RESUMO: A Carta Maior de 1988, em seu Capítulo VI, estabeleceu diretrizes abrangentes para a proteção do meio ambiente, impondo responsabilidades tanto ao Poder Público quanto à sociedade para garantir sua preservação. Anteriormente, o meio ambiente era tratado meramente como uma propriedade passível de exploração econômica, sem receber a devida proteção legal. No entanto, ao ser reconhecido como um direito fundamental na Constituição, ocorreu uma mudança significativa de paradigma. Essa transformação implicou na superação da visão antropocêntrica, que priorizava o ser humano como único beneficiário da proteção ambiental, em detrimento da natureza em si. Em vista da importância das normas que regulam o meio ambiente, tornou-se fundamental estudar seu conceito, a evolução das medidas de proteção e os diferentes tipos de responsabilização previstos na legislação brasileira.
Palavras-chave: Proteção ao meio ambiente. Conceito meio ambiente. Evolução histórica. Responsabilização dano ambiental.
ABSTRACT: The 1988 Charter, in its Chapter VI, distributed comprehensive guidelines for the protection of the environment, imposing responsibilities on both the Public Power and society to guarantee its preservation. Previously, the environment was treated merely as a property subject to economic exploitation, without receiving legal protection. However, when it was recognized as a fundamental right in the Constitution, a significant paradigm shift occurred. This transformation implied overcoming the anthropocentric vision, which prioritized human beings as the only beneficiaries of environmental protection, to the detriment of nature itself. In view of the importance of standards that regulate the environment, it has become essential to study their concept, the evolution of protection measures and the different types of liability provided for in Brazilian legislation.
Keywords: Environmental protection. Environment concept. Historic evolution. Liability for environmental damage.
INTRODUÇÃO
O presente artigo abordará os conceitos doutrinários e legais de meio ambiente, a evolução da proteção atribuída ao meio ambiente, o conceito de dano ambiental e as modalidades de responsabilização pelas condutas que o lesem.
A Constituição Federal de 1988 (CF/88) prevê que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito de todos, sendo, portanto, necessária a criação de mecanismos e instrumentos que garantam a fruição de tal direito. Noutro norte, tem-se, ainda, que a CF/88 elenca que é dever do Poder Público e da coletividade a preservação de tal bem jurídico.
O objetivo geral deste estudo é, portanto, trazer a análise doutrinária sobre o tema, correlacionando com o previsto na legislação. Pretende-se, ainda, explanar a tríplice responsabilização pelo dano ambiental.
.Esta temática está fundamentada no Direito Penal Ambiental e, para sua discussão no trabalho, foram utilizados como fontes de pesquisa: legislação, doutrinas, jurisprudências e periódicos relacionados à proposta deste artigo.
A pesquisa realizada identificou-se como básica, haja vista que foi executada através de material já publicado, composto por legislação, doutrinas, jurisprudências, periódicos referentes ao tema, entre outros.
O método adotado foi o dialético, realizando-se a análise a partir da confrontação de teses e teorias de variados autores, pautando-se no atual momento legal, histórico e social do país.
O presente trabalho está dividido em três momentos: no primeiro, traçar-se-á o conceito de meio ambiente. Posteriormente, far-se-á uma breve análise da evolução histórica da proteção ambiental. Por fim, será trazido o conceito de dano ambiental e realizar-se-á um breve apanhado acerca da tripla responsabilização pelo dano ambiental e a verificação das atuais correntes adotadas.
1.CONCEITO DE MEIO AMBIENTE
Como ponto de partida, é importante inciar o presente trabalho com o conceito conceituando o meio ambiente, haja vista que o direito ambiental se ocupa com sua proteção.
O conceito legal de meio ambiente encontra-se previsto na Lei n. 6.938/1981, Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que prevê:
Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;
Não obstante, tal conceituação refere-se tão somente ao meio ambiente natural, não abarcando a classificação deste em seus variados aspectos, modo pelo qual o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), por meio da Resolução n. 306/2002, trouxe um conceito mais amplo, inserindo as dimensões sociais, culturais e urbanísticas na definição, como se observa:
XII - Meio ambiente: conjunto de condições, leis, influência e interações de ordem física, química, biológica, social, cultural e urbanística, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;
Leciona Ramos (2009) que a definição legal brasileira de meio ambiente foi fortemente influenciada pelo direito anglo-saxônico, precisamente pelo direito norte- americano. Trata-se de uma definição geral que goza de uma abrangência excepcional, englobando, a fauna, a flora e o solo, as águas, o ar, o clima, além dos aspectos paisagísticos e o meio ambiente criado pelo ser humano em âmbito cultural, econômico e social.
Outro conceito que possui relevância é o formulado por Silva (2006), que delimita o meio ambiente como a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas. A integração busca assumir uma concepção unitária do ambiente, compreendendo os recursos naturais e culturais.
A doutrina majoritária e o Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI n. 3.540/MC- DF, classificam o meio ambiente em quatro dimensões: cultural, artificial, laboral e natural, sendo necessário conhecer aspectos de cada uma delas com maior profundidade.
1.1 MEIO AMBIENTE CULTURAL
O meio ambiente em seu aspecto cultural diz respeito a todo patrimônio histórico, paisagístico, artístico e arqueológico. Na Constituição Federal encontra-se fundamento para a incorporação dos elementos culturais na definição de meio ambiente. Conforme se vê:
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
Dos dispositivos transcritos, denota-se que os bens culturais podem ser naturais ou resultado da criação humana, além de bens tangíveis e intangíveis, sendo que, de acordo com Miranda (2020), quando falamos de patrimônio cultural estamos nos referindo a um aspecto específico do meio ambiente globalmente considerado, aspecto este que se refere aos bens que, pelas suas características específicas, nos conferem identidade e são portadores de referências à identidade, à memória e à ação dos diversos grupos formadores da sociedade brasileira ao longo de toda a existência temporal do Brasil, bens esses considerados essenciais para a afirmação da dignidade da pessoa humana e para a sadia qualidade de vida de todos.
Posto isso, patente a importância do meio ambiente cultural e a necessidade da criação e utilização de mecanismos que o protejam, tais como, o manejo de ação popular, ação civil pública, o tombamento e o inventário.
1.2 MEIO AMBIENTE ARTIFICIAL
O meio ambiente em sua dimensão artificial, também conhecido como urbano, criado ou construído, relaciona-se com a intervenção humana na natureza, em especial ao que é pertinente com a interferência do homem na criação de cidades.
O conceito trazido por Sarlet e Fensterseifer (2020) define que o meio ambiente urbano é integrado pelos prédios, ruas, equipamentos públicos, pontes, projetos arquitetônicos, entre outros elementos artificiais que caracterizam a paisagem urbana e são, acima de tudo, resultado na intervenção humana, sendo, portanto, os elementos artificiais criados ou construídos pelo ser humano, em contraste com os elementos originalmente naturais. Todas as edificações das cidades – desde as obras arquitetônicas de Gaudi e Oscar Niemayer até a Avenida Paulista na Cidade de São Paulo – consolidam um cenário ambiental onde os elementos naturais – por vezes escassos em determinados contextos urbanos – contrastam com o “concreto” das construções humanas.
A CF/88 dedica um capítulo para política urbana e dispõe, em seu art. 182, sobre a política de desenvolvimento urbano que tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar dos seus habitantes.
Os artigos 182 e 183 da CF/88 são regulamentados pela Lei n. 10.257/2001, conhecida como Estatuto da Cidade, que estabelece as diretrizes gerais da política urbana para a ordenação do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana. Para Sarlet e Fensterseifer (2020), destaca-se a garantia do direito a cidades sustentáveis, manifestando-se como um meio ambiente urbano que detém qualidade, equilíbrio e segurança ambiental.
1.3 MEIO AMBIENTE LABORAL
No que diz respeito ao meio ambiente laboral, também conhecido como meio ambiente do trabalho, tem-se que este se traduz nas condições do local de trabalho do ser humano. Essa dimensão do meio ambiente se ocupa com o desempenho seguro e digno das atividades laborais.
A Carta Magna elenca o trabalho como um direito social em seu artigo 7º, trazendo diversos direitos. Da mesma maneira, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) dispõe de parâmetros para que o labor desempenhado seja salubre e seguro.
Conforme Figueiredo (2013) “o meio ambiente do trabalho pode ser definido como o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química, biológica e social que afetam o trabalhador no exercício de sua atividade laboral”.
1.4 MEIO AMBIENTE NATURAL
Por derradeiro, o meio ambiente em seu aspecto natural abrange os elementos da natureza, envolvendo a fauna, flora, atmosfera, água, os minerais, o solo, subsolo, entre outros.
Conforme os doutrinadores Sarlet e Fensterseifer (2020):
O meio ambiente natural é composto por todos os elementos bióticos (fauna, flora etc.) e abióticos (ar, terra, água, minerais etc.) que se encontram originalmente na Natureza, ou seja, independentemente de qualquer intervenção humana no meio ambiente natural. Por mais que, por vezes, o ser humano chegue a situações extremas na intervenção que realiza no ambiente natural, a ponto de, por exemplo, desviar o curso de rios – como se verifica na transposição do Rio São Francisco –, tal situação não altera a natureza, por si só, dos elementos naturais, que continuam a integrar a categoria do meio ambiente natural.
A proteção jurídica trazida na Carta Maior para o meio ambiente natural é ampla, dispondo o art. 225 acerca da incumbência do Poder Público e da coletividade quanto a sua defesa e preservação para a presente e para as futuras gerações.
Ademais, nos moldes do artigo 2º, inciso I, da Lei n. 6.938/91, que versa sobre a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), o meio ambiente é patrimônio público que deve ser assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo.
2.A EVOLUÇÃO DA PROTEÇÃO AMBIENTAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
O surgimento do Direito Ambiental brasileiro como ciência autônoma é recente, tendo tal ramo passado por diversas mudanças e evoluído conforme a forma de assimilação do meio ambiente pelo ser humano, e passou a constatar que o uso inconsequente dos recursos ambientais refletiria na sadia qualidade de vida da presente bem como das futuras gerações, sendo evidenciada a necessidade de sua preservação.
De tal maneira, a mudança de paradigma e os reflexos jurídicos foram graduais e crescentes no tempo, sendo importante delimitar as fases da proteção ambiental, bem como identificar em qual estágio encontra-se o ordenamento jurídico brasileiro.
Benjamin (2011), para fins didáticos, identifica três fases que evidenciam a evolução histórica da proteção legislativa do meio ambiente no Brasil, quais sejam: fase da exploração desregrada, fase fragmentária e fase holística.
2.1 PRIMEIRA FASE: EXPLORAÇÃO DESREGRADA OU TUTELA ECONÔMICA
O Direito Ambiental surgiu para tutelar o meio ambiente como recurso econômico, sendo este considerado tão somente como propriedade, bem privado pertencente a um indivíduo. Esse primeiro período perdurou desde o descobrimento do Brasil até a segunda metade do século XX, conforme apontado por Rodrigues (2021), época em que predominou como regramento as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas.
Na legislação dessa fase se observa que a finalidade da tutela jurídica era traduzida na proteção de recursos naturais com valor econômico em favor da Coroa Portuguesa, não havendo preocupação com dano ambiental ou exploração desregrada. Ensina Farias (2007):
Nessa fase ainda não existe de fato uma preocupação com o meio ambiente, a não ser por alguns dispositivos isolados cujo objetivo seria a proteção de alguns recursos naturais específicos como o pau-brasil e outros. Tais restrições se limitavam à preservação de um ou outro elemento da natureza, destacando sempre a importância botânica ou estética ou o direito de propriedade.
As principais normas desse período a serem destacadas, de acordo com Sirvinskas (2020), foram: a) Regimento do Pau-Brasil de 1605, que protegia o pau- brasil como propriedade real, impondo penas severas a quem cortasse árvores dessa natureza sem licença; B) Alvará de 1675, que proibia as sesmarias nas terras litorâneas, onde havia madeiras; c) Carta Régia de 1797, que protegia florestas, matas, arvoredos localizados nas proximidades dos rios, nascentes e encostas declaradas propriedade da Coroa; e d) Regimento de Cortes de Madeira de 1799, que estabelecia regras para derrubada de árvores.
Apesar de nesse primeiro momento haver legislação que restringisse o corte da madeira com valor econômico, a ocupação ilegal de terras e os incêndios criminosos, era o patrimônio privado o único bem jurídico que se buscava proteger, sendo o meio ambiente mero patrimônio do ser humano, resguardado apenas devido a sua finitude e o valor econômico para a Coroa, razão pela qual a referida proteção quedou-se insuficiente, fazendo-se necessária a ampliação e adoção de nova visão.
2.2 SEGUNDA FASE: FRAGMENTÁRIA
Progredindo tal estágio, passa-se a falar do sistema fragmentário de normatização acerca do meio ambiente, que, para Sirvinskas (2020), engloba o período compreendido de 1808 até 1981, com a criação da Lei n. 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente.
A fase fragmentária é iniciada quando o legislador verificou a necessidade de tutelar algumas categorias de bens ambientais para frear sua exploração sem limites, pois, até tal marco temporal, as questões relativas ao uso dos recursos naturais eram tratadas pelo Código Civil.
O período é nomeado como fragmentário, pois a proteção jurídica era dada de forma esparsa, sem reconhecer a natureza difusa do meio ambiente.
Nas lições de Farias (2007):
A segunda fase é chamada de fragmentária e se caracteriza pelo começo da imposição de controle legal às atividades exploratórias tratamento ambiental e tem como início o final da década de 20.
Contudo, esse controle era exercido de forma incipiente porque de um lado era regido pelo utilitarismo, visto que só se tutelava o recurso ambiental que tivesse valoração econômica, e de outro pela fragmentação do objeto, o que negava ao meio ambiente uma identidade própria, e em conseqüência até do aparato legislativo existente.
Pode-se apontar como as principais criações legislativas deste momento o Código de Águas (Decreto nº 24.643/34), o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64), o Código Florestal (Lei nº 4.771/65), a Lei de Proteção à Fauna (Lei nº 5.197/67), o Código de Pesca (Decreto-Lei nº221/67), o Código de Mineração (Decreto-Lei nº 227/67), entre outras.
Todavia, diante da necessidade da adoção de postura mais protecionista diante do grande avanço da exploração econômica em detrimento do meio ambiente natural, fez-se imprescindível a mudança de entendimento acerca da tutela ambiental.
2.3 TERCEIRA FASE: HOLÍSTICA
O marco inicial desse período - que perdura até a atualidade – foi a criação da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que passou a proteger o meio ambiente em sua totalidade, tratando-o como um sistema ecológico integrado, segundo Sirvinskas (2020).
Diversas são as normas que alteraram o panorama da tutela ambiental no Brasil neste período. Contudo, é importante citar os quatro grandes marcos desta fase, quais sejam: a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81), a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85), a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98).
A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente conceituou de forma ampla o que seria esse meio ambiente e, com o fito de resguardá-lo de forma integrada, a aludida norma estabeleceu princípios e objetivos da política, elevando a tutela ambiental.
Na sequência, a Lei n. 7.347/1985 disciplinou a ação civil pública de responsabilidade de danos causados ao meio ambiente, traduzindo-se em importante mecanismo que instrumentalizou e permitiu que as demandas por danos ambientais fossem levadas para apreciação do Estado-Juiz.
Visando transcender a proteção ambiental e elevá-la para a esfera constitucional, o constituinte de 1988 reservou um capítulo na Carta Maior para dispor acerca do meio ambiente.
Trennepohl ensina (2020):
Inovando brilhantemente, a nossa Carta Magna trouxe um capítulo específico voltado inteiramente para o meio ambiente, definindo-o como sendo direito de todos e dando-lhe a natureza de bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, incumbindo ao poder público e à coletividade o dever de zelar e preservar para que as próximas gerações façam bom uso e usufruam livremente de um meio ambiente equilibrado.
O direito à vida, assegurado como direito fundamental, inclusive enquanto princípio do Direito Ambiental, e garantido pela dignidade da pessoa humana, ganha substancial reforço quanto ao direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. São direitos que se complementam e se fortalecem, mutuamente.
Ademais, a Lei n. 9.605/98 foi responsável por tipificar sanções penais e administrativas aplicáveis às ações ou omissões lesivas ao meio ambiente, evidenciando que este é um bem jurídico de valor extremo, e que necessita de proteção da ultima ratio do direito, o Direito Penal.
3.A TRÍPLICE RESPONSABILIZAÇÃO POR CONDUTAS LESIVAS AO MEIO AMBIENTE
No ordenamento jurídico brasileiro a responsabilização por condutas que causem danos ao meio ambiente é abordada na Carta Maior de1988, em seu art. 225,
§ 3º, apontando que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Do aludido dispositivo, podemos assimilar que as condutas, omissivas ou comissivas, que tenham o condão de impactar no meio ambiente poderão repercutir na esfera penal, administrativa e cível, valendo destacar que são sujeitos passivos de responsabilização, inclusive na esfera penal, não apenas as pessoas físicas, mas, também, as pessoas jurídicas que causarem danos ao meio ambiente.
Antunes (2021), ao lecionar sobre a responsabilidade ambiental na CF/88, explica:
A responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, no sistema jurídico brasileiro, é matéria que goza de status constitucional. A Constituição estabeleceu uma tríplice responsabilização a ser aplicada aos causadores de danos ambientais, conforme se pode observar do artigo 225, § 3º, da CF. A responsabilidade é bastante abrangente e pode ser aplicada a: (1) pessoas físicas (pessoa natural, artigo 6º do Código Civil) e (ii) pessoas jurídicas, e se subdivide em (1) administrativa; (2) civil e (3) penal. Merece ser realçado que a responsabilidade administrativa, cada vez mais, vem ganhando contornos que a aproximam da responsabilidade penal.
Sobre a cumulação da responsabilização ambiental é importante destacar um trecho do Recurso Especial – Resp n. 605.323 MD 2003/0195051-9, relatado pelo Ministro Teori Albino Zavascki:
O sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, disciplinado em normas constitucionais (CF, art. 225, § 3º) e infraconstitucionais (Lei 6.938/81, arts. 2º e 4º), está fundado, entre outros, nos princípios da prevenção, do poluidor- pagador e da reparação integral. Deles decorrem, para os destinatários (Estado e comunidade), deveres e obrigações de variada natureza, comportando prestações pessoais, positivas e negativas (fazer e não fazer), bem como de pagar quantia (indenização dos danos insuscetíveis de recomposição in natura), prestações essas que não se excluem, mas, pelo contrário, se cumulam, se for o caso.
Diante de tais considerações, é importante trazer à baila sucintas explanações acerca do conceito de dano ambiental, bem como características acerca de cada esfera de responsabilização.
3.1 DANO AMBIENTAL
De acordo com Sirvinskas(2020):
Entende-se por dano toda lesão a um bem jurídico tutelado. Dano ambiental, por sua vez, é toda agressão contra o meio ambiente causada por atividade econômica potencialmente poluidora, por ato comissivo praticado por qualquer pessoa ou por omissão voluntária decorrente de negligência. Esse dano, por seu turno, pode ser economicamente reparado ou ressarcido.
Sobre o tema, tem-se também a explanação trazida por Antunes (2021), aduzindo que “o dano ambiental, portanto, é a ação ou omissão que prejudique as diversas condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permitam, abriguem e rejam a vida, em quaisquer de suas formas”.
De maneira diversa, tem-se o entendimento de Leite e Ayala (2019), o qual entende que o dano ambiental possui conceituação mais complexa:
O dano ambiental, por sua vez, constitui uma expressão ambivalente, que designa, certas vezes, alterações nocivas ao meio ambiente; e outras, ainda, os efeitos que tal alteração provoca na saúde das pessoas e em seus interesses. Dano ambiental significa, em uma primeira acepção, uma alteração indesejável ao conjunto de elementos chamados meio ambiente, por exemplo, a poluição atmosférica; seria, assim, a lesão ao direito fundamental que todos têm de gozar e aproveitar do meio ambiente apropriado. Contudo, em sua segunda conceituação, dano ambiental engloba os efeitos que essa modificação gera na saúde das pessoas e em seus interesses.
Oliveira (2017) analisa conceitos elaborados por alguns doutrinadores e conclui que o dano ambiental possui feição multifacetária, com implicações no macrobem ambiental, nos microbens ambientais (florestas, rios, fauna etc.), no patrimônio material e moral de pessoas e da coletividade.
Nesse ponto, é interessante citar a classificação realizada por Leite e Ayala (2019) acerca do dano ambiental, a qual leva em conta a amplitude do bem protegido, quanto à reparabilidade e aos interesses jurídicos envolvidos, quanto à sua extensão e ao interesse objetivado:
Em relação à amplitude do bem protegido, tem-se: a) dano ecológico puro: relativas aos componentes naturais do ecossistema; b) dano ambiental latu sensu: concernente aos interesses difusos da coletividade, abrangeria todos os componentes do meio ambiente, inclusive o patrimônio cultural; c) dano individual ambiental ou reflexo, conectado ao meio ambiente: é, de fato, um dano individual, pois o objetivo primordial não é a tutela dos valores ambientais, mas sim dos interesses próprios do lesado, relativos ao microbem ambiental.
Quanto à reparabilidade e ao interesse envolvido, verifica-se: a) dano ambiental de reparabilidade direta: quando diz respeito a interesses próprios individuais e individuais homogêneos e apenas reflexos com o meio ambiente e atinentes ao microbem ambiental; b) dano ambiental de reparabilidade indireta: quando diz respeito a interesses difusos, coletivos e eventualmente individuais de dimensão coletiva, concernentes à proteção do macrobem ambiental e relativos à proteção do meio ambiente como bem difuso, sendo que a reparabilidade é feita, indireta e preferencialmente, ao bem ambiental de interesse coletivo e não objetivando ressarcir interesses próprios e pessoais.
No tocante à sua extensão: a) dano patrimonial ambiental: relativamente à restituição, à recuperação ou à indenização do bem ambiental lesado;
b) dano extrapatrimonial ou moral ambiental: diz respeito à sensação de dor experimentada ou conceito equivalente em seu mais amplo significado ou todo prejuízo não patrimonial ocasionado à sociedade ou ao indivíduo, em virtude da lesão do meio ambiente.
Por fim, em relação aos interesses objetivados: a) dano ambiental de interesse da coletividade ou de interesse público: o interesse da coletividade em preservar o macrobem ambiental; b) dano ambiental de interesse individual: interesse particular individual próprio, relativo às propriedades das pessoas e a seus interesses (microbem), concernente a uma lesão ao meio ambiente que se reflete no interesse particular da pessoa. (LEITE, AYALA 2019).
Nesse contexto, é salutar abordar cada esfera de responsabilização por danos ambientais.
3.2 A RESPONSABILIDADE CIVIL
Quando o dano ambiental se concretiza, surge para o prejudicado o direito à reparação ou indenização. Como já dito, o dano ambiental é complexo, possuindo normativa própria, não se aplicando as normas gerais do Código Civil.
A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, em seu artigo 14, § 1º, dispõe:
Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
Depreende-se da exegese do referido dispositivo legal, que o ordenamento jurídico pátrio adota a responsabilidade civil objetiva, sendo desnecessária a demonstração da existência de culpa para que seja punido o causador do dano.
Calha rememorar que, consoante Tartuce (2015), a responsabilidade subjetiva, baseada na teoria da culpa, constitui regra geral do Código Civil. Diversamente, na responsabilização civil ambiental, adota-se a responsabilidade objetiva, nas lições de Leite e Ayala (2019):
De uma forma mais sistemática e abrangente e unitária, na área do meio ambiente, foi editada a Lei 6.938/1981, que criou a política nacional do meio ambiente. Repete-se que, no art. 14, § 1.º, da Lei foi estabelecida a responsabilidade objetiva a todos os danos causados ao meio ambiente. Saliente-se que essa responsabilidade objetiva adotada alcança tanto a pessoa física quanto a jurídica que deu causa à lesão ambiental
A adoção de tal teoria se justifica em razão da necessidade de haver a devida proteção ao bem ambiental, eis que, nem sempre a conduta que originou o dano ambiental é eivada de culpa, além da dificuldade que se tem para comprovar que o poluidor agiu com negligência, imprudência ou imperícia, assim sendo, como forma de elevar a proteção ao meio ambiente se fez necessária a escolha deste posicionamento.
Oliveira (2017) ensina:
A adoção da teoria da responsabilidade objetiva implica quatro consequências:
a) prescindibilidade da discussão sobre a culpabilidade;
b) irrelevância da licitude ou ilicitude da atividade;
c) irrelevância do caso fortuito e da força maior;
d) não aplicação da cláusula de não indenizar.
Em primeiro plano, ao se prescindir da culpabilidade para o dever de indenizar, será necessária somente a comprovação do nexo de causalidade entre a conduta e o dano para caracterizar a responsabilidade objetiva. Não há que perquirir ou investigar a culpa ou o dolo do poluidor/degradador.
Além disso, a licitude ou legalidade de uma atividade ou empreendimento, quer autorizado ou licenciado, não afasta ou atenua a responsabilidade do poluidor. Nas palavras de Édis Milaré, “a postura do legislador, in casu, atende satisfatoriamente às aspirações da coletividade, porquanto não raras vezes o poluidor se defendia alegando ser lícita a sua conduta, porque estava dentro dos padrões de emissão traçados pela autoridade administrativa e, ainda, tinha autorização ou licença para exercer aquela atividade”. Não procede, destarte, como forma de se afastar eventual responsabilização, a tese da licitude da atividade.
As clássicas excludentes de responsabilidade, por sua vez, não podem ser invocadas para elidir a obrigação de reparar os danos causados, tais como o caso fortuito ou a força maior. Como se analisará em seguida, doutrina e tribunais conduzem-se majoritariamente pela adoção da teoria do risco integral.
Por fim, a estipulação da cláusula de não indenizar entre as partes não exime o atual proprietário de uma empresa de reparar os danos causados ao ambiente pelo antigo gestor/proprietário. Significa que, se o dano foi cometido na gestão anterior e com a venda se estipulou no contrato a cláusula de não indenizar, tal previsão deverá ser discutida entre eles, mas não no que se refere à obrigação de reparar os danos causados ao meio ambiente, que subsiste para o atual proprietário.
Na responsabilidade objetiva há duas modalidades a serem consideradas, quais sejam: modalidade do risco criado ou risco da atividade ou modalidade do risco integral. Conforme Oliveira (2017):
Na teoria do risco criado, as relações causais se assentam na “causalidade adequada”; o que se busca é a identificação da causa que gerou o evento danoso. Nessa teoria admitem-se excludentes como a força maior e o caso fortuito. Assim, reputa-se como responsável pelo evento danoso o empreendedor que lhe der causa, em uma relação causal entre a ação/omissão e o dano. Poderá o empreendedor escusar-se de sua responsabilidade alegando, em síntese, que o dano foi causado por um evento externo, imprevisível e irresistível, como um raio ou um abalo sísmico. No entanto, se na região do empreendimento a ocorrência de raios for constante, a não adoção de medidas para evitá-los não pode ser considerada como excludente de responsabilidade, sob a alegação de força maior (evento da natureza). Não se trata de evento imprevisível, uma vez que o empreendedor tinha ciência dos eventos.
Para a teoria do risco integral, que emprega a “equivalência das condições” para explicar o nexo causal, a simples existência da atividade é equiparada à causa do dano. Para Nelson Nery Junior, “pela teoria do risco integral, a indenização é devida independentemente de culpa, e, mais ainda, pela simples razão de existir a atividade pela qual adveio o prejuízo: o titular da atividade assume todos os riscos dela oriundos”. Como se vê, o simples fato da existência do empreendimento é suficiente para imputar-lhe a responsabilidade, ainda que se verifiquem outras atividades poluentes ou que causam degradação conjuntamente. O exemplo é o curso de um rio com várias indústrias que lancem efluentes: caso venha a ser saturado, com a perda de suas qualidades, qualquer delas poderá ser responsabilizada, sem a necessidade de discussão de causa ou de concausa. O lançamento de efluentes é suficiente para reputar-lhe a responsabilidade pela eventual saturação do rio. Não se admite a ocorrência de excludentes ou atenuantes.
A posição majoritária no ordenamento jurídico brasileiro, sustentada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), é a do risco integral para responsabilização cível por danos ambientais. Conforme Resp. n. 1.412.664/SP e Resp. n. 1.114.398/PR:
DIREITO AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. DANO AMBIENTAL. LUCROS CESSANTES AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA INTEGRAL. DILAÇÃO PROBATÓRIA. INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO. CABIMENTO. 1. A legislação de regência e os princípios jurídicos que devem nortear o raciocínio jurídico do julgador para a solução da lide encontram-se insculpidos não no códice civilista brasileiro, mas sim no art. 225, § 3º, da CF e na Lei 6.938/81, art. 14, § 1º, que adotou a teoria do risco integral, impondo ao poluidor ambiental responsabilidade objetiva integral. Isso implica o dever de reparar independentemente de a poluição causada ter-se dado em decorrência de ato ilícito ou não, não incidindo, nessa situação, nenhuma excludente de responsabilidade. Precedentes. 2. Demandas ambientais, tendo em vista respeitarem bem público de titularidade difusa, cujo direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é de natureza indisponível, com incidência de responsabilidade civil integral objetiva, implicam uma atuação jurisdicional de extrema complexidade. 3. O Tribunal local, em face da complexidade probatória que envolve demanda ambiental, como é o caso, e diante da hipossuficiência técnica e financeira do autor, entendeu pela inversão do ônus da prova. Cabimento. 4. A agravante, em seu arrazoado, não deduz argumentação jurídica nova alguma capaz de modificar a decisão ora agravada, que se mantém, na íntegra, por seus próprios fundamentos. 5. Agravo regimental não provido.
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MATERIAIS E MORAIS A PESCADORES CAUSADOS POR POLUIÇÃO AMBIENTAL POR VAZAMENTO DE NAFTA, EM DECORRÊNCIA DE COLISÃO DO NAVIO N-T NORMA NO PORTO DE PARANAGUÁ - 1) PROCESSOS DIVERSOS DECORRENTES DO MESMO FATO, POSSIBILIDADE DE TRATAMENTO COMO RECURSO REPETITIVO DE TEMAS DESTACADOS PELO PRESIDENTE DO TRIBUNAL, À CONVENIÊNCIA DE FORNECIMENTO DE ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL UNIFORME SOBRE CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FATO, QUANTO A MATÉRIAS REPETITIVAS; 2) TEMAS: a) CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE NO JULGAMENTO ANTECIPADO, ANTE OS ELEMENTOS DOCUMENTAIS SUFICIENTES; b) LEGITIMIDADE DE PARTE DA PROPRIETÁRIA DO NAVIO TRANSPORTADOR DE CARGA PERIGOSA, DEVIDO A RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PRINCÍPIO DO POLUIDOR- PAGADOR; c) INADMISSÍVEL A EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE POR FATO DE TERCEIRO; d) DANOS MORAL E MATERIAL CARACTERIZADOS; e) JUROS MORATÓRIOS: INCIDÊNCIA A PARTIR DA DATA DO EVENTO DANOSO – SÚMULA 54/STJ; f) SUCUMBÊNCIA. 3) IMPROVIMENTO DO RECURSO, COM OBSERVAÇÃO. [...] c) Inviabilidade de alegação de culpa exclusiva de terceiro, ante a responsabilidade objetiva.
- A alegação de culpa exclusiva de terceiro pelo acidente em causa, como excludente de responsabilidade, deve ser afastada, ante a incidência da teoria do risco integral e da responsabilidade objetiva ínsita ao dano ambiental (art. 225, § 3º, da CF e do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81), responsabilizando o degradador em decorrência do princípio do poluidor- pagador [...]
Ademais, é importante mencionar que com a responsabilidade civil busca-se reparar o dano causado ao meio ambiente, havendo diversas formas de se atingir tal finalidade, de acordo com os ensinamentos de Trennepohl (2020):
Existem diferentes formas de se reparar o dano ambiental. São elas: restauração natural, compensação e indenização. A primeira delas é a mais indicada e prevalece em relação às outras. Consiste em tentar retornar a situação ambiental ao seu status quo ante, como ele era antes do dano e da alteração sofrida.
[...]
A compensação nem sempre é indicada em razão de comumente apresentar grandes diferenças entre a área degradada e a que será utilizada para compensação.
Por fim, a indenização, que também apresenta alguns inconvenientes.
O principal deles é a identificação dos sujeitos envolvidos, bem como o nexo causal e até mesmo a valoração do dano.
Assim, de acordo com os princípios que regem a matéria, tem-se que a restauração ambiental é a forma mais eficaz de reparar o meio ambiente, todavia, nem sempre é alcançada, tendo em vista a complexidade do bem danificado, o que demostra a necessidade de se prevenir o dano antes que este ocorra.
3.3 A RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA
A CF/88, em seu artigo 23, incisos VI e VII, prevê que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Feral e dos Municípios, proteger o meio ambiente, combater a poluição em qualquer de suas formas e preservar as florestas, a fauna e a flora.
Nesse contexto, surge a responsabilidade ambiental administrativa, que se traduz nos instrumentos utilizados pela Administração Pública para resguardar os bens ambientais, conforme ordena a Carta Maior.
Oliveira (2017) leciona sobre o tema:
A responsabilidade administrativa é decorrência do exercício do poder de polícia pelos entes responsáveis pela qualidade ambiental no País, consubstanciado pela competência administrativa comum do art. 23 da Constituição de 1988. Significa que deve ser exercido pelos órgãos ambientais fiscalizatórios de todos os entes federativos, de forma a garantir a cooperação e a solidariedade no combate à poluição em qualquer de suas formas, na proteção das florestas, da fauna e da flora etc. O poder de polícia em matéria ambiental segue a mesma conceituação e moldes do poder de polícia administrativo, conforme o art. 78 do Código Tributário Nacional. Paulo Affonso Leme Machado conceitua o poder de polícia em matéria ambiental como “a atividade da Administração Pública que limita ou disciplina direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato em razão de interesse público concernente à saúde da população, à conservação dos ecossistemas, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas ou de outras atividades dependentes de concessão, autorização/permissão ou licença do Poder Público de cujas atividades possam decorrer poluição ou degradação ambiental”.
A partir do poder-dever de exercício do poder de polícia ambiental, o agente do órgão ambiental designado para as funções de fiscalização, de ofício oumediante representação, dirigir-se-á a determinado local e, caso verifique o cometimento de uma infração administrativa ambiental, irá lavrar o competente auto de infração, com a aplicação de uma sanção administrativa, que deverá ser confirmada pela autoridade julgadora. Com o recebimento do de infração, a unidade administrativa responsável procede à autuação processual e aos procedimentos decorrentes das etapas do processo administrativo ambiental, com as fases de defesa, julgamento, recursos e pagamento, se for o caso de multa.
Na Lei n. 9.605/1998, dos artigos 70 a 76, encontra-se a previsão da responsabilidade administrativa, e versam sobre infrações que serão aplicadas quando ocorrer ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
A lavratura dos autos de infração ambiental, assim como a instauração do procedimento administrativo pertinente é de competência dos funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), designados para as atividades de fiscalização; e dos agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha.
A controvérsia acerca de tal modalidade de responsabilização compreende o questionamento acerca da sua natureza jurídica, indagando-se sobre a necessidade de demonstração da culpa do agende para a lavratura do auto. Na doutrina, há três correntes que são sustentadas, sobre a responsabilidade ambiental administrativa: teoria objetiva, teoria subjetiva e teoria híbrida (informação verbal)[1].
A teoria objetiva, que possui como defensores Paulo Affonso Leme Machado e Vladimir Passos de Freitas entendem que a lei, ao definir infração administrativa, não condicionou a ação ou omissão de violação à voluntariedade do agente, assim, só seria exigida a demonstração de culpa se o ordenamento jurídico o fizesse de forma expressa, o que não aconteceu (informação verbal)[2].
A teoria subjetiva, defendida por Fábio Medina Osório e Heraldo Garcia Vitta, baseia-se nas garantias fundamentais do contraditório e da ampla defesa assegurados pela Carta Magna aos litigantes em processo judicial ou administrativo, devendo ser demonstrada a presença de culpa (informação verbal)[3].
Outrossim, a teoria híbrida, adotada por Édis Milaré, preconiza que a responsabilidade administrativa se situa entre a responsabilidade civil objetiva e a responsabilidade penal subjetiva, e não exige elemento subjetivo, porém, exigiria a ilicitude da conduta para que o ato se configure como infracional, podendo, ainda, ser caracterizada pela pessoalidade, por conta da índole repressiva (informação verbal)[4].
A despeito do debate doutrinário, o STJ passou a considerar que no caso de infração ambiental, a teoria que deve ser adotada é a da responsabilidade subjetiva, conforme o REsp n. 1.401.500 SP, relatado pelo Ministro Herman Benjamin:
PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. EXPLOSÃO DE NAVIO NA BAÍA DE PARANAGUÁ (NAVIO "VICUNA"). VAZAMENTO DE METANOL E ÓLEOS COMBUSTÍVEIS. OCORRÊNCIA DE GRAVES DANOS AMBIENTAIS. AUTUAÇÃO PELO INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ (IAP) DA EMPRESA QUE IMPORTOU O PRODUTO "METANOL". ART. 535 DO CPC. VIOLAÇÃO. OCORRÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO PELO TRIBUNAL A QUO. QUESTÃO RELEVANTE PARA A SOLUÇÃO DA LIDE. 1. Tratam os presentes autos de: a) em 2004 a empresa ora recorrente celebrou contrato internacional de importação de certa quantidade da substância química metanol com a empresa Methanexchile Limited. O produto foi transportado pelo navio Vicuna até o Porto de Paranaguá, e o desembarque começou a ser feito no píer da Cattalini Terminais Marítimos Ltda., quando ocorreram duas explosões no interior da embarcação, as quais provocaram incêndio de grandes proporções e resultaram em danos ambientais ocasionados pelo derrame de óleos e metanol nas águas da Baía de Paranaguá; b) em razão do acidente, o Instituto recorrido autuou e multa a empresa recorrente no valor de R$ 12.351.500,00 (doze milhões, trezentos e cinquenta e um mil e quinhentos reais) por meio do Auto de Infração 55.908; c) o Tribunal de origem consignou que "a responsabilidade do poluidor por danos ao meio ambiente é objetiva e decorre do risco gerado pela atividade potencialmente nociva ao bem ambiental. Nesses termos, tal responsabilidade independe de culpa, admitindo-se como responsável mesmo aquele que aufere indiretamente lucro com o risco criado" e que "o artigo 25, § 1º, VI, da Lei 9.966/2000 estabelece expressamente a responsabilidade do 'proprietário da carga' quanto ao derramamento de efluentes no transporte marítimo", mantendo a Sentença e desprovendo o recurso de Apelação. 2. A insurgente opôs Embargos de Declaração com intuito de provocar a manifestação sobre o fato de que os presentes autos não tratam de responsabilidade ambiental civil, que seria objetiva, mas sim de responsabilidade ambiental administrativa, que exige a demonstração de culpa ante sua natureza subjetiva. Entretanto, não houve manifestação expressa quanto ao pedido da recorrente. 3. Cabe esclarecer que, no Direito brasileiro e de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade civil pelo dano ambiental, qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, proprietário ou administrador da área degradada, é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura e do favor debilis.
4. Todavia, os presentes autos tratam de questão diversa, a saber a natureza da responsabilidade administrativa ambiental, bem como a demonstração de existência ou não de culpa, já que a controvérsia é referente ao cabimento ou não de multa administrativa. 5. Sendo assim, o STJ possui jurisprudência no sentido de que, "tratando-se de responsabilidade administrativa ambiental, o terceiro, proprietário da carga, por não ser o efetivo causador do dano ambiental, responde subjetivamente pela degradação ambiental causada pelo transportador" (AgRg no AREsp 62.584/RJ, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Rel. p/ acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 7.10.2015). 6. "Isso porque a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano". (REsp 1.251.697/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 17.4.2012). 7. Caracteriza-se ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil quando o Tribunal de origem deixa de se pronunciar acerca de matéria veiculada pela parte e sobre a qual era imprescindível manifestação expressa. 8. Determinação de retorno dos autos para que se profira nova decisão nos Embargos de Declaração. 9. Recurso Especial provido.
Observa-se, portanto, que a teoria adotada na esfera administrativa para responsabilização da conduta causadora de dano ambiental difere da teoria adotada em âmbito cível, haja vista que se faz necessária a adoção da teoria da culpabilidade, em que a autuação só subsistirá sendo demonstrada a presença de dolo ou de culpa do autuado.
3.4 A RESPONSABILIDADE PENAL
A Lei Maior, em seu artigo 225, § 3º, ao dizer que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”, apresenta um mandado constitucional de criminalização, que na lição de Tonon e Agi (2020), pode ser conceituado quando o texto constitucional orienta o legislador na sua função.
Assim, os mandados expressos de criminalização dizem respeito às matérias que devem ser tratadas pelo legislador, de forma vinculada, tendo em vista a proteção dada pela CF/88 ante a relevância do bem a ser tutelado.
Antunes (2021) ensina que a fruição do meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado foi erigida em direito fundamental. De tal modo, diante de tamanha importância em sua preservação para a presente e para as futuras gerações, tornou-se necessário resguardá-lo pela ultima ratio do direito pelo Direito Penal.
Sobre o Princípio da Intervenção Mínima, leciona Nucci (2021):
Significa que o direito penal não deve interferir em demasia na vida do indivíduo, retirando-lhe autonomia e liberdade. Afinal, a lei penal não deve ser vista como a primeira opção (prima ratio) do legislador para compor conflitos existentes em sociedade, os quais, pelo atual estágio de desenvolvimento moral e ético da humanidade, sempre estarão presentes.
Há outros ramos do Direito preparados a solucionar as desavenças e lides surgidas na comunidade, compondo-as sem maiores traumas. O direito penal é considerado a ultima ratio, isto é, a última cartada do sistema legislativo, quando se entende que outra solução não pode haver senão a criação de lei penal incriminadora, impondo sanção penal ao infrator.
Para sua responsabilização, adota-se a teoria subjetiva, utilizada no Direito Penal de forma geral, sendo que o artigo 2º do mencionado dispositivo aduz que “quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade”, sendo, portanto, necessária a demonstração do dolo ou da culpa.
Atualmente, é a Lei n. 9.605/1998 que tipifica a maioria das sanções penais cabíveis para quem pratica condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, sendo que, antes de sua vigência, não havia um diploma legal que sintetizasse delitos dessa espécie.
4.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste estudo, foi explorado como a sociedade tem evoluído na percepção e na proteção do meio ambiente, passando por diferentes fases: desde a exploração desregrada, onde os recursos eram vistos como inesgotáveis e a degradação ambiental era negligenciada, até a fase atual, mais consciente e holística, que busca integrar os aspectos sociais, econômicos e ambientais na gestão dos recursos naturais.
O dano ambiental foi conceituado não apenas como a deterioração física do meio ambiente, mas também como a perda de capacidade de suporte dos ecossistemas e a diminuição da qualidade de vida das comunidades afetadas. Essa compreensão é crucial para a aplicação das esferas de responsabilização ambiental: civil, administrativa e penal.
Na esfera civil, destacou-se a importância da reparação integral do dano ambiental, considerando não apenas os danos materiais, mas também os danos morais e a restauração do meio ambiente degradado, abordando que é aplicada a teoria objetiva nessa esfera. A esfera administrativa, por sua vez, que enfoca a aplicação de medidas coercitivas e preventivas para evitar novos danos, com fito de promover a conformidade com as normas ambientais adota a teoria subjetiva, havendo necessidade de averiguação de culpa ou dolo do infrator.
Finalmente, na esfera penal, enfatizou-se a existência do mandado expresso de criminalização contido na Carta Maior, e que o direito penal ambiental também adota a teoria subjetiva, havendo necessidade de aferição do elemento subjetivo da conduta típica praticada.
Assim, conclui-se que integração dos conceitos de meio ambiente cultural, artificial, do trabalho e natural é essencial para promover uma visão holística da sustentabilidade, garantindo um futuro equilibrado para as gerações presentes e futuras, razão pela qual o legislador visou concretizar a proteção do direito ambiental prevendo a tríplice responsabilização pelas condutas lesivas praticadas contra o meio ambiente.
REFERÊNCIAS
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[1] Fala da professora Vanessa Ferrari na disciplina de Direito Ambiental, na Pós Graduação de Direito Público Contemporâneo, do G7 Jurídico, em 03/09/2020.
[2] Fala da professora Vanessa Ferrari na disciplina de Direito Ambiental, na Pós Graduação de Direito Público Contemporâneo, do G7 Jurídico, em 03/09/2020.
[3] Fala da professora Vanessa Ferrari na disciplina de Direito Ambiental, na Pós Graduação de Direito Público Contemporâneo, do G7 Jurídico, em 03/09/2020.
[4] Fala da professora Vanessa Ferrari na disciplina de Direito Ambiental, na Pós Graduação de Direito Público Contemporâneo, do G7 Jurídico, em 03/09/2020.
Especialista em Direito Ambiental pela Escola da Magistratura do Estado de Rondônia - EMERON. Graduada em Direito pela São Lucas Educacional. Assessora Jurídica do Ministério Público do Estado de Rondônia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CRUZ, ISADORA GONÇALVES TENÓRIO. Evolução histórica da proteção ao meio ambiente e a tríplice responsabilização por dano ambiental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jul 2024, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/65909/evoluo-histrica-da-proteo-ao-meio-ambiente-e-a-trplice-responsabilizao-por-dano-ambiental. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: gabriel de moraes sousa
Por: Thaina Santos de Jesus
Por: Magalice Cruz de Oliveira
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