EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE DIREITO DE RETIRADA DE SOCIEDADE EMPRESARIAL - NOTIFICAÇÃO PRÉVIA - EXISTÊNCIA - INTELIGÊNCIA DO ART. 1029, DO CC - QUEBRA DA AFFECTIO SOCIETATIS - TÉRMINO DA UNIÃO CONJUGAL ENTRE AGRAVANTE E AGRAVADA - RECEIO DE PREJUÍZO DEMONSTRADO - SÓCIO RETIRANTE QUE NÃO SE EXIME DAS OBRIGAÇÕES SOCIAIS PELO PRAZO DE 2 ANOS APÓS A RETIRADA - INTELIGÊNCIA DO ART. 1032, DO CC - REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA O DEFERIMENTO DA TUTELA ANTECIPADA PRESENTES. 1. A retirada ou recessão é direito atribuído ao sócio, por força do art. 5º, XX, da Constituição Federal, bem como pelo art. 1029, do Código Civil e consiste "no direito de o sócio se desligar dos vínculos que o unem aos demais sócios e à sociedade, por ato unilateral de vontade"1, desde que promova a notificação dos demais sócios com antecedência mínima de sessenta dias. 2. Dentre os motivos que poderiam justificar a retirada do sócio, a doutrina tem elencado a quebra da affectio societatis, que, em regra, se dá quando um dos sócios entra em choque com os demais, evidenciando que há desentendimento no tocante à gerência do bem comum. 3. Comprovada a ausência de ânimo de continuar na sociedade, em virtude da separação judicial do casal, razoável é o receio da agravada no sentido de que a administração a cargo exclusivo do seu ex-marido pode lhe causar prejuízos, ademais quando se tem conhecimento que a dissolução da sociedade conjugal, na maioria dos casos, é precedida de desentendimentos e rivalidades entre os ex-cônjuges, que acabam se perpetrando para além do fim do vínculo matrimonial. 4. Recurso conhecido e não provido.
1. RELATÓRIO
Insurgem-se Guilherme Milnitsky e outro contra as decisões de fls. 48/50 e 64, proferidas pela MMª. Juíza de Direito da 2ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba/PR, que em autos de ação declaratória de direito de retirada de sociedade comercial, sob nº 354/2008, houve por bem deferir o pedido de tutela antecipada, determinando a retirada da autora da sociedade (48/50), devendo o agravante promover a alteração do contrato social para tanto, sob pena de multa de R$ 200,00 por dia (fl. 64).
Segundo argumenta, a agravada é sócia, junto com o agravante, da empresa Action Marketing Promocional Ltda, possuindo 25% das quotas sociais. Afirma que referida sociedade foi constituída durante a constância do casamento e que no acordo de separação constou que ambos os sócios optaram por continuar nos quadros societários. Afirma que referida empresa não desenvolve mais nenhuma atividade, estando ativa somente em virtude da existência de débitos fiscais pendentes.
No mérito, alega, em síntese que, a) não estariam presentes os requsitos necessários para o deferimento da liminar; b) a agravada teria omitido, intencionalmente, a contra-notificação feita pelos agravantes, dando conta que sua retirada da sociedade seria aceita, desde que paguasse o valor que lhe incumbe no tocante aos débitos fiscais; c) a agravada procura se esquivar de suas responsabilidades; d) a retirada depende da aquiescência do outro sócio, na hipótese de existirem débitos; e) a agravada não corre risco de sofrer dano grave de difícil e incerta reparação, face a inatividade da empresa; f) se autorizada a retirada da agravada da sociedade o agravante terá que arcar com todo o passivo; g) concorda com dissolução da sociedade, após regular liquidação; h) a sociedade não persistirá com a retirada da agravada. Com tais argumentos, requereu o provimento do recurso, para fins de revogar a liminar.
Ao recurso não foi atribuído o almejado efeito suspensivo (fls. 111/112). O agravante apresentou pedido de reconsideração (fls. 120/123), o qual foi indeferido pelo i. Juiz Substituto em Segundo Grau Luis Espíndola (f. 144).
Contra-razões às fls. 135/142, defendendo a decisão agravada.
2. VOTO E FUNDAMENTOS.
Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso, seu conhecimento se impõe.
Infere-se dos autos que Rosana Carvalho da Rosa e Guilherme Milnitsky compõem o quadro social da sociedade limitada Action Marketing Promocional Ltda ME, constituída para durar por prazo indeterminado, sendo que a agravada possui 25% das quotas sociais e o agravante 75%.
Com a separação do casal em 19 de julho de 2007 (fl . 83/93), restou consignado no acordo sobre a partilha de bens que as sociedades comerciais existentes entre ambos continuariam a existir.
Ocorre que, em novembro de 2007, a agravada enviou ao agravante notificação extrajudicial (fls. 42/45), informando seu intuito de se retirar da sociedade em virtude da "quebra da affectio societatis, dentre outros fatos, pelo grave dissenso existente e pela ciência que nossa cliente teve da utilização indevida do nome e dados de pessoa desconhecida em alteração contratual elaborada por Vossa Senhoria, relativa à empresa Action Marketing promocional Ltda ME, o que está sendo apurado nos autos de Inquérito Policial nº 65/07, da Delegacia de Estelionato e Desvio de Cargas da cidade de Curitiba, fato este que era ignorado por nossa cliente até a data em que foi intimada a comparecer perante a Autoridade Policial para prestar declarações."
O agravante, por sua vez, apresentou contra-notificação extrajudicial (fls. 75/78) informando, dentre outras coisas, "que não se opõe à retirada, desde que a notificada quite, no proporção de suas quotas sociais, as dívidas tributárias e de mútuo das empresas, ainda pendentes de pagamento". A agravada, por sua vez, alega não ter recebido referida contra-notificação.
O agravante almeja, com este recurso, a revogação da decisão que autorizou a retirada da agravada do quadro societário, sob a alegação de que estariam ausentes os requisitos para o deferimento da tutela antecipada.
A retirada ou recessão é direito atribuído ao sócio, por força do art. 5º, XX, da Constituição Federal, bem como pelo art. 1029, do Código Civil e consiste "no direito de o sócio se desligar dos vínculos que o unem aos demais sócios e à sociedade, por ato unilateral de vontade"2, pelo que não se pode impedi-lo de se retirar da sociedade quando bem entender, desde que observe o trâmite legal necessário.
Prevê o art. 1029, do Código Civil que "além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante a notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de 60 (sessenta dias)".
Como se vê, a legislação pátria faculta ao sócio a retirada da sociedade, independentemente de motivação ou da concordância dos demais sócios. Aliás, condicionar a retirada à aceitação dos demais integrantes do quadro societário seria contrário aos princípios que regem o ordenamento jurídico, em especial o da autonomia da vontade, em virtude do qual "ninguém pode ser obrigado a manter-se vinculado contra a sua vontade, por tempo indefinido"3.
No caso vertente, verifica-se que a agravada manifestou expressamente a intenção de se retirar da sociedade, comunicando ao sócio majoritário tal intenção através da notificação de fls. 42/45, recebida pelo agravante em 08 do novembro de 2007, portanto mais de 120 dias antes do ajuizamento da presente ação, pelo que preenchido o único requisito necessário para o exercício de tal direito.
Importante salientar que, por se tratar de sociedade constituída por apenas dois sócios, a retirada não acarreta automaticamente o término da sociedade, eis que a lei confere o prazo de 180 (cento e oitenta) dias para que a pluralidade social seja restabelecida (art. 1.033, do Código Civil).
Ademais, muito embora neste caso não se apresente necessário motivar o pedido de retirada, verifica-se que a agravada apresentou, ao que baste a este juízo sumário, justificativa plausível para tanto, qual seja, a quebra da affectio societatis, em virtude do término do vínculo matrimonial que a unia ao agravante, bem como a existência de inquérito policial instaurado para apurar irregularidades na empresa Action Marketing Promocional Ltda ME.
Dentre os motivos que poderiam justificar a retirada do sócio, a doutrina tem elencado a quebra da affectio societatis, que, em regra, se dá quando um dos sócios entra em choque com os demais evidenciando que há desentendimento no tocante à gerência do bem comum.
Sobre a quebra da affectio societatis, oportuno transcrever a lição de Fábio Ulhoa Coelho4:
"A affectio societatis é a disposição dos sócios em formar e manter a sociedade uns com os outros. Quando não existe ou desaparece esse ânimo, a sociedade não se constitui ou deve ser dissolvida.
A utilidade do conceito de affectio societatis é pequena. Serve de referência ao desfazimento do vínculo societário, por desentendimento entre os sócios, no tocante à condução dos negócios sociais, repartição dos sucessos ou responsabilização pelos fracassos da empresa. Quando se diz ter ocorrido a quebra da affectio societatis. Isso significa que os sócios não estão mais motivados o suficiente para manterem os laços societários que haviam estabelecido."
Portanto, comprovada a ausência de ânimo de continuar na sociedade, em virtude da separação judicial do casal, razoável é o receio da agravada no sentido de que a administração a cargo exclusivo do seu ex-marido pode lhe causar prejuízos, ademais quando se tem conhecimento que a dissolução da sociedade conjugal, na maioria dos casos, é precedida de desentendimentos e rivalidades entre os ex-cônjuges, que acabam se perpetrando para além do fim do vínculo matrimonial.
Já no tocante ao perigo de dano grave ou de difícil reparação que o agravante alega ter que suportar com a retirada da agravada, em razão dos débitos fiscais, verifica-se que tal argumento não tem o condão de afastar a pretensão da agravada, vez que o capital social já foi totalmente integralizado e que o Código Civil, no seu artigo 1032 previu expressamente um mecanismo para assegurar o direito de terceiros e evitar a retirada de sócio com intuito de se furtar das obrigações sociais, determinando que "a retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação".
Portanto, restaram presentes os requisitos necessários para o deferimento da tutela antecipada. A prova inequívoca das alegações da agravada restou consubstanciada na observância do procedimento para retirada da sociedade e na verossimilhança das alegações no tocante à quebra da affectio societatis, ante o término da união conjugal. O perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, por sua vez, restou configurado ante o fato de que o ex-marido da agravada é o único administrador da sociedadee na existência de fatos que indicam a ingerência da administração de seu ex-cônjuge (inquérito policial nº 65/07).
Em caso semelhante, com as mesmas partes, já decidiu o e. Desembargador Vicente Del prete Misurelli:
"A agravante Rossana e o agravado Guilherme compõem, atualmente, o quadro societário da empresa agravada Plano de Ação Marketing Promocional Ltda ME, com idêntica participação no capital social, que totaliza o valor já integralizado de R$ 3.000,00. A sociedade é por prazo indeterminado, sendo o agravado Guilherme o único sócio-administrador (certidão simplificada às fls. 10/11).
Sob a alegação de que as partes eram casadas e que se encontram separadas judicialmente, a agravante sustenta a extinção da affectio societatis, razão pela qual pretende a declaração do direito de retirada da sociedade empresarial, nos termos do artigo 1.029, do CC.
O referido dispositivo legal dispõe, em seu caput, que:
"Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa."
Como se vê, a lei exige como requisito formal a notificação prévia de sessenta dias, já que se trata de sociedade por prazo indeterminado, que dispensa justa causa. Pela leitura dos autos, nota-se que a notificação do agravado com relação à retirada foi feita e recebida há mais de sessenta dias antes do ajuizamento desta ação (fls. 54/58).
Sobre o argumento do magistrado e do agravado no sentido de se proteger interesses de terceiros, ressalta-se que a sociedade já possui seu capital totalmente integralizado, além de o artigo 1.032 do Código Civil prever que a retirada do sócio não o exime das obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade.
Com isso, tem-se por presente o requisito da verossimilhança das alegações, e ainda com aparência de bom direito, não havendo que se falar em prejuízo a terceiros com o pedido de retirada da agravante.
O fato de a sociedade se tornar unipessoal não impede o direito de retirada de sócio, pois a lei confere prazo de 180 dias para que a pluralidade social seja restabelecida (art. 1.033, inciso IV, CC).
No tocante à necessidade de urgência, mostra-se relevante o argumento da recorrente de que o recorrido é o único administrador da sociedade, não existindo mais a affectio societatis em razão da separação judicial.
Ora, comprovada a ausência de ânimo em continuar na sociedade, razoável é o receio da agravante em dela se retirar, pois seu ex-marido é o sócio-administrador, uma vez que, do contrário, permaneceria responsável pelas obrigações sociais das quais aparenta não ter mais interesse ou vínculo.
Portanto, presentes os requisitos da prova inequívoca da verossimilhança das alegações e o fundado receio de dano (art. 273, CPC), a liminar deve ser concedida" (TJ/PR, Ai n 488342-7, rel. Vicente Del Prete Misurelli, julg. 11.06.08).
Diante desta quadra de considerações, voto pelo conhecimento e pelo não provimento do recurso, mantendo a decisão agravada por seus próprios fundamentos.
3. ACORDAM os Senhores Magistrados que integram a Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e em não dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.
Presidiu o julgamento o Senhor Desembargador CARLOS MANSUR ARIDA (com voto), dele participando o Senhor Juiz Convocado LUIS ESPÍNDOLA.
Curitiba, 29 de outubro de 2008.
RUY MUGGIATI
Relator
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, TJPR - Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. TJPR - Civil. Agravo de instrumento. Ação declaratória de direito de retirada de sociedade empresarial. Notificação prévia. Quebra da affectio societatis. Término da união conjugal entre agravante e agravada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 maio 2011, 17:09. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Jurisprudências /24259/tjpr-civil-agravo-de-instrumento-acao-declaratoria-de-direito-de-retirada-de-sociedade-empresarial-notificacao-previa-quebra-da-affectio-societatis-termino-da-uniao-conjugal-entre-agravante-e-agravada. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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