EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – INVENTÁRIO – DETERMINAÇÃO DE HASTA PÚBLICA – DECISÃO EXTRA PETITA – NÃO VERIFICADA – POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO ART. 2.019 DO CÓDIGO CIVIL – BENS INDIVISÍVEIS OU INSUSCETÍVEIS DE DIVISÃO CÔMODA – NÃO COMPROVAÇÃO – NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DOS HERDEIROS ACERCA DA INSTITUIÇÃO DE CONDOMÍNIO – IMPOSSIBILIDADE DE DETERMINAÇÃO DA MEAÇÃO DO VIÚVO – NÃO DEMONSTRAÇÃO DE INDIVISIBILIDADE DO BEM – DIREITO REAL DE HABITAÇÃO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. A decisão judicial fundamentada no art. 2.019 do CC, não exige o pedido das partes, mas a presença dos requisitos nele exigidos, não sendo extra petita se não houver pedido das partes.Se com a instituição de condomínio das quotas-partes que caberão aos herdeiros não haverá ofensa à determinação legal de impossibilidade de divisão do imóvel rural por ser inferior à fração mínima de parcelamento do solo, somente com a discordância dos herdeiros é que poderá ser determinada a venda com base no art. 2.019 do Código Civil, e somente da parte da herança, considerando que a meação do cônjuge respeitaria a fração mínima desmembrável e ao viúvo meeiro é assegurado o direito real de habitação do único imóvel que se está a inventariar e já era utilizado para a residência familiar.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Quarta Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, rejeitar a preliminar e, no mérito, dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do relator.
Campo Grande, 10 de fevereiro de 2011.
Des. Rêmolo Letteriello – Relator
RELATÓRIO
O Sr. Des. Rêmolo Letteriello
JOSÉ DA SILVA, inconformado com a decisão do juiz da Vara Única da comarca de Glória de Dourados que, nos autos da ação de inventário, determinou que único bem objeto do inventário seja levado à hasta pública, depositando-se em juízo o valor apurado para posteriormente ser repartido entre o meeiro e herdeiros.
Aduz que o despacho ocorreu sem pedido das partes, de forma imotivada, tratando-se de decisão extra petita.
Sustenta que houve incoerência na decisão que remeteu o litígio a outras vias processuais em relação ao direito de partilha do galpão construído no imóvel e os semoventes existentes no momento da sucessão, bens os quais as partes discordam, reservando-se o direito de partilhar os bens considerados incontroversos, mas determinou que o único bem inventariado seja levado à hasta pública para que o resultado pecuniário seja partilhado entre o viúvo meeiro e os herdeiros sob o fundamento de não demonstração pelo viúvo que a partilha apresentada respeita a fração territorial desmembrável e a falta de acordo sobre as quotas-partes dos herdeiros, enquanto nenhum dos agravados discordaram em relação às quotas-partes que lhes foram atribuídas no plano de partilha apresentado nos autos e o plano de partilha não é incompatível com a fração mínima desmembrável permitida pela legislação aplicável.
Argumenta ainda, que o agravante está protegido por direito líquido e certo, utilizando-se de faculdade legal que lhe permite continuar na propriedade plena do imóvel, onde é sua residência nos últimos 40 anos, sendo uma violência irremediável sua retirada do imóvel por motivo de alienação judicial determinada pelo juízo.
Requer a revogação do despacho de f. 190 e verso, revigorando o despacho anterior com a partilha dos bens julgados incontroversos e remetendo-se o conflito dos demais para outra via processual.
Não foram apresentadas contrarrazões.
O magistrado a quo não exerceu o juízo de retratação.
VOTO
O Sr. Des. Rêmolo Letteriello (Relator)
Trata-se de agravo de instrumento interposto por JOSÉ DA SILVA, inconformado com a decisão do juiz da Vara Única da comarca de Glória de Dourados que, nos autos da ação de inventário, determinou que único bem objeto do inventário seja levado à hasta pública, depositando-se em juízo o valor apurado para posteriormente ser repartido entre o meeiro e herdeiros.
Preliminarmente aduz que o despacho ocorreu sem pedido das partes, de forma imotivada, tratando-se de decisão extra petita.
A preliminar deve ser rechaçada.
A decisão judicial fundamentada no art. 2.019 do CC, não exige o pedido das partes, mas a presença dos requisitos nele exigidos, quais sejam, a existência de “bens insuscetíveis de divisão cômoda, que não couberem na meação do cônjuge sobrevivente ou no quinhão de um só herdeiro” (...) “a não ser que haja acordo para serem adjudicados a todos.”
Assim, rejeito a preliminar.
Entretanto, não obstante afastada a referida nulidade suscitada, deve-se analisar se houve o cumprimento das condições exigidas para a prática da decisão nos moldes determinados no art. 2.019 do CC que no caput e parágrafos assim estabelece:
“Art. 2.019. Os bens insuscetíveis de divisão cômoda, que não couberem na meação do cônjuge sobrevivente ou no quinhão de um só herdeiro, serão vendidos judicialmente, partilhando-se o valor apurado, a não ser que haja acordo para serem adjudicados a todos.
§ 1o Não se fará a venda judicial se o cônjuge sobrevivente ou um ou mais herdeiros requererem lhes seja adjudicado o bem, repondo aos outros, em dinheiro, a diferença, após avaliação atualizada.
§ 2o Se a adjudicação for requerida por mais de um herdeiro, observar-se-á o processo da licitação.”
Conforme consta na decisão agravada (f. 16 e 16v) a divergência entre o viúvo-meeiro e os herdeiros reside na consideração das benfeitorias edificadas no imóvel rural objeto do inventário e na existência de semoventes que também integrariam o monte partilhável.
Ao decidir o magistrado afirmou que “perfeitamente possível dirimir o presente inventário, de forma que da partilha conste apenas os bens incontroversos, permitindo-se às partes que disputem na via adequada os bens que entenderem sonegados”.
Entretanto, fundamentou o douto juiz para determinar a hasta pública do imóvel rural no fato de não haver acordo sobre as quotas-partes e na não demonstração pelo viúvo meeiro que a partilha proposta respeite a fração territorial desmembrável, dada a diminuta área do bem de 15 hectares.
Ressalto inicialmente que o art. 2.019 “cuida da hipótese na qual, na herança há bem indivisível (...), ou sendo dividível, não comporte divisão cômoda. (...) A solução para essa hipótese (...) é a de se realizar a venda judicial do bem, partilhando-se o produto da venda. O art. 2.019 faz menção à venda judicial, ao passo que o art. 1.777 do Código Civil de 1916 se referia a hasta pública. (...) a diferença é significativa, pois sendo venda judicial e não hasta pública, é possível que, avaliado o bem, o juiz conceda alvará para o inventariante efetuar a venda por preço não inferior à avaliação, evitando-se a hasta pública, com publicação de editais e risco de venda por valor menor do que o avaliado.” (Mauro Antonini. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.01.2002. Coord. Ministro Cesar Peluzo. 4ª ed. rev. e atual. Barueri, SP: Ed. Manole. 2010. p. 2301)
Assim, a análise inicial sobre o acerto da decisão deve partir da verificação da natureza do imóvel a ser partilhado, se divisível ou indivisível ou da probabilidade de divisão cômoda.
Trata-se de divisão de imóvel rural de 15 hectares, em que a partilha proposta indicou sua divisão, com condomínio entre os herdeiros no total de 7,5 hectares.
Conforme documento de f. 35, a fração mínima de parcelamento do solo, de acordo com o que determina o art. 8º, caput, da Lei n. 5.868/72, para a área analisada seria de 3 hectares, portanto, a meação com instituição de condomínio não confrontaria com a permissão legal, não sendo, portanto, indivisível o bem, nessa condição.
Diante dos documentos que instruem o agravo, que não fora contrarrazoado pelos agravados, verifica-se que não houve manifestação acerca da instituição de condomínio entre os herdeiros na parte que lhes caberia.
Ao comentar o art. 88 do Código Civil, que estabelece acerca da indivisibilidade dos bens, Nestor Duarte explica que “a indivisibilidade legal ocorre quando, embora naturalmente divisível a coisa, é inviável a divisão em virtude de proibição de lei, como no caso dos terrenos loteados (art. 4º, II, da Lei n. 6.766/79) ou do imóvel rural abaixo do módulo (art. 65 da Lei n. 4.504/64). Não fixa, porém, vedado o condomínio.” (Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.01.2002. Coord. Ministro Cesar Peluzo. 4ª ed. rev. e atual. Barueri, SP: Ed. Manole. 2010. p. 86)
Dessa forma, somente poderia o magistrado lançar mão do fundamento exposto em relação à comprovação de respeito à fração territorial desmembrável, caso não houvesse concordância dos herdeiros no estabelecimento de condomínio, o que não consta nos autos, visto que estes apenas informaram a propositura de ação reivindicatória requerendo, tão somente a suspensão do inventário até o deslinde daquela (f. 33-34), devendo, portanto, o magistrado, antes da referida análise e decisão, intimar as partes para fins de manifestação acerca da possibilidade de instituição de condomínio sobre a metade do imóvel a ser partilhado, no que tange à parte incontroversa inventariada.
Além disso, na eventual impossibilidade de instituição de condomínio, somente da parte cabível aos herdeiros seria possível a determinação de alienação judicial, consoante prescreve o art. 2.019 do Código Civil, pois observa-se que somente esta seria insuscetível de divisão cômoda, não afetando a parte que deve ser destinada ao viúvo meeiro.
Ressalto ainda, que a determinação de alienação de todo imóvel rural objeto do inventário inclui a residência do viúvo meeiro ferindo frontalmente o art. 1.831 do Código Civil, que assegura “ao cônjuge, qualquer que seja o regime de bens, (...), sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.”.
Diante do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento parcial para tornar insubsistente a decisão agravada e determinar que somente após intimação dos herdeiros acerca da possibilidade de instituição de condomínio da quota-parte que lhes caiba, seja analisada a possibilidade de aplicação do art. 2.019 do Código Civil no que se refere aos bens incontroversos, restringindo-se essa possibilidade à quota-parte dos herdeiros, excluída a meação no presente caso, mantendo-se a decisão no tocante à remissão às vias ordinárias acerca dos bens controversos.
DECISÃO
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
POR UNANIMIDADE, REJEITARAM A PRELIMINAR E, NO MÉRITO, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
Presidência do Exmo. Sr. Des. Paschoal Carmello Leandro.
Relator, o Exmo. Sr. Des. Rêmolo Letteriello.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Rêmolo Letteriello, Josué de Oliveira e Paschoal Carmello Leandro.
Campo Grande, 10 de fevereiro de 2011
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, TJMS - Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul. TJMS - Civil e Processo Civil. Inventário. Determinação de hasta pública. Decisão extra petita. Não verificada. Bens indivisíveis ou insuscetíveis de divisão cômoda Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 set 2012, 08:09. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Jurisprudências /30927/tjms-civil-e-processo-civil-inventario-determinacao-de-hasta-publica-decisao-extra-petita-nao-verificada-bens-indivisiveis-ou-insuscetiveis-de-divisao-comoda. Acesso em: 23 dez 2024.
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