RESUMO: A aposentadoria especial é um tema jurídico complexo, especialmente para servidores com deficiência. A Constituição Federal de 1988, inicialmente, previa aposentadoria especial apenas para atividades prejudiciais à saúde, sendo ampliada pela Emenda Constitucional nº 47/05 para incluir servidores com deficiência e em atividades de risco. No entanto, a norma carecia de regulamentação legal, resultando na judicialização por meio de mandados de injunção, que visavam suprir a ausência de leis complementares. O Supremo Tribunal Federal (STF) inicialmente apenas declarava a omissão legislativa, mas posteriormente começou a aplicar regras do Regime Geral de Previdência Social para garantir o direito à aposentadoria especial. A Súmula Vinculante nº 33 consolidou essa prática, determinando que as normas do RGPS deveriam ser aplicadas aos servidores públicos até que uma lei específica fosse promulgada. Com a Reforma da Previdência de 2019 (EC nº 103/19), a competência para regulamentar a aposentadoria especial de servidores passou a ser dos Estados e Municípios. O STF, em resposta, reconheceu que a lacuna legislativa foi parcialmente superada, embora ainda existam questões a serem resolvidas nos regimes próprios de previdência estaduais e municipais.
Palavras-chaves: Direito Previdenciário; Aposentadoria especial; Competência; Mandado de injunção; Lacuna legislativa; Regime Próprio de Previdência Social.
I - Introdução
Ponto de intenso debate jurídico, a aposentadoria especial é um tema que escapa à tecnicidade e ao nicho do Direito Previdenciário. Em mais de 30 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, trata-se de um assunto que coloca em jogo visões e pensamentos distintos sobre autocontenção judicial e a concretização de direitos.
Neste artigo, com foco na aposentadoria do servidor com deficiência, analisamos a evolução do instituto na doutrina e jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, bem como as implicações da Reforma da Previdência, Emenda Constitucional n. 103/19.
II - Desenvolvimento
2.1 – A Aposentadoria Especial na Constituição de 1988 – Breve histórico
Em sua redação originária, o art. 40, §4º da Constituição Federal, previa o direito à aposentadoria especial apenas para as atividades exercidas sob condições que prejudicassem a saúde ou a integridade física.
A Emenda Constitucional nº 47/05 ampliou esse direito, incluindo as atividades de risco e pessoas com deficiência, resultando na seguinte redação.
4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:
I - portadores de deficiência;
II - que exerçam atividades de risco;
III - cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. [1]
Como se denota, a norma não é autoaplicável, necessitando de complementação legal por parte da União, uma vez que ressalva o benefício aos ‘’termos definidos em leis complementares’’.
No âmbito do Regime Geral de Previdência Social, onde a Constituição prevê similar direito (art. 201, §1º), a aposentadoria da pessoa com deficiência somente foi regulamentada em 2013, com a Lei Complementar nº 142, originária do Projeto de Lei nº 40/2010.
A União, contudo, nunca editou norma de aposentadoria especial para os servidores públicos. E justamente aqui reside o elemento de maior contenda. É que, ausente norma que viabilize o exercício de direitos, a própria Constituição Federal prevê o remédio, o mandado de injunção, previsto ao art. 5º, LXXI, da Constituição Federal:
LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania; [2]
Logo, no mandado de injunção, o impetrante postula ao Judiciário e, havendo lacuna, concede-se a injunção para supri-la.
Todavia, até o advento da Lei nº 13.300/2016, nunca houve um procedimento específico para essa ação constitucional. A Constituição meramente prevê que será concedido o mandado de injunção, nada mencionando quanto ao que isso implica (em termos práticos) ou sobre como será viabilizado o direito.
Encontram-se decisões que aplicavam, por analogia, o procedimento do Mandado de Segurança ou da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão. Dada as especificidades do mandado de injunção, porém, um procedimento próprio sempre foi o mais adequado.
Tendo isso em mente, a atribuição de sentido ao mandado de injunção foi algo construído com o tempo, principalmente pela doutrina e jurisprudência.
A Constituição Federal dispõe que o mandado de injunção é atribuição do STF quando a elaboração da norma regulamentadora for de competência do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, ‘’d’’, da CF/88). Assim, no caso específico da aposentadoria especial do servidor com deficiência, pelo menos até a Emenda Constitucional nº 103/19, tratando-se de lacuna a envolver aposentadoria especial do servidor com deficiência, havia competência do STF.
Não há como negar que a temática deságua na concretização de direitos de uma Constituição Dirigente. Se de um lado a autocontenção do Judiciário pode ser arguida, a visão do Neoconstitucionalismo chama atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana.
2.2 – A aposentadoria do servidor com deficiência na Jurisprudência do STF e os impactos da E.C 103/19.
Mostra-se de suma importância traçar um breve histórico da posição do STF na matéria, sem querer esgotar todos os pontos referentes às ‘’correntes de concretização’’, algo a ser examinado em outro trabalho.
Prosseguindo, a análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal revela, pelo menos inicialmente, uma postura mais conservadora. Logo, quando instado em mandado de injunção, limitava-se o Supremo a declarar o estado de mora legislativa e estabelecer um prazo para que o legislador agisse. Resultado disso é que não havia vinculação do Poder Legislativo à decisão, em razão do princípio da separação de poderes. Isto é, não pode o STF obrigar que o Executivo envie um projeto de lei ao Congresso, ou que este compulsoriamente vote em determinada matéria.
Assim, em termos práticos, a determinação do Supremo assemelhava-se mais a uma recomendação do que uma ordem.
Um julgado que bem representa esse posicionamento é o seguinte:
“Mandado de Injunção. Questão de ordem sobre a sua auto-aplicabilidade ou não. Em face dos textos da Constituição Federal relativos aos mandado de injunção, é ele ação outorgada ao titular de direito, garantia ou prerrogativa a que alude o artigo 5º, LXXI, dos quais visa a obter do Poder Judiciário a declaração de inconstitucionalidade dessa omissão se estiver caracterizada a mora em regulamentar por porte do Poder, órgão, entendida ou autoridade de que ela dependa, com a finalidade de que se lhe dê ciência dessa declaração, para que adote providências necessárias, à semelhança do que ocorre com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (artigo 103, §2º da Carta Magna), e de que se determine, se se tratar de direito constitucional oponível contra o Estado, a suspensão dos processos judiciais ou administrativos de que possa advir para o impetrante dano que não ocorreria se não houvesse a omissão fixada.” [Mandado de Injunção 107/DF. Relator: Ministro Moreira Alves, Plenário, 23.11.89][3]
Em meados da década de 2000, todavia, a posição do STF começou a se modificar. Citamos dois precedentes representativos, os Mandados de Injunção nº 4.158 e 795, que demonstram a virada jurisprudencial:
MANDADO DE INJUNÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL DO SERVIDOR PÚBLICO. ART. 40, §4º, DA CF/1988. AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR A DISCIPLINAR A MATÉRIA. NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO LEGISLATIVA. 1.Servidor público. Investigador da polícia civil do Estado de São Paulo. Alegado exercício de atividade sob condições de periculosidade e insalubridade. 2.Reconhecida a omissão legislativa em razão da ausência de lei complementar a definir as condições para o implemento da aposentadoria especial. 3.Mandado de injunção conhecido e concedido para comunicar a mora à autoridade competente e determinar a aplicação, no que couber, do art. 57 da Lei 8.213/1991.
[MI 795, rel. min. Cármen Lúcia, P, j. 15-4-2009, DJE 94 de 22-5-2009. (Grifo nosso)[4]
A aposentadoria especial de servidor público portador de deficiência é assegurada mediante o preenchimento dos requisitos previstos na legislação aplicável à aposentadoria especial dos segurados do Regime Geral de Previdência Social, até que seja editada a lei complementar exigida pelo art. 40, § 4º, II, da CF/1988. (...) 2. A eficácia do direito à aposentadoria especial objeto do art. 40, § 4º, da CF/1988 exige regulamentação mediante lei complementar de iniciativa privativa do presidente da República, de modo que cabe ao Supremo Tribunal Federal, ex vi do art. 102, I, q, da Lei Maior, o julgamento do mandado de injunção impetrado com o objetivo deviabilizar o seu exercício. [MI 4.158, rel. min. Luiz Fux, j. 18-12-2013, DJE 34 de 19-2-2014.] (Grifo nosso) [5]
Desse modo, deixou o Tribunal de apenas declarar a mora do Poder Legislativo, passou a determinar, também, a aplicação analógica das normas do Regime Geral de Previdência Social, tudo com vistas a permitir o exercício do direito.
Ainda, as decisões expressam que a atribuição de classes de eficácia às normas constitucionais, embora teoricamente válida, não pode redundar em omissão do Legislativo (e Executivo) no cumprimento de seus deveres. Revelam, ainda, a vontade de cumprir as promessas de nossa Constituição Dirigente que, apesar de prever uma gama de direitos, relegou, em certos casos, sua efetivação aos termos impostos pelo legislador ordinário.
Tomando por base essa mudança jurisprudencial, o STF houve por editar a Súmula Vinculante nº 33, cujo texto reproduzimos:
Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica. [6]
Fruto de reiteradas decisões na matéria, a edição da Súmula representa um importante marco na concretização de direitos constitucionais. É que, com a Súmula Vinculante, há a automática adstrição de toda a Administração Pública aos seus termos. O seu descumprimento atrai o manejo da Reclamação Constitucional diretamente no Supremo Tribunal Federal.
Contudo, há um ponto importante a ressaltar. Muito embora os precedentes representativos (acima reproduzidos) tratem das aposentadorias dos incisos I e II do art. 40, §4º da Constituição Federal, o STF limitou o texto da Súmula apenas para os casos do inciso III, ou seja, para as atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde.
Causa estranheza a limitação, já que, em todos os casos do art. 40, as razões de decidir sempre foram as mesmas. Contudo, para edição da Súmula Vinculante deve haver reiteradas decisões sobre determinado tema. Trata-se de um requisito imposto pelo art. 2º, da Lei nº 11.417/06. A maioria dos casos de mandado de injunção que chegavam à Corte eram relacionados à aposentadoria especial do inciso III, logo a maioria das decisões na matéria abrangia apenas esta modalidade. O STF entendeu que não havia muitas decisões específicas quanto às aposentadorias dos incisos I e II.
Não obstante, o Supremo continuou a receber ações referentes à aposentadoria especial do servidor com deficiência. No que lhe toca, sua jurisprudência permaneceu coerente, com o reconhecimento da mora legislativa e aplicação das regras do RGPS. Citam-se, por todos, os Mandados de Injunção nº 1.884, 3.322 e 7.054.
Nisso, há outro ponto que deve ser ressaltado. É que, embora farta a jurisprudência quanto ao direito à aposentadoria especial do servidor com deficiência, discordavam os ministros sobre as normas a serem utilizadas.
Parte dos ministros entendia pela aplicação integral da Lei Complementar nº 142/2013, enquanto outros entendiam pela aplicação conjunta da Lei Complementar e do art. 57 da Lei nº 8.213/91. Isso porque os requisitos impostos pela LC 142/2013, norma posterior, são menos benéficos que os da Lei nº 8.213/91. Logo, caso aplicada somente a Lei Complementar nº 142/13, a União beneficiar-se-ia da própria inércia, devendo o tempo de serviço prestado até a edição da Lei Complementar ser regido pela Lei nº 8.213/91.
De modo a pacificar o tema, a Procuradoria-Geral da República propôs a revisão da Súmula Vinculante nº 33, de modo a abarcar expressamente no enunciado o inciso I do art. 40, §4º, da Constituição Federal. Adicionalmente, a proposta de revisão Súmula tencionava definir qual norma do regime geral seria aplicável a cada período.
A Proposta foi registrada sob o nº 118 e iniciou sua tramitação em agosto de 2015.
Em seu decorrer, porém, sobreveio a Emenda Constitucional nº 103/2019 que mudou significativamente o panorama legislativo.
Até a Reforma, sempre se entendeu que a lei a regular a aposentadoria especial do servidor público, em qualquer de suas modalidades, deveria ser editada pela União. Em razão disso, o ente competente para o mandado de injunção fundado no art. 40, §4º, da Constituição Federal, sempre foi o STF, independente de ser o servidor federal, estadual ou municipal. Nesse sentido, o Tema de Repercussão Geral nº 727:
‘’Recurso extraordinário. Repercussão Geral da questão constitucional reconhecida. Reafirmação de jurisprudência. A omissão referente à edição da Lei Complementar a que se refere o art. 40, §4º, da CF/88, deve ser imputada ao Presidente da República e ao Congresso Nacional. 2. Competência para julgar mandado de injunção sobre a referida questão é do Supremo Tribunal Federal. 3. Recurso extraordinário provido para extinguir o mandado de injunção impetrado no Tribunal de Justiça.‘’ [7]
A Emenda nº 103/19, contudo, modificou essa competência. A partir de sua vigência, Estados e Municípios devem editar a norma regulamentadora quanto aos seus respectivos servidores. Além disso, a Emenda estabeleceu, como requisito obrigatório, a avaliação biopsicossocial.
Reproduzimos as alterações:
4º-A. Poderão ser estabelecidos por lei complementar do respectivo ente federativo idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de servidores com deficiência, previamente submetidos a avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar. (Grifo nosso)
(...)
Art. 22. Até que lei discipline o § 4º-A do art. 40 e o inciso I do § 1º do art. 201 da Constituição Federal, a aposentadoria da pessoa com deficiência segurada do Regime Geral de Previdência Social ou do servidor público federal com deficiência vinculado a regime próprio de previdência social, desde que cumpridos, no caso do servidor, o tempo mínimo de 10 (dez) anos de efetivo exercício no serviço público e de 5 (cinco) anos no cargo efetivo em que for concedida a aposentadoria, será concedida na forma da Lei Complementar nº 142, de 8 de maio de 2013, inclusive quanto aos critérios de cálculo dos benefícios.
Parágrafo único. Aplicam-se às aposentadorias dos servidores com deficiência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios as normas constitucionais e infraconstitucionais anteriores à data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, enquanto não promovidas alterações na legislação interna relacionada ao respectivo regime próprio de previdência social. [8]
E a mudança logo impactou o entendimento dos Ministros do STF.
Após a publicação da Emenda, o Ministro Alexandre de Moraes apresentou voto-vista na Proposta de Súmula Vinculante (PSV) nº 118 defendendo sua perda de objeto. No entender do Ministro, a Emenda Constitucional nº 103/19 superou as lacunas discutidas. Colamos trecho do seu voto:
Com efeito, com a promulgação da Emenda Constitucional 103/2019, a aposentadoria especial dos servidores públicos passou por profunda modificação, sendo que as lacunas normativas então existentes, as quais justificaram a aprovação do Enunciado Vinculante 33 e o pedido revisional que ora se analisa, já não mais subsistem, motivo pelo qual a presente revisão perdeu seu objeto.
No mais, não há falar que “ainda existem lacunas legislativas que impedem a fruição do direito à aposentadoria especial de servidores públicos com deficiência, notadamente nos casos de servidores estaduais, distritais e municipais”, pois, “nos termos do parágrafo único do art. 22 da EC nº 103/2019, aplicam-se a tais aposentadorias as normas já estabelecidas nos respectivos regimes próprios de previdência. Nos Estados e Municípios que não tiverem normas anteriores à emenda para disciplinarem a hipótese, todavia, persistirá a lacuna normativa que impede o exercício do direito garantido constitucionalmente”, conforme defendido pelo Ministro BARROSO em seu voto-vista.
É que todo parágrafo deve ser interpretado em conjunto com o caput do qual se desdobra, pois somente pode expressar “aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida” (art. 11, III, c, da Lei Complementar 95/98).(...) [9]
Agora, o que o Ministro quis dizer, não sabemos. Que se deve ler o parágrafo de um artigo em consonância com o seu caput é algo óbvio. Não é necessário citar a Lei Complementar nº 95/98 para alcançar essa conclusão. De resto, para a maioria dos Municípios e parte dos Estados brasileiros, o art. 22 da Emenda Constitucional nº 103/19 não superou lacuna nenhuma.
Para o fim de (tentar) visualizar a ‘’superação’’ da lacuna, conjecturamos se o Ministro defende que os entes subnacionais estão vinculados aos termos da Lei Complementar nº 142/2013? Isto é, se deveriam aplicá-la automaticamente até que editem suas próprias leis?
Contudo, não é possível chegar a essa conclusão. O parágrafo único do art. 22 não diz nada remotamente parecido. O caput discrimina os servidores públicos federais, nada mencionando quanto aos Estados e Municípios. Já o seu parágrafo não se refere a legislações estaduais ou municipais anteriores, uma vez que a competência para legislar sobre o tema era exclusivamente da União!
Em tese, os únicos segurados abrangidos pela norma do parágrafo único seriam os beneficiados por mandados de injunção com efeito inter partes. Mesmo assim, tendo em vista o regramento da Lei 13.300/16, não pode haver prejuízo futuro ao impetrante por lei posterior, do contrário ficam mantidos os termos da sentença de injunção. Assim dizendo, esse grupo já estava protegido quanto a alterações posteriores que porventura ameacem o direito concretizado.
Assim, é inútil o parágrafo único do art. 22, pois se não existisse, em nada impactaria o mundo. Quem sabe em alguma alteração futura da Lei Complementar nº 95/98 possa-se incluir algum artigo que diga que o legislador não deve editar parágrafos imprestáveis. E o pior é que essa disposição que nada diz acaba por embasar interpretações equivocadas.
Ainda no tema da PSV nº 118, muito melhor era a proposta de voto dos Ministros Lewandowski e Roberto Barroso, tendo este último pontuado:
O primeiro fundamento decorre da circunstância de que ainda existem lacunas legislativas que impedem a fruição do direito à aposentadoria especial de servidores públicos com deficiência , notadamente nos casos de servidores estaduais, distritais e municipais. Nos termos do parágrafo único do art. 22 da EC nº 103/2019, aplicam-se a tais aposentadorias as normas já estabelecidas nos respectivos regimes próprios de previdência. Nos Estados e Municípios que não tiverem normas anteriores à emenda para disciplinarem a hipótese, todavia, persistirá a lacuna normativa que impede o exercício do direito garantido constitucionalmente.
(…)
O terceiro fundamento a se considerar é que a EC nº 103/2019 alterou apenas a competência legislativa para a regulamentação da matéria, mas ainda existe uma questão constitucional que pode ser conhecida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de recurso extraordinário. Por mais que existam precedentes no sentido de que, após a EC nº 103/2019, este Tribunal não tem mais competência para conhecer dos mandados de injunção impetrados por servidores estaduais, distritais e municipais, isso só ocorre porque o polo passivo deixou de ser o Congresso Nacional nesses casos. Nada impede, porém, que a questão seja trazida ao STF por meio de recurso extraordinário interposto contra decisão de tribunal de justiça proferida em mandado de injunção, hipótese processual já admitida por esta Corte em outras oportunidades (ARE 654.496-AgR, Rel. Min. Teori Zavascki, Segunda Turma; RE 797.905, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno; RE 665.869-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma). (Grifos nossos) [10]
Apesar de muito bem fundamentada, e coerente com a jurisprudência da Corte e o atual panorama legislativa, essa posição ficou vencida, prevalecendo o voto do Ministro Alexandre de Moraes.
Ressalte-se que a interpretação que realizamos do art. 22, da E.C nº 103/19, é a mesma que consta da Nota Técnica nº 12.212/2019 do Ministério da Economia:
‘’Para a aposentadoria especial dos servidores com deficiência no âmbito dos regimes próprios de previdência social dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com base no art. 40, § 4º, I, da Constituição Federal (na redação anterior à EC nº 103, de 2019), à míngua de lei complementar federal ou, após a promulgação da EC nº 103, de 2019, de lei complementar estadual, distrital ou municipal regulamentadora dessa matéria, permanece a necessidade de impetração de mandado de injunção para viabilizar o exercício desse direito constitucional. (BRASIL, 2019b). ‘’ [11]
Não se ignora que a Súmula Vinculante também é um texto normativo e, por esse motivo, pode e deve ser interpretada. Contudo, há um limite rígido a essa interpretação: O próprio texto. Aqui, mostra-se claro que o STF houve por limitar o caráter vinculante da Súmula à aposentadoria especial referente a agentes nocivos e insalubres. Instado a expandir o sentido da Súmula Vinculante 33, de modo a incluir o servidor com deficiência, o Supremo entendeu por assim não fazê-lo, muito embora possuísse condições para tanto.
Nesse caminho, não cabe ao órgão ou instituto do RPPS editar súmula administrativa ou parecer vinculante na matéria, de modo a permitir a concessão administrativa do benefício. Compreendemos que esse proceder, além de irregular, acaba por subverter as atribuições constitucionais dos entes federativos, a quem cabe a decisão última na matéria.
Por tudo isso, compreendemos que não cabe a aplicação, neste momento, da LC nº 142/2013. Como já exposto, após a Reforma da Previdência, a regulamentação da aposentadoria do servidor com deficiência foi delegada aos entes subnacionais. Se antes a atribuição era da União, agora é dos Estados e Municípios.
Por tudo isso, em nosso entender, uma vez que STF não pacificou a matéria através de Súmula Vinculante, o caminho possível para a concessão administrativa da aposentadoria especial do servidor com deficiência continua a ser o do Mandado de Injunção.
III – Considerações Finais
O tema da aposentadoria especial para o servidor com deficiência é de enorme dificuldade, uma vez que engendra diversos pontos do Direito Constitucional e Previdenciário. Não obstante, como esperamos ter deixado claro pelas linhas acima, buscamos sistematizar a matéria de modo racional e compreensivo.
Em tema de concretização de direitos, um caminho para que o servidor com deficiência assegure o seu direito à aposentadoria especial é a impetração de mandado de injunção perante o Tribunal de Justiça, para que seja constituído em mora o Município ou o Estado e determinada a aplicação da Lei Complementar nº 142/2013, tudo nos termos da Lei nº 13.300/2016.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2024]
______. Emenda Constitucional nº 47, de 2005. Brasília, DF: Presidente da República, 2005.
______. Lei Complementar nº 142, de 8 de maio de 2013. Brasília, DF: Presidente da República, [2013].
______. Lei nº 13.300, de 2016. Brasília, DF: Presidente da República, [2016].
______. Emenda Constitucional nº 103, de 2019. Brasília, DF: Presidente da República, [2019].
______. Nota Técnica nº 12.212/2019 do Ministério da Economia. Brasília, DF: Presidente da República, [2019].
______. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 33. Brasília, DF:Diário de Justiça Eletrônico nº 77, 24 abr. 2014..
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção 107/DF. Relator: Ministro Moreira Alves.Plenário, Diário Oficial da União, p. 95, 08 ago. 1991;
______. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção 4.158. Relator: Ministro Luiz Fux. Diário da Justiça Eletrônico nº 34, 19 fev. 2014.
______. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção 795. Relator: Ministra Cármen Lúcia. Diário da Justiça Eletrônico nº 94, 22 mai. 2009.
______. ARE 654.496-AgR. Relator: Min. Teori Zavascki. Segunda Turma, [ano]
NOTAS:
______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 797.905. Relator: Min. Gilmar Mendes. Plenário Virtual, 2014.Diário de Justiça Eletrônico nº 102, 28 mai. 2014.
______. Supremo Tribunal Federal. Proposta de Súmula Vinculante 118. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno, 2022.Diário de Justiça Eletrônico nº 127, 29 jun. 2022.
NOTAS
[1] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2024]
[2] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2024]
[3] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção 107/DF. Relator: Ministro Moreira Alves.Plenário, Diário Oficial da União, p. 95, 08 ago. 1991;
[4] ______. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção 795. Relator: Ministra Cármen Lúcia. Diário da Justiça Eletrônico nº 94, 22 mai. 2009.
[5] ______. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção 4.158. Relator: Ministro Luiz Fux. Diário da Justiça Eletrônico nº 34, 19 fev. 2014.
[6] ______. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 33. Brasília, DF: [s.n.], [ano]. Diário de Justiça Eletrônico nº 77, 24 abr. 2014.
[7] ______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 797.905. Relator: Min. Gilmar Mendes. Plenário Virtual, 2014.Diário de Justiça Eletrônico nº 102, 28 mai. 2014.
[8] _____. Supremo Tribunal Federal.Proposta de Súmula Vinculante 118. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno, 2022. Diário de Justiça Eletrônico nº 127, 29 jun. 2022.
[9] ______. Supremo Tribunal Federal. Proposta de Súmula Vinculante 118. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno, 2022. Diário de Justiça Eletrônico nº 127, 29 jun. 2022.
[10] ______. Supremo Tribunal Federal.Supremo Tribunal Federal. Proposta de Súmula Vinculante 118. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno, 2022.Diário de Justiça Eletrônico nº 127, 29 jun. 2022.
Advogado especialista em Direito Público, ênfase em Processo Administrativo Disciplinar
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Maurício Sousa da. A aposentadoria especial dos servidores públicos com deficiência após a Reforma da Previdência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 set 2024, 09:37. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/66568/a-aposentadoria-especial-dos-servidores-pblicos-com-deficincia-aps-a-reforma-da-previdncia. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
Por: Joao vitor rossi
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