RESUMO: A redução da maioridade penal de 18 (dezoito) para 16 (dezesseis) anos de idade gera debates na seara jurídica, notadamente em razão das dúvidas relacionadas à viabilidade deste meio para reduzir a violência juvenil. Parte da doutrina entende que a proteção constitucional à inimputabilidade dos menores de 18 (dezoito) anos é cláusula pétrea implícita, de forma que a redução da maioridade penal depende de uma nova ordem constitucional. Outra parte aponta que não se trata de cláusula pétrea e, por isso, se torna suficiente a formulação de emenda constitucional. Assim, esta pesquisa tem por escopo colacionar a legislação pátria que rege a proteção especial ao menor que praticou ato infracional, além de apontar as divergências acerca de ser a norma que trata sobre a inimputabilidade em comento cláusula pétrea, ou não. Ainda, tem por objetivo refletir que a redução da maioridade penal não é a medida mais adequada para reduzir a violência juvenil, pois isso envolve um trabalho em conjunto dos pais, da sociedade e do Estado.
Palavras-chave: Adolescente. Redução da maioridade penal. Cláusula Pétrea.
ABSTRACT: The reduction of the age of criminal responsibility from 18 (eighteen) to 16 (sixteen) years of age generates debates in the legal field, notably due to doubts related to the viability of this means of reducing youth violence. Part of the doctrine understands that the constitutional protection of the non-imputability of minors under 18 (eighteen) years of age is an implicit immutable clause, so that the reduction of the age of criminal responsibility depends on a new constitutional order. Another party points out that this is not a permanent clause and, therefore, the formulation of a constitutional amendment is sufficient. Thus, this research aims to collate the national legislation that governs the special protection for minors who committed an infraction, in addition to pointing out the divergences regarding whether the norm that deals with non-imputability in question is a permanent clause, or not. Furthermore, it aims to reflect that reducing the age of criminal responsibility is not the most appropriate measure to reduce youth violence, as this involves working together between parents, society and the State.
Keywords: Adolescent. Reduction of the age of criminal responsibility. Stone Clause.
1. INTRODUÇÃO
A Constituição Federal e a Lei nº 8.069/90 formam um conjunto de normas que, à luz da doutrina da proteção integral, buscam proteger as crianças e os adolescentes de ações e omissões (abusos físicos, psicológicos, sexuais etc) praticados por seus pais/ representantes legais, pelo Estado e até mesmo em razão da prática de seus próprios atos, etc, bem como tratam acerca da responsabilização por atos ilícitos praticados por meio de legislação especial, cuja finalidade é predominantemente pedagógica.
O presente artigo tem por escopo analisar, sob a ótica doutrinária e jurídica, os posicionamentos sobre a polêmica temática envolvendo a (im) possibilidade da redução da maioridade penal e o instrumento jurídico cabível para alterar o arcabouço normativo vigente acerca da imputabilidade penal, bem como averiguar se esse é o meio adequado para resolver o problema da criminalidade que afeta o nosso país.
Nesse sentido, a pesquisa apresenta os critérios adotados pelo Código Penal para aferição da imputabilidade e a inimputabilidade penal em razão da menoridade.
Destarte, pretende desenvolver estudo, ao qual busca analisar, a questão da redução da maioridade penal e a proteção do adolescente que viola bens jurídicos protegidos pelo Código Penal e Leis Extravagantes, sob o ponto de vista de o artigo 228 da Constituição Federal tratar-se de cláusula pétrea implícita.
2. ASPECTOS CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITUCIONAIS SOBRE A IMPUTABILIDADE PENAL E A INIMPUTABILIDADE PELA MENORIDADE
Inicialmente, compete dizer que contexto histórico da proteção da criança e do adolescente foi progressivo ao longo do tempo, passando de uma absoluta indiferença para proteção integral, em especial pelas disposições da Constituição Federal de 1988 e da Lei nº 8.069/90.
A maioridade penal corresponde à idade em que o indivíduo passa a responder integralmente pelos seus atos criminosos perante a lei penal, sendo esta fixada no Brasil aos 18 (dezoito) anos de idade, a teor do art. 228, da Constituição Federal, o qual dispõe que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.
Mirabete (2006, p. 207)[1] afirma que “há imputabilidade quando o sujeito é capaz de compreender a ilicitude de sua conduta e de agir de acordo com esse entendimento”. Em outras palavras, Capez explica o seguinte:
É a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. O agente deve ter condições físicas, psicológicas, morais e mentais de saber que está realizando um ilícito penal. Mas não é só. Além dessa capacidade plena de entendimento, deve ter totais condições de controle sobre sua vontade. Em outras palavras, imputável não é apenas aquele que tem capacidade de intelecção sobre o significado de sua conduta, mas também de comando da própria vontade, de acordo com esse entendimento (Capez, 2015, p. 326)[2]
Assim, infere-se que a imputabilidade penal é a qualidade atribuída ao agente que possui condição intelectual para determinar a sua conduta e mentalmente capaz de compreender a ilicitude dos seus atos, ou seja, é a capacidade do indivíduo de se autodeterminar sobre a licitude ou não de sua conduta e ainda assim agir em conformidade com esse entendimento, sendo certo que na ausência de dos elementos intelectivo e volitivo incorrerá na inimputabilidade.
Como aponta Masson (2022, p. 389), “O Brasil adotou o critério cronológico. Toda pessoa, a partir do início do dia em que completa 18 anos de idade, presume-se imputável.” O autor ainda esclarece que o momento para aferir a imputabilidade é à época da conduta praticada, isto é, da ação ou omissão, de forma que eventual alteração posterior causa apenas efeitos processuais.
A imputabilidade é a regra, sendo exceção a inimputabilidade, a qual incide nas seguintes situações previstas no Código Penal: a) doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art. 26, caput, e 27, CP) b) embriaguez completa e involuntária, decorrente de caso fortuito ou força maior (art. 28, § 1º, CP); c) menoridade (art. 27, CP).
Mirabete e Fabbrini prelecionam que existem três critérios determinantes que isentam de pena os inimputáveis, os quais são elencados assim:
O primeiro é o sistema biológico (ou etiológico), segundo o qual aquele que apresenta uma anomalia psíquica é sempre inimputável, não se indagando se essa anomalia causou qualquer perturbação que retirou do agente a inteligência e a vontade do momento do fato. É evidentemente, um critério falho, que deixa impune aquele que tem entendimento e capacidade de determinação apesar de ser portador de doença mental, desenvolvimento mental incompleto etc.
O segundo é o sistema psicológico, em que se verificam apenas as condições psíquicas do autor no momento do fato, afastada qualquer preocupação a respeito da existência ou não de doença mental ou distúrbio psíquico patológico. Critério pouco científico, de difícil averiguação, esse sistema se mostrou falho na aberrante “perturbação dos sentidos” da legislação anterior ao Código de 1940.
O terceiro critério é denominado sistema biopsicológico (ou biopsicológico normativo ou misto), adotado pela lei brasileira no art. 26, que combina os dois anteriores. Por ele, deve verificar-se, em primeiro lugar, se o agente é doente mental ou tem desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Em caso negativo, não é inimputável. Em caso positivo, averigua-se se era capaz de entender o caráter ilícito do fato; será inimputável se não tiver essa capacidade. Tendo capacidade de entendimento, apura-se se o agente era capaz de determinar-se de acordo com essa consciência. Inexistente a capacidade de determinação, o agente é também inimputável. (MIRABETE e FABBRINI, 2010, p. 196).[3]
Extrai-se, pois, que no critério biológico a inimputabilidade ocorrerá pela simples presença de doença mental ou pelo desenvolvimento mental incompleto, enquanto que no sistema psicológico é analisado tão somente se o indivíduo tem condições de entender o caráter ilícito do fato praticado ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, e, por fim, no sistema biopsicológico ocorre a junção dos critérios anteriores.
Assim sendo, nos termos do artigo 26 do Código Penal, a inimputabilidade, em regra, é aferida por meio do critério biopsicológico, note-se:
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Redução de pena Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Sobre o objeto do presento trabalho, são considerados inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos de idade, por expressa disposição do art. 27 do Código Penal: “Os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.”, que encontra fundamento no mandamento constitucional previsto no artigo 228.
Assim sendo, o Código Penal em seu artigo 27 adotou o critério biológico em relação aos menores de 18 (dezoito) anos de idade para dispor sobre a inimputabilidade, bastando a comprovação da menoridade por meio de documento oficial/legítimo, conforme disposto na Súmula 74 do Superior Tribunal de Justiça. Sobre isso, Cleber Masson melhor desenvolve o tema nos seguintes termos:
Em relação aos menores de 18 anos de idade adotou-se o sistema biológico para a constatação da inimputabilidade Tais pessoas, independentemente da inteligência, da perspicácia e do desenvolvimento mental, são tratadas como inimputáveis. Podem, inclusive, ter concluído uma faculdade ou já trabalharem com anotação em carteira de trabalho e previdência social. A presunção de inimputabilidade é absoluta (iuris et de iure), decorrente do art. 228 da Constituição Federal e do art. 27 do Código Penal, e não admite prova em sentido contrário. Nos termos da Súmula 74 do Superior Tribunal de Justiça, a prova da menoridade deve ser feita por documento hábil. Esse documento pode, mas não deve ser necessariamente a certidão de nascimento. Serve qualquer documento de identidade, certidão de batismo, carteira escolar etc. (Cleber Masson, 2022, 391)[4]
Diante destas premissas, tem-se que o menor de 18 (dezoito) anos deve se submeter à responsabilização prevista no art. 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, note-se: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.”
Destarte, o ECA em seu artigo 2º, caput, define criança como sendo pessoa contando com até os 12 (doze) anos de idade incompletos e adolescente quem tem entre 12 (doze) a 18 (dezoito) anos incompletos, ao passo que há disposição expressa no sentido de que criança que pratica ato infracional está sujeita tão somente as medidas de proteção (arts. 105 e 101, do ECA), não se lhe aplicando medida socioeducativa alguma, enquanto que ao adolescente podem ser aplicadas as medidas socioeducativas de advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade, internação em estabelecimento educacional e qualquer uma das medidas de proteção previstas no art. 101, I a VI, do ECA (art. 112, do ECA).
Na seara de proteção, a Constituição Federal em seus artigos 227 e 228 trata da Doutrina da Proteção Integral da Criança, e conforme define Liberatti (2003, p. 15)[5]: “é integral, primeiro, porque assim diz CF em seu art. 227, quando determina e assegura os direitos fundamentais de todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de qualquer tipo; segundo, porque contrapõe à teoria do ‘Direito tutelar do menor’.”
Sobre a doutrina da proteção integral envolvendo a criança e o adolescente, tem-se que compete aos pais, a sociedade e ao Estado proteger a infância de forma plena, pois se trata de um direito fundamental. Assim, é possível visualizar a importância de um tratamento especial à criança e ao adolescente, tendo como base sua condição especial de desenvolvimento, tanto que o artigo 227 da Constituição Federal aborda sobre o princípio da prioridade absoluta e proteção integral. Salomão Shecaira (2008, p. 137)[6] relata que, “Quis o constituinte separar os direitos e garantias das crianças e adolescentes do conjunto da cidadania com objetivo de melhor garantir sua defesa”.
Assim, fácil concluir que estão sujeitos às normas do Código Penal tão somente os maiores de 18 (dezoito) anos, estando os abaixo dessa idade sujeitos às normas da legislação especial, que no caso é o Estatuto da Criança e do Adolescente. Sobre a sistemática processual envolvendo a responsabilização do menor infrator, Saraiva adverte que:
Do ponto de vista das garantias penais, processuais e de execução no sistema da justiça da infância e juventude para jovens em conflito com a lei, autores de condutas infracionais, poder-se-ia, preliminarmente, afirmar, como aspecto primordial, que o Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe estes agentes da condição de OBJETO DO PROCESSO, como os tratava o anterior regime, para o status de SUJEITOS DO PROCESSO. Consequentemente, isso os tornou detentores de direitos e obrigações próprios do exercício da cidadania plena, observada sua peculiar condição de desenvolvimento (um dos postulados da ordem legal decorrente do Estatuto da Criança e do Adolescente), cumprindo um dos princípios fundamentais da Constituição Federal Brasileira, que estabelece em seu art. 1º, inc. III como fundamento da República, a Dignidade da Pessoa Humana. (Saraiva, 2002, p. 18-19)[7]
Logo, o Estatuto assegurou a todas as crianças e adolescentes todos os direitos inerentes à pessoa humana e, de maneira substancial, considerou a necessidade de garantir o seu pleno desenvolvimento, tornando-os sujeitos de direitos. Sobre isso, Pereira (2008, p. 942)[8] acrescenta que “As medidas socioeducativas, quando efetivamente aplicadas, somadas a outras de caráter geral, tais como educação, atendimento à saúde, proteção à família etc., impediram o alto grau de criminalidade dominante, especialmente nas grandes cidades.”
Ademais, parte da doutrina aponta que o artigo 228 da Constituição Federal tem natureza de direito fundamental, logo, de cláusula pétrea, razão pela qual não pode ser extirpado ou sofrer limitação que coloque em risco o núcleo essencial do direito assegurado. Assim, discursa Dotti:
“Estabelece o art. 228 da CF que os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos apenas às normas da legislação especial. A inimputabilidade assim declarada constitui uma das garantias fundamentais da pessoa humana, embora topograficamente não esteja incluída no respectivo Título (II) da Constituição que regula a matéria. Trata-se de um dos direitos individuais inerentes à relação do art. 5º, caracterizando, assim, uma cláusula pétrea. Consequentemente, a garantia não pode ser objeto de emenda constitucional visando à sua abolição para reduzir a capacidade penal em limite inferior de idade – dezesseis anos, por exemplo, como se tem cogitado. A isso se opõe a regra do § 4º, IV, do art. 60 da CF”. (DOTTI, 2005, p.412)[9]
Por outro lado, Lenza sustenta que a inimputabilidade penal em razão da menoridade não é cláusula pétrea:
Importante assinalar que a inimputabilidade penal dos menores de 18 anos, além de prevista no art. 27 do CP, encontra-se determinada no art. 228 da CF. Há autores, inclusive, que sustentam tratar-se de cláusula pétrea. Não é a nossa opinião. Como se sabe, as cláusulas pétreas encontram-se previstas no art. 60, § 4º, do Texto Maior, inserindo-se dentre elas as 53 normas constitucionais ligadas aos direitos e garantias fundamentais (inc. IV). Para nós, a previsão da irresponsabilidade penal dos menores de 18 anos não constitui direito ou garantia fundamental. Isto porque, muito embora os direitos e garantias fundamentais que constituem cláusulas pétreas não se esgotem no âmbito do art. 5º da CF, todos aqueles relativos à matéria penal e processual penal encontram-se no citado dispositivo. Entendemos, então, que a norma contida no art. 228 do Texto Maior pode ser alterada, por meio de emenda à Constituição.
Destarte, percebe-se que há divergência doutrinária acerca da inimputabilidade penal dos menores de 18 (dezoito) anos ser considerado cláusula pétrea, sendo que isso influência na forma de alteração da norma quanto à redução da maioridade penal, como veremos a seguir.
3. A POLÊMICA ACERCA DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
Em razão do aumento da criminalidade e na dificuldade do Estado prevenir a ocorrência de atos infracionais, surgem ideias para a promoção da redução da maioridade penal. Sobre isso, Saraiva esclarece o seguinte:
A discussão em torno da responsabilidade penal juvenil e da delinquência na adolescência, costuma ser conduzida para que imediatamente o foco seja direcionado para a proposta do rebaixamento da idade penal, posicionando-se dois grupos em pontos opostos.
A discussão toma este rumo pela desconsideração de que, desde a ratificação da Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança pelo Brasil, desde antes, com o advento da Constituição Federal e, especialmente, desde o Estatuto da Criança e do Adolescente, se estabeleceu no país um sistema de responsabilidade juvenil.
No debate, posicionam-se, em um extremo, os partidários da Doutrina do Direito Penal Máximo, idéia fundante do movimento Lei e Ordem, que imagina que com mais rigor, com mais pena, com mais cadeia, com mais repressão em todos os níveis, haverá mais segurança.
No outro extremo, os seguidores da idéia do Abolicionismo Penal, para quem o Direito Penal, com sua proposta retributiva, faliu, que a sociedade deve construir novas alternativas para o enfrentamento da criminalidade, que a questão da segurança é essencialmente social e não penal, e que insistem em ressuscitar o discurso do velho direito tutelar na interpretação que pretendem dar às normas do Estatuto da Criança e do Adolescente.
A razão nunca está nos extremos. Em meio a estes opostos há a Doutrina do Direito Penal Mínimo, que reconhece a necessidade da prisão para determinadas situações, que propõe a construção de penas alternativas, reservando a privação de liberdade para os casos que representam um risco social efetivo. Busca nortear a privação de liberdade por princípios como o da brevidade e o da excepcionalidade, havendo clareza que existem circunstâncias em que a prisão se constitui em uma necessidade de retribuição e educação que o Estado deve impor a seus cidadãos que infringirem certas regras de conduta. (Saraiva, 2005, p. 83-84)[10]
O autor Rebelo (2010, p.22) opina que:
A redução do patamar etário penal poderia acarretar uma redução da violência, visto que o jovem criminoso seria punido com a pena correspondente ao delito praticado, proporcionando, assim, uma justa punição aos jovens delinqüentes. É possível até mesmo se aventar a hipótese de descabimento do tratamento dado ao menor, porque isso feriria o princípio da proporcionalidade da pena, segundo o qual a pena tem que ser proporcional à lesão causada, e uma internação máxima de três anos para casos de crimes como homicídio seria demasiadamente branda.
Há quem sustente que a possibilidade de o jovem com 16 (dezesseis) anos de idade poder exercer o direito facultativo ao voto, se casar, poder ser emancipado, fundamentam a tese que detém capacidade para poder responder por seus atos perante a Justiça Criminal, posto que se presume ter maturidade e discernimento para praticar seus atos. Saraiva (2003, p. 165) opina no seguinte sentido:
Dizer-se que o jovem de 16 anos pode votar e por isso pode ir para a cadeia é uma meia-verdade (ou uma inverdade completa). O voto aos 16 anos é facultativo, enquanto a imputabilidade é compulsória. De resto, a maioria esmagadora dos infratores nesta faixa de idade nem sequer sabe de sua potencial condição de eleitores; faltam-lhes consciência e informação.
Percebe-se, como já visto, que há posicionamentos divergentes acerca da viabilidade da redução da maioridade penal como forma reduzir a violência juvenil, mas certo é que o legislador deve sempre buscar a proteção integral da criança e do adolescente, por serem pessoas em desenvolvimento que reclamam uma atenção especial, ainda que isso ocorra no campo da responsabilização por ato infracionais praticados.
4. INSTRUMENTO JURÍDICO CABÍVEL PARA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
Acerca do instrumento jurídico adequado para promover a redução da maioridade penal, Masson apresenta duas posições pertinentes, quais sejam, a primeira assevera que inimputabilidade do menor de 18 (dezoito) anos é cláusula pétrea implícita, de forma que a alteração da maioridade penal depende do surgimento de uma nova ordem constitucional, e a segunda admite que uma emenda constitucional altere o arcabouço protecionista envolvendo o menor que está em conflito com a lei. Note-se:
Muito se discute sobre a possibilidade da diminuição da maioridade penal, e qual seria o instrumento necessário para tanto, visando considerar imputáveis as pessoas a partir de idade inferior a 18 anos. Recorde-se que os menores de 18 anos são inimputáveis por expressa determinação constitucional (art. 228). Sobre o assunto há duas posições: 1) A redução da maioridade penal somente seria possível com o advento de uma nova Constituição Federal, fruto do Poder Constituinte Originário. A maioridade penal constitui-se em cláusula pétrea implícita, referente ao direito fundamental de todo menor de 18 anos de não ser processado, julgado e condenado pela Justiça comum. 2) E suficiente uma emenda constitucional, por não se tratar de cláusula pétrea, mas de norma constitucional inserida no capítulo inerente à família, à criança, ao adolescente e ao idoso. A propósito, já foram apresentadas diversas propostas de Emenda Constitucional nesse sentido, mas até agora nenhuma delas foi aprovada. (Masson, 2022, p. 392)[11]
Assim, tem-se que o instrumento jurídico necessário depende da natureza jurídica da norma que considera como inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos de idade.
Não obstante a divergência acerca do instrumento jurídico adequado, foi proposta a Emenda à Constituição n.º 115/2015 (PEC 171/1993), cujo objeto é buscar estabelecer que são penalmente inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos, sujeitos às normas da legislação especial, ressalvados os maiores de 16 (dezesseis) anos, observando-se o cumprimento da pena em estabelecimento separado dos maiores de 18 (dezoito) anos e dos menores inimputáveis, em casos de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte.
Sobre a proposta de emenda constitucional e a natureza da norma que trata sobre a inimputabilidade penal em razão da menoridade, Rogério Sanches apresenta comentários pertinentes em sua obra de Direito Penal, vejamos:
198. CF/88. Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. Para muitos, a menoridade constitucionalmente prevista retrata garantia constitucional dos jovens, não podendo ser diminuída, sequer por meio de emenda constitucional (cláusula pétrea). Tramita no Congresso Nacional proposta de emenda constitucional, já aprovada na Câmara dos Deputados, para alteração do art. 228 da CF/88. De acordo com o texto aprovado, o art. 228 dispõe, como regra, sobre a inimputabilidade dos menores de dezoito anos, sujeitos a normas da legislação especial (Lei 8.069/90). Excepcionalmente, os menores com dezesseis anos completos podem ser responsabilizados penalmente, caso sejam autores dos chamados crimes graves, como os hediondos e equiparados (salvo o tráfico de drogas), de homicídio doloso, de lesão corporal grave, de lesão corporal seguida de morte ou de roubo majorado. O tema é objeto de extenso debate, não somente sobre a viabilidade da medida em termos práticos, mas também relativamente à constitucionalidade da proposta: a) há quem sustente que a norma constitucional sobre a imputabilidade seja cláusula pétrea. Assim se manifestam com base no entendimento de que os direitos e garantias fundamentais não se restringem ao rol do art. 5° da CF/88, mas podem ser encontrados em outros dispositivos cujo conteúdo seja materialmente relacionado ao núcleo da Constituição. Por isso, voltado à proteção integral da pessoa do adolescente, o art. 228 não poderia ser objeto de proposta de emenda tendente a abolir suas disposições; b) há ainda aqueles que argumentam não se tratar de cláusula pétrea, pois a inimputabilidade não está no elenco de direitos e garantias fundamentais do art. 5º da CF/88; c) finalmente, há quem considere não haver óbice à emenda mesmo que se conclua se tratar de cláusula pétrea, que não é imodificável, mas refratária tão somente à abolição ou ao completo desvirtuamento de seu núcleo, o que não ocorre com a proposta de emenda em discussão, que somente modifica o art. 228 para possibilitar a devida resposta estatal à prática de crimes por indivíduos que demonstrem pleno discernimento. Aliás, nesse aspecto encontramos certa inconsistência na proposta que, tudo indica, será aprovada. Efetivamente, a emenda permite que o agente com dezesseis anos completos seja responsabilizado pelo cometimento de apenas algumas figuras criminosas. Trata-se, claramente, de solução política em que se busca o meio-termo em razão da resistência sofrida pela proposta no âmbito do próprio Legislativo. Há, no entanto, um aspecto técnico relativo à imputabilidade, cujo fundamento é a capacidade de discernimento, que não pode ser ignorado: como se sustenta que alguém tenha discernimento para cometer um cruel homicídio e não o tenha para furtar uma bicicleta? Ou o agente tem a capacidade biológica de se determinar de acordo com a lei (para qualquer crime) ou não a tem (para nenhum crime). A consciência, portanto, não pode ser variável de acordo com a figura criminosa. (Sanches, 2017, 314-315)[12]
Não obstante as divergências acerca da norma se tratar de cláusula pétrea ou não, certo é que se as medidas socioeducativas fossem aplicadas conforme previsto na norma de regência, observando a finalidade pedagógica, com acompanhamentos escolar, profissional, psicológico e médico adequados, somado com monitoramento integral por parte dos pais, da sociedade e do Estado, muito provavelmente a redução de atos infracionais ocorreria com a mesma efetividade. Neste lume cumpre observar,
A prevenção da criminalidade e a recuperação do delinquente se darão, como quer o Estatuto, com a efetivação das políticas sociais básicas, das políticas sociais assistenciais (em caráter supletivo) e dos programas de proteção especial (destinados às crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e/ou social), vale dizer, com o Estado vindo a cumprir seu papel institucional e indelegável de atuar concretamente na área da promoção social. Então, para o adolescente autor de ato infracional a proposta é de que, no contexto da proteção integral, receba ele medidas socioeducativas (portanto, não punitivas), tendentes a interferir no seu processo de desenvolvimento objetivando melhor compreensão da realidade e efetiva integração social (MAIOR, 2006, p. 559-560).[13]
Destarte, pode-se concluir que a eficácia das medidas socioeducativas não encontra correspondência no aumento do rigor da lei nem na amplitude do seu alcance, mas tão somente na garantia de sua aplicação.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme exposto ao longo deste trabalho, o legislador estabeleceu o critério cronológico para fixar a imputabilidade penal a partir dos 18 (dezoito) anos de idade, sendo que em relação à inimputabilidade penal em razão da menoridade adotou-se o critério biológico, presumindo-se a sua condição de inimputável, em consonância com o art. 228 da Constituição Federal.
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA tem como pressuposto a concepção da criança e adolescente como sujeitos de direitos, dando garantia ampla aos seus direitos sociais e pessoais.
Entretanto, com o crescente envolvimento de adolescentes na prática de ilícitos penais faz com que parte dos agentes políticos e da sociedade optem pela redução da maioridade penal, o que resulta em debates com quem tem posicionamento contrário. A despeito disso, foi proposta a Emenda à Constituição n.º 115/2015 (PEC 171/1993), que prevê a possibilidade de desconsiderar a inimputabilidade penal de maiores de 16 (dezesseis) anos e menores de 18 (dezoito) anos, e passando a cumprir pena em estabelecimento separado, em casos de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte.
Como visto, o ordenamento jurídico prevê disposições especiais para responsabilizar o menor de 18 (dezoito) anos que incorre na prática de ato infracional, notadamente por se tratar de pessoa em desenvolvimento. Acontece que em razão do aumento da violência juvenil há quem busque a redução da maioridade penal, só que isso fere a ordem constitucional vigente, posto que, embora haja posicionamentos divergentes, pode-se afirmar que se trata de direito fundamental e cláusula pétrea.
Isso porque, o recrudescimento da norma penal não reduzirá a violência, tampouco trará efeitos positivos para os jovens que estão em situação de risco por conta da prática de atos que contrariam a lei, uma vez que a mudança deve ocorrer num contexto geral, especialmente por meio da formulação de políticas públicas na área de educação, cultura, saúde, profissional e lazer.
Como visto, ao adolescente infrator cabe cumprir as medidas socioeducativas previstas no ECA, que se cumpridas no modo previsto na legislação é possível solucionar o problema melhor do que a redução da maioridade penal.
Assim, o presente estudo teve por finalidade refletir que a redução da maioridade penal não é o caminho mais viável para a redução da violência juvenil, devendo existir, pois, uma política de prevenção e não simplesmente de punição.
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[2] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 326.
[3] MIRABETE, Julio Fabbrini e FABRRINI, Renato, Manual de Direito Penal- Parte Geral, 27ª edição, editora Atlas, São Paulo, 2011, p. 196.
[4] MASSON, Cleber. Direito penal: parte geral, (arts. 1º a 120), v. 1. 16. ed. Rio de Janeiro: São Paulo: Método, 2022, 391.
[5] LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 7. Ed. Rev. E ampl., de acordo com o novo Código Civil (ei 10.406/2002). São Paulo: Malheiros Ed., 2003, p. 15.
[6] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de Garantias e o Direito Penal Juvenil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 137.
[7] SARAIVA, João Batista Costa. Direito Penal Juvenil: adolescente e ato infracional: garantias processuais e medidas socioeducativas. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2002, p. 18-19.
[8] PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente – Uma proposta interdisciplinar. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 942.
[9] DOTTI, René Ariel, 1934 – Curso de direito penal: parte geral – Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 412.
[10] SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em conflito com a lei: da indiferença à proteção integral: uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. 2.ed. ver. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 83-84.
[11] MASSON, Cleber. Direito penal: parte geral, (arts. 1º a 120), v. 1. 16. ed. Rio de Janeiro: São Paulo: Método, 2022, 392.
[12] CUNHA, Rogério Sanches. Manaul de direito penal: parte geral (arts. 1º a 120). 5. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: JusPODIVM, 217, p. 314-315.
[13] MAIOR, Olympio Sotto. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. São Paulo: Malheiros, 2006, 559-560.
Graduada em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Ji-Paraná – CEULJI/ULBRA. Especialista em Direito Constitucional pelo Gran Centro Universitário. Ex-Assistente Ministerial do Ministério Público do Estado de Rondônia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Geovanna Pinheiro da. A redução da maioridade penal é via adequada para reprimir a violência juvenil? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 ago 2024, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/66151/a-reduo-da-maioridade-penal-via-adequada-para-reprimir-a-violncia-juvenil. Acesso em: 22 nov 2024.
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