamentais de quarta geração, abrangendo os direitos à democracia, à informação e ao pluralismo.
Na lição do emérito doutrinador Marcelo Novelino (2012, p. 405):
(...) esses direitos compendiam o futuro da cidadania e correspondem à derradeira fase da institucionalização do Estado social, sendo imprescindíveis para a realização e legitimidade da globalização política.
6 - Princípios Constitucionais inerentes às leis temporárias no direito penal
Os princípios, de modo geral, funcionam como base para reger determinada matéria. A própria Constituição Federal de 1988 traz, em seu texto, uma série de princípios constitucionais dedicados a viabilizar a concretização dos valores a que se vinculam.
Segundo Guilherme Peña de Moraes (2014, p. 97), os princípios constitucionais:
(...) são extraídos de enunciados normativos, com elevado grau de abstração e generalidade, que preveem os valores que influencia a ordem jurídica, com a finalidade de informar as atividades produtiva, interpretativa e aplicativa das regras, de sorte que eventual colisão é removida na dimensão do peso, a teor do critério da ponderação, com a prevalência de algum princípio concorrente.
Tais princípios constitucionais são classificados em três espécies, quais sejam: fundamentais (tem como objetivo a organização do Estado e se divide em três princípios: princípio democrático, princípio republicano e princípio federativo), gerais (tem como objetivo limitar o poder imanente ao Estado e se divide nos seguintes princípios: da legalidade, da igualdade, da inafastabilidade do controle judicial e do devido processo legal) e setoriais ou especiais (princípios específicos a um determinado ramo do Direito Positivo).
Deste modo, tem-se como princípios constitucionais especiais de Direito Penal os princípios da reserva legal, da irretroatividade da lei penal, da individualização da pena, da responsabilidade pessoal e da presunção de inocência.
No entanto, merece destaque apenas os principais princípios inerentes ao tema, quais sejam: da legalidade (reserva legal), da irretroatividade da lei penal e da individualização da pena.
6.1 - Princípio da Legalidade
Previsto no artigo 5º, inciso II da Constituição Federal, o princípio da Legalidade, visando limitar o poder do Estado, assegura que nenhuma pessoa, seja ela brasileira ou estrangeira, será obrigada a fazer, a deixar de fazer ou a tolerar que se faça alguma coisa, senão em virtude da lei.
Marcelo Novelino (2012, p. 552) manifestou-se sobre o tema da seguinte forma:
O princípio da legalidade exige, para sua plena realização, a elaboração de lei em sentido estrito, veículo supremo da vontade do Estado, elaborada pelo Parlamento. Todavia, quando a Constituição preceitua que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei” (CF, art. 5º, II), admite-se a criação da lei em sentido amplo. Observadas as limitações materiais e formais estabelecidas pela Constituição, as espécies normativas compreendidas no art. 59 da Constituição (emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções) podem criar direitos e impor deveres.
Neste mesmo sentido, no campo do Direito Penal, o princípio da legalidade protege o indivíduo estabelecendo que ninguém poderá cometer crime se não houver lei anterior que assim o defina ou ser condenado em alguma pena se não houver lei precedente que a comine. É o que estabelece o art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal, vejamos:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.
Assim, por mais que a prática de um ato seja considerada reprovável por todos, em virtude do costume, da analogia, da retroatividade, da incriminação genérica ou de qualquer outra coisa, a conduta somente poderá ser reprimida penalmente se houver lei prévia que a considere como crime.
Obedecendo o princípio da legalidade e da reserva legal, a Lei Geral da Copa (Lei 12.663/12), surgiu, dentre outras coisas, com a intenção de definir crimes e culminar penas a determinadas condutas estabelecidas nos artigos 30 a 36 da supracitada lei e que fossem praticadas durante o período da Copa do Mundo da Fifa de 2014 a ser realizada no Brasil.
Desta forma, somente após a vigência da referida Lei é que as condutas nela estabelecidas se tornaram crime, sendo, portanto, passíveis de condenação em virtude de sua culminação legal.
6.2 - Princípio da Irretroatividade da Lei Penal
O princípio da irretroatividade da lei penal sempre esteve presente nos textos constitucionais brasileiros, com exceção da Constituição de 1937, e, atualmente, está previsto no inciso XL, do artigo 5º da Carta Magna estabelecendo que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.
Tal princípio visa proteger o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, também previstos constitucionalmente em seu artigo 5º, inciso XXXVI. Sábias são as palavras de Marcelo Novelino (2012, p. 554) sobre o tema:
Tecnicamente, a formulação desde princípio consagra a proteção da clássica trilogia: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. As previsões de não retroatividade na Constituição da República (CF, art. 5º, XXXVI) e na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (DL 4.657/1942, art. 6º) produzem consequências distintas. Quando prevista apenas na lei, impede a interpretação com efeitos retro-operantes, mas não se dirige com caráter obrigatório ao legislador. Consagrada na Constituição, vincula o intérprete e impede, como regra geral, a elaboração de leis com efeitos retroativos.
No entanto, a possibilidade da lei penal retroagir não se limita em beneficiar o réu. Em alguns casos a lei penal, ainda que mais severa ao réu, poderá retroagir, uma vez que serão aplicáveis aos casos concretos ocorridos durante a vigência da lei. É o caso das leis penais excepcionais ou temporárias.
A Lei Geral da Copa (Lei 12.663/12) por se tratar de uma lei temporária, uma vez que sua vigência tem data certa para acabar (31 de dezembro de 2014), terá seus efeitos retroagidos à data da prática da conduta ocorrida durante à sua vigência.
Em outras palavras, o indivíduo que praticar alguma conduta definida como crime pela Lei Geral da Copa de 2014 durante a sua vigência, ou seja, entre o período de 5 de junho de 2012 a 31 de dezembro de 2014, responderá por esta mesmo após o encerramento da supracitada lei.
6.3 Princípio da Individualização da Pena
O princípio da individualização da pena, previsto no artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal, estabelece que a pena deverá ser adaptada ao condenado, levando em consideração as características do agente (idade e sexo, por exemplo) e do delito.
Tais adaptações deverão ser feitas pelo magistrado, após a análise das circunstâncias agravantes e atenuantes genéricas ou especiais existentes, e desde que previstas pelo Legislador, já que o mesmo deve estabelecer as quantidades mínimas e máximas de penas aos crimes e permitir agravamentos ou atenuações quando acompanhada de circunstâncias na sua prática.
Para Cezar Peluso (apud MENDES; BRANCO, 2013, p. 498), o princípio da individualização da pena, perante a Constituição, compreende:
(...) a) proporcionalidade entre o crime praticado e a sanção abstratamente cominada no preceito secundário da normal penal; b) individualização da pena aplicada em conformidade com o ato singular praticado por agente em concreto (dosimetria da pena); c) individualização da sua execução, segundo a dignidade humana (art. 1º, III), o comportamento do condenado no cumprimento da pena (no cárcere ou fora dele, no caso das demais penas que não a privativa de liberdade) e à vista do delito cometido (art. 5º, XLVIII).
Desta forma, o magistrado deverá analisar as características pessoais do agente, bem como as circunstâncias em que ocorreu o delito, para que a pena imposta seja justa. É em razão deste princípio que autores de um mesmo delito são condenados em penas distintas.
7 - Conclusão
Diante de todo o exposto, verifica-se a importância da base principiológica prevista na Constituição Federal a fim de regular normas jurídicas.
A análise dos principais princípios constitucionais aplicáveis às leis temporárias no âmbito do Direito Penal brasileiro permitiu um maior aprofundamento sobre esta importante temática, que influencia – e deve embasar – todo o ordenamento jurídico e o processo legislativo, desde a elaboração das leis pelo Poder Legislativo, até a aplicação das normas em concreto pelo Poder Judiciário.
Portanto, através do presente estudo científico, pôde-se demonstrar a importância da sistemática principiológica no ordenamento jurídico brasileiro, imprescindível para regular normas jurídicas e para inibir eventual atuação arbitrária do Estado.
8 - Referências:
BRASIL. Código penal, de 07 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em: 2014;
________. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 2014;
________. Lei n° 12.663, de 05 de junho de 2012. Dispõe sobre as medidas relativas à Copa das Confederações FIFA 2013, à Copa do Mundo FIFA 2014 e à Jornada Mundial da Juventude - 2013, que serão realizadas no Brasil; altera as Leis nos 6.815, de 19 de agosto de 1980, e 10.671, de 15 de maio de 2003; e estabelece concessão de prêmio e de auxílio especial mensal aos jogadores das seleções campeãs do mundo em 1958, 1962 e 1970. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/Lei/L12663.htm>. Acesso em: 2014;
CHIMENTI, Ricardo Cunha; CAPEZ, Fernando; ROSA, Márcio Fernando Elias. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 8. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2011.
MORAES, Guilherme Peña de. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 6. ed., rev., atual e ampl. São Paulo: Método, 2012.
Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MELO, Marjorie Santana de. Principais princípios constitucionais aplicáveis às leis temporárias no âmbito do direito penal brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jul 2024, 04:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/65793/principais-princpios-constitucionais-aplicveis-s-leis-temporrias-no-mbito-do-direito-penal-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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