Resumo: A arte imita a vida, ou seria o contrário? O fato que se apresenta numa série “Bebê Rena” traz um convite à reflexão séria, afinal há uma confrontação entre a realidade e o mundo do irreal, ou imaginário, esta questão intensa ocorrida dentro da mente humana e, reproduzida através de alguns dos mais diversos atos, espontâneos ou não no cotidiano, o que nem sempre é compreendido e quiçá aceito, uma vez estar fora do alcance daqueles que convivem com pessoas que apresentam estes alertas de necessidade de busca de tratamento, o que normalmente não é aceito, ora por desconhecer o que se passa, ora por preconceito de buscar atendimento terapêutico, frente a esta situação incômoda, muitos transitam nesta vida com soluções mentais, como fuga da realidade, o que gera a chamada fuga da realidade, forçada ou involuntária, como ocorre na série “Bebe Rena”, principalmente no que diz respeito a questão de estupro de vulnerável.
Palavras chaves: Estupro. Vulnerável. Bebê. Rena. Psicanálise.
Summary: Does art imitate life, or would it be the opposite? The fact that is presented in a series “Baby Rena” brings an invitation to serious reflection, after all there is a confrontation between reality and the world of the unreal, or imaginary, this intense issue occurring within the human mind and, reproduced through some of the most various acts, spontaneous or not in everyday life, which is not always understood and perhaps accepted, as it is beyond the reach of those who live with people who present these warnings of the need to seek treatment, which is normally not accepted, sometimes unaware of what is going on, sometimes out of prejudice to seek therapeutic care, faced with this uncomfortable situation, many go through this life with mental solutions, such as escaping from reality, which generates the so-called escape from reality, forced or involuntary, as occurs in the series “Bebe Rena”, especially with regard to the issue of rape of vulnerable people.
Keywords: Rape. Vulnerable. Baby. Reindeer. Psychoanalysis.
Sumário: 1.Introdução; 2. Os fundamentos da psicanálise: filosofia; 3.Uma visão da construção da Psicanálise; 4. Uma síntese da série “Bebê rena”; 5. A lei e o estupro de vulnerável; Considerações Finais.
1.Introdução
A realidade tem sido estudada a partir da filosofia, para se assentar o que vem a ser até a questões do estudo dos problemas de distúrbios mentais.
É fato que se torna importante perceber o que vem a ser esta questão uma vez que ela define aspectos sensíveis no aspecto o que se vê ou o que se pensa estar vendo.
Nesta esteira se precisa verificar que na ideia proposta a realidade tem a ver com o que pode ser considerado real, o que existe no mundo dos chamados vivos.
E esta fuga é fugir desta realidade (ou real) para se proteger, ou mesmo, sem o devido controle mental, entrando no que Freud chama de neurose.
Infelizmente, esta disposição não tem sido enfrentada por poucos, tem sido a história de vida de muitas pessoas que nem percebem saíram de uma realidade facta, para uma sintonia totalmente adversa, fugindo inclusive do que pode se considerar aceitável. (Se cuidando para não usar a perigosa palavra “normal”).
Toda esta carga tem sido destilada de forma cruel dentro dos círculos de amizade, quando estes existem, de relacionamentos profissionais, e até amorosos, entre outros socialmente estabelecidos.
A questão vai para além de tudo que se possa imaginar, afinal, quando se busca uma alternativa ao que se poderia viver, usando de muita imaginação, e até criando um paralelo ao que se existe, gera efeitos.
Estes efeitos sem dúvida nenhuma desagua na existência de alguns causando problemas bem correlatos a este, que vem com outros sintomas traumáticos.
Na excelente série “Bebe Rena”, se pode perceber quais os efeitos desta distorção da realidade e vivência numa alternativa assustadora.
No enredo (afirma-se ser uma história real) se percebe a demonstração de como desta fuga da realidade, pode se incorrer em alguns dos crimes tipificados no Código Penal Brasileiro, para efeito de reflexão.
Não só a questão stalker (stalking), bem como até violência física e psicológica, injúria, calúnia, difamação, invasão de privacidade, estupro de vulnerável, entre outros que poderiam ser alinhados.
Contudo, o mais cruel, violento e abusivo é o estupro de vulnerável.
Assusta imaginar que situações como protagonizadas podem ser reais e vividas por alguns que acabam por demonstrar também serem portadores de possíveis tratamentos, por dar guarida a situação limítrofe.
Diante deste convite a repensar algumas situações, se pode verificar, quais os limites sobre reagir a certos atos?
O que é considerado como estupro de vulnerável?
É possível um homem ser estuprado?
Neste caso, o homem possui o mesmo direito que uma mulher?
2.Os fundamentos da psicanálise: filosofia
A psicanálise caminha junto com a filosofia que oferece o arcabouço metalinguístico desta área.
Na filosofia se encontra conceitos sobre a questão linguística e também fenomenológica, trazendo de forma consistente solidez as teorias desenvolvidas e aplicadas.
Dir-se-ia que os diferentes conceitos filosóficos não são nada arbitrários, que não se desenvolvem separadamente, mas que mantém certo parentesco. Precisamente por isso, ao fazer sua aparição na história do pensamento, não deixam de pertencer a um mesmo sistema, exatamente o mesmo que os diversos representantes da fauna do continente. (NIETZSCHE, 2001, p. 20).
Nietzsche em seu texto, apresenta um forma de enxergar a filosofia e seus conceitos, apontando a importância da ligação que um filósofo acaba por manter com outro, uma vez que a filosofia não navega sozinha, muito pelo contrário, existe e sobrevive de outros novos e antigos pensadores que acaba por construir uma ponte entre os “continente”.
Acompanhando esta linha se pode encontrar Foucault, proporcionando de forma mais direta a importância da filosofia para reabrir questões fundamentais da sociedade, uma vez que há uma dependência de antigos pensadores que mormente possivelmente vivenciaram outras situações;
Vivemos um momento em que a função do intelectual específico deve ser reelaborada. Não abandonada, apesar da nostalgia de alguns pelos grandes intelectuais "universais" (dizem: "precisamos de uma filosofia, de uma visão do mundo"). Basta pensar nos resultados importantes obtidos com relação à psiquiatria, que provam que essas lutas locais e específicas não foram um erro, nem levaram a um impasse. Pode−se mesmo dizer que o papel do intelectual específico deve se tornar cada vez mais importante, na medida em que, quer queira quer não, ele é obrigado a assumir responsabilidades políticas enquanto físico atômico, geneticista, informático, farmacologista, etc. Seria perigoso desqualificá−lo em sua relação específica com um saber local [...] (FOUCAULT, 1986, p. 10). (Destaques nossos)
Nesta ideia, o filosofo ainda introduz o resultado importante de se destacar a questão psiquiátrica tão delicada em tempos passados.
Veja a influência na construção importante da filosofia em assuntos muito severos e trágicos de uma sociedade, demonstrando seu papel importante e de destaque em todas as esferas humanas.
E nesta escalada se chega a obra de Hegel, sobre Fenomenologia do Espírito, traçando a linha mestra e importante sobre a universalidade do conhecimento, tratando da consciência de forma a trazer lume a muitos ensinamentos anteriores e posteriores a seu escrito.
Para a consciência, o interior é ainda um puro Além, porquanto nele não encontra ainda a si mesma: é vazio, por ser apenas o nada do fenômeno, e positivamente [ser] o Universal simples. Essa maneira de ser do interior está imediatamente em consonância com [a opinião de] alguns, de que o interior é incognoscível; só que o motivo disso deveria ser entendido diversamente. Sem dúvida, não pode haver nenhum conhecimento desse interior, tal como ele aqui é imediatamente; não porque a razão seja míope ou limitada, ou como queiram chamá-la (a propósito, nada sabemos aqui, pois não penetramos ainda tão fundo), mas pela simples natureza da Coisa mesma: justamente porque no vazio nada se conhece; ou, expressando do outro lado, porque esse interior é determinado como o além da consciência. (HEGEL, 2003 p.117).
Se torna imprescindível a filosofia atuar em outros ramos da ciência humana uma vez que proporciona a capacidade de perscrutar o conhecimento, o entendimento, com clareza límpida deslustrando possibilidade de avançar em diversas áreas.
Além disso, Hegel comentando sobre a consciência expõe argumento vívido e muito eficaz, apresentando o fenômeno existente, tratando de sua existência interior, mostrando para “além” desta questão.
E para demonstrar a riqueza encontrada na fonte filosofia, pode se verificar o tratamento alcançado por Merleau-Ponty, em sua obra que deslinda de forma icônica a questão da fenomenologia da percepção, onde trata da sensação.
E, se tentamos apreender a "sensação" na perspectiva dos fenômenos corporais que a preparam, encontramos não um indivíduo psíquico, função de certas variáveis conhecidas, mas uma formação já ligada a um conjunto e já dotada de um sentido, que só se distingue em grau das percepções mais complexas e que portanto não nos adianta nada em nossa delimitação do sensível puro. Não há definição fisiológica da sensação e, mais geralmente, não há psicologia fisiológica autônoma porque o próprio acontecimento fisiológico obedece a leis biológicas e psicológicas. Durante muito tempo, acreditouse encontrar no condicionamento periférico uma maneira segura de localizar as funções psíquicas "elementares" e de distingui-las das funções "superiores", menos estritamente ligadas à infra-estrutura corporal. Uma análise mais exata mostra que os dois tipos de funções se entrecruzam. O elementar não é mais aquilo que, por adição, constituirá o todo, nem aliás uma simples ocasião para o todo se constituir. O acontecimento elementar já está revestido de um sentido, e a função superior só realizará um modo de existência mais integrado ou uma adaptação mais aceitável, utilizando e sublimando as operações subordinadas. (Merleau-Ponty, 1999, p.31).
A sensação é apresentada na “perspectiva dos fenômenos corporais”, aprofundando “um indivíduo psíquico”, desaguando nas chamadas percepções, o que claramente vem a trazer luz as ideias freudianas, uma vez que demonstra claramente, o sentido de seus pensamentos bem como oferecendo o rico vocabulário filosófico o que transpassa ao entendimento precípuo.
Esta união, entre as ciências só enriquece ainda mais os pensadores, apontando a necessidade de proximidade e não separação entre as mais diversas áreas do conhecimento humano.
É evidente que o pensamento humano pode ser diverso, mais quando apresenta linha de proximidade com outras linhas do conhecimento humano é de bom tom ao menos adentrar para se verificar se há consistência no afirmado, bem como aproximação de um entendimento com outro, se há sentido, se há igualdade ou ao menos semelhança, por que não usá-lo?
A inteligência faz uso de tudo que pode fazer prosperar uma nova área ou até a reformulação de um linha de pensamento que possa trazer luz, ciência aquilo que necessita de aperfeiçoamento.
Nesta mesma senda Hume oferece uma boa demonstração como esta ideia de estreitamento das mais diversas áreas do conhecimento humano se pode unir para traduzir ideia e transmiti-la de forma lúcida.
Um artista estará mais bem qualificado para triunfar em seu empreendimento se possui, além de gosto delicado e de rápida compreensão, um conhecimento exato da estrutura interna do corpo, das operações do entendimento, do funcionamento das paixões e das diversas espécies de sentimentos que distinguem o vício e a virtude. Por mais árdua que possa parecer esta pesquisa ou investigação in- terna, ela se toma, em certa medida, indispensável àqueles que quiserem descrever com sucesso as aparências exteriores e patentes da vida e dos costumes. O anatomista apresenta aos olhos os objetos mais hediondos e desagradáveis, porém sua ciência é útil ao pintor, quando desenha até mesmo uma Vênus ou uma Helena. Enquanto o pintor emprega as cores mais ricas de sua arte e dá às suas figuras o aspecto mais gracioso e o mais atraente, deve ainda dirigir sua atenção para a estrutura interna do corpo humano: a posição dos músculos, o sistema ósseo e a forma e função de cada parte ou órgão. A exatidão e, em todos os casos, vantajosa à beleza, e o raciocínio justo ao sentimento delicado. Em vão exaltaríamos uma desvalorizando a outra. (HUME, p.4)
Há sem dúvida alguma ganho quando se parte de pressupostos já traçados por aqueles que detêm outro campo de conhecimento, daquele que está a adentrar dentro de uma área diversa de seu conhecimento e prática.
Para tanto há a necessidade também de se conhecer além do conhecido, precisa muitas vezes de pesquisa, estudo, compreensão, e contrapor com sua área de domínio, assim fez o fundador da psicanálise em sua pesquisa e contraposição com a filosofia para explicação de seu entendimento.
3.Uma visão da construção da Psicanálise
No aporte do até aqui apresentado se faz mister apresentar para a construção do arcabouço dos argumentos usados a teoria da psicanálise para fortalecimento do entendimento.
A ideia primal é se começar sobre o imaginário;
Esse perigo é, de modo geral, psíquico, pois o homem primitivo não é impelido a fazer, neste ponto, duas distinções que nos parecem inevitáveis. Ele não diferencia o perigo material do psíquico e o real do imaginário. Em sua concepção do mundo, coerentemente aplicada, todo perigo vem da intenção hostil de um ser animado como ele, tanto o perigo de uma força natural como o de outros homens ou animais. Por outro lado, ele está acostumado a projetar seus impulsos hostis internos no mundo exterior, ou seja, a atribuí-los aos objetos que sente como desagradáveis ou apenas como desconhecidos. (FREUD, 2013, p.293).
O que vem a ser o imaginário?
Freud usa deste termo para descrever a questão da realidade (o real) com o que se poderia opor, irreal, ou seja, o imaginário.
Nesta ideia se refere ao homem em seu estado primitivo, podendo, vez ou outra reaparecer nos dias atuais, este “não diferencia o perigo material do psíquico e o real do imaginário”.
Aqui está a substância perigosa, afinal, não conseguir distinguir, o que se chama de realidade do imaginário pode causar sim, transtornos dos mais diversos.
Ato contínuo, expõe-se a coluna vertebral da psicanálise, o inconsciente.
Tal impressão é animada, torna-se ativa, de modo que começa a manifestar efeitos, mas não chega à consciência, permanece "inconsciente", como hoje costumamos dizer, usando uma expressão que se tornou inevitável na psicopatologia. Desejamos que esse inconsciente esteja livre de todas as disputas dos filósofos e filósofos da natureza, que frequentemente têm significação apenas etimológica. Por enquanto não temos denominação melhor para os processos psíquicos que se comportam de maneira ativa mas não chegam à consciência da pessoa, e é isso o que entendemos por "ser inconsciente". Quando alguns pensadores nos questionam a existência de tal inconsciente, alegando ser ilógica, acreditamos que jamais se ocuparam dos fenômenos psíquicos correspondentes, acham-se presos à experiência regular de que todo psíquico, que se torna ativo e intenso, torna-se também consciente [...] (FREUD, 2015, p.65). (Destaques nossos).
Na gôndola deste ensejo, se percebe o uso desta terminologia, inconsciente, que passa a ser uma referência importante nos processos que não chegam a consciência, assim este fenômeno, tem sua caracterização bem solidificada, compreensível.
Esta base estabelecida para haver uma comunicação vai construindo a psicanálise de forma a ser calcada na observação das comunicações existente entre paciente e Freud.
Entra também no rico vocabulário psicanalítico outro termo importante;
A predisposição às neuroses relaciona-se de outra maneira ao desenvolvimento sexual prejudicado. As neuroses estão para as perversões como o negativo para o positivo; nelas podem ser demonstrados os mesmos componentes instintuais que nas perversões, como portadores dos complexos e formadores de sintomas, mas atuando a partir do inconsciente. Experimentaram uma repressão, portanto; mas puderam, apesar dela, firmar-se no inconsciente. A psicanálise nos permite ver que uma manifestação excessiva desses instintos, em idade muito tenra, leva a uma espécie de fixação parcial que representará um ponto fraco no conjunto da função sexual. (FREUD, 2013, p.206). (Destaques nossos).
Na inclusão da expressão neurose vai lapidando a ideia da psicanálise, uma vez que como uma linha de conhecimento nova, necessita ser construída com uma base sólida.
A neurose tem suas variações para atender as mais diversas formas apresentadas desta psicopatologia.
É há a evidente junção do inconsciente com a neurose para formação e deslinde da perversão, o que fatalmente chega-se a repressão.
No conjunto destas expressões e suas conceituações vai se moldando a perene orla de definições apropriadas a cada caso demonstrado, estudado e pesquisado.
Nesta vértice acrescentar duas outras palavras para a construção da matéria tratada;
A decomposição de Flechsig vai ainda mais longe nos últimos estágios da doença (p.193). Uma tal decomposição é bem característica da paranoia. Esta decompõe assim como a histeria condensa. Ou melhor, a paranoia dissocia novamente as condensações e identificações realizadas na fantasia inconsciente. O fato de essa decomposição repetir-se várias vezes em Schreber exprime, de acordo com C. G. Jung a importância da pessoa em questão. (FREUD, 2010, p.44).
Evidentemente há muitas outras expressões importantes, contudo, histeria de maneira particular é acentuadamente importantíssima pela sua caudal significância.
Há também a introdução da palavra paranoia, elemento vital nas observações e caudilho da psicanálise.
4.Uma síntese da série “bebê rena”
A série bebê rena, apontada como uma história real, apresenta grande parte do que a psicanálise trata como fuga da realidade, além de também possuir os chamados substitutos guarnecidos pelos personagens.
Nela Martha e Donny, a primeira pode ser considerada uma stalker, pelo métodos usados de perseguição implacável, inclusive com famílias e amigos.
Donny sonha com a ideia de ser um comediante de sucesso e para tanto sai da Escócia e vai para Londres. Ali ele trabalha num bar e conhece Martha, após oferecer um chá.
Os dias vão passando e Martha começa a frequentar o bar todas as tardes, passando longas horas ali, entre conversas, risadas, e insinuações de cunho bem intimista, com tons sexuais bem acentuados.
Fora estas visitas, os e-mails chegam diariamente em quantidade massiva. Os dias vão passando e outras experiências vão se acrescentando uma a uma e se tornando cada vez mais acintosas.
Em um determinado momento, após a inclusão da personagem Martha, Donny vai relembrando certos aspectos de sua chegada a Londres e o contato com um ator que vai pouco a pouco o seduzindo com um discurso próprio de um predador.
Este é sem dúvida o ponto alto de toda trama, pois desvenda o estupro de vulnerável, o conhecido ator o vai drogando a ponto de em uma das ocasiões se aproveitar de seu tupor e enfim estupra-lo, sem condições de resistência ou qualquer coisa parecida.
Sim um homem pode ser estuprado.
O estupro de vulnerável ocorre quando a vítima não tem como dizer “não” ao ato, ou então, não conseguir oferecer conscientemente resistência. No caso as duas caracterização são efetivamente encontradas no ato sexual não consentido.
A série com uma trama muito bem traçada, parece concentrar toda situação a perseguição de Martha a Donny, mas o ponto alto de toda a trama é quando o aspirante a comediante conta numa de suas apresentações o estupro sofrido.
Sem dúvida, após este incidente, muitas coisas ficam claras, e a dependência que Donny cria de Martha fica patente.
5.A lei e o estupro de vulnerável
As leis brasileiras bem com internacionais preveem esta conduta como criminosa.
A doutrina majoritária assim entende;
Súmula 593 do STJ – " O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente.”8 de mai. de 2024.
Há sem dúvida como apresentada pelo STJ o clássico estupro de vulnerável, o de menores de 14 anos, e para este a lei de forma taxativa afirma que menor de 14 anos, não tem como consentir em tal pratica.
Porém, a legislação implica;
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. (Código Penal)
A letra da lei afirma, “necessário discernimento para a prática do ato”, alguém com as condições mentais diminuídas por uso de drogas e afins, não tem condições alguma de oferecer consentimento para prática sexual consentida, e neste ponto, se não há consentimento, o estupro se estabelece como a prática.
No condão da análise deste crime em espécie no caso em tela, a série Bebê Rena, se discute o ato praticado pelo ator sem o consentimento ou anuência de Donny.
Há várias ramificações sobre estupro de vulnerável que a doutrina como Cezar Bitencourt, Greco e Nucci corrobora, contudo, não é objetivo descer a minúcias, a série não dá azo a esta possibilidade.
O estupro tem sido uma doença da mais graves na sociedade humana por séculos e, em alguns momentos não considerada em toda sua hediondez, ao contrário, houve até uma certa tolerância.
Havia por exemplo, no caso de estupro de vulnerável (ou como menores de 14 anos) o caso de se o estuprador casasse com a vítima havia um certo perdão, para não atrapalhar os nubentes.
A jurisprudência traz ínsita várias alusões a este momento turvo da vida jurídica brasileira.
Em 2009, com a Ascenção de um novo formato de lei de crimes contra os costumes, ou seja, crimes de cunho sexual, que o estupro de vulnerável foi tomando eco.
Há ainda uma discussão insólita sobre o assunto, alguns doutrinadores formulando que houve uma má formulação na descrição do texto legal, outros afirmando que é uma questão de melhor leitura.
Para o bem ou para o mal o texto legal trouxe sim uma melhor condução do assunto, oferecendo ao menos possibilidade que antes não ocorria, o de transpor a máxima de não punição, ou de saídas como casamento com a vítima.
O fato inconteste é que se precisa denunciar de forma exequível aqueles que tentam justificar tal ato, seja com menores de 14 anos, seja com situação de vulnerabilidade.
Considerações Finais
A tolerância com determinadas condutas, deve permear a inaceitabilidade, afinal, a sociedade deve crescer e se humanizar.
Na esfera das condutas sexuais, como a campanha tem sido divulgada “não é não”.
Qualquer pessoa, independentemente de sua orientação sexual, o consentimento para prática de cunho sexual deve ser permitida e se não permitida, não deve ser levada a efeito.
Para além destas considerações se encontra o estupro de vulnerável, em sua explicação clássica, ocorre quando menor de 14 anos tem pratica sexual, no caso legal, majoritário, não há como a pessoa menor consentir ou não.
Discussões à parte, há também a modalidade da ausência de condição de consentimento, ou por diminuição de condições mentais permanentes ou criada através de uso de narcóticos (variados, legais ou ilegais) provocando a ausência de dizer sim ou não, ou seja, consentir com ato sexual.
E aqui entra a exposição da série Bebê Rena, uma vez que a descrição e cena, mostram o uso e abuso de substâncias químicas (narcóticos) para fins libidinosos.
É importante ressaltar a necessidade de denunciar tal ato.
As vítimas se avolumam, e se tornam pacientes de psicanálise para tratamentos dos traumas vividos, medicamentos são usados para defenestrar tais efeitos dantesco de tal violência.
Uma geração grande tem crescido sob esta égide e nada de muito vulto tem sido feito, se faz necessário de forma urgente tirar a máscara de “conservadorismo”, “moralismo” e encarar de vez que esta tem sido uma máxima social, e dar meia volta e curar as feridas abertas.
O seriado Bebê Rena faz este convite!
Referências bibliográficas
BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Especial. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. Vol. 4.
FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Graal: Porto Alegre, 1986.
FREUD, S. Observações sobre um caso de Neurose Obsessiva, Obras Completas, Vol. 9, Companhia das Letras: São Paulo, 2013.
FREUD, S. Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado em autobiografia. Obras Completas, Vol. 10, Companhias das Letras: São Paulo, 2010.
FREUD, S. O delírio e os sonhos na Gradiva. Obras completas, Vol. 8 São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
GRECO, Rogério. Código Penal comentado. 13. ed. – Niterói, RJ: Impetus, 2019.
HEGEL, G. W.F. Fenomenologia do Espírito. Vozes: Petrópolis, 2003.
HUME, David. Versão eletrônica do livro “Investigação Acerca do Entendimento Humano” Autor: David Hume. Tradução: Anoar Aiex.Créditos da digitalização: Membros do grupo de discussão Acrópolis (Filosofia) Homepage do grupo: http://br.egroups.com/group/acropolis/
MERLEAU- PONTY. Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo:
Martins Fontes, 1999.
NIETZSCHE, F. Para além do bem e do mal. Hemus: Curitiba, 2001.
NUCCI, Guilherme de Souza. Tratado de crimes sexuais. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2022.
Doutorando em Ciência Criminal, Mestre em Filosofia do Direito e do Estado (PUC/SP), Especialista em Direito Penal e Processo Penal (Mackenzie/SP), Bacharel em teologia e direito, professor de Direito e pesquisador da CNPq .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Marcos Antonio Duarte. O estupro de vulnerável e o cinema: Uma análise sintética da Série “Bebê Rena” e como a psicanálise enxerga a imagem de estupro de vulnerável Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 ago 2024, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/66152/o-estupro-de-vulnervel-e-o-cinema-uma-anlise-sinttica-da-srie-beb-rena-e-como-a-psicanlise-enxerga-a-imagem-de-estupro-de-vulnervel. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
Por: Helena Vaz de Figueiredo
Precisa estar logado para fazer comentários.