RESUMO: O objetivo principal deste estudo é analisar os aspectos jurídico-constitucionais que orientam a Política Nacional de Resíduos Sólidos, dada a sua importância frente aos impactos ambientais e à saúde individual e coletiva causados pela gestão e disposição inadequada dos resíduos sólidos. Para tanto, realiza-se uma pesquisa bibliográfica que examina a efetividade das Leis nºs 12.305/2010 e 11.445/2007, incluindo suas alterações legislativas posteriores. Inicialmente, o estudo aborda os preceitos estabelecidos na Constituição Federal, especialmente no art. 225, caput, e nas Agendas 21 e 2030, bem como a competência dos Municípios e a atuação do Ministério Público na implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos em todo o território nacional. Nas considerações finais, é feita uma reflexão sobre a estratégia do Ministério Público brasileiro, à luz das orientações do Conselho Nacional do Ministério Público e das alterações legislativas que modificaram o prazo final para o encerramento dos lixões a céu aberto nos municípios.
Palavras-chave: resíduos sólidos; impactos ambientais; municípios; ministério público.
ABSTRACT: The main objective of this study is to analyze the legal and constitutional aspects that guide the National Solid Waste Policy, given its importance in relation to the environmental and individual and collective health impacts caused by the inadequate management and disposal of solid waste. To this end, a bibliographic research is conducted to examine the effectiveness of Laws nº 12.305/2010 and 11.445/2007, including their subsequent legislative amendments. Initially, the study addresses the precepts established in the Federal Constitution, especially in art. 225, caput, and in Agendas 21 and 2030, as well as the competence of Municipalities and the role of the Public Prosecutor's Office in implementing the National Solid Waste Policy throughout the national territory. In the final considerations, a reflection is made on the strategy of the Brazilian Public Prosecutor's Office, in light of the guidelines of the National Council of the Public Prosecutor's Office and the legislative changes that modified the final deadline for the closure of open dumps in municipalities.
Keywords: solid waste; environmental impacts; municipalities; public prosecutor's office.
1. INTRODUÇÃO
A mudança de paradigma em relação à proteção do meio ambiente começou com o Relatório Meadows, criado em 1970 e publicado em 1972 com o título "Limites do Crescimento". Esse relatório destacou a necessidade de equilibrar a conservação dos recursos naturais com o desenvolvimento econômico e as suas conclusões apontaram que as atividades humanas de produção e consumo estavam crescendo muito mais rapidamente do que a capacidade do meio ambiente de se regenerar, o que inevitavelmente levaria ao esgotamento dos recursos naturais.
Em 1972, a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou a Conferência Mundial sobre o Ambiente Humano em Estocolmo, Suécia, com o objetivo de discutir as consequências da degradação ambiental. Este evento marcou o início de uma agenda política internacional focada na crise ecológica emergente. Dessa conferência resultaram importantes documentos internacionais: a Declaração de Estocolmo, com um preâmbulo de 7 pontos e 26 princípios; o Plano de Ação para o Meio Ambiente, com 109 recomendações; uma resolução sobre aspectos financeiros e organizacionais na ONU; e a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), com sede em Nairóbi, Quênia.
Em 1983, a Assembleia Geral da ONU instituiu a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD) para revisar os problemas críticos do meio ambiente e desenvolvimento e propor soluções. Liderada pela primeira-ministra norueguesa Gro Harlem Brundtland, a comissão produziu o denominado Relatório Brundtland, intitulado Nosso Futuro Comum (Our Common Future), publicado em 1987, que introduziu um novo olhar sobre o desenvolvimento, conciliando questões econômicas, sociais e ambientais. O relatório definiu o conceito de desenvolvimento sustentável como "aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações de atenderem às suas próprias necessidades"(CMMAD, 1991).
A Declaração das Nações Unidas sobre o Direito ao Desenvolvimento, de 1986, definiu o desenvolvimento sustentável como um direito humano inalienável, permitindo que todas as pessoas e povos participem, contribuam e desfrutem de um desenvolvimento econômico, social, cultural e político que realize plenamente todos os direitos humanos e liberdades fundamentais (Nações Unidas, 2012).
No Brasil, a Lei nº 6.938/1981 estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente, definindo o meio ambiente como "conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas" (Brasil, 1981).
A Constituição Federal de 1988, fortemente influenciada pelo socioambientalismo, incorporou a proteção ambiental como um direito fundamental. Segundo Dourojeanni (2008), o socioambientalismo combina ambientalismo com consciência social, vendo a natureza como parte integrante da vida humana. Benjamin (2015) observa que a Constituição de 1988 representou uma transição de um estágio de miserabilidade ecológica-constitucional para um de opulência ecológica, com a proteção ambiental permeando todo o texto constitucional, não se restringindo ao art. 225.
Essa evolução reflete um compromisso crescente com a sustentabilidade e a proteção ambiental, integrando princípios de justiça social e responsabilidade ecológica em políticas públicas e legislações.
2. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE
A Constituição Federal do Brasil, em seu art. 225, estabelece que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, considerado um bem de uso comum do povo e essencial para uma qualidade de vida saudável. Nesse sentido, o dever de defendê-lo e preservá-lo para as gerações presentes e futuras é do Poder Público e da coletividade.
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é classificado como um direito de terceira dimensão, fundamentado na solidariedade intergeracional, abrangendo não apenas os interesses individuais, mas também o bem-estar de toda a humanidade (Benjamin, 2015).
A solidariedade intergeracional, conforme destacado por Milaré (2023), reflete os vínculos entre as gerações presentes e futuras, responsabilizando as atuais pela proteção de um ambiente equilibrado para as que virão. Benjamin (2015) complementa que a Constituição busca garantir a dinâmica natural dos fenômenos da natureza, permitindo que sigam seu curso sem interferências destrutivas.
A expressão "sadia qualidade de vida" no contexto do art. 225 da Constituição não se limita à qualidade de vida humana, mas busca preservar todas as condições e relações que sustentam a vida em suas múltiplas dimensões (Benjamin, 2015). Sirvinskas (2022) interpreta o meio ambiente ecologicamente equilibrado como uma harmonização entre desenvolvimento e conservação ambiental, ao invés de uma inalterabilidade das condições naturais.
Por sua vez, Milaré (2023) argumenta que o reconhecimento do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado é uma extensão do direito à vida, abrangendo tanto a existência física e a saúde dos seres humanos quanto a dignidade dessa existência. A proteção ambiental na Constituição não se restringe ao art. 225, mas está presente em vários outros dispositivos ao longo do texto constitucional: arts. 5°, XXII e XXIII, 20, II a VII, 21, XIX, 22, IV, 23, VI e VII, 24, VI a VIII, 26, 170, VI, 184, § 2°, 186, II, e 200, VII e VIII.
Para Sarlet e Fensterseifer (2021) a Constituição Federal sedimentou um constitucionalismo ecológico, atribuindo ao direito ao ambiente ecologicamente equilibrado o status de direito fundamental.
Para Alexy, o direito fundamental ao meio ambiente
é formado por um feixe de posições de espécies bastante distintas. Assim, aquele que propõe a introdução de um direito fundamental ao meio ambiente, ou que pretende atribuí-lo por meio de interpretação a um dispositivo de direito fundamental existente, pode incorporar a esse feixe, dentre outros, um direito a que o Estado se abstenha de determinadas intervenções no meio ambiente (direito de defesa), um direito a que o Estado proteja o titular do direito fundamental contra intervenções de terceiros que sejam lesivas ao meio ambiente (direito a proteção), um direito a que o Estado inclua o titular do direito fundamental nos procedimentos relevantes para o meio ambiente (direito a procedimentos) e um direito a que o próprio Estado tome medidas fáticas benéficas ao meio ambiente (direito a prestação fática) (Alexy, 2008, p. 443).
O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, no julgamento do Mandado de Segurança 22.164/SP, realizado em 30 de outubro de 1995, com relatoria do Min. Celso de Mello, reconheceu que
A questão do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado - direito de terceira geração - princípio da solidariedade. - o direito a integridade do meio ambiente - típico direito de terceira geração - constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao individuo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, a própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) - que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais - realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) - que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas - acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade (Brasil, 1995).
3. AS AGENDAS 21 e 2030
Na ECO-92 ou Rio-92 foi aprovado um conjunto de convenções, acordos e protocolos, tais como: a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento; a Declaração de Princípios sobre Florestas; a Agenda 21; a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC); a Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CDB); e a Convenção sobre Combate à Desertificação (VIEIRA, 2012).
A Agenda 21 Global é um conjunto de ações destinadas a iniciar a implantação do desenvolvimento sustentável, composta por quarenta capítulos e com execução monitorada pela Comissão sobre Desenvolvimento Sustentável da ONU (CDS) (MMA, 2023b). Especificamente, os itens 4.18 e 4.19 do quarto capítulo da Agenda 21 Global abordam a mudança dos padrões de consumo para viabilizar a redução de resíduos em consonância com o desenvolvimento sustentável:
4.18. A redução do volume de energia e dos materiais utilizados por unidade na produção de bens e serviços pode contribuir simultaneamente para a mitigação da pressão ambiental e o aumento da produtividade e competitividade econômica e industrial. Em decorrência, os Governos, em cooperação com a indústria, devem intensificar os esforços para utilizar a energia e os recursos de modo economicamente eficaz e ambientalmente saudável, incluindo a redução ao mínimo da geração de resíduos. 4.19. Ao mesmo tempo, a sociedade precisa desenvolver formas eficazes de lidar com a eliminação de um volume cada vez maior de resíduos. Os Governos, juntamente com a indústria, as famílias e o público em geral, devem envidar um esforço conjunto para reduzir a geração de resíduos e de produtos descartados, estimulando a reciclagem, reduzindo o desperdício na embalagem dos produtos, promovendo a introdução de novos produtos ambientalmente saudáveis e auxiliando indivíduos e famílias na tomada de decisões ambientalmente saudáveis de compra (MMA, 2023b).
O vigésimo primeiro capítulo da Agenda 21 Global) expressa:
21.4. O manejo ambientalmente saudável dos resíduos deve ir além do simples depósito ou aproveitamento por métodos seguros dos resíduos gerados e buscar resolver a causa fundamental do problema, procurando mudar os padrões não sustentáveis de produção e consumo. Isso implica na utilização do conceito de manejo integrado do ciclo vital, que apresenta uma oportunidade única de conciliar o desenvolvimento com a proteção do meio ambiente (MMA, 2023b.
O Brasil, em 2002, estabeleceu a sua própria Agenda 21, com 21 metas prioritárias para alcançar o desenvolvimento sustentável, influenciando a elaboração da Política Nacional de Resíduos Sólidos (MMA, 2023a).
Por outro lado, em setembro de 2015, a Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) apresentou os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com 17 objetivos e 169 metas gerais a serem atingidas até 2030. A denominada Agenda 2030 visa alcançar de forma equilibrada e integrada o desenvolvimento sustentável em suas três dimensões: econômica, social e ambiental (IBGE, 2023).
Nesse contexto, o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 12 aborda a gestão de resíduos, buscando assegurar padrões de produção e consumo sustentáveis.
Entretanto, a redução da produção de resíduos sólidos é um desafio em uma sociedade pautada pelo hiperconsumo.
Jacobi e Besen (2011) observam que os modelos de desenvolvimento baseados na obsolescência programada e na descartabilidade dos produtos, bem como os padrões de consumo excessivo e supérfluo, contribuem significativamente para o aumento da geração de resíduos sólidos.
Na sociedade moderna, conforme Pereira e Calgaro (2021, p. 19), há uma felicidade efêmera "[...] que se estabeleceu na ótica do ter, do consumir, do substituir, do descartar, do jogar no lixo". Portanto, a criação e implementação de ações preventivas para a preservação ambiental tornam-se fundamentais.
4. A POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS (PNRS)
A Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), estabelecendo princípios, objetivos e instrumentos, bem como diretrizes para a gestão integrada e o gerenciamento de resíduos sólidos, incluindo os perigosos. Excluem-se do seu alcance os rejeitos radioativos, que são regulados por legislação específica (Brasil, 2010).
Segundo o art. 3º, inciso XVI, da referida lei, resíduo sólido é definido
como material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d'água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível (Brasil, 2010).
A PNRS estabelece como princípios: a prevenção e a precaução; o poluidor-pagador e o protetor-recebedor; a visão sistêmica na gestão dos resíduos sólidos, que considera as variáveis ambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública; o desenvolvimento sustentável; a ecoeficiência, compatibilizando o fornecimento de bens e serviços qualificados com a redução do impacto ambiental e do consumo de recursos naturais; a cooperação entre diferentes esferas do poder público, setor empresarial e sociedade; a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos; o reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como bem econômico e de valor social; o respeito às diversidades locais e regionais; o direito da sociedade à informação e ao controle social; e a razoabilidade e proporcionalidade (Brasil, 2010).
Antunes (2023), por seu turno, critica a dificuldade em estabelecer quais princípios prevalecem entre os cerca de onze enumerados pela lei, apontando que muitos não são compreendidos de forma unânime e, por vezes, são contraditórios entre si.
Os objetivos da PNRS incluem: a proteção da saúde pública e da qualidade ambiental; a não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos; o estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços; a adoção, desenvolvimento e aprimoramento de tecnologias limpas; a redução do volume e da periculosidade dos resíduos perigosos; o incentivo à indústria da reciclagem; a gestão integrada de resíduos sólidos; a articulação entre poder público e setor empresarial; a capacitação técnica continuada na área de resíduos sólidos; a regularidade e universalização dos serviços públicos de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos; a prioridade governamental para produtos reciclados e recicláveis; a integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis; o estímulo à implementação da avaliação do ciclo de vida do produto; o desenvolvimento de sistemas de gestão ambiental e empresarial; e o estímulo à rotulagem ambiental e ao consumo sustentável (Brasil, 2010).
Bohana, Porciuncula e Marchi (2021) apontam que, apesar dos avanços da Lei nº 12.305/2010, alguns itens são questionáveis, como o princípio do poluidor-pagador, que determina que o infrator deve arcar com os custos de recuperação dos danos causados à natureza. Eles argumentam que isso pode levar à "precificação" da natureza, tratando-a como mercadoria, e ao uso distorcido do princípio, permitindo que aqueles que podem pagar pelos danos ambientais estejam liberados para poluir.
Registre-se que os serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos são considerados parte do saneamento básico e sujeitos à Lei nº 11.445/2007, com as alterações legislativas posteriores. Estes serviços incluem atividades e a manutenção de infraestruturas para coleta, varrição, asseio e conservação urbana, transporte, transbordo, tratamento e destinação final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos domiciliares e de limpeza urbana (Brasil, 2007).
5. A RESPONSABILIDADE DOS MUNICÍPIOS NA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS
O art. 30, inciso V, da Constituição Federal, atribui aos Municípios a competência para organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local (Brasil, 1988). Nesse contexto, os Municípios desempenham um papel fundamental na execução da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), sendo responsáveis pela gestão integrada dos resíduos sólidos gerados em seus territórios.
Para tanto, os Municípios devem elaborar um plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos, que deve conter o conteúdo mínimo estabelecido no art. 19 da Lei nº 12.305/2010, respeitando as demais prescrições legais (Brasil, 2010). A existência desse plano é uma condição essencial para que os Municípios possam acessar recursos da União, ou por ela controlados, destinados a empreendimentos e serviços relacionados à limpeza urbana e ao manejo de resíduos sólidos. Além disso, o plano é necessário para que os Municípios sejam beneficiados por incentivos ou financiamentos de entidades federais de crédito ou fomento.
A Lei nº 11.445/2007, em seu art. 8º, inciso I, também dispõe que a titularidade dos serviços públicos de saneamento básico cabe aos Municípios e ao Distrito Federal, no caso de interesse local. Entretanto, permite que essa titularidade seja exercida por meio de gestão associada, através de consórcios públicos ou convênios de cooperação intermunicipais. Nessa hipótese, os Municípios que integrem esses consórcios estarão dispensados de elaborar um plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos, desde que o plano intermunicipal atenda ao conteúdo mínimo legalmente estabelecido no art. 19, incisos I a XIX, da Lei nº 12.305/2010 (Brasil, 2010).
Urge destacar que a formação de consórcios públicos e convênios de cooperação entre os entes federados é importante mecanismo que deve ser utilizado, quando necessário, encontrando respaldo no art. 241 da Constituição Federal e nas Leis nº 11.107/2005, 11.445/2007 e 12.305/2010 (Brasil, 1988, 2005, 2007, 2010).
6. A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM PROL DA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS
A Constituição Federal (Brasil, 1988), em seu art. 127, estabelece que o Ministério Público é uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbida da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. No art. 129, inciso III, do mesmo diploma legal, determina-se que cabe ao Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (Brasil, 1988).
Apesar dessas disposições constitucionais, a atribuição do Ministério Público para a proteção do meio ambiente antecede a Constituição de 1988. A Lei nº 6.938/1981 (Brasil, 1981), em seu art. 14, § 1º, já conferia ao Ministério Público da União e dos Estados a legitimidade para propor ações de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente. Posteriormente, a Lei nº 7.347/1985 (Brasil, 1985) regulamentou a atuação do Ministério Público na ação civil pública de responsabilidade por danos ao meio ambiente, ao consumidor e a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Diante desse arcabouço jurídico-constitucional, a legitimidade do Ministério Público para atuar na implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos não se constitui em novidade, devendo fazê-lo por meio da instauração de procedimentos próprios, como procedimentos administrativos para acompanhamento de políticas públicas ou inquéritos civis em caso de notícia de ilegalidade, mesmo que por omissão.
Em sua atividade institucional, o Ministério Público deve observar os princípios e objetivos estabelecidos nos arts. 6º e 7º da Lei nº 12.305/2010 (Brasil, 2010), tais como a necessidade de uma visão sistêmica na gestão dos resíduos sólidos, considerando variáveis ambientais, sociais, culturais, econômicas, tecnológicas e de saúde pública; a cooperação entre diferentes esferas do poder público, setor empresarial e sociedade; a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos; o reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania; e o direito da sociedade à informação e ao controle social.
No que tange aos Municípios, é fundamental que o Ministério Público acompanhe a formulação dos planos municipais de gestão integrada de resíduos sólidos, que devem conter o conteúdo mínimo estabelecido no art. 19 da Lei nº 12.305/2010 (Brasil, 2010). Ademais, a regionalização do gerenciamento dos resíduos sólidos, mediante consórcios públicos ou convênios de cooperação intermunicipais, é uma ferramenta eficaz para superar os obstáculos financeiros e estruturais na prestação desses serviços, conforme previsto nas Leis nºs 12.305/2010 e 11.445/2007 (Brasil, 2010, 2007).
É necessário um olhar estratégico para atingir as metas de destinação final ambientalmente adequada dos rejeitos, focando na implementação de etapas anteriores, como a não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos. A promoção de políticas públicas efetivas é essencial para assegurar essas ações.
Outro ponto relevante na atuação do Ministério Público refere-se às atividades dos catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis. A Política Nacional de Resíduos Sólidos promove a saída desses trabalhadores da informalidade, incentivando a organização em cooperativas ou associações para o aperfeiçoamento das tarefas e o fomento do setor produtivo. A Lei nº 12.305/2010 (Brasil, 2010) estabelece medidas para a inclusão social e a emancipação econômica dos catadores, visando melhorias nas condições de trabalho e impactos positivos no campo econômico.
Essas questões exemplificam a abrangência da atuação do Ministério Público na implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos e das diretrizes nacionais para o saneamento básico. Essa atuação pode ocorrer extrajudicialmente, por meio de compromissos de ajustamento de conduta, ou judicialmente, mediante a proposição de ações civis públicas.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um dos grandes desafios enfrentados pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) é o tratamento adequado dos resíduos sólidos urbanos e a destinação ambientalmente correta dos rejeitos. Este problema se revela de forma particularmente cruel nos lixões a céu aberto, que geram graves problemas ambientais e sociais.
Cambi e Porto (2019) destacam que o Ministério Público, como defensor das garantias fundamentais e dos direitos sociais, possui a legitimidade para exercer seus poderes-deveres com o objetivo de fomentar e efetivar políticas públicas. Goulart (2020) enfatiza que o Ministério Público deve atuar como mediador, regulador e corretor das desigualdades sociais e das práticas antiambientais.
O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), alinhado com essa posição de atuação, lançou em 2014 o "Guia de Atuação Ministerial – Encerramento dos Lixões e a Inclusão Social e Produtiva das Catadoras e Catadores de Materiais Recicláveis", fornecendo diretrizes aos membros do Ministério Público para enfrentar essa questão (CNMP, 2014). Em 2023, citado Conselho lançou a publicação "Gestão de Resíduos: Estratégias de Atuação Interinstitucional", celebrando protocolos de intenção com todos os Ministérios Públicos estaduais, além do Ministério Público do Trabalho e do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, visando fortalecer a atuação na gestão de resíduos sólidos (CNMP, 2023a; CNMP, 2023b).
Inicialmente, o prazo para o fim dos lixões era de até quatro anos após a publicação da Lei nº 12.305/2010 (Brasil, 2010), ou seja, até 2014. Contudo, com a redação dada pela Lei nº 14.026/2020 (Brasil, 2020), esse prazo foi estendido para 31 de dezembro de 2020, exceto para os Municípios que, até essa data, tivessem elaborado planos intermunicipais ou municipais de gestão integrada de resíduos sólidos, e que dispusessem de mecanismos de cobrança que garantissem sua sustentabilidade econômico-financeira, conforme o art. 29 da Lei nº 11.445/2007 (Brasil, 2007). Os novos prazos estabelecidos foram: a) até 2 de agosto de 2021, para capitais de Estados e Municípios integrantes de Região Metropolitana ou de Região Integrada de Desenvolvimento de capitais; b) até 2 de agosto de 2022, para Municípios com população superior a 100.000 habitantes no Censo 2010, bem como para Municípios cuja mancha urbana da sede municipal esteja situada a menos de 20 quilômetros da fronteira com países limítrofes; c) até 2 de agosto de 2023, para Municípios com população entre 50.000 e 100.000 habitantes no Censo 2010; e d) até 2 de agosto de 2024, para Municípios com população inferior a 50.000 habitantes no Censo 2010.
Apesar dos novos prazos, é urgente a necessidade de uma política pública efetiva que contemple e assegure as ações necessárias para a destinação final ambientalmente adequada dos rejeitos. Isso é crucial para evitar que, ao final desses prazos, ocorram novas alterações legislativas casuísticas que prejudiquem a proteção do meio ambiente e da sociedade.
É que, no Brasil, é comum a prática legislativa de alterar leis conforme a conveniência dos governantes, sob o pretexto de que são inexequíveis, ajustando-as aos interesses momentâneos do Poder Executivo em qualquer de suas esferas.
E, como observam Secchi, Coelho e Pires (2019), não há outra razão para o estabelecimento de uma política pública senão para o tratamento ou a resolução de um problema entendido como coletivamente relevante.
Portanto, a resolução dos desafios impostos pela Política Nacional de Resíduos Sólidos depende de um compromisso contínuo e efetivo por parte das instituições responsáveis, especialmente do Ministério Público, que deve manter-se vigilante e proativo. A eliminação dos lixões e a gestão sustentável dos resíduos sólidos são essenciais para a proteção ambiental e o bem-estar social. Para tanto, é crucial que se implementem políticas públicas robustas e duradouras, que resistam a mudanças legislativas oportunistas e garantam a continuidade das ações necessárias. Somente assim será possível assegurar um ambiente saudável e equilibrado para as gerações presentes e futuras, cumprindo, de fato, os objetivos da PNRS.
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Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e Promotor de Justiça no Ministério Público do Estado da Paraíba
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Luis Nicomedes de Figueiredo. Resíduos sólidos, impactos ambientais, municípios e a atuação do ministério público: aspectos jurídico-constitucionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jul 2024, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/65802/resduos-slidos-impactos-ambientais-municpios-e-a-atuao-do-ministrio-pblico-aspectos-jurdico-constitucionais. Acesso em: 24 nov 2024.
Por: gabriel de moraes sousa
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Por: Magalice Cruz de Oliveira
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