RESUMO: A família representa a base da sociedade e como tal merece especial atenção do Estado. Na medida em que são exigidas prestações positivas do Estado para proteger as relações constituídas pelo vínculo de parentalidade e fundadas na solidariedade, as normas constitucionais e infraconstitucionais não admitem intervenções arbitrárias e limitadoras da autonomia de vontade nas relações familiares. Busca-se, nesse artigo, fazer análise sobre o instituto do divórcio. Será utilizada como metodologia a revisão de literatura. Conclui-se que, o direito de família é constituído por conjunto de regras e princípios que visam proteger seus membros de ingerências arbitrárias, por essa razão o divórcio, por si só, deve está restrito ao âmbito de vontade exclusiva do cônjuge que deseja extinguir o vínculo conjugal.
PALAVRAS-CHAVE: Direito de família. Divórcio.
ABSTRACT: The family represents the basis of society and as such deserves special attention from the State. To the extent that positive benefits from the State are required to protect relationships constituted by the bond of parenthood and based on solidarity, constitutional and infra-constitutional norms do not allow arbitrary interventions that limit the autonomy of will in family relationships. This article seeks to analyze the institution of divorce. Literature review will be used as methodology. It is concluded that family law is constituted by a set of rules and principles that aim to protect its members from arbitrary interference, for this reason divorce, in itself, must be restricted to the scope of the exclusive will of the spouse who wishes to extinguish the marital bond.
KEYWORDS: Family right. Divorce.
1- INTRODUÇÃO
A Emenda Constitucional (EC) 66 de 2010 inseriu no ordenamento jurídico o instituto do divórcio direto, o qual passa a ser concedido sem consentimento do outro cônjuge, sem análise de culpa do término da relação, bem como a inexigibilidade de qualquer lapso temporal para ajuizar a ação de divórcio.
Contudo, antes dessa modificação legislativa, o casamento estava regulado por regras que limitavam a separação e isso influía na forma como era conduzido a dissolução do vínculo conjugal pelo Poder Judiciário, inclusive. Dessa forma, a condução da dissolução do casamento não estava restrita à vontade dos cônjuges, mas sim na interferência do Estado sobre a concessão ou não do divórcio. Vigorava no ordenamento jurídico, arraigado pela moral católica, o entendimento de que o tempo exigido pela lei era necessário para que o casal exercesse o arrependimento e reatasse a relação. A manutenção da sociedade conjugal era um valor; por essa razão, as leis criadas que tratavam sobre o instituto do divórcio só ganharam forma em 1977.
No período do Brasil Império, o casamento aceito era o religioso, católico, sendo regulado pelo Concílio de Trento e celebrado apenas entre os católicos. Com o passar do tempo, houve um crescimento da população acatólica em razão da imigração no país. A Igreja, pretendendo não perder fiéis, incentivou a edição da Lei 1.144 de 1861, que regulava o casamento entre não católicos. Assim sendo, acentua a autora que, passou-se a ter três tipos de atos nupciais: o casamento entre católicos, o casamento entre católico e acatólico e o casamento entre acatólicos (DINIZ, 2011).
Quando o Brasil se tornou República, houve a cisão da Igreja com o Estado, passando o país a ser laico e, em consequência, a instituição do casamento civil como único ato nupcial válido juridicamente, o qual vinha previsto no texto da Constituição Federal de 1891 (FARIAS E ROSENVALD, 2014).
O Código Civil de 1916 consolidou o casamento civil sem fazer menção ao casamento religioso; assim, o casamento que tinha efeitos jurídicos seria aquele celebrado de acordo com a lei, sendo consideradas as relações entre as pessoas que se casavam no religioso como mero concubinato (DINIZ, 2004 apud ALVES, 2010). Com a Constituição Federal de 1934, o casamento religioso passou a ter efeitos civis, desde que se fizesse o devido registro civil. Atualmente, na vigência da Constituição de 1988, são atribuídos ao casamento religioso os efeitos civis, se feito o devido registro e observado o procedimento do Código Civil de 2002 (ALVES, 2010).
2 – Do direito potestativo ao divórcio
O casamento é tanto um negócio jurídico entre duas pessoas, que selam interesses comuns de vida quanto ato jurídico, porquanto, celebrado nos ditames da lei que o rege e na observância das normas de ordem pública (ALVES, 2010). Já Farias e Rosenvald (2014) entendem que o casamento seria um ato jurídico, pois decorre da vontade das partes, que está vinculada aos limites da lei.
Ocorre que, ao manifestarem interesse em casar, as partes devem ser fiéis às regras legais não podendo dispor de direitos e deveres atinentes ao casamento (FARIAS e ROSENVALD, 2014). Por isso, o casamento não é negócio jurídico, porque as partes não têm a liberalidade comum aos contratos. Pelo contrário, asseveram que, apesar dos nubentes terem a liberdade de escolha de regime de bens, com quem casar e quando, dentre outras escolhas, sempre estariam vinculados ao mínimo de intervenção do Estado.
Esclarece Diniz (2011) que o divórcio no país passou a ser regulamentado a partir de 1977; isso significa que até esse ano não era possível juridicamente haver um novo casamento. Antes, o que chegava mais perto do divórcio era o desquite, mas as pessoas não podiam casar-se novamente. A partir de 1977, havia a possibilidade das pessoas divorciarem-se, porém apenas uma única vez e desde que observado o prazo de 03 (três) anos de prévia separação judicial (ALVES, 2010). Então, aqueles que tinham a intenção de se divorciar deveriam requerer a separação judicial e aguardar o prazo para requerer o divórcio. Além disso, o cônjuge deveria comprovar a culpa do outro pelo término do casamento, caso contrário, a ação carecia de interesse processual (FRANCISCO, 2014).
A partir da Constituição Federal de 1988, conforme Farias e Rosenvald (2014), modificações pontuais ocorreram no âmbito do divórcio. Tais transformações se deram porque a Carta Magna trouxe inúmeras garantias para o cidadão no tocante à promoção de sua dignidade humana, elevando, para isso, os direitos civis ao patamar constitucional. O ser humano seria alvo das garantias constitucionais e as normas divergentes ao texto da Constituição não encontrariam eficácia no ordenamento jurídico.
Assim sendo, como principais e mais importantes acontecimentos apontados por Farias e Rosenvald (2014), tem-se a redução do prazo para requerer o divórcio, que passou de 03 (três) anos para 01(um) ano, após prévia separação judicial. Outra alteração importante, indicada por Francisco (2014) foi a inserção no ordenamento jurídico da figura do divórcio direto, aquele que não necessita de conversão da separação judicial em divórcio, bastando para tanto a comprovação de 02 (dois) anos de efetiva separação de fato.
Dentre essas modificações, a Lei ordinária 11.441/07 inseriu no Brasil a figura do divórcio extrajudicial, também chamado de divórcio administrativo. Segundo Francisco (2014), essa espécie de divórcio seria feita no próprio cartório com a presença de advogado e preenchidos alguns requisitos básicos, tais como o consentimento do casal quanto ao divórcio e a partilha de bens, não haver filhos menores ou incapazes, bem como o lapso temporal de 2 (dois) anos para requerer o divórcio. Assim, nos casos de litígio, havendo filhos menores ou incapazes, o procedimento do divórcio deveria ser pela via judicial, depois de dois anos de separação de fato ou um ano de separação judicial (DINIZ, 2011).
Outro ponto importante sobre o divórcio foi trazido pela EC 66/10, que alterou a redação do parágrafo 6º do art. 226 da CF/88. Segundo Gonçalves (2014), com a emenda, extinguiu-se a modalidade de divórcio por conversão, só sendo possível tal divórcio para aqueles cônjuges que já estavam separados judicialmente antes da vigência da emenda. Entende o mencionado autor que também não convém mais falar em divórcio direto, porque o divórcio por conversão não seria mais necessário, havendo apenas o divórcio consensual, o divórcio litigioso e o divórcio administrativo, que também foi atingido pela emenda no tocante à inexigibilidade de lapso temporal.
Com efeito, antes dessa Emenda, as formas de extinção do casamento que existiam no Brasil era a morte ou o divórcio, porque o casamento era entendido como algo sagrado ainda influenciado pela religião (FRANCISCO, 2014). Sendo que, a dificuldade dos cônjuges separarem-se estava fundamentada em uma moral religiosa, que não mais se coaduna com um Estado laico (GONÇALVES, 2014). Por tudo isso é que Farias e Rosenvald (2014) entendem ser ilógica a manutenção da separação judicial no Brasil, pois a lei não pode ser empecilho para a dissolução do casamento exigindo lapso temporal para o divórcio. Ademais, esclarece Gonçalves (2014), que a evolução do ordenamento jurídico baseia-se na interferência mínima do Estado na vida privada e na liberdade das pessoas.
Noutro passo, conforme Guerreiro (2014), o Novo Código de Processo Civil, já sancionado pela Presidente do Brasil e com vigência para o ano de 2016 (dois mil e dezesseis), não excluiu do sistema jurídico a figura da separação judicial, colocando-a como mais uma alternativa à disposição dos cônjuges que querem se separar. Nesse mesmo sentido, a notícia publicada em março de 2015 pelos juristas do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM corrobora a publicação de Guerreiro (2014). De fato, o novo CPC entende que a separação judicial é mais uma das opções dos cônjuges; esses podem preferir se divorciar diretamente ou separarem-se primeiramente e, depois, converterem a separação em divórcio.
O instituto do divórcio, atualmente, tende a materializar o direito garantista, da liberdade humana de autodeterminação (FARIAS e ROSENVALD, 2014). Nesse sentido, cada pessoa tem o direito de promover o fim da comunhão de vida, de forma que qualquer restrição à ruptura do vínculo conjugal não fará mais do que convalidar casamentos em crise, atentatórios às garantias constitucionais de cada uma das pessoas envolvidas na relação. É o que entendem os autores Farias e Rosenvald (2014, p. 375):
Por isso, com as lentes garantistas da Constituição da República, é preciso, sem dúvida, enxergar a dissolução do casamento (agora simplificada pela Emenda Constitucional 66/2010) com uma feição mais ética e humanizada, compreendendo o divórcio como um instrumento efetivo e eficaz de promoção da integridade e da dignidade da pessoa humana. Essa humanização implica, inclusive, em evitar a excessiva exposição da intimidade do casal, fazendo que com que o divórcio esteja sintonizado em um novo tempo, no qual a dignidade do ser humano sobrepuja os formalismos legais.
Nessa toada, o ordenamento jurídico tem deixado as questões relativas à forma de dissolução da vida matrimonial aos próprios cônjuges, por se tratar de direito substancialmente privado, dependente apenas da vontade do casal ou mesmo de um deles. Sendo assim, as inovações quanto ao instituto do divórcio são reflexo do contexto social contemporâneo, que exige uma legislação menos autoritária e mais fundamentada na concretização da dignidade humana (GAGLIANO, 2024).
3 CONCLUSÃO
As relações familiares se constituem com fundamento no afeto, o que proporciona múltiplas formas de constituição da entidade familiar, atraindo proteção estatal, uma vez que encontra-se pluralizando o conceito de família (TARTUCE, 2018).
O direito de família pode ser considerado um dos institutos mais inovadores dentro da órbita jurídica, pois à medida que a percepção da sociedade vai se modificando acerca de algum tema, o direito deve se adaptar à nova realidade. Nessa perspectiva, uma das mudanças foi quanto ao instituto do casamento e sua dissolução. De certo, houve por um período na história do Brasil maiores restrições e exigências para quem queria divorciar-se, diferentemente do que é entendido atualmente.
Com efeito a dissolução da sociedade conjugal tornou-se um direito que não pode ser violado através de burocratizações, chegando ao ponto de conceber o divórcio por via extrajudicial, e, quando se tratar de processo judicial, a ser declarado em sede de tutela antecipada de mérito, uma vez que se trata de direito potestativo.
REFERÊNCIAS
ALVES, Bruna D’ Angelo. O novo divórcio no ordenamento jurídico brasileiro. Trabalho de Conclusão de Curso (curso de Direito da Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC), Minas Gerais, 2010. Disponível em:
http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=596. Acessado em 19 de março de 2015.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 26 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: famílias. 6 ed. Salvador: JusPodivm, 2014.
FRANCISCO, Silvia Damaris da Silva. Divórcio extrajudicial. Jus Navigandi, 2014. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/33606/divorcio-extrajudicial. Acessado em 2 de abril de 2015.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Divórcio Liminar. Jus Navigandi, 2014. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/28187/divorcio-liminar. Acessado em 3 de março de 2015.
GONÇALVES, Ricardo Celso de Magalhães Loureiro. A Emenda Constitucional nº 66/2010 e seus reflexos processuais. Jus Navigandi, 2014. Disponível em:
http://jus.com.br/artigos/31950/a-emenda-constitucional-n-66-2010-e-seus-reflexos-processuais. Acessado em 02 de abril de 2015.
GUERREIRO, Gabriela. Congresso aprova novo Código de Processo Civil para agilizar processos. Folha de São Paulo, 2014. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/12/1563905-congresso-aprova-novo-codigo-do-processo-civil-para-agilizar-processos.shtml. Acessado em 2 de abril de 2015.
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. Volume único. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
Bacharel em Direito pela Christus Faculdade do Piauí – CHRISFAPI; pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal pela faculdade CHRISFAPI; pós-graduada em Direito da Família pela Universidade Cândido Mendes – UCAM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FONTENELE, Maria Letícia de Brito. Direito potestativo ao divórcio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jul 2024, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/65907/direito-potestativo-ao-divrcio. Acesso em: 25 nov 2024.
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