EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS – ILEGITIMIDADE ATIVA DA PESSOA FÍSICA PARA PLEITEAR DIREITO DE PESSOA JURÍDICA – SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL NÃO PREVISTA – RECURSO IMPROVIDO. A pessoa jurídica que possui existência distinta da dos seus membros não se confunde com a pessoa do seu sócio, não podendo este vir a juízo pleitear em nome próprio direito alheio (art. 6º do Código de Processo Civil).
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Quinta Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator.
Campo Grande, 19 de fevereiro de 2009.
Des. Vladimir Abreu da Silva – Relator
RELATÓRIO
O Sr. Des. Vladimir Abreu da Silva
José Carlos Cassiano, inconformado com a sentença de f. 94-7, que julgou extinto o processo, sem resolução de mérito, a teor do artigo 267, VI, do Código de Processo Civil, na ação de reparação de reparação de danos que formulou em face de Itaú Seguros S/A, interpôs recurso de apelação, objetivando sua reforma.
Sustenta o apelante, em suas razões, que na época dos fatos era sócio gerente da empresa Spaic-Empreendimentos Automotivos Ltda., sendo que o veículo em questão, objeto de apropriação indébita, pertencia ao apelante e não à empresa jurídica, não obstante esta seja a segurada perante a apelada.
Afirma que, após o acontecimento do sinistro, em 07.12.2001, o apelante tentou, por diversas vezes, ser ressarcido dos valores referentes ao seguro, perante a seguradora.
Assevera que, posteriormente, obteve uma proposta de aquisição de sua empresa, resolvendo retirar-se do quadro de sócios em 03.06.2002, porém, com temores de não ser ressarcido pelo banco, achou por bem efetuar um contrato de cessão de crédito, em 25.05.2002, dez dias antes de sua retirada da empresa, transferindo da pessoa jurídica para a sua pessoa física todos os direitos decorrentes da indenização perante a seguradora.
Aduz que, após longa batalha com a seguradora, esta lhe efetuou o pagamento referente ao seguro, admitindo, implicitamente, que o proprietário do veículo furtado era o apelante, mesmo sabendo que este não mais era sócio da empresa, restando devidamente demonstrada a legitimidade deste, para a propositura da ação de reparação de danos.
Em contrarrazões (f. 111-17), a apelada refuta as razões expendidas pelo apelante e pugna pela manutenção da sentença de primeiro grau e pelo improvimento do apelo.
VOTO
O Sr. Des. Vladimir Abreu da Silva (Relator)
Trata-se de recurso de apelação interposto nos autos de ação de reparação por lucros cessantes e dano moral que José Carlos Cassiano aforou em face de Itaú Seguros S/A, cujo feito foi extinto, sem resolução de mérito, a teor do artigo 267, VI, do Código de Processo Civil, por ser o apelante parte ilegítima para propor a ação.
Segundo se infere dos presentes autos, o autor ajuizou ação de reparação de danos em face do apelado, na qual buscou ser ressarcido pelos danos morais, estimados em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), e pelos lucros cessantes, estimados em R$ 6.300,00 (seis mil e trezentos reais).
O apelante era sócio majoritário da empresa Spaic – Empreendimentos Automotivos Ltda., cujo objeto era a locação de veículos, na cidade de Bonito (MS).
Na data de 04.12.2001, o veículo Gol Plus, Volkswagen, placas HRU 2289, de propriedade do apelante (f. 17-19) e locado pela empresa, foi entregue em locação para um cliente, que se comprometeu a devolvê-lo em 07.12.2001, o que não aconteceu.
Sendo a empresa Spaic cliente da seguradora Itaú, esta foi acionada para fins de indenização decorrente de apropriação indébita de veículo segurado.
Após nove meses de tentativas, apesar de haver previsão contratual para a indenização por apropriação indébita, o apelante conseguiu seu intento perante a seguradora, motivo pelo qual ajuizou a ação de reparação de danos por lucros cessantes e danos morais.
A sentença vergastada, por entender que o apelante era parte ilegítima para figurar no polo ativo da ação, extinguiu o processo, sem resolução do mérito, a teor do artigo 267, VI, do Código de Processo Civil, tendo em vista que a contratante-segurada era a pessoa jurídica Spaic, detentora de legitimidade para a ação.
A pretensão do apelante não merece prosperar.
A legitimidade de partes constitui-se em uma das condições de admissibilidade da ação, juntamente com a possibilidade jurídica do pedido e do interesse processual. Caso ausente alguma dessas condições, o processo deve ser extinto sem resolução de mérito.
Com efeito, são legitimados ao processo os sujeitos da lide, isto é, os titulares dos interesses em conflito, sendo certo que a titularidade ativa da ação deve ser procurada apenas com relação ao próprio interesse constante da pretensão do autor, sob pena de se adentrar o mérito da causa precocemente, antes de encerrada a instrução processual.
Assim, basta que inicialmente seja demonstrado que a relação processual litigiosa se trava entre o possível titular do direito pretendido (legitimação ativa) e o sujeito que estaria obrigado a suportar os efeitos oriundos de uma sentença que julgue procedente o pedido inicial (legitimação passiva).
O eminente processualista Humberto Theodoro Júnior ensina que:
"... legitimados ao processo são os sujeitos da lide, isto é, os titulares dos interesses em conflito. A legitimação ativa caberá ao titular do interesse afirmado na pretensão, e a passiva ao titular do interesse que se opõe ou resiste à pretensão... Em síntese: como as demais condições da ação, o conceito da legitimatio ad causam só deve ser procurado com relação ao próprio direito de ação, de sorte que 'a legitimidade não pode ser senão a titularidade da ação" (Curso de Direito Processual Civil, Vol. I, 1a. ed., f. 60/61).
Observa-se que a relação jurídica de direito material de contrato de seguro ocorreu entre a pessoa jurídica Spaic - Empreendimentos Automotivos Ltda. e a seguradora Itaú Seguros S/A, sendo que os fatos lesivos dizem respeito ao patrimônio da pessoa jurídica, que deveria em nome próprio ter demandado a reparação dos danos e não do sócio.
A pessoa jurídica não se confunde com a pessoa física do sócio que dela participa, sendo que aquela possui patrimônio separado do cotista e assume a responsabilidade também em nome próprio.
Assim, não se pode reconhecer a legitimidade ativa do apelante para buscar em nome próprio o direito da pessoa jurídica, pois que, apesar de alegar que a demanda tem por ato lesivo o dano moral sofrido na busca por seus direitos e o ressarcimento dos prejuízos e o fato de ter recebido a indenização em nome próprio, conforme recibo de f. 42, implica em reconhecimento de sua legitimidade, quem figura no contrato de seguro de f. 29-30 é a pessoa jurídica da qual era sócio.
Nesse contexto, não assiste razão ao apelante, visto que não é parte legítima para promover a demanda.
In casu, o patrimônio atingido foi o da pessoa jurídica, cabendo a ela buscar a reparação, direito que não se estende aos seus sócios, em razão de falta de previsão legal de substituição processual para a hipótese.
Assim é o entendimento:
"O direito brasileiro só permite a substituição processual legal, não a voluntária, sendo inválida cláusula contratual que a estipular fora dos casos expressos na lei ou decorrentes do sistema." (JTARS 68/189, 32/348).[1]
Além disso, o artigo 6º do Código de Processo Civil é explícito ao afastar tal possibilidade, ao disciplinar que "ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio".
Dito isso, conclui-se que o apelante é parte ilegítima para figurar no polo ativo da presente ação, não tendo sido vítima da lesão moral e material que aqui se descortinou para uma reparação, motivo pelo qual não merece reparos a sentença de primeiro grau.
Por tais razões, conheço do recurso, mas nego-lhe provimento.
DECISÃO
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
POR UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
Presidência do Exmo. Sr. Des. Sideni Soncini Pimentel.
Relator, o Exmo. Sr. Des. Vladimir Abreu da Silva.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Vladimir Abreu da Silva, Luiz Tadeu Barbosa Silva e João Carlos Brandes Garcia.
Campo Grande, 19 de fevereiro de 2009.
[1] Código de Processo Comentado e legislação extravagante, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery. 9ª ed. P. 152.
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Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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