Processamento de governador: autorização prévia da assembleia legislativa e suspensão de funções - 3
Não há necessidade de prévia autorização da assembleia legislativa para o recebimento de denúncia ou queixa e instauração de ação penal contra governador de Estado, por crime comum, cabendo ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), no ato de recebimento ou no curso do processo, dispor, fundamentadamente, sobre a aplicação de medidas cautelares penais, inclusive afastamento do cargo.
Com base nessa orientação, o Plenário, em conclusão e por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta para: a) dar interpretação conforme ao art. 92, § 1º, I, da Constituição do Estado de Minas Gerais para consignar não haver necessidade de autorização prévia de assembleia legislativa para o recebimento de denúncia e a instauração de ação penal contra governador de Estado, por crime comum, cabendo ao STJ, no ato de recebimento da denúncia ou no curso do processo, dispor, fundamentadamente, sobre a aplicação de medidas cautelares penais, inclusive afastamento do cargo; e b) julgar improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade da expressão “ou queixa” do art. 92, § 1º, I, da Constituição do Estado de Minas Gerais — ver Informativos 851 e 855.
O referido dispositivo prevê que o governador será submetido a processo e julgamento perante o STJ nos crimes comuns e será suspenso de suas funções, na hipótese desses crimes, se recebida a denúncia ou a queixa pelo STJ.
Preliminarmente, o Colegiado, por maioria, conheceu da ação. Vencidos os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello.
No mérito, prevaleceu o voto do ministro Edson Fachin (relator), reajustado nesta sessão com os acréscimos do voto do ministro Roberto Barroso no sentido do afastamento do cargo não se dar de forma automática.
O relator afirmou a necessidade de superar os precedentes da Corte na dimensão de uma redenção republicana e cumprir a promessa do art. 1º, “caput”, da Constituição Federal (CF), diante dos reiterados e vergonhosos casos de negligência deliberada pelas assembleias legislativas estaduais, que têm sistematicamente se negado a deferir o processamento de governadores. Asseverou ser refutável a referida autorização prévia em razão de: a) ausência de previsão expressa e inexistência de simetria; b) ofensa ao princípio republicano (CF, art. 1º, “caput”); c) ofensa à separação de poderes (CF, art. 2º, “caput”) e à competência privativa da União (CF, art. 22, I); e d) ofensa à igualdade (CF, art. 5º, “caput”).
Esclareceu não haver na CF previsão expressa da exigência de autorização prévia de assembleia legislativa para o processamento e julgamento de governador por crimes comuns perante o STJ. Dessa forma, inexiste fundamento normativo-constitucional expresso que faculte aos Estados-membros fazerem essa exigência em suas Constituições estaduais.
Não há, também, simetria a ser observada pelos Estados-membros. No ponto, o relator considerou que, se o princípio democrático que constitui nossa República (CF, art. 1º, “caput”) se fundamenta e se concretiza no respeito ao voto popular e à eleição direta dos representantes do povo, qualquer previsão de afastamento do presidente da República é medida excepcional e, como tal, é sempre prevista de forma expressa e taxativa, sem exceções.
O afastamento do presidente da República é medida excepcional, e, no caso de crime comum, seu processamento e julgamento devem ser precedidos de autorização da Câmara dos Deputados (CF, arts. 51, I; e 86, “caput” e § 1º, I). Essa exigência foi expressamente prevista apenas para presidente da República, vice-presidente e ministros de Estado. Essa é uma decorrência das características e competências que moldam e constituem o cargo de presidente da República, mas que não se observam no cargo de governador.
Diante disso, verifica-se a extensão indevida de uma previsão excepcional válida para o presidente da República, porém inexistente e inaplicável a governador. Sendo a exceção prevista de forma expressa, não pode ser transladada como se fosse regra ou como se estivesse cumprindo a suposta exigência de simetria para governador. As eventuais previsões em Constituições estaduais representam, a despeito de se fundamentarem em suposto respeito à Constituição Federal, ofensa e usurpação das regras constitucionais.
Segundo o relator, afastado o argumento de suposta obediência à simetria, a consequência da exigência de autorização prévia de assembleia legislativa para processamento e julgamento de governador por crime comum perante o STJ é o congelamento de qualquer tentativa de apuração judicial das eventuais responsabilizações dos governadores por cometimento de crime comum. Essa previsão afronta a responsividade exigida dos gestores públicos, o que viola o princípio republicano do Estado.
A exigência viola, ainda, a separação de poderes, pois estabelece condição não prevista pela CF para o exercício da jurisdição pelo Poder Judiciário. Assim, o STJ fica impedido de exercer suas competências e funções até a autorização prévia do Poder Legislativo estadual. Esse tipo de restrição é sempre excepcional e deve estar expresso na CF. Além disso, a previsão do estabelecimento de condição de procedibilidade para o exercício da jurisdição penal pelo STJ consiste em norma processual, matéria de competência privativa da União (CF, art. 22, I), portanto impossível de ser prevista pelas Constituições estaduais.
O relator afirmou que estabelecer essa condição de procedibilidade equivale a alçar um sujeito à condição de desigual, supostamente superior por ocupar relevante cargo de representação. No entanto, tal posição deveria ser, antes de tudo, a de servidor público. A autorização prévia de assembleias estaduais para o processamento e julgamento de governador por crime comum perante o STJ é, portanto, afronta cristalina à cláusula geral de igualdade estabelecida na CF.
Destacou que a Emenda Constitucional (EC) 35/2001 alterou a redação do art. 53, § 1º, da CF e aboliu a exigência de autorização prévia das casas legislativas para o processamento e julgamento de deputados federais e estaduais. O mesmo entendimento de valorização da igualdade e “accountability” dos representantes do povo deve ser aplicado aos governadores, sem as exigências prévias que consubstanciam privilégios e restrições não autorizados pela CF.
Por fim, sustentou inexistir inconstitucionalidade na expressão “ou queixa”, por considerá-la coerente com o disposto no art. 105, I, “a”, da CF. Explicou que a CF não fez nenhuma distinção ao se referir a “crimes comuns”, ou seja, não fez diferenciação entre crimes de ação penal pública ou crimes de ação penal privada. Da mesma forma, a Constituição do Estado de Minas Gerais previu o afastamento do governador no caso de recebimento de denúncia ou queixa.
Nesta assentada, o ministro Roberto Barroso esclareceu acompanhar o relator, e o ministro Marco Aurélio esclareceu, ultrapassada a preliminar de admissibilidade da ação, também acompanhar o relator.
Vencidos os ministros Dias Toffoli e Celso de Mello, que julgaram improcedente a ação, na linha da jurisprudência até então prevalecente na Corte no sentido de considerar legítimas as normas de Constituições estaduais que subordinam a deflagração formal de um processo acusatório contra o governador a um juízo político da assembleia legislativa local.
ADI 5540/MG, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 3.5.2017. (ADI-5540)
Parte 1:
Parte 2:
Decisão publicada no Informativo 863 do STF - 2017
O Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, e a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição, conforme definido no art. 102 da Constituição da República. É composto por onze Ministros, todos brasileiros natos (art. 12, § 3º, inc. IV, da CF/1988), escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada (art. 101 da CF/1988), e nomeados pelo Presidente da República, após aprovação da escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (art. 101, parágrafo único, da CF/1988). Entre suas principais atribuições está a de julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, a arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da própria Constituição e a extradição solicitada por Estado estrangeiro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STF - Supremo Tribunal Federal. Processamento de governador: autorização prévia da assembleia legislativa e suspensão de funções - 3 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 maio 2017, 10:02. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Informativos Temáticos/50103/processamento-de-governador-autorizao-prvia-da-assembleia-legislativa-e-suspenso-de-funes-3. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
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