CLÓVIS LIMA DA SILVA
(orientador)
RESUMO: A responsabilidade civil do Estado em decorrência do erro judiciário na sentença condenatória penal, ainda hoje, gera acentuados debates. Estes se intensificam na medida em que se procura definir os requisitos que impõem ao ente administrativo à obrigação de reparar os danos provenientes do desacerto na decisão de mérito na esfera penal, a qual se mostre equivocada. O presente trabalho teve por escopo discutir os elementos em virtude dos quais se consubstancia a responsabilidade extracontratual da Administração Pública em decorrência de erro judiciário na sentença penal condenatória. Relevante o estudo, pois tais elementos reverberam no ônus da prova que recai sobre o Estado e vítima no procedimento de indenização, nos cofres públicos e na observância ao preceito constitucional estatuído no artigo 5º, LXXV, Carta Maior. Para o desenvolver da discussão, promoveu-se pesquisa de caráter bibliográfico, de abordagem qualitativa, bem como realizou-se revisão de literatura e da jurisprudência. Analisou-se os contornos do instituto responsabilidade extracontratual do Estado, sua evolução histórica e principais espécies, assim como o denominado direito de regresso, de modo a compreender-se que a teoria objetiva é a regra no ordenamento pátrio. Ademais, dissertou-se sobre o erro judiciário, suas vertentes e possíveis empecilhos ao dever de indenizar concernentes à atividade típica do Poder Judiciário, concluindo-se que o equívoco na sentença condenatória penal é espécie do gênero erro. Além disso, debruçou-se sobre os requisitos, consoante as principais correntes doutrinárias, que conferem ao ente federado o dever de reparar os prejuízos advindos do desacerto na atividade judicante no âmbito penal. Entendeu-se, por fim, pela aplicação da teoria objetiva, consagrada no artigo 37, § 6º, Constituição Federal, à obrigação do Estado de compor os danos pelo equívoco na aplicação do direito penal, que resulta em condenação do jurisdicionado, prescindindo-se, assim, da demonstração de culpa, fraude ou dolo pelo magistrado no desempenho de suas funções.
Palavras-chave: Responsabilidade extracontratual do Estado - Teoria objetiva - Erro judiciário - Sentença penal condenatória.
ABSTRACT: The State's civil liability as a result of the miscarriage of justice the criminal conviction sentence, even today, generates sharp debates. These intensify to the extent that it seeks to define the requirements that impose on the administrative entity the obligation to repair the damages arising from the failure in the decision on the merits in the criminal sphere, which proves to be mistaken. The purpose of this paper was to discuss the elements by which the Public Administration's non- contractual liability is a consequence of a judicial error in the condemnatory criminal sentence. The study is relevant, as these elements reverberate in the burden of proof that falls on the State and the victim in the indemnity procedure, in the public coffers, and compliance with the constitutional precept outlined in article 5, LXXV, Federal Constitution. To develop the discussion, research of a bibliographic nature was carried out, with a qualitative approach, as well as a literature and jurisprudence review. The outlines of the State's non-contractual responsibility institute, its historical evolution, and main species were analyzed, as well as the so-called right of return, to understand that objective theory is the rule in the national order. In addition, it was discussed about the judicial error, its aspects, and possible obstacles to the obligation to indemnify concerning the typical activity of the Judiciary, concluding that the mistake in the criminal sentence is a kind of error. In addition, it examined the requirements, according to the main doctrinal currents, which confer on the federated entity the duty to repair the losses arising from the failure in the judicial activity in the criminal sphere. Finally, it was understood by the application of the objective theory, enshrined in article 37, § 6, Federal Constitution, to the State's obligation to compose the damages for the mistake in the application of the criminal law, which results in the condemnation of the jurisdiction, dispensing, thus, the demonstration of guilt, fraud or deceit by the magistrate in the performance of his duties.
Keywords: Non-contractual liability of the State - Objective Theory - Miscarriage of justice - Convicting criminal sentence.
INTRODUÇÃO
Os requisitos que ensejam a responsabilidade extracontratual do Estado quanto ao erro judiciário na condenação criminal constituem temática que desperta acalorados debates doutrinários e jurisprudenciais.
Não se olvida que o erro judiciário na sentença penal condenatória impõe ao jurisdicionado profundos danos. E, a partir da constatação destes, se indaga em que ocasiões seria atribuível ao ente administrativo o dever de compor os prejuízos originados da defeituosa prestação do serviço jurisdicional.
Diferenciados são os entendimentos construídos pelos estudiosos do direito. Sustenta determinada corrente dogmática que a responsabilidade civil do Estado, pelo erro na sentença condenatória em âmbito penal, não dispensaria a verificação dos elementos dano, nexo de causalidade, conduta e o elemento subjetivo por parte do magistrado, quando do desempenho de suas funções. Esse elemento subjetivo se revelaria na culpa, dolo ou fraude empregada pelo juiz, ao proferir a sentença danosa.
Ao seu turno, afirmam os doutrinadores que o dever do Estado de compor os prejuízos pela prestação jurisdicional imperfeita seria regido pela teoria objetiva, estampada no artigo 37, § 6º, Constituição Federal. Ainda, encontram-se vozes que ensinam ser responsável o ente administrativo somente na situação em que configurada hipótese legal, que ao ente político imponha a obrigação de reparar, acompanhada da ilegitimidade e lesividade.
Diante disso, o presente trabalho teve como propósito debater os requisitos em razão dos quais se aperfeiçoa a responsabilidade civil do Estado em decorrência de erro judiciário na sentença penal condenatória.
Conquanto inexistam no Brasil estudos específicos, que informem dados oficiais, acerca da quantidade de erros judiciários promovidos na sentença penal condenatória, não raro são divulgados pelos meios de comunicação casos concretos de indivíduos encarcerados que, em verdade, eram inocentes.
Assim, pertinente se mostra o estudo sobre os elementos que justificam a responsabilidade da administração pelo desacerto na condenação penal. Isso, pois essas premissas refletem diretamente na atividade probatória a ser exercida pelo Estado e vítima no procedimento de indenização, no erário e no cumprimento do preceito constitucional estatuído no artigo 5º, LXXV, Carta Maior.
Para tanto, empreendeu-se o método correspondente à pesquisa de caráter bibliográfico, de abordagem qualitativa, cujo procedimento consistiu em revisão de literatura e da jurisprudência.
Em um primeiro momento, dissertou-se sobre a responsabilidade extracontratual do ente administrativo, de modo a apresentar seu conceito e escorço histórico. Além disso, explanou-se acerca das teorias, assim como seus elementos constituidores, que hodiernamente norteiam a responsabilização do ente estatal. Aduziu-se, ainda, a respeito do direito de regresso, o qual confere ao ente político a prerrogativa de reaver os valores destinados a compor os danos provocados pelos agentes públicos.
Ato contínuo, procurou-se aclarar a definição de erro judiciário, a qual se mostra extremamente nebulosa. Ademais, indicou-se as modalidades de equívoco judiciário, a saber, o ocorrido em âmbito civil ou na esfera penal. Concentrou-se, também, em enunciar os possíveis obstáculos à reparação pelo Estado do desacerto judiciário levado a efeito na atividade típica do Poder Judiciário, que analisa o mérito e põe fim à controvérsia.
Por derradeiro, dedicou-se ao debate acerca dos requisitos que conferem ao ente federado o dever de reparar o dano, oriundo do desacerto na sentença condenatória penal. Também se cuidou de elencar os entendimentos proferidos pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, assim como os do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Encerrou-se a discussão trazendo à baila os motivos em virtude dos quais o direito de regresso, em regra, acaba por não ser exercido pelo Estado.
1.RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
A responsabilidade civil do Estado, no ordenamento jurídico pátrio, pode encontrar sua origem em atuações ou inações advindas de qualquer das três esferas que compõem o Poder Estatal. É dizer, mostra-se àquela passível de se aperfeiçoar em virtude de atividades ou omissões dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
1.1 Conceito
O termo responsabilidade conduz de imediato, conforme aponta Araújo (2018), à compreensão de atribuir à determinada pessoa, jurídica inclusive, uma obrigação de reparar. Isso, em virtude de tal pessoa ter dado causa ao desequilíbrio na ordem natural das coisas.
Distinta dessa compreensão não se encontra a responsabilidade civil do Estado. Esta, assim, pode ser definida como o dever de compor os prejuízos ocasionados a terceiros em decorrência de comportamentos positivos ou omissivos, ilícitos ou lícitos, jurídicos ou materiais, atribuíveis aos agentes públicos (DI PIETRO, 2020).
Meirelles (2016) ensina, de maneira assemelhada, o conceito de responsabilidade civil da Administração Pública. Reza o doutrinador que essa responsabilidade dirige à Fazenda Pública a incumbência de reparar o dano gerado a terceiros por agentes públicos, quando no desempenho de suas atividades ou sob a justificativa de exercitá-las.
Por conseguinte, pode-se conceituar a responsabilidade civil extracontratual do Estado como o dever, a este conferido, de recompor os danos ocasionados a terceiros, em virtude de atuações ao ente da administração atribuíveis, sejam estas comissivas ou omissivas, ilícitas ou lícitas, jurídicas ou materiais.
1.2 Evolução Histórica
Apresentado o conceito de responsabilidade extracontratual do Estado, passa-se à análise de suas espécies, a saber: Responsabilidade objetiva e subjetiva do Estado. Para tanto, serão destacadas as teorias que regem tais espécies, quais sejam, Teoria do Risco Administrativo e Teoria da Culpa Administrativa.
Ademais, se procederá a uma breve síntese histórica, com o intuito de demonstrar as modificações que acabaram por determinar os moldes dos institutos ora vigentes.
As teorias acerca do dever de indenizar atribuível ao Estado podem ser apostas em três grupos principais, consoante informa Araújo (2018). Correspondem esses grupos à Teoria da Irresponsabilidade, Teorias Civilísticas ou Mistas, bem como às Teorias Publicísticas.
À época dos Estados Absolutistas, imperava a Teoria da Irresponsabilidade do Estado. Essa concepção encontrava seu fundamento de validade, segundo Di Pietro (2020), precipuamente no atributo soberania. Prevalecia o entendimento que o Estado desfrutava de autoridade indeclinável em relação aos seus súditos.
Além disso, compreendia-se que o Estado, a quem competia promover não somente a edição do direito, mas também sua tutela, não agiria de encontro ao ordenamento jurídico. Esclarece Di Pietro (2020) que, diante disso, estabeleciam-se as máximas de que o rei não poderia errar e aquilo que agrada ao príncipe tem força de lei.
Desse modo, o Estado não se via obrigado a reparar os danos por ele causados aos terceiros. Na hipótese de dano relacionado à atividade estatal, em que o agente público fosse identificado, se cogitaria a responsabilidade do próprio agente, de maneira pessoal.
A partir do século XIX, como informa Di Pietro (2020), a Teoria da Irresponsabilidade cedeu lugar às Teorias Civilísticas. Estas assim são classificadas, pois a responsabilidade extracontratual do Estado, a partir de então aceita, era regida pelos Princípios do Direito Civil, fundamentados na concepção de culpa.
De acordo com essa teoria, diferenciava-se a atividade estatal em Atos de Império e de Gestão, a fim de verificar a incidência da obrigação do Estado de reparar os danos provocados por ele. Os primeiros, compreendidos como manifestações originadas da vontade soberana do Estado, conforme reza Araújo (2018), não empenhavam a responsabilização estatal.
Por sua vez, os Atos de Gestão, os quais aproximavam a figura do Estado à dos particulares quanto à administração patrimonial e seriam disciplinados pelo direito comum (ARAÚJO, 2018), seriam aptos a configurar a responsabilidade extracontratual do Estado.
Não obstante, explicita Araújo (2018), a fim de se atribuir ao Estado o dever de reparar os danos impostos aos administrados, não era prescindível restar configurada a culpabilidade do funcionário público quando da prática danosa.
Observa Di Pietro (2020) que com o desenvolver das Teorias Civilísticas, superou-se a distinção, no que tange às hipóteses de responsabilidade estatal, entre Atos de Gestão e Império. Não obstante, filiavam-se ainda muitos doutrinadores às ideias civilistas, de modo a conceber a responsabilidade do Estado caso evidenciada a culpa.
Destarte, disserta Di Pietro (2020), buscava-se, à época, aproximar as situações em que poderia ser verificada a responsabilidade estatal extracontratual às hipótese do comitente, patrão, nas quais estes eram obrigados a reparar os infortúnios provocados por seus prepostos ou empregados. Essa concepção consubstanciava a Teoria da Culpa Civil ou Responsabilidade Subjetiva.
Resume Meirelles (2016) as Teorias Civilísticas ao entendimento de que por essas teorias, intrinsecamente interligadas ao liberalismo, acabou-se por assemelhar as condições do Estado às dos indivíduos. Isso, a fim de possibilitar a responsabilização do ente administrativo pelos atos culposos de seus funcionários.
O desenvolvimento das Teorias Publicísticas, por sua vez, encontra sua gênese na jurisprudência francesa. O impulso, especificamente, para a elaboração de uma corrente em que a responsabilidade estatal encontrasse sua razão de ser nos Princípios de Direito Público foi o conhecido caso Blanco.
Neste, após o atropelamento de Agnès Blanco por um vagão da Cia. Nacional do Fumo, moveu-se ação de ressarcimento em face do Estado. O Tribunal de Conflitos compreendeu que a ação deveria ser julgada pelo Tribunal Administrativo, posto que em voga dano decorrente da prestação de serviço público (DI PIETRO, 2020).
Assim, doutrina e jurisprudência passaram a compreender que em razão das especificidades inerentes à figura do Estado, dentre as quais as prerrogativas deste perante os indivíduos (MEIRELLES, 2016), os regramentos do direito civil não eram suficientes para disciplinar à responsabilidade civil estatal.
Florescem então as Teorias Publiscistas, cujos conceitos norteiam a maneira, hipóteses de responsabilização estatal, quando de suas atividades advêm prejuízos aos administrados. Em que pesem algumas vozes destoantes, compreende a doutrina majoritária que são espécies as Teorias da Culpa Administrativa, também reconhecida como Culpa do Serviço, e do Risco, por alguns diferenciada em Risco Integral e Risco Administrativo, do gênero Teorias Publicistas.
Orienta a Teoria do Risco a vertente objetiva da responsabilidade extracontratual do Estado, enquanto a corrente subjetiva da obrigação estatal de compor os prejuízos ao ente administrativo atribuíveis é regida pela Teoria da Culpa Administrativa.
Vislumbra-se, desse modo, a notória evolução do instituto da responsabilidade civil do Estado. De períodos em que, conquanto já causasse danos aos administrados, imperava a irresponsabilidade estatal, progrediu para as situações em que responderia o Estado pelos danos ocasionados por seus agentes, quando estes atuassem com culpa. Hodiernamente prevalece baseada na responsabilidade objetiva ou subjetiva, regidas por teorias próprias do Direito Público.
1.3 Responsabilidade Objetiva do Estado
A responsabilidade objetiva pode ser definida como o dever de reparar o qual obriga a alguém, em virtude de uma realização ilícita ou lícita que culminou em prejuízo na esfera juridicamente tutelada de terceiro. Assim, a fim de que reste caracterizada, é suficiente a simples ligação de causa e efeito entre o prejuízo e comportamento (MELLO, 2015).
Significa dizer, para a teoria objetiva, a responsabilização pelo infortúnio causado a outrem prescinde da demonstração de culpa. Basta, para tanto, a presença do prejuízo, da conduta, bem como da relação de causa e efeito entre esta e aquele.
A responsabilidade civil objetiva do Estado, consoante informa a doutrina majoritária, foi positivada no ordenamento jurídico pátrio a partir da vigência da Constituição de 1946. Esta, em seu artigo 194, previa que as pessoas jurídicas de direito público interno eram responsáveis pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causassem a terceiros.
Essa espécie de responsabilidade extracontratual do Estado encontra-se disciplinada, nos tempos atuais, no artigo 37, § 6º, Constituição Federal de 1988, o qual estatui, de maneira assemelhada à Carta Maior de 1946, que as pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, provocarem a terceiros.
Procedendo-se à interpretação do mandamento estatuído na Carta Maior brasileira, percebe-se que a responsabilidade extracontratual do Estado é regida por viés predominantemente objetivo, conforme observa Araújo (2018). Desse modo, continua Araújo (2018), sobre a vítima não recai o encargo probatório de demonstrar a culpa, direta ou indireta, do ente público.
Ao revés, existentes os requisitos intrínsecos para a responsabilização, elementos esses os quais serão analisados de maneira mais detida em tópico apropriado, a Administração Pública deverá evidenciar, caso pretenda se isentar do ônus de compor o prejuízo, a configuração de uma das situações idôneas a excluir ou atenuar a responsabilidade (ARAÚJO, 2018).
Complementa Di Pietro (2020) que, na teoria objetiva, a concepção de culpa é superada pela ideia de nexo causal entre a promoção do serviço público e o dano suportado pelo terceiro. Irrelevante, disserta a ilustre doutrinadora (2020), que a prestação do serviço público tenha ocorrido de maneira irregular, regular, funcionado mal ou bem.
Por conseguinte, destaca-se essa espécie de responsabilidade pela dispensabilidade do elemento culpa. Presentes os requisitos, não se cuidará da falta do serviço, tampouco da culpa ou dolo do agente público. E, nos termos do artigo 37, § 6º, Lei Maior, a responsabilidade objetiva se mostra a regra no ordenamento jurídico pátrio.
1.3.1 Teoria do Risco Administrativo
A Teoria do Risco Administrativo desenvolve-se no contexto em que não mais se concebia fosse a responsabilidade estatal disciplinada por regras do direito privado, devendo, sim, orientar-se por regras próprias, de direito público.
Consoante disserta Mello (2015), de maneira a alargar a esfera de proteção do administrado, os tribunais franceses passaram a conceber situações que empenhavam responsabilidade objetiva. Esse fato implicava a dissociação da obrigação de reparar da ideia de culpa ou falta do serviço, isto é, a responsabilidade pelo risco administrativo.
Encontra a teoria sob enfoque seu fundamento no Princípio da Igualdade de Todos perante os Encargos Sociais, conforme elucida Di Pietro (2020). Tal princípio informa que da mesma maneira pela qual os bônus oriundos da atividade estatal são desfrutados pela coletividade, os ônus suportados por indivíduos específicos devem ser partilhados com todos os integrantes da sociedade (DI PIETRO, 2020).
Ostenta essa denominação, Teoria do Risco, pois consagra o entendimento de que o agir do Estado, por sua própria natureza, gera um risco de proporcionar prejuízos aos administrados. Provocado o infortúnio, recai sobre o Estado o ônus de repará-lo, de maneira assemelhada à uma empresa de seguro, onde os contribuintes figurariam na condição de segurados, contribuintes esses que recolhendo os tributos colaborariam para originar um patrimônio coletivo (DI PIETRO, 2020).
Para Edmir Netto de Araújo (p. 866, 2018): “A teoria do risco administrativo faz surgir a obrigação de indenizar o dano, do só ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração. Não se exige qualquer falta do serviço público, nem culpa de seus agentes. Basta a lesão, sem o concurso do lesado”
Vislumbra Meirelles (2016) na Teoria do Risco duas vertentes, a do risco administrativo e do risco integral. A primeira, conforme se mostra assente na doutrina, prescinde da demonstração de culpa por parte do ente estatal ou de seus agentes.
Desse modo, suficientes para impingir a responsabilidade ao Estado as presenças de uma vítima, fato danoso, cuja origem seja omissão ou ação do Poder Estatal. Não obstante, admite essa vertente causa excludente de responsabilidade, a fim de eximir ou minorar o dever de ressarcir da Administração.
Por sua vez, o risco integral, disserta Meirelles (2016), consubstancia a versão extremada da teoria do risco. Segundo os preceitos daquela, o Estado se vê compelido a reparar todos os prejuízos causados aos administrados, conquanto frutos de dolo ou culpa da própria vítima.
Em que pese a existência de vozes doutrinárias distintas, tal como a de Yussef Said Cahali, nos filiamos ao entendimento que consagra a presença dessas duas vertentes. Impera, no ordenamento jurídico nacional, a Teoria do Risco Administrativo, consagrada no artigo 37, § 6º, Constituição Federal.
Todavia, respeitados entendimentos em sentido contrário, vislumbram-se hipóteses em que a Teoria do Risco Integral restou encampada. Podem ser citados, conforme leciona Di Pietro (2020), os danos ocasionados por acidentes nucleares e os advindos de atos de guerra, terroristas ou eventos assemelhados, em face de aeronaves de empresas aéreas brasileiras.
Destarte, a Teoria do Risco se afasta, a fim de caracterizar as hipóteses de obrigação de reparar pelo Estado, das concepções de falta do serviço ou culpa, em sua acepção ampla, do agente público. Fundamenta-se a teoria no Princípio da Igualdade dos Encargos Sociais, bem como no risco inerente às atividades de competência dos Entes Estatais.
1.3.2 Requisitos da Responsabilidade Civil Objetiva do Estado
Não se olvida que o ordenamento jurídico nacional consagra a responsabilização extracontratual do Estado. Esta, para sua caracterização, requer a presença de determinados elementos.
Conforme se pode extrair dos ensinamentos de Araújo (2018), presentes o desfalque ao direito ou a bem, a vítima, bem como verificado que o sujeito, cuja conduta se mostrou capaz de afetar a esfera jurídica do administrado e foi promovida no exercício de suas funções, é agente público e existente o nexo causal, responsável será o ente estatal por compor os danos.
Desta feita, imprescindíveis à configuração do dever de indenizar pelo Estado, em sua modalidade objetiva, os elementos dano, nexo causal e conduta levada a efeito por agente público no desempenho de suas funções.
1.3.2.1 Nexo Causal
O pressuposto nexo causal pode ser compreendido como o elo existente entre determinada conduta e um resultado. Isto é, consubstancia a relação de causa e efeito entre um fato e sua consequência.
Para fins de responsabilização dos entes administrativos em razão de atividades que provoquem prejuízos a terceiros, encampou a jurisprudência brasileira a Teoria dos Danos Diretos e Imediatos. Como esclarece Etges (2015), para essa corrente de pensamento é necessário se fazer presente uma relação de causa e efeito imediata.
Desse modo, a obrigação do Estado de recompor os prejuízos se caracteriza nas hipóteses em que o fato administrativo é a origem imediata e direta do prejuízo suportado pelo indivíduo (ETGES, 2015).
Araújo (2018) proclama que nexo causal exprime a referibilidade jurídica ao Ente Público da situação ensejadora do prejuízo. Ausente aquela, inexistirá a possibilidade de ser o Estado responsabilizado. E, se a referibilidade não se mostrar como razão exclusiva do dano, atenuada será a obrigação da Pessoa Jurídica de Direito Público de ressarcir.
Por conseguinte, o elemento nexo causal se apresenta como a ligação direta e imediata existente entre o fato administrativo e o prejuízo que recai sobre o administrado. Inexistente essa relação, não será atribuível ao ente administrativo o dever de indenizar. Nas situações em que outras circunstâncias permeiam o evento danoso, isto é, a referibilidade jurídica ao Estado não foi a causa exclusiva do prejuízo, a obrigação estatal de compor se mostrará abrandada.
1.3.2.2 Comportamento do Estado, Promovido por Agente Público
Compõe também a responsabilidade extracontratual do Estado o elemento conduta, por alguns denominada comportamento, atividade. Filiamo-nos à ideologia que compreende restarem abarcadas pela teoria objetiva as atividades comissivas do ente administrativo, relegando às regras atinentes à concepção subjetiva da responsabilidade as omissões estatais que gerem danos ao administrado.
Assim, o requisito conduta, segundo nossa concepção, revela uma atuação positiva, um fazer, desempenhar do Estado, por intermédio de seus agentes, que dá causa a um prejuízo. Corrobora esse pensamento Mello (2015), ao defender ser objetiva a responsabilidade estatal na situação em que este gera, produz o evento lesivo.
A atuação positiva, a fim de vincular o ente administrativo e gerar o dever de indenizar por danos eventualmente dela oriundos, deve ser levada a efeito por agentes públicos. Estes são considerados em sua acepção ampla, isto é, independentemente do título pelo qual realizam o serviço público. Desse modo, obrigam o ente federado os agentes políticos, administrativos e os particulares em colaboração com o Poder Público (DI PIETRO, 2020).
Isso porque, como bem observa Mello (2015), a ligação construída entre o querer e a atividade do Estado e seus agentes públicos consubstancia uma relação de imputação direta das ações do agente ao ente público. Significa dizer, aquilo que o agente pretendeu, interligado à sua função, compreende-se que o Estado desejou, conquanto tenha almejado mal. Assim, toma-se a conduta do agente como a do próprio ente federativo.
Os comportamentos, positivos e geradores de danos, que obrigam o Estado podem não somente ser compreendidos como ilícitos, mas também como lícitos. Significa dizer, responde o ente administrativo quando de uma atuação ilícita advém danos ao administrado, bem como de condutas lícitas, não vedadas pelo ordenamento jurídico.
Desta feita, a atuação positiva, lícita ou ilícita levada a efeito por agente público apresenta-se como um dos elementos indispensáveis à configuração do dever de reparar pelo Estado, nos termos da concepção objetiva de responsabilidade.
1.3.2.3 Dano
O dano, prejuízo, que figura como requisito da responsabilidade objetiva do Estado pode se apresentar tanto na esfera material, correspondendo ao desfalque patrimonial dos indivíduos, quanto na moral. Esta, por sua vez, reflete os prejuízos provocados na ordem pessoal, íntima, sentimental, da pessoa.
Além disso, conforme observa Silva (1995), deve o prejuízo ser certo, conquanto possa se revestir da natureza de futuro ou atual. Não é passível de indenização, todavia, o dano eventual. Ademais, o dano deve se apresentar como uma supressão, violação, a direito subjetivo ou interesse juridicamente tutelado.
Não bastasse isso, a fim de o Estado ser compelido a ressarcir determinado dano, este não prescinde das características especialidade e anormalidade. Significa dizer, imprescindível que o desfalque prejudique indivíduo determinado, e não toda a coletividade, bem como se distancie do entendimento de prejuízo tolerável, inerente à convivência em sociedade. Tais características se mostram presentes em razão do Princípio da Igualdade de Todos perante os Encargos Sociais.
Desse modo, o elemento dano pode se evidenciar nas esferas material e moral do administrado. Ademais, deve ser certo e representar supressão a direito subjetivo tutelado. Por fim, deverá o prejuízo trazer consigo o caráter de anormalidade e especialidade, pois por toda a coletividade há de serem repartidos os desfalques causados pelo Estado a determinado indivíduo.
1.4 Responsabilidade Civil Subjetiva do Estado
Define-se a vertente subjetiva da responsabilidade como o dever de reparar que se atribui a alguém em virtude de um comportamento afrontoso ao Direito, culposo ou doloso. Esse procedimento consiste em provocar um prejuízo a outrem ou não obstar sua ocorrência, nas situações em que obrigado a tanto (MELLO, 2015).
A teoria subjetiva de responsabilização do ente estatal acaba por abarcar as situações em que o Estado deixa de empreender as atividades públicas. Isto é, cuida essa teoria dos danos ocasionados por omissão do Estado, hipóteses nas quais o Poder Público não observa com correição o dever de agir. Compartilham desse entendimento ilustres doutrinadores, a saber, Yussef Said Cahali, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Celso Antônio Bandeira de Mello e Maria Sylvia Zanella Di Pietro.
Além disso, pode-se afirmar que essa corrente impõe ao ente administrativo o dever de compor os prejuízos por ele provocados a terceiros, nas situações em que se vislumbram a ocorrência de culpa.
Não obstante, a responsabilidade subjetiva do Estado distancia-se das concepções civilísticas de culpa. Isso porque, com o advento das Teorias Publicísticas, o elemento subjetivo do dever de indenizar é desvinculado do ânimo dos agentes públicos, passando a ser analisado pela perspectiva da prestação do serviço público.
1.4.1 Teoria da Culpa Administrativa
A Teoria da Culpa Administrativa consagra relevante ruptura na concepção do elemento culpa. Conforme essa corrente, o ânimo do agente público, quando do desempenho de suas funções, não mais se configura elemento imprescindível, haja vista que a culpa passa a ser considerada sob a ótica do desenvolvimento do serviço público.
Desse modo, discriminavam-se a culpa individualizada do agente, a qual diretamente o obrigava e a culpa anônima do serviço. Nesta, o servidor não é conhecido e se compreende que a prestação do serviço funcionou mal. Funcionando de maneira inadequada o serviço, presente se faz a responsabilidade estatal (DI PIETRO, 2020).
Por sua vez, a culpa da administração em virtude da prestação do serviço, pode se apresentar de três maneiras distintas, consoante observa Meirelles (2015). Restará aquela caracterizada nas situações em que o serviço inexistir, funcionar mal ou for prestado a destempo. Consigna Di Pietro (2020) que, em quaisquer das três situações, haverá a culpa do serviço, empenhando a responsabilidade do ente administrativo, independentemente de avaliação de culpa do funcionário.
Por conseguinte, cuida a teoria em análise de atrelar a ideia de culpa à prestação do serviço público. Se este se desenvolver de maneira inadequada, a destempo ou sequer for realizado, presente será a culpa administrativa, podendo-se assim, presentes os demais requisitos, obrigar o Estado a reparar os danos por ele causados.
1.4.2 Requisitos da Responsabilidade Civil Subjetiva
O reconhecimento da responsabilidade extracontratual subjetiva do Estado não prescinde de determinados elementos. A rigor, conquanto se encontrem vozes contrárias, compreende-se que dão azo ao dever de indenizar pelo ente administrativo o nexo de causalidade, o dano, a conduta, bem como a culpa.
Os requisitos nexo de causalidade e dano não têm por modificadas suas características, conceitos, daquelas apresentadas no estudo acerca dos elementos que compõem a responsabilidade objetiva estatal. Desta forma, nos debruçaremos sobre os quesitos conduta e culpa, os quais de fato, diferenciam-se da teoria objetiva.
1.4.2.1 Conduta
A corrente subjetiva da responsabilidade extracontratual do Estado tem aplicação nas hipóteses em que o dano suportado por terceiro interliga-se a uma conduta negativa do ente administrativo. Isto é, a conduta, para essa teoria, é omissiva, consistente em um não fazer por parte do Estado.
Consoante destaca Di Pietro (2020), nas hipóteses de omissão do ente federado, os danos não encontram sua origem nas atuações dos agentes públicos. Encontram a origem em fatos de terceiros ou da natureza. Contudo, esses prejuízos poderiam ter sua ocorrência impedida ou seus efeitos abrandados caso o Poder Público, podendo e devendo empreender conduta positiva, não se omitisse.
No entanto, não confere ao Estado a obrigação de reparar em virtude de toda e qualquer omissão. Presentes devem estar a possibilidade de impedir a ocorrência do evento danoso e o dever de agir atribuível ao Estado. Nesse sentido, explicita Di Pietro (2020) que a conduta, a qual deveria ser praticada pelo ente administrativo, deve ser em face dele exigível, bem como possível.
A possibilidade é verificada, disserta a autora (2020), diante das circunstâncias do caso concreto, aplicando-se, ainda, o Princípio da Reserva do Possível, de modo a balizar a indagação do que seria razoável de reclamar do Poder Público para se impedir a ocorrência do prejuízo. Mello (2015) segue o mesmo entendimento, ao ensinar que razoável se mostra o Estado suportar o dever de reparar nas situações em que se encontrar de direito obrigado a impedir os danos.
Não é demais destacar que milita em favor do administrado, em se tratando de omissão, a presunção de culpa do serviço público. Assim, incumbirá ao Estado demonstrar que agiu de maneira diligente, prudente, ou, conquanto empreendesse esforços, estes não seriam aptos a evitar a ocorrência, minorar os efeitos, do evento danoso.
1.4.2.2 Culpa
O requisito culpa, na responsabilidade civil subjetiva do Estado, fundamenta-se primordialmente na prestação do serviço público. É dizer, não se cuida nessa espécie de responsabilidade da vontade do agente público, se culposa ou dolosa, mas se a prestação do serviço foi promovida e, em caso positivo, a maneira pela qual se aperfeiçoou.
Afirma-se, assim, que a culpa reside na prestação do serviço, mais especificamente, em sua falha. Esta, por sua vez e conforme resenha Oliveira Filho (1988), pode se revelar por intermédio do mau funcionamento do serviço, de seu tardio funcionamento ou da não prestação do serviço.
Observa Mello (2015) que responde o ente estatal nas situações em que deixou de agir, isto é, não prestou o serviço público que dele era exigível, ou empreendeu suas atividades de maneira deficiente. Nesta última hipótese, o Estado acabou por não observar os padrões legais que, em regra, acompanham a prestação do serviço público. Acrescenta o autor, não elide a responsabilidade estatal, também, eventual desleixo em se adaptar aos padrões ordinariamente devidos.
Desta feita, não promovendo o ente administrativo a prestação do serviço público, nas situações em que era exigível, realizando o serviço de maneira tardia ou ineficiente, caracterizada restará à culpa. Por consequência, presentes os demais requisitos, patente a responsabilidade estatal, em sua modalidade subjetiva.
1.5 Direito de Regresso
Assegura o direito de regresso a possibilidade de a Administração Pública reaver os valores dispendidos para recompor os danos ocasionados por seus agentes públicos aos particulares. Para tanto, consoante informa Mello (2015), dois requisitos devem se fazer presentes, a saber: que haja condenação do Estado a recompor os prejuízos de terceiro por ato danoso do agente público e este tenha promovido a atividade lesiva com culpa ou dolo.
Desse modo, a ação de regresso será possibilitada, nos termos do artigo 37, § 6º, Constituição Federal, nas hipóteses em que tenha havido condenação do Estado ao dever de indenizar, bem como o agente público empregado conduta, danosa, de maneira dolosa ou culposa. Vislumbra-se, assim, que a responsabilidade do agente, conforme ensina Meirelles (2016), é subjetiva e apurada segundo os ditames gerais do Código Civil.
Além disso, disserta Di Pietro (2020), a propositura da ação pelo ente administrativo a fim de exercer o direito de regresso é obrigatória, cujo ajuizamento deve ocorrer no prazo de 60 dias, contados da ocasião em que transitar em julgado a sentença condenatória. Isso em razão da indisponibilidade do interesse público.
Por conseguinte, possibilita o direito de regresso que o Estado recomponha seu patrimônio, quando desfalcado em virtude de danos provocados por agentes públicos aos administrados. Para tanto, não se prescindirá do Poder Público ser condenado a ressarcir o particular, assim como tenha o agente público empreendido conduta de maneira culposa ou dolosa, aferidas consoante as regras do Direito Civil.
2. ERRO JUDICIÁRIO
O erro judiciário, notadamente no que se refere a seu reconhecimento, não se mostra pacificado pela doutrina nacional. Significa dizer, a definição do erro levado a efeito pelo Poder Judiciário suscita intensos debates entre os estudiosos do direito. Assim, importa destacar os principais entendimentos acerca da matéria, não somente quanto à sua conceituação, mas também referente ao seu alcance.
2.1 Conceito
A definição pela doutrina sobre a concepção do erro judiciário não se encontra consolidada. Vislumbram-se no ordenamento pátrio vertentes que acabam por restringir a compreensão acerca da temática, enquanto há operadores do direito os quais englobam uma gama de situações no conceito de erro judiciário.
Sustenta determinada corrente, consoante observa Álvares e Neto (2020), que o erro judiciário equivale ao ato judiciário imperfeito. Isto é, abarca somente as atividades administrativas levadas a efeito por agentes do Poder Judiciário.
Não obstante, segundo os ensinamentos de vertente que amplia o entendimento sobre o erro, este engloba quaisquer atuações promovidas por órgãos judiciários e auxiliares da justiça. Assim, consubstanciam o erro judiciário não somente as atividades administrativas, mas também a função típica do Poder Judiciário, consistente em aplicar o direito à luz dos casos concretos.
Nesse particular, importa diferenciar as atividades judiciárias das jurisdicionais. As primeiras referem-se aos atos administrativos promovidos por qualquer servidor do Poder Judiciário. Por sua vez, as de natureza jurisdicional correspondem às atuações privativas e decorrentes da própria função de magistrado, como as sentenças, decisões interlocutórias e os acórdãos.
Informa Medeiros (2003) que o erro consiste em qualquer atividade danosa exercida no âmbito judicial, derivada da função estatal. Acrescenta a autora que se perpetua em virtude de incorreto juízo de valor sobre os fatos ou o direito aplicável, conduzindo o magistrado a prolatar sentença apta a ser desconstituída pelos institutos da revisão ou rescisão.
Semelhante entendimento apresenta Falcão (2015), ao aduzir que o erro judiciário é resultado de equivocada interpretação dos fatos ou de desrespeito às normas de direito material ou processual.
Conclui o referido autor que o erro materializa-se como a desacertada subsunção da conduta à norma em vigor, quando da ocorrência do fato. Pode aquele encontrar sua gênese não somente na falsa compreensão da realidade, mas também no equívoco do magistrado ao exercer sua atividade de interpretação da norma em abstrato.
O erro judiciário, segundo Medeiros (2003), guarda em sua essência duas espécies, pela autora diferenciadas em erro de procedimento e julgamento. Advindo o equívoco de despacho ou decisão, existente o erro de procedimento.
Ao seu turno, se presente a incorreção na sentença, configurado está o de julgamento. Este se subdivide, consoante Medeiros (2003), em erro de fato e de direito. O desacerto referente ao fato corresponde à equivocada compreensão acerca da prova, isto é, interligado aos meios probatórios e às circunstâncias dos acontecimentos que norteiam a relação processual.
O equívoco de direito pode se referir não somente à existência da legislação, é dizer, se a norma empregada encontra-se ou não vigente, mas também à falha na escolha do preceito aplicável ao caso concreto. Ademais, o erro de direito pode trazer à baila o desacerto na própria interpretação da norma, isto é, o conteúdo desta foi compreendido de maneira equivocada.
Conquanto o conceito de erro judiciário esteja, no ordenamento nacional, intrinsecamente ligado ao Direito Penal, notadamente à sentença penal condenatória, conforme ressalta Júnior (2004), pode aquele se perpetuar em qualquer jurisdição. Significa dizer, o erro não ocorre somente na esfera penal, mas também nos demais ramos do direito, dentre os quais, o civil.
Nesse sentido, complementa Júnior (2004), em que pese as distinções existentes entre os variados ramos da jurisdição, o erro há de ser reconhecido em quaisquer delas. Isso porque o risco do equívoco é intrínseco à própria função jurisdicional, seja penal ou cível.
Bem arremata a questão acerca do conceito de erro judiciário Franco (2012), ao esclarecer que o equívoco corresponde a todas as atividades típicas de defeituoso funcionamento do serviço público jurisdicional, resultando em afronta ao Princípio da Eficiência, o qual deve nortear a realização das atividades públicas.
Por conseguinte, a depender da corrente norteadora, o erro judiciário consubstancia não somente as hipóteses em que as normas são empregadas de maneira equivocada, como também nas quais a realidade destoa da interpretação a ela conferida pelo julgador. É passível de abarcar, ainda, as atuações promovidas pelos auxiliares da justiça, bem como as atividades de natureza administrativa levadas a efeito no âmbito do Poder Judiciário.
E, não obstante restar seu conceito intimamente relacionado ao ramo penal do direito, o erro judiciário pode ocorrer nas demais matérias que, reunidas, formam o ordenamento jurídico pátrio. Significa dizer, pode o erro se configurar na esfera civil demandando, à semelhança do equívoco no âmbito penal, atenção do Poder Público.
2.2 Espécies de Erro Judiciário
Apresentados os conceitos mais difundidos pela doutrina, cumpre diferenciar o erro judiciário consoante os ramos do direito em que pode este se perpetuar. Distinguem os estudiosos do direito, em sua maioria, os equívocos judiciários segundo os âmbitos civil e penal.
2.2.1 Erro Judiciário em Âmbito Civil
O âmbito jurisdicional civil em sentido amplo engloba, consoante Araújo (2018), as matérias de fato e direito não penais, em que as pretensões não residem na atuação punitiva ou repressiva da jurisdição penal. Por sua vez, continua o autor, na acepção restrita reporta-se ao Direito Comercial ou Civil, bem como às normas processuais civis.
Assim, o critério empregado para se definir quais os elementos que compõem a jurisdição civil pode ser compreendido como o da exclusão. Significa dizer, as matérias que não constituem o Direito Penal, tanto em sua vertente substantiva, quanto processual, dão azo à denominada jurisdição civil.
Esse raciocínio é também adotado por considerável parte da doutrina nacional, para disciplinar o erro judiciário em âmbito civil. Registram Costa e Zolandeck (2012) que o equívoco judiciário cível concerne às decisões prolatadas por juízes cuja competência se perpetue em esfera distinta da penal, seja no âmbito estadual, federal, de família, fazenda pública.
Acerca do erro judiciário civil diferente não é o entendimento de Medeiros (2003), ao consignar que o equívoco nesse âmbito corresponde a qualquer falha ou omissão perpetradas quando do exercício da função jurisdicional, em procedimento não penal.
O equívoco na seara cível pode se caracterizar quando da apreciação do mérito da causa pelo magistrado, isto é, na situação em que este, analisando as provas produzidas e o direito aplicável, profere sentença equivocada quanto aos fatos, legislação ou procedimento. Nesse cenário, caracterizado estará o erro de julgamento.
Além disso, registra Gregório (2009), poderá o erro se manifestar no tocante às medidas de urgência requeridas no processo. Assim, a imperfeição ocorrerá na hipótese em que, conquanto inexistentes os requisitos, o magistrado defere a tutela pleiteada.
Também se perpetuará, continua a autora (2009), quando presentes os requisitos autorizadores da concessão, o magistrado acaba por indeferir a medida de urgência e, ainda que favorável o desfecho processual, a tutela se mostra inócua. Haverá, ainda, erro na situação em que o aplicador do direito se omite de apreciar o pedido liminar, mantendo-se silente quanto ao deferimento ou não da medida de urgência.
Segundo Falcão (2015), a doutrina nacional tem reconhecido a existência do erro judiciário no âmbito cível em sentido amplo, bem como a possibilidade de ressarcimento ao prejudicado diante da ocorrência daquele. Isso porque, anota o autor (2015), o artigo 5º, LXXV, Constituição Federal determina a indenização do condenado por erro judiciário, sem mencionar especificamente o âmbito penal.
Desse modo, compreende-se que a Constituição da República, ao não limitar o erro judiciário à esfera penal, teve por objetivo encampar o equívoco promovido no âmbito civil, conferindo-lhe também a possibilidade de o prejudicado pelo erro civil ser indenizado.
Fortalecem essa concepção, Knoerr e Veronese (2016) ao disporem que o Estado ostenta a obrigação de exercer sem diferenciações a função jurisdicional em todas as esferas do Direito. Dessa forma, é desautorizado restringir a responsabilidade estatal aos erros judiciários penais, ignorando-se a existência dos equívocos nos demais campos do direito.
Por conseguinte, o erro judiciário no âmbito civil consubstancia os desacertos promovidos na esfera não penal ou, adotando-se o entendimento de vertentes mais restritivas, nos campos do direito material e processual cível.
Tem pela doutrina nacional o equívoco na seara civil não somente o reconhecimento de sua existência, mas também, conquanto existam algumas vozes destoantes, a possibilidade de gerar a indenização aos prejudicados pela sua ocorrência.
2.2.2 Erro Judiciário no Âmbito Penal
Registra Araújo (2018) que a jurisdição penal é composta pela reunião das normas de direito material e processual penal. As primeiras, apresentadas no Código Penal brasileiro, legislação conexa e complementar, cuidam de retratar os ilícitos penais, definir as normas atinentes à punição, cominar as penas inerentes ao ato delituoso e impor medidas de segurança.
O direito processual penal disciplina, continua o autor (2018), a maneira pela qual a coletividade será desagravada das consequências resultantes da conduta ilícita levada a efeito pelo infrator. Esse procedimento revela-se como a ação penal, regida pelos mandamentos do Código de Processo Penal brasileiro, bem como das normas extravagantes pertinentes.
O erro judiciário penal é considerado o equívoco mais gravoso que pode ser efetuado pelo Poder Judiciário. Deve-se tal afirmação em virtude de os bens jurídicos atingidos nas hipóteses em que aquele ocorre. Afeta o equívoco no âmbito penal os direitos mais caros dos indivíduos, tais como a vida, liberdade, honra, moral, incolumidade física, dentre outros. Assim, como observa Araújo (2018), a situação mais reverberante é a do erro judiciário na esfera penal.
Consubstancia o equívoco judiciário em matéria penal, aponta Neto (2004), não somente o perpetrado em face do condenado, como também a acusação, condenação penal e processamento desacertado. Ademais, é caracterizado o erro na situação em que decretada prisão provisória indevida e execução de pena privativa de liberdade, a qual ultrapasse a quantidade determinada na sentença.
Além disso, Neto (2004) considera como erros na esfera penal a oferta de denúncia em prejuízo de indivíduo não autor de crime, a prisão indevida em razão do descomedimento do prazo na instrução criminal e a condenação com fundamento em indícios, probabilidades processuais, haja vista o Princípio da Verdade Real.
Inclui, ainda, o autor (2004) dentre os desacertos judiciais a ausência de reconhecimento de nulidades processuais evidentes, que provoquem relevantes injustiças ou constrangimentos, assim como o impedimento à progressão de regime, quando preenchidos os requisitos legais.
Asseveram Álvares e Neto (2020) que o equívoco judicial na esfera penal revela-se na sentença condenatória injusta, bem como se caracteriza nas hipóteses em que decretadas prisões processuais sem fundamento a embasá-las. Além disso, haverá erro quando verificado excesso de pena na condenação ou o cumprimento de penalização em tempo superior ao fixado pelo magistrado no exercício do direito do Estado de punir o infrator.
Ademais, extraem Álvares e Neto (2020) do artigo 621, seus incisos, Código de Processo Penal, a compreensão acerca do erro judiciário penal. Assim, este é identificado nas hipóteses em que a sentença penal condenatória se mostra conflitante ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos.
Também importa em erro a sentença condenatória, cujo fundamento se faz em depoimentos, documentos ou exames comprovadamente inverídicos e após a prolação da sentença, fossem descobertas novas provas sobre a inocência do condenado ou de hipóteses que importem diminuição especial da pena aplicada.
E, ao nosso ver, acertada se faz a manifestação dos autores. De fato, a sentença penal condenatória que enseja a procedência da revisão é passível de refletir, mais facilmente, a ocorrência do equívoco judiciário. As hipóteses colacionadas nos incisos do artigo 621, Código de Processo Penal, respeitados os entendimentos em contrário, podem evidenciar o erro de julgamento, posto que derivam de interpretação equivocada dos fatos, do direito e, até mesmo, das provas.
Além disso, proposta a revisão e acolhido o anseio do condenado, a pedido deste, possibilita o artigo 630, Código de Processo Penal, que o Tribunal reconheça o direito a uma equitativa indenização, em virtude de os prejuízos suportados pelo jurisdicionado. Assim, em nossa compreensão, esse artigo permite que seja declarada a ocorrência do erro judiciário, bem como o direito à sua reparação.
Não obstante, há operadores do direito que concebem o equívoco judicial no âmbito penal somente em se tratando de erro na decisão que conhece do mérito da demanda.
Médici (2017), com esse entender, aponta que o desacerto implica a falsa compreensão jurídica ou fática de uma decisão, culminando em absolvição ao invés de condenação, e a recíproca se faz verdadeira, ou a aplicação de pena mais elevada ou diminuta do que a apropriada ao condenado.
E, disserta Médici (2017), presente está o equívoco também diante da condenação de indivíduo que, em verdade, é inocente. Esta ocorre, em regra, nas situações em que o crime não existe, o imputado não foi autor ou partícipe, não é reconhecida causa excludente de ilicitude ou culpabilidade. Ademais, equivocada é a tipificação de crime mais gravoso ou a fixação de pena superior à do fato típico pelo condenado cometido.
Todavia, afirma Falcão (2015), não representa equívoco judiciário, em sua espécie erro de direito, a mera divergência no conhecimento e interpretação da lei. Além disso, casuais desencontros entre as instâncias julgadoras, no tocante à idêntico caso concreto, não configuram, por si só, o desacerto judiciário. Essa concepção é corroborada pelo pensamento de Gregório (2009).
Por conseguinte, o erro judiciário penal, a depender da vertente doutrinária empregada, encerra tanto as prisões processuais, decretadas de maneira dissociada da vontade da lei, quanto os equívocos levados a efeito na sentença penal condenatória.
Apesar das vozes destoantes, acerca das hipóteses caracterizadoras do equívoco judiciário penal, a doutrina majoritária tem ensinado que as incorreções promovidas na sentença penal condenatória representam o típico erro judiciário. Significa dizer, é pacificado o entendimento de que o desacerto na imputação da prática de atos penalmente ilícitos, assim como na imposição de pena, aos jurisdicionados identifica o equívoco judiciário penal.
2.3 Erro Judiciário na Sentença e os Possíveis Empecilhos à sua Reparação
A existência do erro judiciário, especificamente em se tratando de sentença penal condenatória, é reconhecida por grande parte da doutrina. De maneira semelhante, os operadores do direito tendem a reconhecer a possibilidade de o prejudicado pelo equívoco judiciário ser indenizado pelos danos deste provenientes.
Todavia, encontram-se vozes que apontam obstáculos de difícil transposição, os quais inviabilizariam a indenização em virtude do desacerto presente na sentença, inclusive na penal condenatória. Esses entraves, seriam a coisa julgada, independência dos magistrados e a soberania do Poder Judiciário.
2.3.1 Coisa Julgada
A coisa julgada confere às decisões judiciais por ela recobertas a presunção de veracidade do quanto proferido. Ademais, propicia às relações a fundamental segurança jurídica, pois faz lei entre as partes. Apresenta a coisa julgada tamanha importância que não poderá ser violada nem pela lei, nos termos da Constituição Federal, artigo 5º, XXXVI.
Os adeptos da tese de que a coisa julgada impediria a responsabilidade do Estado pelos danos advindos do equívoco judiciário na sentença fundamentam seu entendimento justamente nas características peculiares desse instituto. Consoante Falcão (2015), os defensores da incompatibilidade entre coisa julgada e indenização por erro judiciário sustentam que aquela oferece a pretendida segurança jurídica ao ordenamento.
Além disso, explicitam que o reconhecimento do direito à reparação em virtude do desacerto judiciário violaria, flagrantemente, a presunção de veracidade que acompanha a coisa julgada.
Todavia, hodiernamente a doutrina majoritária consigna a inexistência de conflito entre os institutos. Reflete Falcão (2015) que a coisa julgada não constitui impedimento à responsabilização, mas simples restrição. Isso, pois o ordenamento jurídico pátrio oferece instrumentos para a desconstituição da res judicata.
Assim, o ressarcimento pelo equívoco judiciário em sentença acobertada pela imutabilidade depende, somente, do antecedente desfazimento do julgado. No âmbito penal, a desconstituição é passível de ser promovida pelo instrumento da revisão, positivada no artigo 621 e seguintes do Código de Processo Penal.
Argumentam pela compatibilidade dos institutos Álvares e Neto (2020), amparando seus pensamentos em três princípios. Destacam, por primeiro, o Princípio da Legalidade, esclarecendo que à sentença não é dado se mostrar conflitante ao direito positivo vigente, porque o poder do Estado tem de ser manifestado consoante os limites da lei.
Invocam, por segundo, o Princípio da Instrumentalidade, explicitando que o processo encontra seu sentido nas situações em que o seu desfecho fundamenta-se nos ideais de justiça e aproxima-se da realidade fática. Por fim, trazem à baila os autores (2020) o Princípio da Proporcionalidade, justificando que a coisa julgada compartilha da mesma importância dos demais valores de semelhante grau hierárquico, não se sobrepondo a eles.
Assevera Júnior (2004) que a coisa julgada não ampara a irresponsabilidade do Estado pelos danos oriundos da sentença equivocada porque a decisão que desfruta desse atributo pode ser desfeita.
Acresce à posição a qual propaga a coexistência dos institutos Araújo (2018), que conduzir a coisa julgada ao patamar de muralha sacrossanta, impenetrável em nenhuma circunstância, significaria conceber a infalibilidade do julgamento humano, conquanto se estivesse diante de erro inegável.
Por conseguinte, indene de dúvidas a relevância da coisa julgada para a manutenção do ordenamento jurídico. Contudo, a doutrina mais abalizada, a nosso ver de maneira escorreita, tem compreendido que a coisa julgada não consubstancia impedimento à indenização pelo erro cometido na sentença. Isso, não somente em virtude dos princípios norteadores do sistema jurídico nacional, mas também pelos próprios instrumentos que este oferece para a desconstituição da res judicata.
2.3.2 Soberania do Poder Judiciário
A soberania é também utilizada para fundamentar a irresponsabilidade quanto aos danos engendrados na decisão que põe fim ao litígio. Conforme destaca Araújo (2018), os partidários daquela tese argumentam que as atuações no âmbito jurisdicional consistiriam em manifestações da soberania do Poder Judiciário.
No entanto, elucida Araújo (2018), a soberania se mostra como atributo da entidade Estado de maneira indivisível e uma. Assim, essa qualidade não seria inerente a cada um dos poderes, órgãos ou conjunto destes, que compõem o Estado.
Ademais, continua Araújo (2018), as atividades do governo e dos juízes compreendem atos do Estado, promovidos com autoridade advinda de idêntica fonte originária e com tendência de encerrar o mesmo fim geral, consistente na consecução do serviço público.
Comunga de semelhante entendimento Falcão (2015), ao dispor que a soberania é qualidade conferida ao Estado, como um todo, constituindo-se peculiaridade da personalidade do ente estatal. Desse modo, não possui cada um dos três poderes soberania, posto que exercem as funções típicas do Estado, em nome deste e observando as balizas determinadas pela Constituição Federal.
Diferente não é a lição de Júnior (2004), o qual disserta que a soberania é uma, não se dividindo entre os Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo. Acrescenta o autor que, a admitir a correição da corrente a qual propaga a soberania do Poder Judiciário, implicaria em reconhecer que os atos administrativos danosos também não seriam indenizáveis, porque da mesma forma que os judiciais, levados a efeito por um poder soberano, o Executivo.
E, a considerar as bases do ordenamento jurídico vigente, bem como os mandamentos constitucionais e a legislação infraconstitucional, não se concebe a irresponsabilidade dos atos emanados pelo Poder Executivo.
Desta feita, a soberania não constitui óbice à reparação do dano promovido pela típica atividade judicante desacertada. Esse atributo, como apontado, pertence ao Estado e é uno, indivisível. Assim, as atividades promovidas pelo Poder Judiciário não se revestem da soberania, de modo que esta não pode ser invocada para fundamentar a ausência de responsabilização pelos prejuízos oriundos do erro judiciário na sentença, notadamente a penal condenatória.
2.3.3 Independência dos Magistrados
A independência dos juízes para livremente apreciar a causa, bem como proferir suas decisões, constitui uma das mais importantes qualidades do poder jurisdicional. Fortifica essa característica a própria imparcialidade do magistrado, possibilitando, desse modo, que as questões a ele submetidas sejam apreciadas conforme o direito posto, conferindo o que é devido a quem se mostra merecedor.
Os partidários da corrente que afirma conflitarem a independência dos juízes e a responsabilidade pela atividade decisória imperfeita, observa Falcão (2015), sustentam que o dever de indenizar pelo equívoco judiciário poderia gerar nos aplicadores do direito o receio de proferir suas decisões. Com isso, a independência restaria comprometida.
Entretanto, aduz Falcão (2015), o pensamento que conclui pela incongruência entre erro judiciário e responsabilização se mostra um contrassenso. Tal dissonância deve-se ao fato de que os adeptos da irresponsabilidade do Estado, pelo equívoco judiciário na sentença defendem a responsabilização pessoal do próprio magistrado.
Continua o autor (2015), a responsabilização do ente estatal pelos prejuízos oriundos do erro judiciário, e não pessoalmente o aplicador das normas, em verdade constitui uma proteção ao juiz, de modo a garantir-lhe a tranquilidade ao proferir suas decisões. Isso porque, responsabilizando-se o Estado, obsta-se que o juiz de direito seja diretamente acionado pela vítima. Assim, se encontrará preservada a independência do juiz.
Bem apresenta a questão Júnior (2004). Afirma o autor que a independência dos magistrados é regida pela garantia da liberdade de escolha do teor da decisão a ser por eles proferida. Em contraposição, exige-se que sejam as decisões devidamente fundamentadas.
Diante disso, acrescenta Júnior (2004), em grande parte restaria afastado o arbítrio do julgador, a este conferindo a obrigação de observar as delimitações do ordenamento jurídico posto.
Desse modo, conservando ao magistrado a liberdade de apreciar a legislação consoante o sistema jurídico, correto será o entendimento de que, inobservadas as normas do ordenamento, de maneira semelhante ao que ocorre em se tratando dos Poderes Executivo e Legislativo, a responsabilidade atribuída ao ente estatal será perfeitamente aceitável.
A independência, não se questiona, é indispensável para a consecução da atividade judicante, pois fortalece a imparcialidade e permite que os juízes vinculem seus pensamentos, tão só, ao direito. Diante das razões apontadas, indene de dúvidas que não colide a independência com a responsabilização pela sentença danosa.
3.RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO, PELO ERRO NA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA
Busca-se promover, no presente capítulo, a análise acerca das teorias que se aplicam à responsabilidade extracontratual do ente administrativo, quando do erro judiciário na sentença penal condenatória. Isto é, passa-se a dissertar sobre os elementos imprescindíveis a ensejar a obrigação de compor o prejuízo pelo Estado, nas hipóteses em que se mostra desacertada a sentença penal condenatória.
3.1 Requisitos para a Responsabilização do Estado, Ocorrido o Erro na Sentença Condenatória Penal
A responsabilidade extracontratual do ente administrativo pelos atos jurisdicionais não se apresenta como matéria pacificada no ordenamento jurídico pátrio. Ademais, o próprio conceito de erro judiciário é objeto de controvérsia entre os estudiosos do Direito.
Contudo, a compreensão de que o equívoco judiciário engloba o desacerto promovido na sentença penal condenatória, hodiernamente, é admitida por grande parcela dos doutrinadores. De modo semelhante, a doutrina tem ensinado que a responsabilidade do Estado pelo erro na sentença penal condenatória é certa, em virtude de o dever de indenizar encontrar amparo no texto constitucional.
Assim, destaca Medeiros (2003), quanto ao erro judiciário na sentença penal é remansosa a obrigação do Estado de reparar os danos daquele advindos. Isso porque a Constituição Federal de 1988 é categórica no sentido de garantir a indenização por tal equívoco. Nesse sentido, acrescenta a autora (2003), o artigo 5º, LXXV da Constituição Federal explicita o dever atribuível ao ente administrativo, ao dispor que incumbirá ao Estado promover o ressarcimento do condenado por erro judiciário.
Não obstante, diverge a doutrina, bem como a jurisprudência, no que se refere aos requisitos indispensáveis para configurar o dever de reparação pelo Estado, quando da ocorrência do erro judiciário na sentença penal condenatória. Cuida-se, diante disso, de apresentar as principais correntes que acabam por nortear a discussão acerca do tema.
Reza a primeira vertente que a responsabilidade do Estado pelo equívoco judiciário, por consequência o ocorrido na sentença penal condenatória, não é regida, por si só, segundo os moldes delineados no artigo 37, § 6º, Constituição Federal. Significa dizer, o dever de reparar não é abarcado pela teoria da responsabilidade objetiva.
Desse modo, pontua Júnior (2004), a regra estampada no § 6º, artigo 37 da Constituição Federal não escapa de ser analisada conforme os termos estampados em seu artigo 5º, LXXV. Mais, o dever de indenizar tem seus requisitos informados pela legislação ordinária e complementar, indicando que o ente administrativo é encarregado daquele nas hipóteses em que o magistrado desempenha sua função típica com fraude, dolo, culpa grave ou incapacitação para o trabalho.
Orienta Araújo (2018) que o dolo resta caracterizado quando se dá causa, assumindo a possibilidade ou intencionalmente, ao erro. Isso, com o objetivo de lesionar. Desta feita, a atividade do juiz, ao ser desempenhada com dolo, é governada pela intenção de prejudicar o administrado.
Empenha a fraude, ensina Júnior (2004), a hipótese em que se emprega qualquer maneira artificiosa suficiente para induzir terceiro ao engano. Consubstancia a fraude as artimanhas, ludibriosas, que o juiz pode utilizar a fim de falsear a realidade e privilegiar uma das partes em detrimento da outra.
A culpa, a ser considerada para aferir eventual obrigação de compor os danos em razão do erro judiciário na sentença, pode se revelar por intermédio de três espécies, elucida Araújo (2018). É passível de se manifestar, assim, pela negligência, imprudência ou imperícia.
A negligência encerra uma conduta negativa, isto é, corresponde à inércia, inatividade, passividade. O juiz deveria atuar de determinada maneira, adotando a diligência necessária para sentenciar, contudo acaba por não agir, seja em virtude de desídia, indolência ou, até mesmo, preguiça.
Por sua vez, a imprudência traz consigo o pensamento de atuação comissiva. É imprudente o magistrado que age com insensatez, precipitação, não empregando as cautelas dele exigíveis. Atua o juiz, nessa hipótese, sem contemplar as características diferenciadoras do caso concreto ou desconsiderando o quanto decidido em demandas semelhantes àquela posta ao seu crivo.
Imperícia, também concebida como incapacitação para o trabalho, corresponde à ausência de conhecimentos técnicos, capacidade, prática, exigíveis para o desempenho de dada atividade. Essa modalidade, considerando-se a rigidez e complexidade dos exames aos quais são os magistrados submetidos para ingresso na função, mostra-se de difícil verificação na realidade.
A culpa, em quaisquer de suas modalidades, deve ser caracterizada como grave, destaca Júnior (2004). Assim, deve aquela noção exprimir que a atuação culposa é imperdoável, inconcebível, quanto ao cumprimento das atividades referentes à função do magistrado. Menciona o autor (2004), a título elucidativo, a negligência, que deve se mostrar evidente, transparecendo desatenção grosseira à obrigação de cuidado no desempenho das funções.
Desta feita, disciplina a corrente apresentada que a responsabilidade do Estado pelo equívoco judiciário na sentença, por óbvio na condenatória em âmbito penal, não dispensa, além dos requisitos dano, nexo de causalidade, conduta, a análise do ânimo com o qual desempenhou o magistrado suas funções. Significa dizer, haveria a responsabilidade nas situações em que o juiz atuou de maneira dolosa, culposa, fraudulenta ou imperita.
Avolumam-se, no entanto, as concepções que defendem a responsabilização pelo Estado decorrente do erro judiciário, cujo equívoco na condenação criminal é espécie, causadores de prejuízos aos jurisdicionados segundo os termos do artigo 37, § 6º, Constituição Federal. Assim, para tais estudiosos, a responsabilidade do ente estatal pelos danos advindos do equívoco na sentença penal condenatória regula-se pela teoria objetiva.
Para tanto, estabelecem determinadas premissas. Consistem estas no § 6º, artigo 37, Constituição Federal, não aludir a qualquer distinção a respeito das hipóteses em que há sua incidência, bem como ser o magistrado agente público. Ademais, se sustenta que a prestação jurisdicional configura serviço público, abrangido seus atos, desse modo, pelo mandamento constitucional alhures referido.
O artigo 37, § 6º, Constituição Federal de 1988, assinala Gregório (2009), elenca a responsabilidade do ente administrativo pela atividade de seus agentes de maneira generalizada. Diante disso, acaba por reger todas as atuações estatais, sem exceção, dentre as quais se encontra a atividade consistente em solucionar os conflitos de interesses submetidos à sua apreciação.
Semelhante entendimento é apresentado por Falcão (2015). Destaca o autor que a Carta Maior, ao estatuir a responsabilidade extracontratual do Estado em virtude de os prejuízos que seus agentes causarem aos administrados, acabou por não excluir as lesões originadas pelos agentes que levam a efeito as atividades jurisdicionais, isto é, os magistrados.
Além disso, disserta o autor (2015), não se deve perder de vista que o artigo 37 da Magna Carta recobre todos os poderes dos Estados, Municípios, Distrito Federal e União. Por consequência, também é regido o Poder Judiciário, notadamente em seus atos típicos, pelos mandamentos dispostos naquele artigo.
Dessa forma, as atividades do Poder Judiciário, por decorrência lógica, a aplicação do direito penal ao caso concreto, por intermédio da sentença penal, levada a efeito pelos magistrados, é regida pela teoria consagrada no artigo 37, § 6º, Constituição Federal, em se tratando de responsabilidade extracontratual.
Ensina essa corrente, ademais, que não escaparia da natureza de agente público o juiz de direito. Araújo (2018) sustenta que o magistrado, ao desempenhar sua função, promove atividade de competência privativa do Estado, consistente em fazer incidir a vontade da lei nos casos concretos.
Costa e Zolandeck (2012), anuindo aos ensinamentos de Edmir Netto de Araújo, afirmam que os magistrados são, em verdade, servidores públicos. Isso porque os juízes são ocupantes de cargos públicos, cujo regime é o estatutário, delineado por legislação específica.
Assim, dada a qualidade de agentes públicos dos magistrados, responde o Estado pelos danos oriundos de suas atuações. Ressaltam Costa e Zolandeck (2012), inclusive, que a Lei Maior não promove qualquer diferenciação entre os agentes, determinando somente que o ente estatal deve suportar os prejuízos por estes causados.
Diferente não é a lição de Di Pietro (2020). Esclarece a autora que são os magistrados funcionários públicos, posto que ocupantes de cargo público originado da Lei. E, mesmo que considerado agente político, seria encampado pelo disposto no artigo 37, § 6º, Constituição de 1988, pois este se refere a agente, de modo a submeter todos os indivíduos que, sob qualquer denominação, exerçam atividade para o Estado.
A prestação da atividade jurisdicional, de acordo com a vertente que ensina ser a responsabilidade objetiva pelo erro judiciário, inclusive o aferido na sentença penal condenatória, enquadra-se no conceito de serviço público.
Knoerrr e Veronesse (2016), colacionando os ensinamentos de Loureiro Filho (2005), estabelecem que raras são atuações do Estado que ostentam caráter tão público como a atividade jurisdicional. O Poder Judiciário exerce serviço essencial, exclusivamente público e político.
Assinala Gregório (2009) que, conquanto seja tormentosa a definição do conceito de serviço público, não demanda esforço hercúleo a compreensão consistente em ser a atividade jurisdicional espécie do gênero serviço público. O Estado avocou a prestação jurisdicional, monopolizando-a, impondo seja tal atividade por ele desempenhada, ostentando natureza obrigatória.
Semelhante ensinamento se extrai do postulado de Araújo (2018), o qual dispõe ser o ato jurisdicional gênero da espécie serviço público, exercido pelo Estado por intermédio de seus prepostos, quais sejam, os magistrados. Falcão (2015) também acompanha o referido doutrinador, dispondo que a atuação judiciária, de modo cristalino, não escapa da natureza de serviço público, cujo monopólio é do Estado.
Nesse sentido, há quem atribua à sentença a natureza jurídica de ato administrativo. Franco (2012) consigna que esse ato do magistrado, de analisar o mérito do litígio, é ato administrativo dado a possível equiparação do magistrado ao administrador público, pois tais agentes fazem incidir a lei no caso concreto.
Por conseguinte, a se observar as características as quais circundam a atividade judicante, segundo a corrente a respeito da qual se dissertou, revelada precipuamente na sentença, inclusive na penal condenatória, os equívocos nesta promovidos ensejam reparação, nos moldes do artigo 37, § 6º, Constituição Federal.
Assim, a indenização pelo erro na sentença penal condenatória, interpretando-se os ensinamentos da corrente que pugna pela aplicação do artigo alhures referido, dispensa a análise do ânimo com o qual desempenhou o magistrado suas funções. É dizer, a reparação não se encontra interligada ao dolo, à culpa, à fraude ou ao erro do juiz.
Em verdade, ao se fazer incidir a teoria objetiva acerca da responsabilidade estatal, a reparação dos prejuízos advindos do erro na sentença penal condenatória demandaria a investigação dos requisitos conduta, dano e nexo de causalidade. Existentes tais pressupostos, restaria configurado o dever de indenizar pelo ente administrativo.
Todavia, os elementos anímicos do magistrado não seriam desconsiderados por completo. Ostentariam o dolo, a fraude e a culpa relevância para o exercício do direito de regresso pelo Estado, quando este viesse a compor os prejuízos oriundos do erro judiciário, por certo o ocorrido na sentença penal condenatória.
Nesse sentido disserta Medeiros (2003), ao afirmar que a responsabilidade recairá, em um primeiro momento, sobre o Estado. Este, ao seu turno, poderá perquirir dos elementos subjetivos na situação em que ajuizar a ação regressiva em face do magistrado, que deu causa ao erro judiciário, nele enquadrado a sentença penal condenatória equivocada.
Assemelhada é a lição de Franco (2012), que compreende também a importância dos elementos subjetivos para o ajuizamento da ação de regresso. Ressalva o autor (2012), que a ação regressiva não poderá ser proposta, em que pese o equívoco judiciário na sentença, na hipótese de ser demonstrado que o erro era invencível e plenamente justificável diante das circunstâncias do caso concreto.
A última vertente sobre a reparação do erro judiciário, por consequência, da sentença penal condenatória desacertada, que a nosso ver merece destaque, preleciona que o ressarcimento somente será exigível caso comprovada a culpa latente em sua manifestação, bem como sua ilegitimidade e lesividade.
Meirelles (2016) dispõe que a Constituição Federal, em seu artigo 37, § 6º, somente menciona os agentes administrativos, sem se referir aos agentes políticos, os quais compõem os Poderes de Estado. Assim, a responsabilidade do ente estatal pelo equívoco na sentença se fará presente, tão só, nas situações elencadas no artigo 5º, LXXV, Carta Magna.
Desta feita, não obstante seja pacífico o entendimento acerca do dever de reparar pelo Estado em virtude de equívoco na sentença, precipuamente o ocorrido na penal condenatória, diverge a doutrina sobre os requisitos indispensáveis para tanto. Determinada corrente ensina não ser dispensável, além do dano, nexo causal, que o magistrado tenha agido com dolo, culpa ou de maneira fraudulenta.
Por sua vez, verificam-se entendimentos que vislumbram no artigo 37, § 6º, Constituição de 1988 e na Teoria Objetiva, diretamente, a razão de ser da obrigação do Estado indenizar pelo erro na sentença condenatória em âmbito penal. Assim, suficientes seriam o dano, o nexo de causalidade e a conduta, perquirindo-se o elemento subjetivo quando da ação regressiva, ajuizada pelo Estado em face do juiz que proferiu a sentença defeituosa.
Por derradeiro, há estudiosos do direito que defendem existir o dever de compor os danos advindos da sentença penal desacertada, somente, nas hipóteses anunciadas pelo artigo 5º, LXXV, Constituição da República. Isso, pois escapa ao alcance da Teoria Objetiva os atos típicos promovidos pelos magistrados, os quais se enquadram não no conceito de agente administrativo, mas no de agente político.
3.2 Jurisprudência
Destacadas as principais correntes doutrinárias que enumeram os elementos indispensáveis para que se atribua ao Estado o dever de compor os prejuízos oriundos do equívoco judiciário, precipuamente o ocorrido na sentença penal condenatória, vale destacar os entendimentos dos Tribunais do Colendo Supremo Tribunal Federal, bem como do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, acerca da temática.
3.2.1 Supremo Tribunal Federal
O Colendo Supremo Tribunal Federal consagrou, há muito, a regra consistente na inaplicabilidade da Teoria Objetiva da responsabilidade extracontratual do Estado no que se refere aos atos judiciais. Compreende a Corte Suprema que o artigo 37, § 6º, Constituição Federal somente incide nas hipóteses previstas em Lei, quando está sob análise as atividades típicas promovidas pelo Poder Judiciário. Nesse sentido, importa destacar os seguintes precedentes:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELOS ATOS DOS JUÍZES. C.F., art. 37, § 6º. I. - A responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos dos juízes, a não ser nos casos expressamente declarados em lei. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. II. - RE provido. Agravo improvido. (RE 228035 AgR, Relator(a): CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 10/02/2004, DJ 05-03-2004 PP-00021 EMENT VOL-02142-06 PP-00935)
EMENTA Agravo regimental no agravo de instrumento. Responsabilidade civil do Estado. Prisão cautelar determinada no curso de regular processo criminal. Posterior absolvição do réu pelo júri popular. Dever de indenizar. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Ato judicial regular. Indenização. Descabimento. Precedentes. 1. O Tribunal de Justiça concluiu, com base nos fatos e nas provas dos autos, que não restaram demonstrados, na origem, os pressupostos necessários à configuração da responsabilidade extracontratual do Estado, haja vista que o processo criminal e a prisão aos quais foi submetido o ora agravante foram regulares e se justificaram pelas circunstâncias fáticas do caso concreto, não caracterizando erro judiciário a posterior absolvição do réu pelo júri popular. 2. Inadmissível, em recurso extraordinário, o reexame dos fatos e das provas dos autos. Incidência da Súmula nº 279/STF. 3. A jurisprudência da Corte firmou-se no sentido de que, salvo nas hipóteses de erro judiciário e de prisão além do tempo fixado na sentença, previstas no art. 5º, inciso LXXV, da Constituição Federal, bem como nos casos previstos em lei, a regra é a de que o art. 37, § 6º, da Constituição não se aplica aos atos judiciais quando emanados de forma regular e para o fiel cumprimento do ordenamento jurídico. 4. Agravo regimental não provido. (AI 803831 AgR, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 19/03/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-091 DIVULG 15-05-2013 PUBLIC 16-05-2013)
Não obstante, o Colendo Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 505.393, de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, reconheceu a aplicabilidade da teoria encampada pelo artigo 37, § 6º, Constituição Federal de 1988, em relação ao erro promovido na sentença penal condenatória. Veja-se:
EMENTA: Erro judiciário. Responsabilidade civil objetiva do Estado. Direito à indenização por danos morais decorrentes de condenação desconstituída em revisão criminal e de prisão preventiva. CF, art. 5º, LXXV. C.Pr.Penal, art. 630. 1. O direito à indenização da vítima de erro judiciário e daquela presa além do tempo devido, previsto no art. 5º, LXXV, da Constituição, já era previsto no art. 630 do C. Pr. Penal, com a exceção do caso de ação penal privada e só uma hipótese de exoneração, quando para a condenação tivesse contribuído o próprio réu. 2. A regra constitucional não veio para aditar pressupostos subjetivos à regra geral da responsabilidade fundada no risco administrativo, conforme o art. 37, § 6º, da Lei Fundamental: a partir do entendimento consolidado de que a regra geral é a irresponsabilidade civil do Estado por atos de jurisdição, estabelece que, naqueles casos, a indenização é uma garantia individual e, manifestamente, não a submete à exigência de dolo ou culpa do magistrado. 3. O art. 5º, LXXV, da Constituição: é uma garantia, um mínimo, que nem impede a lei, nem impede eventuais construções doutrinárias que venham a reconhecer a responsabilidade do Estado em hipóteses que não a de erro judiciário stricto sensu, mas de evidente falta objetiva do serviço público da Justiça. (RE 505393, Relator(a): SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 26/06/2007, DJe-117 DIVULG 04-10-2007 PUBLIC 05-10-2007 DJ 05-10-2007 PP-00025 EMENT VOL-02292-04 PP-00717 LEXSTF v. 29, n. 346, 2007, p. 296-310 RT v. 97, n. 868, 2008, p. 161-168 RDDP n.57, 2007, p. 112-119)
Por conseguinte, a jurisprudência do Tribunal Guardião da Constituição Federal firmou-se no sentido de aplicar, somente, a Teoria Objetiva às situações em que a lei determine.
No entanto, há precedente que reconhece a incidência do mandamento previsto no artigo 37, § 6º, Carta Magna, ao erro judiciário ocorrido na sentença penal condenatória. Assim a indenização não exigiria a presença do elemento subjetivo do magistrado, qual seja, dolo, culpa, fraude, para que restasse o Estado obrigado a compor os danos oriundos da sentença equivocada.
3.2.2 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo é firme no sentido de constituir requisito para a reparação do equívoco judiciário na sentença penal condenatória que o magistrado, ao proferir a decisão, tenha atuado com dolo, fraude ou culpa grave. Desse modo, consoante a jurisprudência consolidada do Egrégio Tribunal Bandeirante, a Teoria Objetiva, estabelecida no artigo 37, § 6º, Constituição Federal, não regulamenta o dever de indenizar pelo ente estatal em se tratando de erro na sentença condenatória em âmbito penal.
Observem-se os seguintes precedentes:
APELAÇÕES. INDENIZATÓRIA. DANOS MORAIS. Autora que foi investigada e condenada criminalmente pela prática de crime de latrocínio. Posterior absolvição em sede de revisão criminal. Não cabimento da responsabilidade objetiva do art. 37, § 6º, da CF na hipótese. Caso a ser resolvido à luz do art. 630 do CPP e do art. 5º, LXXV, da CF. Interpretação restritiva do "erro judiciário" que enseja indenização. Alegação de confusão com pessoa homônima insubsistente. Não demonstrado qualquer erro, ilegalidade ou abuso contra a autora, seja na fase pré-processual, seja na ação penal. Revisão criminal fundada em divergência interpretativa sobre a valoração das provas. Absolvição que, por si só, não gera o dever estatal de indenizar. Precedentes. Sentença de procedência reformada. Recurso do Estado provido; e recurso da autora prejudicado. (TJSP; Apelação Cível 1007475-16.2018.8.26.0048; Relator (a): Heloísa Martins Mimessi; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Público; Foro de Atibaia - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 17/02/2020; Data de Registro: 20/02/2020) (destaques nossos) Ação Indenizatória – Danos materiais e morais – Condenação penal revertida em sede de revisão criminal – Parcial procedência da ação – Alegação de inexistência de erro judiciário – Confissão, no inquérito policial, que ajudou na formação da convicção, a despeito de ter sido retratada em juízo – Decisão de primeiro grau confirmada em grau de recurso e pelos tribunais superiores – Inexistência de ilegalidade, dolo, culpa ou erro judiciário – Inaplicabilidade, na espécie, do princípio da responsabilidade objetiva do Estado – Ausência dos requisitos autorizadores do dever de indenizar – Sentença reformada – Sucumbência a cargo do autor, vencido – Honorários arbitrados com base no artigo 85, §§ 2º, 4º, inc. III, 6º e 11, do CPC – Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 1032015-21.2015.8.26.0053; Relator (a): Paola Lorena; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 12ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 31/07/2018; Data de Registro: 01/08/2018) (destaques nossos)
RESPONSABILIDADE CIVIL –– AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – AUTOR PROCESSADO E CONDENADO CRIMINALMENTE – POSTERIOR ABSOLVIÇÃO EM REVISÃO CRIMINAL – ERRO JUDICIÁRIO – INOCORRÊNCIA – A persecução penal e o consequente transcurso de processo-crime, embora tenha ocorrido posterior absolvição, por ausência de provas, em revisão criminal, não gera ao Estado a obrigação de indenizar o acusado, quando inexistente dolo, fraude ou culpa dos agentes estatais - Valoração de provas - Exercício do livre convencimento do órgão julgador, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, durante o devido processo legal - Ausência de comprovação de ilegalidade – Inteligência do artigo 373, I, do CPC/2015 - Precedentes – Sentença de improcedência mantida. Apelo desprovido. (TJSP; Apelação Cível 1007119-11.2015.8.26.0053; Relator (a): Spoladore Dominguez; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 6ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 08/02/2017; Data de Registro: 09/02/2017) (destaques nossos)
Desta feita, vislumbra-se que o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, firme em seu entendimento, compreende que a indenização pelo equívoco na sentença penal condenatória poderá ocorrer desde que presentes a culpa, dolo ou fraude, empreendida pelo magistrado.
Assim, caso não demonstrado tais elementos anímicos na atividade judicante, notadamente na esfera penal, não será atribuído ao Estado o dever de reparar os prejuízos decorrentes do desacerto existente na decisão que compõe o litígio.
3.3 Razões Pelas Quais o Direito de Regresso Não Ocorre em Razoável Incidência na Prática
O direito de regresso, que confere ao Estado a possibilidade de reaver os valores despendidos na indenização, esta oriunda dos prejuízos causados em virtude de conduta culposa ou dolosa de seus agentes públicos, raramente é exercido pelo ente estatal. Encontra a excepcionalidade do ajuizamento da ação regressiva sua razão de ser em determinados fatores, relacionados desde a solidariedade de classe até às questões processuais.
Esclarece Mello (2015) que a ação regressiva não é intentada, na maioria das oportunidades, em virtude de a existência do sentimento de Classe ou de irmandade em relação ao subalterno. Além disso, continua o autor (2015), não raro o agente público atua, em que pese incorretamente, com o amparo de seu superior ou, até mesmo, em conchavo com este.
Ademais, consoante ensina Mello (2015), na hipótese em que o Estado é acionado pelo indivíduo, face ao dano por este suportado, acaba o ente administrativo por constituir sua defesa ao argumento de inexistir o nexo causal entre o fato e o prejuízo, bem como ter sido a conduta pelo agente empreendida completamente regular.
Assim, acrescenta o autor (2015), se depararia o ente estatal, na ação regressiva, com situação extremamente embaraçosa e processualmente desfavorável. Isso porque o Estado deverá desconstituir por completo os argumentos construídos na ação de indenização, de forma a alegar, quando do exercício do direito de regresso, a ocorrência do dano, nexo causal, conduta dolosa ou culposa de seu agente.
Destaca Mello (2015) que, nas hipóteses em que o ente político move a ação regressiva, vislumbra-se uma condição processual deveras desfavorável. O agente público poderá se valer, a fim de promover sua defesa, dos argumentos pelo próprio Estado constituídos na ação de indenização. Dessa forma, conclui o doutrinador (2015), o Poder Público, na demanda de indenização, constrói seu insucesso na ação de regresso.
E, no que se refere ao direito regressivo do Estado em face dos juízes, distinta não se mostra a situação. Franco (2012) aponta que a peculiar circunstância de julgadores analisarem e proferirem decisões acerca da responsabilidade dos membros de sua própria classe dificulta, em muito, o exercício daquele direito pelo ente estatal.
Além disso, como se extrai dos precedentes colacionados, o reconhecimento do dever de indenizar pelo Estado em virtude de os equívocos cometidos na sentença, precipuamente na penal condenatória, se mostra dificultoso.
Assim, a obrigação de indenizar atribuída ao ente político não se mostra comum. Por consequência, resta o direito de regresso prejudicado, haja vista que inexistente a condenação do Estado, não há que se falar em ação regressiva em face dos aplicadores do direito.
Desta feita, o direito de regresso conferido ao Estado pelo artigo 37, § 6º, Constituição Federal, é exercido, em verdade, de maneira excepcional. Os fenômenos que ensejam essa circunstância vão desde o coleguismo presente entre as classes, até a desfavorável situação processual que se encontra o ente administrativo.
CONCLUSÃO
Acreditava-se que o dever de ressarcir pelo equívoco judiciário, atribuível ao ente administrativo, ocorreria somente nas hipóteses em que o magistrado proferisse a sentença com ânimo doloso, culposo ou mediante fraude. Dessa forma, a obrigação de indenizar estaria afastada da teoria objetiva, prevista no artigo 37, § 6º, Constituição Federal.
Contudo, precedentemente ao estudo acerca dos requisitos que ensejam a obrigação do Estado compor os prejuízos resultantes da sentença penal condenatória desacertada, promoveu-se a discussão sobre a Responsabilidade extracontratual do ente administrativo.
Resta autorizada a compreensão de que a responsabilidade civil do Estado representa a obrigação deste de reparar os desfalques sofridos pelos administrados, em decorrência das atividades realizadas por agentes públicos.
Além disso, vislumbra-se que a responsabilidade extracontratual do ente político sofreu intensas modificações, que acompanharam a evolução do Direito e das formas de Estado. De tempos em que imperava a irresponsabilidade estatal, progrediu-se para a possibilidade de se imputar ao ente federado o dever de compor, face aos danos advindos de seus funcionários.
Não obstante, nesse primeiro momento em que foi admitida a responsabilização estatal, esta não prescindia do agir culposo ou doloso dos funcionários públicos. Tal visão foi superada e substituída, em momento posterior, pelas Teorias Publicísticas, em que obrigado seria o ente público a compor os prejuízos independentemente do elemento subjetivo de seus agentes.
Essa concepção que desconsidera o ânimo dos agentes públicos no tocante ao desempenho de suas funções, que venham a causar agravos aos administrados, prevalece hodiernamente no direito pátrio. Não somente se faz presente, mas encampada é essa teoria pela Constituição Federal, em seu artigo 37, § 6º.
Possível foi concluir que o artigo alhures mencionado, da Carta Maior, consagra tanto a Teoria Publicista, quanto impõe como regra sua vertente objetiva, notadamente nas hipóteses em que o dano advém de conduta positiva. Assim, necessário se faz demonstrar, a fim de que o Estado repare o prejuízo, a presença dos elementos conduta, nexo de causalidade e prejuízo.
Todavia, compreendeu-se que as atuações negativas do ente administrativo, as quais dão azo à desfalques aos terceiros, são regidas pela Teoria Publicística, em sua vertente subjetiva. Desta feita, imprescindíveis que fiquem demonstrados, para constituir a obrigação de ressarcir, não só o dano, nexo de causalidade e a conduta omissiva, mas também a falta do serviço. Esta restará cristalina nas hipóteses em que o serviço não foi prestado, funcionou mal ou tardiamente.
Dissertou-se, ademais, a respeito do direito de regresso. Nesse particular, percebeu-se que tal direito confere ao Estado a prerrogativa de reaver do agente causador do dispêndio, que veio a desempenhar suas atribuições com ânimo culposo ou doloso, os valores empregados para compor a desvantagem imposta ao administrado.
Avançando os conteúdos, adentrou-se no emaranhado debate relativamente ao erro judiciário. Aferiu-se que este, a depender da vertente eleita, corresponde às situações nas quais há equívoco na aplicação, no conhecimento das normas, bem como naquelas em que à realidade confere o magistrado interpretação desacertada.
Ademais, inferiu-se que configura o equívoco no exercício da jurisdição, consoante a corrente mais ampliativa, as atividades de natureza administrativas levadas a efeito pelo Poder Judiciário, assim como os afazeres dos auxiliares da justiça.
Consignou-se, também, que o erro judiciário é passível de se perpetrar nos diversos âmbitos das ciências jurídicas. Desse modo, verifica-se o equívoco na esfera civil, consoante a teoria restrita, nas situações em que o desacerto refere-se ao direito material e processual cível. E, segundo a corrente ampliativa, a atividade judicial defeituosa civil equivale àquela promovida na esfera não penal, abarcando-se os ramos distintos do que confere ao Poder Público a prerrogativa- dever de punir.
Ao seu turno, depreendeu-se que o desacerto na esfera penal, de acordo com a vertente ampliada, corresponde à acusação, processamento, condenação equivocadas, bem como às prisões processuais não regulares, a ausência de progressão de regime, o excesso de pena. Todavia, em que pese os desencontros dogmáticos sobre as ocorrências que configuram o equívoco penal, captou-se que o descompasso na sentença penal condenatória, indubitavelmente, é espécie do gênero erro judiciário.
Desse modo, os desacertos promovidos pelo magistrado, quando da análise do mérito da causa que verse sobre o direito de punir do Estado, consubstanciam o erro judiciário. Tais desencontros podem se referir à interpretação não somente do direito aplicável à espécie, mas também da realidade fática que compõe a controvérsia.
Apresentadas os principais ensinamentos acerca do erro judiciário, empenhou-se em explanar a respeito dos possíveis óbices à responsabilização do Estado pelo erro na sentença, sem exclusão, por óbvio, do ocorrido na penal condenatória. Corresponderiam os obstáculos a coisa julgada, soberania do Poder Judiciário e independência dos magistrados.
Não obstante a robustez das correntes que suscitam a irresponsabilidade do ente público em virtude de a coisa julgada, soberania e independência, depreendeu-se que aquelas não podem prosperar. Isso porque, no tocante à coisa julgada, oferece o próprio ordenamento jurídico instrumentos suficientes para desconstituí-la.
Aferiu-se, também, que a soberania não se mostra apta a sustentar a ausência de responsabilização, pois esse atributo não acompanha exclusivamente cada um dos poderes, mas é inerente ao Estado, mostrando-se uno, indivisível. E, quanto à independência dos magistrados, foi possível depreender que a responsabilização não suprime a liberdade dos juízes para apreciar as demandas, haja vista que recai o dever de reparar sobre o Estado, não sobre a pessoa dos magistrados.
Salientadas as pertinentes teses a respeito do erro judiciário, direcionaram-se os estudos às controvérsias que permeiam os requisitos indispensáveis à responsabilização do Estado pelo equívoco judiciário na sentença penal condenatória. Entendeu-se, primeiramente, que os prejuízos ocasionados pelo erro na atividade judicante devem ser suportados pelo ente que compõe a federação, posto que tal responsabilização é determinada pela Carta Maior, em seu artigo 5º, LXXV.
No mais, se procurou destacar as mais prestigiadas correntes que versam sobre a matéria, as quais diferenciam-se, precipuamente, pela necessidade ou não de se fazerem presentes os elementos subjetivos.
Conquanto sustentem determinados estudiosos da ciência jurídica que a indenização pelo erro na sentença penal condenatória demande tenha sido a decisão proferida com dolo, culpa ou mediante fraude, compreendeu-se que a mais abalizada corrente é aquela que dispensa tais elementos.
Significa dizer, juridicamente robustos e fundamentados são os argumentos da vertente que concebe incidir a teoria objetiva, estatuída no artigo 37, § 6º, Constituição Federal, quando ocorrido o erro na sentença penal condenatória. De fato, depreende-se que o artigo da Carta Magna, alhures referido, não menciona qualquer ressalva sobre sua aplicabilidade. Desse modo, abarca também as atividades do Poder Judiciário, dentre as quais, a de aplicar o direito de punir do Estado ao caso concreto.
Ademais, depreendeu-se acertado o entendimento que disserta ser o magistrado agente público. Assim, as atividades pelo juiz desempenhadas imputam ao Estado a responsabilidade objetiva pelos danos oriundos daquela. Correta, também, a compreensão de que a atuação jurisdicional é espécie de serviço público, posto que prestado exclusivamente pelo ente administrativo, em caráter obrigatório.
Desta feita, concluiu-se que enseja a aplicação da teoria objetiva, consagrada no artigo 37, § 6º, Constituição Federal, às situações em que há erro judiciário na sentença penal condenatória. Por consequência, os elementos subjetivos demandam atenção somente para o exercício de eventual direito de regresso pelo Estado em face do juiz, quando este tiver desempenhado suas atribuições com dolo, culpa ou fraude.
Contudo, verificou-se que a incidência da teoria objetiva na responsabilidade extracontratual do Estado, no tocante ao erro na sentença penal condenatória, é repelida pela jurisprudência dominante do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
É firme o Tribunal Estadual no entendimento de que o dever de reparar pelo equívoco judiciário será atribuível ao ente administrativo nas situações em que, além da existência do dano, nexo causal e conduta, se vislumbrar ter o magistrado proferido a decisão com dolo, culpa grave ou mediante fraude.
Por sua vez, averiguou-se que o Colendo Supremo Tribunal Federal é pacífico quanto à compreensão de que a teoria objetiva, estampada no artigo 37, § 6º, Constituição Federal, não incide, em regra, nos atos promovidos pelo Poder Judiciário. Todavia, encontrou-se precedente, cujo relator foi Vossa Excelência Ministro Sepúlveda Pertence, que houve por bem refletir a indenização pelo erro judiciário ocorrido em condenação criminal sob a ótica objetiva.
Para finalizar, depreendeu-se que o direito de regresso em raras oportunidades é exercido pelo Estado. Atribuiu-se tal circunstância à ideia de solidariedade de classes, à desfavorável situação processual em que se encontra o ente político na ação de regresso. E, foi possível aferir, aqueles empecilhos ao intento regressivo acabam por se reforçar, quando os danos advêm da atividade judicante, notadamente do erro judiciário na sentença penal condenatória.
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Advogado com mais de cinco anos de experiência na área jurídica. Pós-graduado em Ciências Jurídicas Aplicadas à Advocacia Privada. Especializado em Direito do Consumidor e Direito Civil .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Danilo Eduardo de. Responsabilidade extracontratual do estado: Erro judiciário na sentença penal condenatória Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 nov 2024, 04:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/66963/responsabilidade-extracontratual-do-estado-erro-judicirio-na-sentena-penal-condenatria. Acesso em: 23 dez 2024.
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