PEDRO MANOEL CALLADO MORAES
(orientador)
RESUMO: O objetivo deste trabalho é investigar a relação entre o Comércio Eletrônico e as relações de consumo, considerando a legislação brasileira como base. A metodologia adotada consiste na compilação bibliográfica e estudo de artigos e doutrinas, dividida em três capítulos. O primeiro capítulo aborda o direito do consumidor de forma geral, incluindo seu desenvolvimento histórico e sua situação atual no mundo e no Brasil. O segundo capítulo se dedica à análise do comércio eletrônico nas relações de consumo, explorando os diferentes tipos de comércio eletrônico e classificando os contratos envolvidos. Por fim, o terceiro capítulo examina os direitos do consumidor no contexto do comércio eletrônico, destacando suas vantagens e os meios disponíveis para proteger seus interesses na relação jurídica. Além disso, serão discutidas a vulnerabilidade e a hipossuficiência do consumidor à luz do Código de Defesa do Consumidor.
Palavras – chave: Direito do Consumidor; Comércio Eletrônico; Relações de Consumo.
ABSTRACT: The objective of this work is to investigate the relationship between Electronic Commerce and consumer relations, considering Brazilian legislation as a basis. The methodology adopted consists of bibliographic compilation and study of articles and doctrines, divided into three chapters. The first chapter addresses consumer law in general, including its historical development and its current situation in the world and in Brazil. The second chapter is dedicated to the analysis of electronic commerce in consumer relations, exploring the different types of electronic commerce and classifying the contracts involved. Finally, the third chapter examines consumer rights in the context of electronic commerce, highlighting their advantages and the means available to protect their interests in the legal relationship. Furthermore, consumer vulnerability and hyposufficiency will be discussed in light of the Consumer Protection Code.
Keywords: Consumer Law; E-commerce; Consumer Relations.
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho investiga a relação entre o Comércio Eletrônico e o Direito do Consumidor. As leis que regem este tema são o Código Comercial e o Código de Defesa do Consumidor, ambos oferecendo substancial respaldo aos consumidores em suas interações no ambiente virtual. A pesquisa foi realizada através do método de compilação, utilizando livros de diversos doutrinadores, além de artigos online e revistas jurídicas, para enriquecer e embasar o estudo. O trabalho abordará a evolução histórica do direito do consumidor, desde suas origens até as modernas proteções existentes no Brasil e no mundo. São discutidos conceitos fundamentais como serviço, produto, fornecedor e consumidor, com base nas contribuições de diferentes doutrinadores. Ainda, serão analisados temas relacionados ao comércio eletrônico, explorando seu contexto histórico e os diferentes tipos de e-commerce, como B2B, B2C, B2G, C2C e C2A. Além disso, são classificadas as modalidades de contratos em interpessoais, intersistêmicos e interativos. Ainda, o trabalho aborda as garantias e vulnerabilidades no comércio eletrônico, incluindo o direito de arrependimento e o serviço de atendimento ao consumidor (SAC). Por fim, são discutidas as práticas publicitárias abusivas encontradas no comércio virtual. Este trabalho examina o papel crescente da internet nas relações de consumo e destaca os benefícios e riscos associados ao uso dessa ferramenta. O e-commerce é um aspecto significativo do cenário brasileiro, e compreender os direitos do consumidor nesta relação é fundamental diante do contínuo crescimento da internet.
2. CONCEITO DE CONSUMIDOR E FORNECEDOR
O conceito de consumidor está previsto no artigo 2° do Código de Defesa do Consumidor (CDC), sendo definido como toda pessoa, física ou jurídica, que adquire ou utiliza mercadorias ou serviços como destinatário final.
Esse conceito se amplia com o parágrafo único do referido artigo, que equipara o consumidor a uma coletividade de pessoas, mesmo que indetermináveis, nos casos em que tenha ocorrido uma relação de consumo.
Diante dessa definição, José Geraldo Brito Filomeno destacou diferentes perspectivas sobre o que é um consumidor, sendo elas: a econômica, a psicológica e a sociológica.
[...]sob o ponto de vista econômico, consumidor é considerado todo indivíduo que se faz destinatário da produção de bens, seja ele ou não adquirente, e seja ou não, a seu turno, também produtor de outros bens. [...] Do ponto de vista psicológico, considera-se consumidor o sujeito sobre o qual se estudam as relações a fim de se individualizar os critérios para a produção e as motivações internas que o levam ao consumo. [...] Já do ponto de vista sociológico é considerado consumidor qualquer individuo que frui ou se utiliza de bens e serviços, mas pertencente a uma determinada categoria ou classe social. [...] (2005, p.17 e 18)
Hélio Zaghetto Gama definiu de forma objetiva que o conceito de consumidor não faz quaisquer exclusões quanto à classe econômica ou função social, abrangendo todas as pessoas de forma igualitária:
[...]Este conceito afasta quaisquer exclusões quer de classe econômica, quer de função social. Bastará que numa relação jurídica com o fornecedor, alguém (pessoa física ou jurídica) se posicione como „destinatário final‟ de um bem ou de um serviço, para que a saibamos consumidora. (2002, p. 28)
Contudo, o conceito de consumidor é difuso para Rizzatto Nunes (2011), levando em consideração que toda e qualquer pessoa é consumidora, pois estão teoricamente expostas a prática comercial.
A conceituação de fornecedor está expressa no artigo 3°, caput, do Código de Defesa do Consumidor. A leitura deste artigo já é suficiente para fornecer um panorama sobre o que é considerado fornecedor (NUNES, 2011).
Hélio Zaghetto Gama definiu fornecedor como aquele que desempenha atividades de produção, montagem, criação e construção, sempre exercendo a função de fornecer algum produto ou serviço.
[...] quem tenha a atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. O Código elenca como Fornecedor toda pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira e até os entes despersonalizados eu mantenham as atividades de fornecer bens ou serviços. Como entes despersonalizados há as sociedades de fato existente entre as pessoas, quando envolvidas em atividades de fornecimentos. Aquela pessoa que eventualmente venda um bem ou preste um serviço, sem caráter de habitualidade, não é fornecedora e os negócios feitos com ela não são abrangidos pelas proteções ensejadas pelo CDC. (2002, p.29)
José Geraldo Brito Filomeno compartilha o mesmo entendimento, revelando que o fornecedor é "todo comerciante ou estabelecimento que abastece ou fornece habitualmente uma casa ou outro estabelecimento com os gêneros e mercadorias necessários ao seu consumo" (2005, p. 34).
3. O PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE
O termo vulnerabilidade possui um significado amplo e diversas aplicabilidades em diferentes contextos, incluindo as relações no comércio eletrônico. Com o aumento significativo de empresas virtuais, a relação de consumo tornou-se visivelmente desequilibrada para o consumidor. A parte mais vulnerável dessa relação tem enfrentado consequências desfavoráveis devido à não observância integral desse princípio.
A noção de vulnerabilidade no Direito do Consumidor tornou-se essencial para fundamentar as relações de consumo virtuais. Por essa razão, "a doutrina é harmônica ao assegurar que a vulnerabilidade do consumidor é característica intrínseca das relações de consumo, constituindo-se ela, por conseguinte, em presunção legal absoluta a seu favor" (BEHRENS, 2014, p. 309).
No contexto do comércio eletrônico, esse princípio é aplicado de maneira muito tênue, pois o consumidor se encontra notoriamente desprotegido. A comercialização eletrônica cria uma relação amplamente desigual, onde o fornecedor muitas vezes nem sequer é conhecido pelo consumidor, gerando uma insegurança jurídica desproporcionada, como a dificuldade de citação, por exemplo.
Em se tratando da insegurança jurídica que as relações no comércio eletrônico traz ao consumidor na contemporaneidade; O primeiro dos princípios é o princípio da vulnerabilidade, atendendo assim, ao preceito previsto na Resolução 39/248 da ONU. O CDC brasileiro consagrou no art. 4º I, o princípio da vulnerabilidade, reconhecendo assim o consumidor como parte mais fraca na relação de consumo, parte frágil, razão da tutela pela norma do consumidor, chegando a elencar como prática abusiva o fato de prevalecer da fraqueza ou ignorância do consumidor (art. 39, IV, do CDC) (MARTINS, 2010).
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 170, estabelece que a ordem econômica do Estado brasileiro deve observar, entre outros princípios, a defesa do consumidor. Isso significa que o princípio da vulnerabilidade está intrinsecamente ligado à defesa do consumidor, especialmente no contexto das relações de consumo no ambiente virtual. As normas do Direito do Consumidor, aplicadas aos casos concretos, seguem esse princípio, que se configura como uma presunção legal absoluta, conforme mencionado anteriormente.
O princípio da vulnerabilidade está diretamente relacionado à proteção do consumidor no ambiente comercial. Ele também visa o reconhecimento de outros princípios, como a isonomia, a equidade e a busca pelo equilíbrio nas relações contratuais. Isso resulta em uma maior garantia para os consumidores nas relações de consumo, especialmente no comércio eletrônico.
Portanto, a vulnerabilidade é caracterizada como uma fonte de direito, contando com respaldo jurídico para sua efetivação. Nesse contexto, o Estado, ao exercer sua função jurisdicional quando provocado conforme o princípio da inércia, assume o papel de controlador para evitar que as relações de consumo se tornem extremamente desiguais. Sua responsabilidade é ajustar essas relações para assegurar um equilíbrio entre as esferas econômica, técnica e judicial.
Por fim, é importante destacar a distinção entre os termos "vulnerabilidade" e "hipossuficiência", ambos previstos no Código de Defesa do Consumidor (CDC). "Vulnerabilidade" refere-se ao aspecto do direito material e é inerente à condição de ser consumidor. Já "hipossuficiência" está relacionada ao direito processual e deve ser verificada no caso concreto, pois não há presunção automática pelo simples fato de ser consumidor. Quando a hipossuficiência é reconhecida pelo juiz, traz benefícios processuais, como a inversão do ônus da prova, o que facilita ao consumidor a tarefa de provar suas alegações no âmbito judicial.
3.1 ESPÉCIES DO PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE
O princípio da vulnerabilidade é categorizado doutrinariamente em três perspectivas, que alguns autores, como Marques (2016, p. 320), consideram "multiforme, um conceito legal indeterminado", sendo elas a vulnerabilidade técnica, jurídica ou científica, e fática. Segundo a mesma autora, na sociedade contemporânea, caracterizada como uma sociedade da informação, emerge uma categoria adicional: a vulnerabilidade informacional.
A vulnerabilidade técnica refere-se à condição do consumidor de não possuir informações precisas sobre os produtos ou serviços adquiridos em relação ao fornecedor, sendo presumido que este detenha tais informações específicas.
O exemplo dado pelo autor Bruno Miragem para enfatizar e esclarecer melhor essa condição de vulnerabilidade técnica concerne: “É o exemplo da relação entre médico e paciente, na qual o primeiro detém informações científicas e clínicas que não estão ao alcance do consumidor leigo neste assunto” (MIRAGEM, 2016, p. 129).
No que se refere à vulnerabilidade jurídico-científica, destaca-se a falta de informações legais sobre os direitos do consumidor, especialmente quando este é uma pessoa física. Essa vulnerabilidade é presumida, uma vez que, em geral, o consumidor não possui conhecimento detalhado de seus direitos no momento em que contrata um serviço ou adquire um produto do fornecedor. É presumível que o fornecedor tenha um entendimento mais abrangente dos direitos e deveres estabelecidos na relação de consumo. Além disso, a vulnerabilidade científica também pode abranger a falta de conhecimento em áreas como economia e contabilidade.
Cumpre ressaltar o que preleciona acerca de vulnerabilidade jurídica, segundo o autor Behrens (2014, p. 311): “O consumidor não tem informações suficientes para saber quais seus direitos, como funciona sua proteção contratual, que órgãos contatar no caso de descumprimento contratual ou acidente de consumo”.
A vulnerabilidade fática diz respeito à situação específica da relação de consumo, relacionada à desigualdade financeira entre o consumidor e o fornecedor. Isso ocorre porque o fornecedor muitas vezes possui um poder econômico superior ao consumidor, especialmente quando este último é uma pessoa física não profissional.
Finalmente, no contexto do comércio eletrônico, todas as classificações de vulnerabilidade mencionadas podem ser observadas. Isso ocorre porque o consumidor nesse cenário não possui condições de igualdade com o fornecedor na relação de consumo. Muitas vezes, o fornecedor se sobrepõe ao consumidor devido a essa vulnerabilidade, o que é facilmente comprovado em uma rede virtual onde os anúncios são sedutores e as ofertas parecem extremamente atrativas. Para aqueles que não possuem um conhecimento aprofundado sobre o serviço ou produto oferecido na internet, acabam sendo lesados pela falta de recursos intelectuais, como mencionado.
4. COMÉRCIO ELETRÔNICO
O comércio eletrônico engloba todos os processos realizados em um ambiente eletrônico, envolvendo tecnologias de informação e comunicação. Seu principal objetivo é atender e satisfazer as demandas comerciais de forma eficiente.
Desde os primórdios da civilização, o comércio tem desempenhado um papel fundamental, atuando como mediador nas transações, abrindo novos horizontes, reduzindo as distâncias e promovendo o intercâmbio entre diversas culturas. No Século XX, o comércio passou por uma transformação revolucionária com o advento da internet, que facilitou a comunicação entre indivíduos de diferentes partes do globo, independentemente da distância geográfica.
Segundo Iria Luppi Figueiredo (2009, online), o comércio eletrônico surgiu concomitantemente com o avanço das tecnologias na internet. Seu principal objetivo é aprimorar o processo de vendas, eliminando intermediários e promovendo a globalização econômica por meio de transações comerciais e parcerias além-fronteiras, com a redução significativa das barreiras geográficas.
Com o avanço da rede de computadores e o crescimento tecnológico, a exploração dessa ferramenta para fins comerciais teve início. A compra de produtos dos mais variados tipos à distância, sem a necessidade de contato verbal com um atendente, tornou-se uma inovação gigantesca. Além disso, a possibilidade de realizar transações financeiras na plataforma digital também se destacou (MEDEIROS, 2007).
Com a dimensão do comercio eletrônico, também conhecido como ecommerce, na atualidade, as empresas de grande porte possuem portais, e, as empresas de pequeno e médio porte possuem sites para divulgação de suas marcas. (VISSOTTO; BONIATI, 2013)
Para Fábio Ulhoa Coelho (2016, p. 49), o avanço da internet foi decorrente do grande potencial para o aumento de negócios e atendimento ao consumidor mostrado pelo e-commerce:
A expansão da internet deve muito ao extraordinário potencial para o incremento de negócios e atendimento aos consumidores revelado pelo comércio eletrônico (comércio-e). Na segunda metade dos anos 1990, a rede popularizou-se e ultrapassou os circuitos universitários (onde já gozava de inegável prestígio), em razão das comodidades oferecidas ao ato de consumo. A evolução tem sido vertiginosa: ilustrativa, a propósito, é a trajetória do leilão eletrônico Ebay (www.ebay.com), que intermediava, em 1990, a venda de mais de dois milhões de objetos e antiguidades por dia. Quando surgiu, 4 anos antes, era apenas uma página de encontro de colecionadores, criada por Pierre Omidyar para impressionar a namorada, ao custo de 30 dólares.
O modelo de comércio eletrônico abrange, teoricamente, diversas vantagens ao consumidor, que é favorecido por não haver necessidade de deslocamento para estabelecimentos físicos, como também, muitas vezes por menores custos. Havendo, no âmbito eletrônico, fornecedores exclusivamente virtuais, e aqueles que usam da plataforma como mais uma forma de vendas no setor varejista, tendo estas maiores vantagens pelo maior reconhecimento do público e por terem, muitas vezes, maiores estoques de produtos postos a venda.
O comércio eletrônico, apesar de ter sido regulamentado pelo Decreto de nº7.962, de 15 de março de 2013, para vendas online, diante do seu atual crescimento, os consumidores ainda não tiveram oportunidade de captarem a verdadeira essência das proteções conferidas a eles e que são peculiares a comercialização no ambiente eletrônico, gerando assim, muitas vezes, o suprimento dos seus direitos por partes dos fornecedores.
A contratação nos moldes do comércio eletrônico, segundo o Decreto de nº 7.962, de 15 de março de 2013, apresenta peculiaridades para as empresas, que devem obediência no momento em que forem comercializar seus produtos e serviços. Cumprem destacar algumas dessas especificidades, de plena importância, contido no artigo 2º do referido decreto:
Art. 2o Os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para oferta ou conclusão de contrato de consumo devem disponibilizar, em local de destaque e de fácil visualização, as seguintes informações: I - nome empresarial e número de inscrição do fornecedor, quando houver, no Cadastro Nacional de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda; II - endereço físico e eletrônico, e demais informações necessárias para sua localização e contato; III - características essenciais do produto ou do serviço, incluídos os riscos à saúde e à segurança dos consumidores; IV - discriminação, no preço, de quaisquer despesas adicionais ou acessórias, tais como as de entrega ou seguros; V - condições integrais da oferta, incluídas modalidades de pagamento, disponibilidade, forma e prazo da execução do serviço ou da entrega ou disponibilização do produto; e VI - informações claras e ostensivas a respeito de quaisquer restrições à fruição da oferta.
Diante disso, redes sociais como Facebook, Instagram, Twitter e etc, ganharam uma grande força, com o crescimento de usuários, e notaram a partir daí uma nova forma de obter lucros, com início de diversas empresas virtuais e até mesmo a vinculação de empresas físicas a sites, onde o usuário pode consumir através da internet, onde quer que esteja.
Entretanto, com o crescimento e fortalecimento do comércio eletrônico, podemos observar algumas necessidades de uma nova legislação ou até mesmo alterações de leis preexistentes, de forma que consiga suprir suas deficiências que daí decorrem.
5. CONTRATOS ELETRONICOS
O conceito de contrato eletrônico é semelhante ao de um contrato tradicional, com a diferença de ser realizado por meio eletrônico. Em outras palavras, o contrato eletrônico é um negócio jurídico que deve observar os mesmos princípios e normas aplicáveis aos contratos tradicionais. Ele não constitui um tipo de contrato inovador, mas sim um contrato que utiliza uma modalidade diferente, sendo elaborado através da internet.
O rápido crescimento do E-commerce ampliou significativamente as relações de consumo, abrangendo não apenas interações entre particulares, mas também contratos entre empresas, entre empresas e particulares, e até mesmo entre entidades públicas e particulares. Isso cria um cenário diverso e, por vezes, relações desiguais, dada a vulnerabilidade do consumidor particular, que frequentemente participa desses contratos, conforme mencionado anteriormente.
Os contratos eletrônicos, em geral, devem seguir todos os princípios aplicáveis aos contratos tradicionais, especialmente os princípios da autonomia da vontade, baseada no livre-arbítrio dos contratantes para estabelecer suas relações contratuais de consumo, mesmo no contexto do comércio eletrônico. Além disso, devem observar os princípios da boa-fé, da relatividade das convenções e da força vinculante dos contratos. Em resumo, aplicam-se as mesmas regras, por analogia, a qualquer contrato.
No que diz respeito aos princípios dos contratos eletrônicos, embora estes sigam rigidamente os princípios dos contratos tradicionais, é importante destacar que foram complementados por princípios inovadores específicos ao contexto do comércio eletrônico. Essa inovação foi introduzida pela Comissão Comercial Internacional da Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da Lei Modelo sobre Comércio Eletrônico, conhecida como Lei Modelo da UNCITRAL (United Nations Commission on International Trade Law).
O princípio inovador introduzido é chamado de “equivalência funcional”. Este princípio se baseia na ideia de que os contratos eletrônicos devem ser considerados da mesma forma que os contratos tradicionais, uma vez que o registro eletrônico cumpre as mesmas funções e atribuições que os documentos em papel.
Os contratos eletrônicos, em sua formação, não exigem formas especiais ou solenidades para serem válidos. Seus requisitos são os mesmos que os dos contratos tradicionais, devendo seguir os pressupostos de validade necessários para a constituição de um contrato tradicional. Esses pressupostos incluem a capacidade das partes, a licitude, possibilidade, determinação ou determinabilidade do objeto, a forma prescrita ou não proibida por lei, e o consentimento das partes, conforme o artigo 104 do Código Civil. No contexto do comércio eletrônico, esse consentimento é entendido como a aceitação mútua das partes, representando uma concordância de vontades essencial para a validade do negócio jurídico. Assim, não é suficiente apenas a troca de informações; é necessário que haja uma composição das vontades divergentes.
6. PROJETO DE LEI DE REGULAMENTAÇÃO
Atualmente, não existe uma lei específica para regulamentar as relações de consumo realizadas virtualmente no país, sendo ainda aplicado o Código de Defesa do Consumidor (CDC) nas disputas que ocorrem. No entanto, há diversos projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional que buscam regulamentar de forma mais detalhada o comércio eletrônico e as questões que surgem dessas contratações virtuais.
O Projeto de Lei nº 1.589/1999, apresentado por Luciano Pizzatto do PFL/PR, trata da regulamentação do comércio eletrônico, abordando especificamente a validade jurídica dos documentos eletrônicos, a assinatura digital e as particularidades das relações no âmbito eletrônico. Um destaque desse projeto é o artigo 5º, que dispõe:
Art. 5º - O ofertante somente poderá solicitar do destinatário informações de caráter privado necessárias à efetivação do negócio oferecido, devendo mantê-las em sigilo, salvo se prévia e expressamente autorizado a divulgá-las ou cedê-las pelo respectivo titular.
§1º - A autorização de que trata o caput deste artigo constará em destaque, não podendo estar vinculada à aceitação do negócio.
§ 2º - Responde por perdas e danos o ofertante que solicitar, divulgar ou ceder informações em violação ao disposto neste artigo.
O Projeto de Lei nº 4.906/2001, apresentado em 21 de junho de 2001 pelo Senador Federal Lucio Alcântara do PSDB/CE, trata da regulamentação do comércio eletrônico. O projeto aborda a validade, os acordos, as exigências e o reconhecimento dos efeitos jurídicos decorrentes desse tipo de relação de consumo.
Destaca-se nesse projeto, a inovação de alguns princípios que deverão ser estabelecidos nas relações de consumo no comércio eletrônico, quando a lei referida não esteja disciplinada, expondo um rol progressista, em seu artigo quarto e incisos seguintes, a dizer:
Art.4º- Questões relativas a matérias regidas por esta Lei que nela não estejam expressamente disciplinadas serão solucionadas em conformidade, dentre outras, com os seguintes princípios gerais nos quais ela se inspira:
I- Facilitar o comércio eletrônico interno e externo;
II- Convalidar as operações efetuadas por meio das novas tecnologias da informação;
III- Fomentar e estimular a aplicação de novas tecnologias da informação;
IV- Promover a uniformidade do direito aplicável à matéria; e;
V- Apoiar as novas práticas comerciais
Diante da ausência de uma legislação específica para essa forma crescente de consumo que atualmente movimenta a economia de maneira significativa, esses projetos de lei, apesar de serem antigos, conseguem abordar de maneira adequada as novas relações de consumo às quais os consumidores estão expostos diariamente. Eles trazem maiores proteções e regulamentações detalhadas, visando amenizar os conflitos que surgem dessas relações.
7. JURISPRUDÊNCIAS
No que diz respeito às jurisprudências invocadas pelos consumidores no âmbito do comércio eletrônico, a grande maioria dos relatores nega provimento aos recursos apresentados pelas empresas demandadas, frequentemente eximindo-as das responsabilidades alegadas pelo autor do processo, ou seja, o consumidor.
Um exemplo desse entendimento pode ser uma compra realizada pela internet em que o produto não foi entregue ao consumidor, levando-o a buscar judicialmente a reparação por danos materiais e morais.
Como exposto a seguir:
CONSUMIDOR. MERCADO LIVRE. COMPRA E VENDA PELA INTERNET. PRODUTO NÃO ENTREGUE. REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA. DEVIDA A RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS. 1. Sendo a ré responsável pela intermediação das negociações, evidente a sua legitimidade para figurar no pólo passivo, em face do disposto no art. 18 do CDC, que prevê a solidariedade entre todos os integrantes da cadeia de fornecedores. Preliminar afastada. 2. O autor adquiriu de vendedor cadastrado pela ré uma máquina fotográfica, efetuando o depósito de R$ 4.019,00 na conta indicada... (TJ-RS - Recurso Cível: 71003234713 RS, Relator: Alexandre de Souza Costa Pacheco, Data de Julgamento: 09/05/2012, Segunda Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 14/05/2012)
Em relação ao princípio da vulnerabilidade, que é o tema principal deste trabalho, pode-se afirmar que ele é frequentemente invocado em jurisprudências envolvendo relações estabelecidas pelo consumidor no âmbito do comércio eletrônico. Esse princípio destaca a vulnerabilidade do consumidor em relação ao fornecedor, muitas vezes desconhecido pelo usuário.
Nesta seara, destaca-se outra situação a qual uma consumidora houvera reação química por um produto adquirido pelo comércio eletrônico, causando efeitos colaterais e danos a sua saúde, onde os julgadores utilizaram o referido princípio e enfatizaram a hipossuficiência da parte autora, ante a impossibilidade da realização da certeza probatória, que é extremamente limitada aos direitos do consumidor e diante da sua dificuldade ou impossibilidade da sua concretização. Um dos argumentos utilizados pelos julgadores neste recurso foi o dever do fornecedor de informar aos consumidores todos os eventuais efeitos colaterais e os danos pelos quais possam ocorrer ao adquirir qualquer produto. Ou seja, o princípio da vulnerabilidade é efetivamente aplicado pelos órgãos julgadores no que tange a lides referente ao consumo no âmbito eletrônico, restando assim, claro a maneira como este é recepcionada de inteiro teor nos julgamentos dos recursos (PROCESSO AC 70062896790 RS, 5º CÂMARA CÍVEL).
Em suma, é notório o entendimento que os precedentes jurisprudenciais se firmam de modo a compreender de que o fato do serviço ser prestado virtualmente, a relação de consumo não será descaracterizada, conforme preleciona o autor Neto (2018, p. 33), ao dispor que:
A exploração comercial da internet configura fornecimento de serviços, à luz do CDC. O fato do serviço ser prestado pelo provedor ser gratuito não desvirtua a relação de consumo (STJ, REsp 1.186.616, Rel. Min Nancy Andrighi, 3ª T, DJ 31/0811).
Entretanto, por não havermos uma legislação específica que disponha acerca dos contratos eletrônicos, os entendimentos jurisprudenciais não estão completamente consolidados, visto que surgem diversas demandas todos os dias, com particularidades específicas, as quais ainda estão servindo de base para análise dos colegiados. Por estarmos numa sedimentação de jurisprudências, não há decisões estáveis, mas com base nas decisões supracitadas, é notório verificar que a maioria dos órgãos julgadores dos estados, continuam aplicando o CDC primariamente, e o que existir de lacuna, o CPC de maneira subsidiária, para que haja uma proteção a parte mais vulnerável da relação, sem abrir mão dos princípios vigentes na legislação, para que seja assegurado o princípio constitucional do devido processo legal.
CONCLUSÃO
Este trabalho permitiu observar que, devido à constante evolução da internet e dos institutos jurídicos, surgiram normas e regramentos a serem seguidos pelos usuários para evitar prejuízos ao utilizarem essa ferramenta. Percebeu-se também que, em resposta a essa evolução e visando novas formas de mitigar as vulnerabilidades do consumidor, foi criado o Código de Defesa do Consumidor, que inclui direitos específicos no contexto do comércio eletrônico.
As mudanças e inovações no comércio eletrônico foram impulsionadas pela evolução da internet. A internet, juntamente com o comércio, continua a crescer devido à sua rapidez e facilidade de uso, tornando-se extremamente útil no mundo atual. Não é mais necessário gastar tempo indo a lojas físicas; basta acessar um site para adquirir um produto.
No entanto, ao utilizar essa ferramenta eletrônica, os consumidores enfrentam vulnerabilidades, como publicidade enganosa e abusiva, que podem levá-los a adquirir produtos menos eficientes do que imaginavam. Essa situação é complexa, pois o consumidor lesado precisa buscar amparo no Código de Defesa do Consumidor, podendo recorrer a órgãos de proteção ao consumidor e até mesmo à via judicial, especialmente em casos de vícios, defeitos, ou falhas no direito de arrependimento. Muitas empresas ainda não respeitam esse direito dos consumidores que compram produtos fora do estabelecimento físico.
Por fim, este artigo evidenciou a vulnerabilidade pela qual o consumidor se encontra diante dessas novas formas de consumo virtuais, a maximização das possibilidades de contratar produtos e serviços e como isso não só traz benefícios aos usuários, mas o tornam extremamente vulneráveis perante o fornecedor, pela falta de conhecimento técnico, científico e jurídico, haja vista o consumidor em certas ocasiões restarem-se prejudicados, pela insegurança jurídica em que a falta de uma legislação específica para essa modalidade de contratação o traz, visto que ainda seja de extrema necessidade uma visão mais cuidadosa em relação a essa comercialização virtual, uma vez que esses contratos são imateriais e despersonalizados, sendo assim torna-se imprescindível a normatização intrínseca para que os consumidores não tenham insegurança jurídica em suas contratações no ambiente virtual e possam usufruir dessas formas de consumir, sem haver suas proteções legais ceifadas.
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SILVA, Rosane Leal da. Contratos eletrônicos e a proteção de dados pessoais do consumidor: diálogo de fontes entre o código de defesa do consumidor e o marco civil da internet. Disponível em: <http://www.indexlaw.org/index.php/revistadgnt/article/view/805/pdf> Acesso em: 10 abril de 2024.
SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. O que prevê o princípio da vulnerabilidade? Disponível em: <https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1236524/o-que-preve-o-principio-da-vulnerabilidade-aurea-maria-ferraz-de-sousa>. Acesso em: 14 abr. 2024.
TOMIOTTO, Anna Kamilla dos Santos. O comércio eletrônico em relação ao Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/27968/o-comercio-eletronico-em-relacao-ao-codigo-de-defesa-do-consumidor>. Acesso em: 04 abril de 2024.
Graduando em Direito pela Unijales - Centro Universitário de Jales
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PIMENTA, RENAN VINICIUS. Direito do consumidor e o comércio eletrônico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 set 2024, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/66531/direito-do-consumidor-e-o-comrcio-eletrnico. Acesso em: 22 dez 2024.
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