EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – ALVARÁ PARA LEVANTAMENTO FGTS/PIS – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL – FILHO COMUM DO CASAL – PROVA NÃO ABSOLUTA DA SOCIEDADE DE FATO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
Não é cabível a expedição de alvará para levantamento do FGTS/PIS quando não existe prova da alegada união estável entre a apelante e o de cujus.
A existência de filho comum do casal, não tem o condão, por si só, de fazer prova absoluta da existência da união estável.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Primeira Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade e com o parecer, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator.
Campo Grande, 27 de novembro de 2007.
Des. Joenildo de Sousa Chaves – Relator
RELATÓRIO
O Sr. Des. Joenildo de Sousa Chaves
Lindaura Pedroso, irresignada com a sentença proferida nos autos da ação de alvará judicial, que indeferiu o alvará para o saque do PIS/FGTS, em nome de Jonilson da Silva, interpõe o presente recurso, objetivando sua reforma.
Alega que “(…) tanto viveu com o requerido, que teve um filho com o mesmo, e que o mesmo fora para Campo Grande, para trabalhar e depois viria buscá-la, visto que com dificuldades financeiras, achou melhor deixar a companheira e seu filho na cidade natal (…)”.
Assevera que não ajuizou uma justificação, pois como teve seu filho com o mesmo e no próprio atestado de óbito, à f. 6, está claro o estado civil do falecido, “União Consensual”, e faltou apenas ter grafado o nome da requerente.
Sustenta que trouxe como prova da convivência do casal os documentos de f. 10-11, da Caixa Econômica Federal, onde traz o endereço da requerente.
Ao final, pugna pelo conhecimento e provimento do presente recurso, reformando a sentença hostilizada, para determinar a expedição do alvará judicial, uma vez que a apelante tem direito a receber o FGTS e o PIS de seu companheiro falecido (f. 37-39).
Opina o Ministério Público, em ambas as instâncias, pelo improvimento do recurso (f. 43-45 e 52-55).
VOTO
O Sr. Des. Joenildo de Sousa Chaves (Relator)
Cuida-se de recurso de apelação interposto por Lindaura Pedroso contra a sentença que indeferiu o pedido de levantamento do alvará judicial para o saque do FGTS/PIS em nome de Jonilson da Silva, diante da fragilidade das provas coligidas aos autos.
Ao que se colhe do caderno processual, dessome-se que a recorrente ajuizou a presente ação objetivando levantamento de FGTS e PIS do falecido Jonilson da Silva.
A magistrada a quo, ao analisar a demanda, houve por bem indeferir o alvará para o saque do PIS/FGTS com a seguinte fundamentação, in verbis:
“(…) Assiste razão ao Ministério Público, porquanto a interessada não está habilitada na previdência social, consoante documento de f. 30 e, além disso, a mera alegação de união estável, desprovida de prévio processo de justificação ou mesmo de ação ordinária de reconhecimento de união estável, não demonstra o vínculo entre a Requerente e o de cujus (…)” (f. 34).
Irresignada, pretende a apelante reformar a sentença sob os argumentos alhures expostos. Contudo, creio que não lhe assiste razão.
Constata-se, em acurada análise dos autos, que falece razão à apelante, uma vez que as provas carreadas contrariam sua pretensão, já que se nota não ter restado demonstrada a existência de união estável entre a recorrente e Jonilson da Silva.
Pois bem, conforme dispõe a sistemática processual brasileira, o ônus da prova guia-se pelo interesse. Regula-se pela máxima: “(…)o ônus da prova incumbe a quem dela terá proveito (…)”. Nessa esteira, o artigo 333 do Código de Processo Civil assim dispõe:
“(…) Art. 333. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. (…)”.
Dissecando o assunto, trago à colação os ensinamentos do eminente Professor Ernane Fidélis dos Santos:
“(…)A regra que impera mesmo em processo é a de que ‘quem alega o fato deve prová-lo’. O fato será constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo do direito, não importando a posição das partes no processo. Desde que haja a afirmação da existência ou inexistência de fato, de onde se extrai situação, circunstância ou direito a favorecer a quem alega, dele é o ônus da prova (…)” (Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 380).
Logo, vê-se que, na distribuição do ônus da prova, o legislador determinou que a parte demandante traga aos autos os pressupostos fáticos constitutivos do direito que pretende ser aplicados na prestação jurisdicional invocada, ao passo que a parte demandada, por sua vez, deverá demonstrar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela autora.
Anoto, ainda, que, após uma detida análise no caderno processual, entendo que não há documentos contundentes que me fazem crer ter havido união estável entre a apelante e o de cujus Jonilson da Silva.
Com efeito, a Lei n. 9.278/76, disciplinou no art. 1º que:
“(…) É reconhecida como entidade familiar à convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família (…)”.
A esse propósito, estabelece o art. 1.723 do Código Civil como requisitos para o reconhecimento da união estável entre homem e mulher como entidade familiar a convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família, ao que se acresce o disposto no art. 1.724, in verbis:
“(…)Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, assistência e educação dos filhos (…)”.
Caio Mário da Silva Pereira ensina que:
“(…)Alguns parâmetros, contudo, se esboçaram. Como se expressara Simão Isaac Benjó, para a configuração da união estável não basta o simples ‘companheirismo’, mas se requer seja ‘duradoura e notória’ a que não seria estranho o fator psicológico de haver sempre a possibilidade de contração do vínculo do casamento’.
Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José Ferreira, elimina, da entidade familiar, toda situação como ‘namoro’ ou um ‘caso’, a que faltam a duração e a estabilidade.
Em mais de uma oportunidade, inclusive em votos no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o eminente jurista Carlos Alberto Menezes Direito considerou união estável ‘a entidade familiar formada por um homem e uma mulher, com vida em comum, more uxório, por período que revele estabilidade e vocação de permanência, com sinais claros, induvidosos de vida familiar, e com o uso em comum do patrimônio’. Entendeu o ilustre julgador que, com a nova disciplina constitucional, o que se tratara como sociedade concubinária, produzindo efeitos patrimoniais, com lastro nas regras da sociedade de fato, no Código Civil de 1916, passara ao patamar da união estável e, como tal, todas as questões relativas a ela deveriam ser apreciadas nas Varas de Família.
Embora não pareça exigível a convivência sob o mesmo teto, a união estável guarda aproximação com a posse de estado de casados, o que levou Simão Benjó a dizer que ‘a companheira deve ter o trato, o nome e a fama de esposa. Vale dizer: os que vivem em união estável devem ser tidos como tais perante os amigos e a sociedade, embora a utilização do nome do companheiro pela mulher, não seja requisito fundamental. Igualmente não nos preocupamos com o ‘tempo de duração’, que pode ser mais ou menos longo. O que importa é ser as uniões duradouras, inspiradas no elemento anímico, a gerar a convicção de que poder marchar para a relação matrimonial (…)” (Instituições do Direito Civil, vol. V; Rio de Janeiro: Forense, 2004; p. 535).
Ao comentar a Lei n. 9.278/96, que, segundo afirma, não veio substituir por completo o texto da Lei n. 8.971/94, o conceituado autor acrescenta:
“(…)O art. 1º da Lei nº 9.278/96 identificou como entidade familiar ‘a convivência duradoura, pública e contínua de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”. A questão básica era definir o que era ‘convivência duradoura’, já que o legislador se omitira quanto à fixação de um tempo mínimo para o reconhecimento de direito dela decorrentes.
Em nosso entendimento, há de existir uma duração, a sucessão de fatos e eventos, a permanência do relacionamento, a continuidade do envolvimento, a convivência more uxório, a notoriedade, enfim, a soma de fatores subjetivos e objetivos que, do ponto de vista jurídico, definem a situação. Não sendo a doutrina uniforme quanto ao tempo de relacionamento estável, tornou-se fundamental a orientação da jurisprudência sobre o assunto.
Buscando subsídios no próprio Direito de Família, Guilherme Calmon Nogueira da Gama admite considerar, como convivência duradoura, aquela em torno dos dois anos, levando em conta que esse prazo exigido para que se requeira o divórcio direto, com o rompimento do vínculo do casamento.
Além deste tempo mínimo, outros elementos devem ser considerados como comprovação desse convívio para caracterizar a intenção de constituir família. A interrupção repentina decorrente da morte de um dos companheiros não deve descaracterizar este projeto de vida em comum, se os demais elementos indicam a constância e efetividade do relacionamento. Situamo-nos, assim, entre aqueles que não consideram prioritário o tempo de convivência. Há que se indicar, como prova, outros elementos objetivos que identifiquem o animus de se constituir uma relação familiar estável (…)” (ob. cit, p. 541/542).
Com efeito, pelo documento de f. 30 dos autos, expedido pela Previdência Social, denota-se que não existe nenhum dependente habilitado em nome de Jonilson da Silva.
De outro lado, entendo que o fato de a apelante ter um filho com o de cujus, não tem o condão, por si só, de comprovar a existência da união estável.
A propósito, em um caso semelhante, este Sodalício já decidiu, in verbis:
“(…) O nascimento do filho do casal não serve de prova absoluta da sociedade de fato e não supre a necessidade de efetiva comprovação da estabilidade da união (…)” (Apelação Cível - Classe B - XV, 712409. Três Lagoas. Rel. Des. Claudionor M. Abss Duarte. Terceira Turma Cível. Unânime. J. 29/03/2000, DJ-MS, 29/05/2000, pág. 06).
Quanto à alegação da recorrente, de que consta no atestado de óbito o estado civil do de cujus como “união consensual”, não merece acolhida.
A meu ver, o fato de constar na certidão de óbito (f.6) que seu estado civil é “união consensual”, não significa necessariamente, que a companheira em questão fosse a ora apelante, uma vez que aquele poderia estar vivendo em união estável com qualquer outra pessoa.
Não pode agasalhar a pretensão esposada de que os documentos de f. 10-11 dos autos servem para comprovar a união estável, pois são apenas cópias, que a meu sentir, não tem valor absoluto para comprovar que houve a união estável entre a recorrente e o de cujus.
Portanto, não conseguindo a autora comprovar à existência de união estável com Jonilson da Silva, não há outra medida senão a improcedência do pedido.
Diante de todo o exposto, e de acordo com o parecer, nego provimento ao presente recurso, mantendo incólume a sentença objurgada.
DECISÃO
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
POR UNANIMIDADE E COM O PARECER, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
Presidência do Exmo. Sr. Des. João Maria Lós.
Relator, o Exmo. Sr. Des. Joenildo de Sousa Chaves.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Joenildo de Sousa Chaves, João Maria Lós e Juiz Sideni Soncini Pimentel.
Campo Grande, 27 de novembro de 2007.
TJMS - Av. Mato Grosso - Bloco 13 - Fone: (67) 3314-1300 - Parque dos Poderes - 79031-902 - Campo Grande - MS<br>Horário de Expediente: 8 as 18h. Home: www.tjms.jus.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, TJMS - Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul. TJMS - Civil. Alvará para levantamento FGTS/PIS. Ausência de comprovação de União Estável. Filho comum do casal. Prova não absoluta da sociedade de fato Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jun 2011, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Jurisprudências /24483/tjms-civil-alvara-para-levantamento-fgts-pis-ausencia-de-comprovacao-de-uniao-estavel-filho-comum-do-casal-prova-nao-absoluta-da-sociedade-de-fato. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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