Monografia apresentada ao Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Público, como requisito parcial à obtenção do grau de especialista em Direito: Direito Público.
Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL
Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes - REDE LFG
RESUMO
O presente trabalho, que abarcou o estudo da prisão do devedor fiduciante, além de analisar o instituto da Alienação Fiduciária em Garantia, chegou as seguintes conclusões: o contrato em questão é uma relação obrigacional, de vínculo real, que leva o devedor fiduciante a perder sua propriedade para o credor, ficando este a ter uma propriedade resolúvel, enquanto aquele fica com a posse direta da coisa.
Tem como elemento que determina o seu conteúdo a fidúcia, que significa a confiança depositada entre as partes da relação, sendo que o devedor tem com o pagamento completo do bem o direito de tornar-se novamente seu dono, enquanto o credor perde com isso a sua propriedade resolúvel.
A lei que reguladora do instituto da Alienação Fiduciária é o Decreto-lei nº 911/69 e a Lei nº 4728/65. De acordo com as normas concernentes, pode o credor, quando houver inadimplemento por parte do devedor, ajuizar ação de busca e apreensão do bem ou executá-lo por quantia certa. Se este bem não for encontrado pode ainda o credor converter esta ação de busca e apreensão em depósito, tornando o devedor fiduciante um depositário infiel por equiparação legal.
Sendo caracterizado como tal e, em tese, a Carta Magna brasileira prevendo a possibilidade de prisão por até um ano do depositário infiel, fica a dúvida, se é possível ou não a prisão do devedor fiduciante.
A grande questão levantada pelo presente trabalho é saber se diante da vigência da Constituição Federal de 1988, continua sendo admissível à prisão civil do devedor inadimplente, quando este não devolve o bem que era o objeto do contrato ao credor fiduciário.
Em um passado não tão remoto, houve por parte dos dois maiores Tribunais Nacionais, quais sejam, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça uma grande discussão a respeito do assunto.
O STF entendia totalmente possível a decretação da prisão civil do devedor fiduciante, sendo possível à equiparação do mesmo ao depositário infiel relacionado na Constituição, com isso era legítima para o Tribunal a prisão civil do devedor fiduciante que descumprisse ordem judicial para entregar da coisa ou seu equivalente em dinheiro.
Já o STJ, em posicionamento contrário ao do STF, à época, entende totalmente inconstitucional a prisão civil do devedor fiduciante em contrato de Alienação fiduciária em Garantia, pois o devedor não pode ser equiparado ao depositário infiel, tendo em vista que são figuras distintas e baseando-se em dois Tratados Internacionais de Direitos Humanos, dos quais o Brasil é signatário, que relatam a impossibilidade de prisão atualmente por dívidas civis ou por descumprimento contratual. Após esta investigação foi constatada a impossibilidade da prisão, pois o contrato pertence a uma dívida civil, com garantias referentes a um contrato de empréstimo, que não incluem a prisão, pois a fidúcia é um contrato acessório e com a garantia suplementar da prisão perderia sua natureza.
Por fim, demonstramos a mudança de entendimento do Supremo Tribunal sobre o tema, tendo por base a incorporação ao nosso ordenamento jurídico dos tratados que versam sobre os direitos humanos como norma supralegal.
Palavras-chave: IMPOSSIBILIDADE. PRISÃO CIVIL. DEVEDOR FIDUCIANTE
ABSTRACT
This work, which studied the problem of debtor's prison fiduciante, and analyzing the Office of Fiduciary Divestment in Guarantee, reached the following conclusions: the contract in question is a relative obligation of real bond, which leads the debtor to lose fiduciante their property to the creditor, leaving it to a fixed property, as that is the direct possession of the thing.
Has the element that determines its content, fiducial, which means the trust between the parties of the relationship, where the debtor has with the full payment and the right to become your own again, while the creditor loses with it the ownership resolved.
The law governing the Office of Fiduciary Divestment is Decree-Law No 911/69 and Law No. 4728/65. According to the rules concerning, the creditor may, where default by the debtor, whether action of search and seizure of goods or run it by some amount. If this is not found and the creditor can still turn this action of search and seizure on deposit, making the debtor fiduciante an infidel by treating legal depositary.
Being characterized as such and, in theory, the Magna Carta Brazil providing for the possibility of imprisonment for up to one year of depositary unfaithful, the question is whether it is possible or not to arrest the debtor fiduciante.
The big question raised by this study is whether the Constitution before the end of 1988, is still permissible to imprisonment of civil debtors default, if he does not return the property which was the object of the contract to the creditor trust.
In a not so remote past, there was by the two largest national courts, which are the Supreme Court and the Superior Court for a great discussion on the subject.
The STF can fully understand the decretação of imprisonment of civil debtors fiduciante, and the possible treatment of the infidel related to the Depositary in the Constitution, with it was legitimate for the Court to imprisonment of civil debtors fiduciante that breaks a court order to deliver the thing or its equivalent in cash.
STJ has, in contrast to the position of the STF at the time, feels totally unconstitutional imprisonment of civil debtors fiduciante contract of sale in trust as security, because the debtor can not be equated to the depositary unfaithful, since figures are distinct and based on two international human rights treaties, to which Brazil is a signatory, who reported the failure of prison today for civil debts or contractual breach. After this investigation it was found the inability of the prison, because the contract is a civil debt, with guarantees for a loan agreement, which does not include imprisonment, because the fiducial is a subcontract and the additional guarantee of their imprisonment would nature.
Finally, we demonstrate a change in understanding of the Supreme Court on the subject, based on the incorporation of our legal system of treaties that deal as a human rights standard supralegal.
Key words: INABILITY. ARREST CIVIL. DEBTORS FIDUCIANTE
PARA ACESSAR O TRABALHO NO FORMATO ORIGINAL
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como intuito analisar o problema da prisão civil nos contratos de Alienação Fiduciária em Garantia, tão comuns no Estado Brasileiro, tendo em vista que os Bancos e Financeiras, com o fito de salvaguardar seu crédito, utilizam meios constrangedores, tais como a prisão civil de seus devedores, meio este não admitido em uma legislação democrática, em detrimento dos cidadãos que pela crise existente no país não tem condições de arcar com suas dívidas.
Assim sendo, no momento em que o devedor não quita seu débito, de acordo com as leis que regulam a matéria, ele pode ser preso por até um ano.
Uma das razões motivadoras do presente trabalho foi justamente esclarecer, principalmente aos mais leigos, um assunto que se faz ainda presente na legislação pátria.
Outro objetivo desta monografia é verificar a situação do depositário infiel, posteriormente à ratificação pelo Brasil de dois dos mais importantes tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, quais sejam: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, além da interpretação da Carta Magna Brasileira de 1988, principalmente após a mudança de entendimento do STF acerca da matéria.
E isto porque, nos dias atuais, a maioria da doutrina e jurisprudência nacional contestam a prática da prisão civil ao infiel depositário propriamente dito, quanto mais se tratando de alienação fiduciária em garantia, existindo importantes discussões acerca da impossibilidade de se decretar esse meio suasório para a satisfação do crédito, ao devedor fiduciante, compelindo-o a satisfazer sua obrigação contratual, por meio da imposição da prisão civil, este meio coercitivo tão vil.
2 ASPECTOS GERAIS DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA
A alienação fiduciária em garantia teve sua origem na fidúcia romana, sendo anterior ao penhor (MAZZUOLI, 2002).
No Direito Romano existia duas formas de transferência da propriedade, quais sejam: a mancipatio e a in jure cessio. Ambas não comportavam o parcelamento da venda, eram feitas sempre à vista e tinham caráter definitivo (MAZZUOLI, 2002).
Assim sendo, quando as partes necessitavam transferir a propriedade sem alienar, a única maneira existente era fazer um pacto acessório às formas de transferência, pacto este que era baseado na confiança. Quando fosse verificada a condição do acordo, o contrato estaria desfeito e as partes voltariam ao seu estado anterior, isto é o adquirente devolveria a coisa ao alienante (MAZZUOLI, 2002).
Em Roma, a fidúcia teve o seu maior apogeu na época clássica, existindo a fidúcia cum creditore e a fidúcia cum amico (MAZZUOLI, 2002).
A fidúcia cum creditore é a forma mais assemelhada à Alienação Fiduciária existente no Brasil, haja vista caracterizar-se por dar ao credor uma garantia real, através da transferência de propriedade (MAZZUOLI, 2002).
Nesta fidúcia tinha o devedor para obrigar o credor a cumprir sua parte no contrato a actio fiduciae, contudo a natureza desta ação não era real e sim meramente pessoal, o que levou sua aplicação a várias dificuldades, tais como a impossibilidade de reclamar contra terceiros que estavam com a coisa (MAZZUOLI, 2002).
No Brasil, o sopro de vida da alienação fiduciária em garantia se desenvolveu em razão da promulgação da lei disciplinadora do Mercado de Capitais, a saber:
No ordenamento jurídico pátrio, a alienação fiduciária surgiu com o advento da Lei nº. 4.728 de 14 de julho de 1965, criada para disciplinar o Mercado de Capitais e estabelecer medidas para o seu desenvolvimento. Essa Lei foi instituída visando a possibilitar a aquisição de recursos para redirecioná-los aos diversos setores da Economia, estimulando e reativando o mercado interno brasileiro. Para alcançar esse objetivo, permitiu o crédito direto ao consumidor, por meio das instituições financeiras, aumentando a capacidade aquisitiva das classes sociais menos abastadas (WALD, 2000, p. 315/316).
Ainda referente a este novo sistema de crédito, as financeiras achavam-se mais desprotegidas em relação às fraudes e inadimplência, já que agora tratavam diretamente com o consumidor final, pois este para ter crédito não necessita de grandes exigências, enquanto com os comerciantes, além das exigências mais formais, o comerciante vive do negócio, tendo tradição e nome a zelar perante toda a coletividade (TOLENTINO, 2009).
Como primeira elaboração legislativa referente ao instituto, teve-se o Decreto-Lei nº 911/69. Embora já houvesse um esboço do que seria a Alienação Fiduciária em Garantia na Lei nº 4.728/65, denominada de Lei de Mercado de Capitais (TOLENTINO, 2009).
O contrato de Alienação Fiduciária em Garantia traz situações próprias que o distanciam dos Direitos Reais sobre Coisa Alheia. Uma destas anomalias é que o valor objeto do empréstimo já será utilizado para uma coisa determinada, isto é, o devedor fiduciante ao tomar o empréstimo da Financeira usa seu próprio bem como garantia da dívida, alienando-o para mesma instituição financeira (TOLENTINO, 2009).
Tendo como finalidade precípua resguardar o crédito das instituições financeiras e fomentar o consumo de bens duráveis por parte dos consumidores (GONÇALVES, 2007).
Quanto ao conceito de Alienação Fiduciária, pode ser retirado do caput do artigo 66 da Lei de Mercado de Capitais, definido como um Direito Real em garantia, no qual existe a transferência da propriedade resolúvel e a posse indireta do bem, bem este que deve ser durável, inalienável, infungível e inconsumível, ao credor fiduciário; enquanto o devedor fiduciante torna-se possuidor direto do bem garantia do financiamento (GONÇALVES, 2007).
O elemento determinante de tal contrato é a confiança entre o alienante e o adquirente, também chamada de fidúcia, de tal forma que o devedor fiduciante tem a expectativa de que irá voltar a ser dono do bem quando implementar a condição, conseqüência da propriedade resolúvel do credor fiduciário (TOLENTINO, 2009).
Isto é, o alienante não tem mais a propriedade plena do bem, ele é titular de um direito sob condição resolutiva, este só adquire a propriedade para garantir a satisfação do crédito, não podendo ficar com o bem em caso de devolução ou inadimplência (GOMES, 2002).
Logo, quando o devedor fiduciante quita sua dívida, o credor fiduciário tem a obrigação de restituir a propriedade plena da coisa ao fiduciante (GOMES, 2002).
Podem ser objetos do instituto da Alienação Fiduciária em garantia os bens móveis/imóveis, desde que sejam corpóreos, particularizados, ou, no mínimo, identificáveis, infungíveis, duráveis e inconsumíveis (GOMES, 2001).
Em relação aos bens infungíveis, existe uma divergência na doutrina alegando alguns autores o cabimento dos bens fungíveis, contudo, a maioria entende que a fungibilidade é naturalmente excludente da Alienação Fiduciária (DEDA, 2000).
De acordo com o entendimento acima exposto, a jurisprudência do STJ já pacificou o posicionamento do tribunal sobre a matéria, proclamando a inadmissibilidade da Alienação Fiduciária de bens fungíveis e consumíveis (BRASIL, 1992).
O contrato na Alienação Fiduciária de bens móveis deve ter forma escrita, podendo o instrumento ser público ou particular. Exige-se a tradição para a aquisição do domínio, contudo, esta é ficta, haja vista a característica da propriedade resolúvel, pois no momento em que o devedor fiduciante paga a última parcela do financiamento, o desdobramento da posse se desfaz, fazendo com que a propriedade passe para o adquirente (GOMES, 2001).
De acordo com o Decreto-Lei nº 911/69, em seu artigo 66, parágrafo 10º, em sendo veículos automotores, a alienação deve ser registrada no Detran, sob pena de inexistência do contrato de alienação fiduciária para terceiros de boa-fé, pois, em caso negativo, o contrato não teve sua publicidade efetivada, logo não podendo ser imposto (GONÇALVES, 2007).
Apenas como forma de comprovação, a Súmula 92 do STJ “A terceiro de boa-fé não é oponível a Alienação Fiduciária não anotada no Certificado de Registro do veículo automotor”. O que pode fazer o credor é exigir outras garantias, tais como a fiança e o aval (GONÇALVES, 2007).
São deveres e obrigações do devedor fiduciante, ter consigo a posse direta da coisa e o direito de reaver sua propriedade plena com a quitação do débito; entregar o bem no caso de inadimplemento ao credor; empregar na guarda da coisa a diligência exigida por sua natureza; purgar a mora na ação de busca e apreensão, desde que já tenha pago 40% do preço; responder quando, vendida à coisa, o produto não bastar para o pagamento da dívida, de acordo com os artigos 1363 a 1368 do Código Civil vigente (GONÇALVES, 2007).
Quanto ao credor fiduciário, deve respeitar o uso da coisa pelo adquirente, pode vender o bem para pagamento do crédito, não podendo ficar com a coisa (GONÇALVES, 2007).
Pode ainda ajuizar ação de busca e apreensão, que poderá ser convertida em depósito ou ajuizar execução por quantia certa (GONÇALVES, 2007).
A Lei nº 9.514/97, instituidora da alienação fiduciária em bens imóveis relata em seu artigo 22 que: “a alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel” (BRASIL,1997).
O parágrafo único do mesmo artigo diz que tanto a pessoa física, como jurídica tem legitimidade para contratar, sendo do Sistema de Financiamento Imobiliário ou não, em prédios construídos ou em construção (BRASIL,1997).
A constituição da propriedade fiduciária, diferente dos bens móveis que se dão por tradição ficta, neste caso, deve ser averbada no competente Registro de Imóveis (BRASIL,1997).
A lei prevê o pacto comissório, pois outorga a possibilidade do credor ficar com o bem em pagamento da dívida, que será quitada mesmo com o valor menor, de acordo com seu artigo 32 (BRASIL,1997).
Pode ainda haver sub-rogação entre o fiador ou terceiro interessado em relação ao devedor, ficando aqueles, de pleno direito, sub-rogados no crédito e na propriedade fiduciária (BRASIL,1997).
Quanto aos modos de extinção da Alienação Fiduciária, para os bens móveis e imóveis pode se dar sobre várias formas. Uma das formas é o pagamento direto, já o pagamento indireto pode-se dar sob diferentes meios: novação, transação, compensação, prescrição, adjudicação de outro bem (DEDA, 2000).
Existem ainda outras formas como o perecimento da coisa objeto da garantia real, a renúncia do credor a garantia, o perdão da dívida, a venda do objeto da Alienação Fiduciária pelo credor e, finalmente, pelo instituto da confusão (DEDA, 2000).
2.1 Da Ação de Busca e Apreensão e Suas Conseqüências
No momento em que o devedor se torna inadimplente, com o vencimento do prazo para pagamento da parcela do financiamento, encontra-se o devedor constituído em mora. Esta mora:
”decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento, mas deverá ser comprovada mediante o protesto do título ou por carta registrada, expedida por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos, a critério do credor” (GONÇALVES, 2007).
Vale ressaltar que o STJ firmou súmula ratificando a obrigatoriedade da comprovação de mora para ajuizamento da ação de busca e apreensão, em seu teor a súmula relata que a mora na Alienação Fiduciária é dada com o simples vencimento da dívida, segundo o artigo 2.º, parágrafo 2.º do Decreto-Lei. Com a falta de pagamento de uma das parcelas, a lei dispõe que poderão ser consideradas vencidas as parcelas vincendas, chamando-se este fenômeno de vencimento antecipado da dívida, incluso no artigo 2.º, parágrafo 3.º do Decreto-Lei (BRASIL, 1993).
Declarada a mora, têm o credor fiduciário quatro caminhos a seguir. O credor pode optar pela alienação da coisa para haver o preço do débito em aberto, caso seja esta entregue pelo devedor; pela execução da dívida; ainda ajuizar uma ação de depósito ou, por fim, propor a ação de busca e apreensão (VENOSA, 2007).
Quanto à ação de busca e apreensão, esta não se confunde com a medida cautelar geral, comum, não dependendo de uma ação principal. Ela tem caráter incidental, sendo uma ação em si mesma, baseia-se na cautelar de busca e apreensão, utiliza seus requisitos, contudo, é autônoma, não necessitando de uma ação principal, como reza o artigo 3.º do Decreto-Lei nº 911/69 (BRASIL, 1969).
Pode, de acordo com o artigo referido acima, o credor requerer a ação de busca e apreensão, inclusive através de liminar desde que esteja comprovada a mora do devedor (GONÇALVES, 2007).
Como fundamento para a análise acima:
Não se divisa, em linha de princípio, na decisão concessiva da liminar na busca e apreensão, qualquer afronta a dispositivo constitucional. Suficiente, como fundamentação à referência a presença dos pressupostos legais para o deferimento da apreensão liminar (BRASIL. Tribunal de Alçada Civil de São Paulo. Mandado de Segurança nº 536985/1. Relator Juiz Elliot Akel.15 de fevereiro de 1993).
O rito da ação de busca e apreensão é o sumário, o que pela característica de autonomia que esta ação revela poderia manifestar alguma contradição, entretanto, esta contradição é ligeiramente sanada, levando-se em conta a finalidade da ação que é a defesa do crédito de forma rápida, por intermédio da concessão de medida liminar, desde que comprovada a mora ou inadimplemento do devedor (BRASIL, 1969).
Após concessão da liminar, e o cumprimento do mandado judicial, o fiduciante será citado em três dias, para apresentar a contestação, ou se já tiver pago o equivalente a 40% do preço financiado, poderá requerer a purgação da mora com base no artigo 3.º , parágrafo 1.º do Decreto-Lei (BRASIL, 1969).
No caso do devedor escolher como forma de defesa a contestação, esta, de acordo com o artigo 3.º, parágrafo 2.º do referido decreto, não poderá discutir aspectos meritórios ou preliminares que fujam da discussão de pagamento do débito vencido ou do cumprimento das obrigações contratuais (BRASIL, 1969).
Se escolher purgar a mora, o devedor irá requerer ao juiz da causa, que marcará data para o pagamento, com prazo inferior ou igual a 10 dias. Contestado ou não o pedido e não havendo a purgação da mora, o juiz sentenciará em cinco dias (BRASIL, 1969).
Como o credor não pode ficar com o bem para si, devido à norma expressa (pacto comissório), é possível que venda judicialmente ou extrajudicialmente a coisa (GONÇALVES, 2007).
Existe a figura do depósito quando alguém recebe um bem alheio e tem como encargo, a obrigação de restituir no momento que for requisitado (JAKOBI, 2009).
Com base no artigo 627 do Código Civil: “pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para guardar, até que o depositante o reclame” (BRASIL, 2002).
Segundo o Capítulo IX, Seções I e II, do Título VI, do Código Civil, as espécies de depósito são, o depósito voluntário, também chamado de contratual e o depósito necessário (BRASIL, 2002).
Tratam do depósito voluntário os artigos 627 a 634 do Código Civil vigente, explicitando as características inerentes a este depósito. O mesmo é gratuito, exceto se houver convenção em contrário; logo pode também ser oneroso (BRASIL, 2002).
Neste depósito existem algumas regras a serem observadas como, o depósito deverá ser entregue da maneira como foi recebido. A restituição do depósito deverá ser dada no lugar onde o depósito estiver guardado; as despesas de restituição são por conta do depositante (BRASIL, 2002).
Mesmo existindo prazo para restituição, assim que o depositante exija o bem depositado é obrigatório que o depositário o entregue, salvo se tiver direito de retenção, quando não lhe for pago a retribuição devida pelo encargo, de acordo com o artigo 644 Código Civil (BRASIL, 2002).
Quanto ao depósito necessário, existe aquele em virtude de lei, como é caso da Alienação Fiduciária em Garantia, artigo 647, I, do Código Civil e o que é efetuado por ocasião de alguma calamidade, inciso II do artigo acima, sendo que será mostrado nas páginas seguintes, de forma controversa, o erro em configurar a Alienação Fiduciária como um contrato com natureza de depósito (BRASIL, 2002).
Também pode ser caracterizado como depósito necessário, o depósito das bagagens das viajantes e ou hóspedes nas hospedarias onde estiverem. A responsabilidade, neste caso, esta resumida ao terreno em que se encontra sua hospedaria, por isso responde por tudo que o viajante trouxer e colocar neste terreno, É o que diz o artigo 649, do Código Civil Brasileiro, no seu parágrafo único: ”Os hospedeiros responderão como depositários, assim como pelos furtos e roubos que perpetrarem as pessoas empregadas ou admitidas nos seus estabelecimentos” (BRASIL, 2002).
Contudo, de acordo com o artigo 650 do Código Civil, a responsabilidade do hospedeiro cessará se os fatos prejudiciais não podiam ser evitados, como é o caso da força maior e do caso fortuito: ”cessa, nos casos do artigo antecedente, a responsabilidade dos hospedeiros, se provarem que os fatos prejudiciais aos viajantes não podiam ser evitados” (BRASIL, 2002).
Com referência ao inciso II, do artigo 647 do Código Civil, o depósito necessário, também chamado de miserável, pode ser exemplificado na hipótese em que são retirados os móveis de uma casa, quando esta vem à ruína em função de um desmoronamento de terra (BRASIL, 2002).
Quanto ao depósito judicial, com base no artigo 647, inciso I, do Código Civil, este vem a caracterizar-se como depósito necessário, legal. Caracteriza-se pela determinação da autoridade judicial competente, como nos casos de penhora, arresto, consignação em pagamento, seqüestro e outros (BRASIL, 2002).
A pessoa que se torna depositária judicial adquire uma função pública e esta vinculada a partir de então ao juiz da causa, de forma hierarquicamente inferior, devendo obedecê-lo em todos os termos (MACHADO, 1993).
Contudo, não se pode decretar a prisão civil do depositário judicial de forma sumária, haja vista, a previsibilidade desta medida estar somente na ação de depósito e não no Código de Processo Civil. Como contra o depositário não existe um contrato de depósito, logo não podendo haver a ação de depósito que por conseqüência levaria a prisão, a mesma esta de pronto prejudicada.
A decretação de prisão civil do depositário, porém, não está prevista em nenhum dispositivo do Código de Processo Civil, a não ser na regulamentação do procedimento especial da ação de depósito.
Por isso, com o devido respeito à orientação consagrada por certos arestos, não vejo como se possa impor tão grave sanção sem observância de um procedimento regular traçado em lei, isto é, fora da ação de depósito, que, in casu, se apresenta como o devido processo legal.
É certo que o juiz não depende da ação de depósito para ordenar a apresentação ou remoção dos bens em poder de seu auxiliar, podendo fazê-lo incidentalmente no curso da execução. Mas inexiste na lei permissivo legal para decretar sumariamente a prisão do depositário, sem que se lhe enseje contraditória a ampla defesa, segundo os ditames do devido processo legal. Afinal, a liberdade é um valor transcendental, que não pode ficar na dependência do arbítrio de soluções toadas sem aparo da lei e sem observância de um procedimento adequado adredemente traçado pelo legislador (JÚNIOR, 2001, p. 64/65).
Em relação propriamente a ação de depósito, desde que o pedido de busca e apreensão não tenha logrado êxito, pode-se requerer a conversão deste pedido em ação de depósito, com fulcro no artigo 4.º do Decreto-Lei 911/69.
Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, o credor poderá requerer a conversão do pedido de busca e apreensão, nos mesmos autos, em ação de depósito, na forma prevista no Capítulo II, do Título I, do Livro IV, do Código de Processo Civil (BRASIL, 1969).
A ação de depósito, que tem por fim exigir a restituição do bem depositado instaura um processo cognitivo, onde o juiz prolatará uma sentença condenatória que mandará o devedor entregar o bem ou seu equivalente em dinheiro no prazo de 24 horas, ressaltando que se não for cumprido o mandado, o juiz decretará a prisão do depositário infiel, segundo o disposto no art. 904, parágrafo único do CPC (BRASIL, 1973).
Quando o autor pela ação de depósito não consegue objetivar o fim colimado, ainda pode lançar mão da execução por quantia certa, para buscar a efetivação da sentença condenatória proferida pelo juiz contra o devedor fiduciante. Contudo, vale ressaltar a impossibilidade de simultaneamente à execução por quantia certa, o credor ingressar com o requerimento da prisão civil, haja vista a natureza do meio coercitivo que será pormenorizada posteriormente (VENOSA, 2007).
Nesta execução não poderá incidir a penhora sobre o bem gravado com a garantia real, pois o bem alienado fiduciariamente não integra o acervo patrimonial do devedor fiduciante. Ele é apenas possuidor direto e tem a expectativa de direito futuro para que seja revertida em seu favor a propriedade do bem do credor, já que segundo consta do artigo 1361 do Código Civil Brasileiro: “considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor” (BRASIL, 2002).
Em relação à execução por quantia certa geral, existem duas modificações no processo executivo disciplinado no Decreto-Lei nº 911/69 (BRASIL, 1969).
A primeira relata que os bens tidos como impenhoráveis de acordo com o artigo 649 e seus incisos VI e VIII, todos do Código de Processo Civil Brasileiro, não terão esta característica quando o exeqüente for um credor fiduciário (BRASIL, 1969).
Já a segunda, versa sobre a impossibilidade de o devedor nomear bens a penhora, ficando ao alvedrio do autor da ação esta obrigação. Contudo, vale salientar que devido à natureza do instituto da Alienação Fiduciária, não pode o credor penhorar o bem alienado, pois este já lhe pertence (BRASIL, 1969).
2.2 Da Prisão Civil
De início, a Constituição Federal prevê duas exceções à prisão por dívida no Brasil. Segundo o artigo 5º, inciso LXVII, o depositário infiel e o devedor de pensão alimentícia podem ter decretada a sua prisão, desde que o juiz decida fundamentadamente, e não um mero despacho, o que mostra o caráter restritivo da medida (NOVELINO, 2008).
A prisão civil derivada da dívida alimentar, esta disciplinada a partir do artigo 733 do Código de Processo Civil. Tem prazo mínimo de 1 mês e seu limite máximo são 3 meses, de acordo com o parágrafo 1.º do artigo 733 do CPC (BRASIL, 1973).
Reza a lei que se o devedor não cumpriu a determinação judicial para pagar os alimentos, este será citado para pagar em três dias, provar que já efetuou o pagamento, ou ainda, justificar a impossibilidade de fazê-lo (BRASIL, 1973).
No momento em que o devedor não paga ou nem se apresenta para poder mostrar a sua impossibilidade em relação ao pagamento, o juiz decretará a prisão, de acordo com o parágrafo primeiro do artigo 733 do CPC (BRASIL, 1973).
O cumprimento da pena não irá eximir do devedor, o pagamento das prestações. Assim que for paga a prestação alimentícia, o juiz suspenderá a prisão. Isto se dá devido à característica da prisão, já que esta não tem cunho satisfativo em relação ao crédito do credor, apenas é um meio de coerção para que o devedor de pensão alimentícia pague o seu débito, descaracterizando o abandono material do alimentado, artigo 733, parágrafos primeiro e segundo do CPC (BRASIL, 1973).
Quanto à prisão civil referente ao depositário infiel, o artigo 627 do Código Civil diz “pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para guardar até que o depositante o reclame”. Quando a este depositário, seja no depósito necessário, seja no voluntário, for exigido o bem depositado e este não devolver, será forçado mediante a prisão civil nos termos do artigo 652 do Código Civil, a saber: ”Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos” (BRASIL, 2002).
Além desta situação, existe outra hipótese de configuração do depositário. É a fraude a posição processual do executado. Esta figura é caracterizada quando o devedor executado e mantenedor dos bens penhorados se desfaz indevidamente do acervo, estando configurada a fraude e podendo ser decretada a prisão civil do depositário infiel, de acordo com o artigo 593 do CPC (BRASIL, 1973).
Ressalta-se por fim que alguns doutrinadores, tais como Valério de Oliveira Mazzuoli e Flávia Piovesan negam a existência da figura da prisão civil do depositário infiel, posteriormente à ratificação de dois tratados de Direitos Fundamentais pelo Brasil, o Pacto de São José da Costa Rica e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, que versam sobre a impossibilidade de ser preso por não cumprir uma obrigação contratual ou apenas ser detido por dívidas (PIOVESAN, 1997).
Segundo o Decreto nº 678/92, que ratificou o Pacto de São José da Costa Rica, no seu artigo 7.º, parágrafo 7, explicita que “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar” (BRASIL. Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm. Acesso em: 04 ago. 2009).
Já o Decreto Presidencial nº 592/92, ratificador do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, no seu artigo 11, relata que “Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir uma obrigação contratual” (BRASIL. Decreto nº 592, de 06 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Promulgação. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm. Acesso em: 04 ago. 2009).
Logo, com a ratificação destes dois tratados pelo Brasil, para certa parte da doutrina, em que estão filiados os doutrinadores citados, somente existirá a prisão civil do devedor de pensão alimentícia, devendo ser lida a Constituição, no seu artigo 5.º, inciso LXVII, sem a figura do depositário infiel (MAZZUOLI, 2002).
Como exemplo de depositários infiéis que se enquadram no artigo 652 do Código Civil, podem ser relatados os depositários da lei de penhor de produtos agrícolas, Lei nº 2.666/65. Sobre títulos de crédito industrial, o Decreto Lei nº 413/69 e ainda a cédula de crédito industrial prevista no Decreto Lei nº 167/67(MAZZUOLI, 2002).
Por fim, a prisão civil decorrente do contrato de Alienação Fiduciária em Garantia. Como já foi visto, em processos de busca e apreensão de carros ou outros bens móveis, objetos de Alienação Fiduciária, Bancos e Financeiras, requerem usualmente em juízo a prisão civil dos devedores, através da equiparação dos mesmos ao depositário do artigo 627 do Código Civil (AZEVEDO, 1993).
No passado, existiu divergência entre as duas maiores Cortes do país. O Superior Tribunal de Justiça, (STJ) rejeitava a prisão, visto que a garantia do contrato estava no próprio bem, seja ele um carro ou qualquer outro bem móvel, e não em um depósito, logo, a falta de pagamento em financiamentos desta natureza não respaldava a prisão civil do devedor (GOMES, 2008).
Além deste argumento, o devedor em momento algum é um depositário propriamente dito, o que existe é uma equiparação do devedor fiduciante ao depositário. Logo sendo figuras independentes, não cabe a equiparação, principalmente por esta restringir a liberdade dos indivíduos e indo de encontro com a norma constitucional no seu artigo 5.º, LXVII (GOMES, 2008).
Como embasamento para as afirmações acima:
Impossível a prisão civil nos casos de depósitos atípicos, instituídos por equiparação para reforço às garantias em favor de credores, porque a garantia constitucional, ao tutelar o direito maior a liberdade, ficaria imune a leis ordinárias ampliativas do conceito de depositário infiel (BRASIL, 1991).
Tal assunto será adiante explanado com mais vigor.
Já o Supremo Tribunal Federal, STF, entendia totalmente cabível a prisão civil do devedor por equiparação legal ao depositário infiel, não ferindo o Pacto de São José de Costa Rica e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (GOMES, 2008).
Para ratificar o entendimento:
Não há constrangimento ilegal ou ofensa à Constituição no decreto de custódia, após decisão definitiva da ação de depósito, com a não devolução do bem, nem o pagamento do valor correspondente, pelo paciente, configurando-se a situação de depositário infiel, prevista no artigo 5º, LXVII, da Constituição de 1988 (BRASIL, 1994).
Não obstante, apesar do STJ continuar firme com seu posicionamento diante da matéria, o STF, revendo seu posicionamento anterior, principalmente a partir do Recurso Extraordinário nº 466.343 – São Paulo, entende atualmente também pela impossibilidade da prisão civil do depositário infiel, inclusive da infeliz equiparação realizada com o devedor fiduciante (GOMES, 2008).
3 ENTENDIMENTO DO STF ACERCA DO TEMA ANTES DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 466.343-1/ SÃO PAULO
Como relatado anteriormente, o Supremo Tribunal Federal já admitiu a possibilidade da prisão civil do devedor fiduciante, em contratos com a garantia de Alienação Fiduciária. Entendimento este firmado pelo Plenário e em ambas as Turmas, como pode ser comprovado através da Ementa abaixo:
Decisão: Por unanimidade, o Tribunal rejeitou a preliminar do Ministério Público de inadmissibilidade do hábeas corpus, E, após o voto do Senhor Ministro Celso de Mello, Relator, indeferindo a ordem, pediu vista o Senhor Ministro Sepúlveda Pertence. Impedido o Senhor Ministro Sidney Sanches. Presidência do Senhor Marco Aurélio. Por maioria, indeferiu-se a ordem, vencidos os Ministros Carlos Velloso e Marco Aurélio, concedendo, no entanto, por unanimidade, hábeas de ofício, para o fim de afastada a prejudicialidade de inconstitucionalidade, determinar que o Tribunal de Justiça do Estado Prossiga no exame dos demais fundamentos. Reajustou, parcialmente, o voto, o Senhor Ministro Celso de Mello, Relator. Plenário, 24.04.2002 (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 81319/GO, Relator Ministro Celso de Mello. 7 de agosto de 2002. Disponível em http://www.stf.gov.br/dj/monta...2002%20%20Ata%20Nr%2011%20%20RELAÇÃO%20PROCESSOS
O Colendo Tribunal enumerava várias razões para confirmar tal posicionamento. Uma delas é a taxatividade existente na Carta Magna Brasileira, que em seu artigo 5.º, inciso LXVII, diz que “Não haverá prisão por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”. Com isso a Constituição abria dois precedentes excepcionais para a prisão civil por dívidas no país, a prisão do responsável por obrigação alimentícia, ressaltando que este inadimplemento deve ser voluntário, não cabendo para a prisão a hipótese de justa causa, e o depositário infiel (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 81319/GO, Relator Ministro Celso de Mello. 7 de agosto de 2002. Disponível em http://www.stf.gov.br/dj/monta...2002%20%20Ata%20Nr%2011%20%20RELAÇÃO%20PROCESSOS
O Decreto-lei nº 911/69, em seu artigo 66, equipara o depositário infiel ao devedor fiduciante, fazendo com que, segundo entendimento do Supremo à época, o devedor quando não entregasse o bem sofresse a decretação de sua prisão civil. Principalmente, se for respeitado o que versa o artigo 1.º do Decreto-lei:
A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independente de tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal (BRASIL, 1969).
Com esta equiparação, feita através de uma interpretação analógica extensiva, haja vista que duas figuras distintas, depositário e devedor, passam a ter os mesmos encargos e responsabilidades, o STF legitimava a referida prisão (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 81319/GO, Relator Ministro Celso de Mello. 7 de agosto de 2002. Disponível em http://www.stf.gov.br/dj/monta...2002%20%20Ata%20Nr%2011%20%20RELAÇÃO%20PROCESSOS
Ademais, com a edição da súmula nº 619 pelo STF, em 1984, tal possibilidade restou pacificada à época: ”A prisão do depositário judicial pode ser decretada no mesmo processo em que se constitui o encargo, independentemente da propositura da ação de depósito” (BRASIL, 2001).
Como existia a possibilidade de equiparação do devedor fiduciante ao depositário infiel, pelo entendimento do STF naquele tempo, mesmo a Constituição não se referindo ao devedor fiduciante e somente ao depositário infiel, era possível a decretação da prisão civil, pois ela estava de forma implícita, contida no Decreto-lei nº 911/69, em seu artigo 66, no momento em que relata que o devedor fiduciante deve assumir todos os encargos e responsabilidades do depositário infiel (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 81319/GO, Relator Ministro Celso de Mello. 7 de agosto de 2002. Disponível em http://www.stf.gov.br/dj/monta...2002%20%20Ata%20Nr%2011%20%20RELAÇÃO%20PROCESSOS
Mesmo com a ratificação do Pacto de São José da Costa Rica, pelo Decreto Federal n? 678/92, o Supremo Tribunal Federal continuava entendendo pela legalidade da prisão civil nos contratos de alienação fiduciária em garantia (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 81319/GO, Relator Ministro Celso de Mello. 7 de agosto de 2002. Disponível em http://www.stf.gov.br/dj/monta...2002%20%20Ata%20Nr%2011%20%20RELAÇÃO%20PROCESSOS
Para o Tribunal, este pacto não tinha eficácia perante o ordenamento jurídico nacional. No seu conteúdo ele relata a impossibilidade da prisão do depositário infiel, ressalvando a possibilidade de ser decretada a prisão do devedor de alimentos (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 81319/GO, Relator Ministro Celso de Mello. 7 de agosto de 2002. Disponível em http://www.stf.gov.br/dj/monta...2002%20%20Ata%20Nr%2011%20%20RELAÇÃO%20PROCESSOS
Para um leitor leigo no assunto, poderia parecer que estaria, no Brasil, proibida a prisão do depositário infiel, pois o próprio país, mediante o Congresso Nacional, sancionou a eficácia deste ato normativo dentro do seu território, quando o ratificou, tornando-se consignatário do mesmo (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 81319/GO, Relator Ministro Celso de Mello. 7 de agosto de 2002. Disponível em http://www.stf.gov.br/dj/monta...2002%20%20Ata%20Nr%2011%20%20RELAÇÃO%20PROCESSOS
Principalmente pela norma contida no Decreto Federal ser mais recente do que a norma contida na Constituição (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 81319/GO, Relator Ministro Celso de Mello. 7 de agosto de 2002. Disponível em http://www.stf.gov.br/dj/monta...2002%20%20Ata%20Nr%2011%20%20RELAÇÃO%20PROCESSOS
Entretanto, baseando-se na hierarquia das normas até então vigente, o Pacto de São José da Costa Rica, ingressou no ordenamento jurídico brasileiro como norma infraconstitucional, devido ao quorum de votação ser igual ao de uma lei ordinária, pois o Congresso Nacional quando autoriza o Presidente da República a ratificar o Decreto, o faz por maioria de votos, desde que presentes à maioria absoluta de seus membros, de acordo com os artigos 47, 49 e seu inciso I e 84 e seu inciso VIII, todos da Constituição Federal, a saber:
Artigo 47. Salvo disposições constitucionais em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria de votos, presente a maioria absoluta de seus membros.
Artigo 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
Inciso I. resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.
Artigo 84.Compete privativamente ao Presidente da República:
Inciso VIII. celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional (BRASIL,1988).
Com isso os tratados internacionais que vão de encontro às normas constitucionais, pelo menos na parte que se encontra este conflito, não tem eficácia dentro do território nacional, devido a superioridade hierárquica das normas constitucionais perante os mesmos. De acordo com este posicionamento:
Nossa Constituição é rígida. Em conseqüência, é a lei fundamental e suprema do Estado brasileiro. Toda a autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere poderes e competências governamentais. Nem o governo Federal, nem o governo dos Estados, nem o dos Municípios ou do Distrito Federal são soberanos, porque todos são limitados, expressa ou implicitamente, pelas normas positivas daquela lei fundamental. Exercem suas atribuições nos termos nela estabelecidos.
Por outro lado, todas as normas que integram a ordenação jurídica nacional só serão válidas se se conformarem com as normas da Constituição Federal. (SILVA, 2000, p. 48).
Além do Pacto de São José da Costa Rica, existe outro importante tratado internacional ratificado pelo Brasil, denominado de Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (MAZZUOLI, 2002).
Este pacto, ratificado através do Decreto legislativo de n.º 226/91, contém, em seu artigo 11, a impossibilidade da prisão de qualquer pessoa pelo não cumprimento de uma obrigação contratual (MAZZUOLI, 2002).
Os fundamentos que foram elencados para desfigurar a eficácia do Pacto de São José da Costa Rica foram também utilizados em função do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, haja vista sua maior amplitude, pois tem caráter mundial (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 81319/GO, Relator Ministro Celso de Mello. 7 de agosto de 2002. Disponível em http://www.stf.gov.br/dj/monta...2002%20%20Ata%20Nr%2011%20%20RELAÇÃO%20PROCESSOS
Como o pacto internacional, à época, tinha caráter de norma infraconstitucional, não podia contrapor em hipótese alguma as normas constitucionais, pois as mesmas são hierarquicamente superiores. De acordo:
O princípio da supremacia constitucional significa encontrar-se a Constituição no vértice do sistema normativo. Ela é o fundamento de validade de todas as demais normas, pois estabelece em seu corpo a forma pela qual a normatividade infraconstitucional será produzida. Todas as demais leis e atos normativos são hierarquicamente inferiores à Constituição. E se com ela incompatíveis, não tem lugar no sistema jurídico, por não haver possibilidade de coexistência entre a Constituição e a norma inconstitucional.
Essa formulação foi aperfeiçoada por Hans Kelsen, elaborador da teoria do Direito como ordem normativa cuja unidade assenta em forma fundamental. A Constituição é norma superior, concebida no sentido jurídico-positivo e no sentido lógico-jurídico.
No sentido positivo, a Constituição é o estatuto de Direito positivado mais elevado. Em sentido lógico, a Constituição consiste em norma fundamental hipotética, pressuposta e não posta, pois teria de ser positivada por uma autoridade cuja competência estivesse prevista numa norma de escalão ainda superior à Constituição.
A Constituição é a expressão das normas organizadoras, ou seja, da ordem de competência para criar as demais normas de conduta e assegurar sua vigência. Por isso ela é a base da ordem jurídica e o Direito Constitucional a parte do Direito cuja existência supõem todos seus outros ramos, como norma fundamental de que descende por graus toda a normatividade positivada (NALINI,1997,p.37).
Por isso, tinha plena eficácia e vigência a norma contida no artigo 5.º, inciso LXVII, podendo haver a prisão civil em relação a obrigação contratual, desde que esta obrigação fosse derivada de uma pensão alimentícia ou de um contrato de depósito, em seu sentido amplo, e esta obrigação não fosse cumprida injustificadamente (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 81319/GO, Relator Ministro Celso de Mello. 7 de agosto de 2002. Disponível em http://www.stf.gov.br/dj/monta...2002%20%20Ata%20Nr%2011%20%20RELAÇÃO%20PROCESSOS
Sem contar ainda que o STF entendia que para ser derrogado o Decreto nº 911/69, pelos tratados internacionais, não se devia basear-se somente na qualidade de que os tratados contêm, de serem normas mais recentes do que o Decreto. Além de mais novas, as normas para derrogarem outras antigas devém contar também com o caráter da especialidade (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 81319/GO, Relator Ministro Celso de Mello. 7 de agosto de 2002. Disponível em http://www.stf.gov.br/dj/monta...2002%20%20Ata%20Nr%2011%20%20RELAÇÃO%20PROCESSOS
Por isso os tratados não tinham condição de derrogar o Decreto, haja vista seu caráter de norma geral, por isso incapaz de derrogar uma norma especial, que é a característica principal do Decreto nº 911/69 (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 81319/GO, Relator Ministro Celso de Mello. 7 de agosto de 2002. Disponível em http://www.stf.gov.br/dj/monta...2002%20%20Ata%20Nr%2011%20%20RELAÇÃO%20PROCESSOS
Este entendimento do STF pode ser ratificado através da Ementa a seguir transcrita:
A equiparação do devedor fiduciante ao depositário infiel não afronta a Carta da República. Legítima, assim a prisão civil do devedor fiduciante que descumpre, sem justificação, ordem judicial para entregar a coisa ou seu equivalente em dinheiro (BRASIL, 1995).
A medida judicial de coerção contemplada em questão tem natureza satisfativa, por isso, tem como objetivo final permitir a satisfação do credor em detrimento do devedor, no momento em que permite que o bem seja conseguido através da prisão civil do devedor (BRASIL, 1995).
Segundo o Colendo Tribunal, os Tratados e Convenções subscritos pelo Brasil não possuíam eficácia, pois a prisão não vem nem de uma dívida (Pacto de São José da Costa Rica), nem de uma obrigação contratual (Pacto de Direitos Civis e Políticos), ela vem pelo descumprimento de um mandamento judicial como pode ser visto abaixo:
O Decreto–lei 911/69 foi recepcionado pela ordem constitucional vigente. A equiparação do devedor fiduciante ao depositário infiel não afronta a Carta da República. Legítimo, assim a prisão civil do devedor fiduciante que descumpre, sem justificativa, ordem judicial para entregar a coisa ou seu equivalente em dinheiro (BRASIL, 1995).
3.1 Entendimento do STJ Sobre a Prisão Civil
O STJ, por meio de sua Corte Especial, uniformizou sua jurisprudência sobre o assunto, de maneira a não mais permitir, nos contratos de Alienação Fiduciária, a efetivação da prisão civil do devedor fiduciante, corroborando com a tese apontada pelo presente trabalho (BRASIL, 1999).
O STJ não admite esta prisão por caracterizar este depósito atípico, não sendo o devedor fiduciante um depositário infiel. Isto pode ser melhor explicitado, por meio de uma interpretação restritiva da Constituição Federal (GONÇALVES, 2001).
A Carta nega a prisão civil por dívida no Brasil, excetuando-a somente em dois casos, o devedor de alimentos e o depositário infiel, com fulcro no art. 5º, inciso LXVII (NOVELINO, 2008).
O depositário infiel, no sentido clássico, é somente aquele que faz um contrato de depósito com alguém e não o cumpre (FILHO, 2002).
Isto é, somente existe depositário infiel de acordo com o contrato de Depósito do Código Civil. Portanto, nos depósitos atípicos, que equiparam objetos, neste caso, totalmente distintos em função apenas de garantia de crédito mediante prisão inconstitucional, totalmente incabível a prisão civil (FILHO, 2002).
Como se observa: ”O depósito é o contrato pelo qual uma pessoa recebe um objeto móvel, alheio, com a obrigação de guardá-lo e restituí-lo em seguida” (BEVILÁQUA, 1962, p.376).
A idéia básica apontada pela doutrina é que não era da intenção do legislador constitucional impor a coerção como meio de satisfazer os créditos e nem deixar ao alvedrio do legislador infraconstitucional sua atribuição, considerando a equiparação do devedor fiduciante ao depositário realizada por técnica de ficção, pois na Constituição é inexistente a prisão civil do devedor fiduciante:
[...]entendo o texto do inciso LXVII do artigo 5º da Constituição Federal como encerrar duas regras. A primordial, para mim, é a que vem em primeiro lugar, a revelar, até mesmo, a colocação geográfica do preceito; demonstrar que a norma encerra uma garantia constitucional do cidadão e não de simples credores. Que regra é essa? Não haverá prisão civil por dívida [...].
A segunda parte, cuida de uma exceção. Por isso mesmo, temos o emprego do vocábulo ‘salvo’. [...] salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável da obrigação alimentícia e a do depositário infiel (BRASIL, 1996).
Pelo exposto acima podemos inferir que em casos de alienação fiduciária em garantia, como não existe a figura do depósito típico, o devedor fiduciante nunca equiparar-se-á ao depositário infiel, cabendo como forma de comprovação, a ementa abaixo transcrita:
[...] Depósito- O depósito irregular não se confunde com o mútuo, tendo cada um finalidades específicas. Aplicam se lhe, entretanto, as regras deste, não sendo possível o uso da ação de depósito para obter o cumprimento da obrigação de devolver as coisas depositadas, cuja propriedade transferiu-se ao depositário. O adimplemento da obrigação de devolver o equivalente há de buscar-se em ação ordinária, não se podendo pretender a prisão do depositário (BRASIL, 1990).
Como forma de ratificar este entendimento, Dr. Netônio Bezerra Machado, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, em trabalho publicado em RT, Revista dos Tribunais, 744:855-93, sob o título Depositário por equiparação- Inadmissibilidade- sustentava a inadmissibilidade da prisão, pois a Carta Magna de 1988 não recepcionou a figura do depósito por equiparação legal. Na Constituição anterior era admitida à equiparação baseando-se no parágrafo 17 do artigo 153, com a subtração, na Carta de 1988 de “na forma da lei” afastou-se a permissibilidade do depositário por equiparação legal; derrogando, por isso, o artigo 1º do Decreto Lei 911; quanto ao depósito o magistrado alega que o mesmo é feito no interesse de quem deposita, a inversão de seu interesse o desnaturaria, visto que, a guarda da coisa não seria mais o seu fim precípuo. (MACHADO, 1993).
Deve-se observar ainda que a decretação deste meio coercitivo prisional, em face do depositário infiel, deve ser interpretada de forma restritiva. O depositário infiel e o devedor de alimentos são as únicas hipóteses de possibilidade da prisão civil por dívidas na Constituição Federal, não configurando por isso a decretação da prisão civil do devedor fiduciante (MACHADO, 1993).
São por estas razões, preponderantemente em relação a esta possibilidade do devedor fiduciante ser preso por uma mera equiparação legislativa, que foi criada apenas para dar uma maior segurança aos Bancos e Financeiras, visando somente o aspecto material, patrimonial e não observando o valor supremo do direito à liberdade, que, o Superior Tribunal de Justiça continua entendendo pela impossibilidade da prisão do devedor fiduciante na prisão civil por dívidas, devido à injusta equiparação ao depositário infiel (FILHO, 2002).
Como forma de comprovação:
Em 1991, foi incorporado em nosso ordenamento constitucional, pelo Decreto Legislativo n.º 226, 12/12/91, textos do Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos, que em seu artigo 11 veda taxativamente a prisão civil por descumprimento de obrigação contratual. Por outro lado, no caso específico da Alienação Fiduciária em Garantia, não se tem um contrato de depósito genuíno. O devedor fiduciante não esta na situação jurídica de depositário. O credor fiduciário não tem o direito de exigir dele a entrega do bem. Nem mesmo de proprietário deve ser rotulado, pois nem se quer pode ficar com a coisa, mas apenas com o produto de sua venda, deduzindo o montante já pago (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 421094039687-2, 2ª Turma. Relator Ministro Ademar Maciel. 29 de maio de 1995. Disponível em: http://www3.state.id.us/idstat/TOC/19042KTOC.html. Acesso em: 15 mar. 2003).
A partir do Decreto Presidencial nº 592/92 que ratificou o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e do Decreto nº 678/92, que integrou o Pacto de São José da Costa Rica, segundo o STJ, a prisão do depositário infiel deixou de existir em nosso ordenamento, visto que no artigo 11 do Pacto Internacional diz ”ninguém poderá ser preso apenas por não cumprir uma obrigação contratual” e o artigo 7º, inciso 7, que determina que “ninguém deve ser detido por dívidas”. A partir da análise destes pactos pode-se observar que atualmente a única prisão civil cabível é a do responsável voluntário e inescusável de obrigação alimentícia, pois o depositário configura-se na hipótese de inadimplemento de obrigação contratual. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 421094039687-2, 2ª Turma. Relator Ministro Ademar Maciel. 29 de maio de 1995. Disponível em: http://www3.state.id.us/idstat/TOC/19042KTOC.html. Acesso em: 15 mar. 2003).
Com a incorporação dos tratados internacionais ao sistema jurídico brasileiro, como já visto, foi vedada a prisão civil por descumprimento de obrigação contratual e em especial a do depositário infiel, já que os tratados foram ratificados pelo Congresso Nacional, integrando-se ao sistema jurídico brasileiro (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 421094039687-2, 2ª Turma. Relator Ministro Ademar Maciel. 29 de maio de 1995. Disponível em: http://www3.state.id.us/idstat/TOC/19042KTOC.html. Acesso em: 15 mar. 2003).
Para tanto, o STJ, fundamentando-se no próprio Pacto de São José da Costa Rica, que dispõe em seu artigo 29:
Nenhuma disposição da presente convenção pode ser interpretada no sentido de:
a)Permitir a qualquer dos estados-partes, grupo ou indivíduo, suprimir o gozo e o exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na convenção ou limita-los em maior medida do que nela prevista.
b)Limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de leis de qualquer dos estados-partes[...]. (BRASIL. Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm. Acesso em: 04 ago. 2009).
Logo, desde que sejam ratificados os tratados, os tratados ordinários, o conteúdo de suas normas tem plena eficácia no território nacional, contudo como estes tratados internacionais tem o condão de serem tratados que versam sobre direitos humanos, não precisam de ratificação, sendo inseridos de pronto no ordenamento jurídico e valendo, por conseguinte, tanto no âmbito nacional como internacional (PIOVESAN, 1997).
Seu conteúdo revela a impossibilidade de interpretar o tratado de forma que restrinja ou suprima o gozo, o exercício de direitos e liberdades reconhecidos na convenção (MAZZUOLI, 2002).
É de suma importância ainda observar o que reza o parágrafo segundo do artigo 5º da Constituição Federal: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa Do Brasil seja parte” (BRASIL, 1988).
Pelo exposto acima é de fácil percepção que a própria Constituição legitima a possibilidade de tratados internacionais, desde que tenham como conteúdo essencial os direitos humanos, ingressem no ordenamento jurídico, não como uma simples lei ordinária e sim como norma constitucional (PIOVESAN, 1997).
De acordo com este entendimento:
a contrariu sensu, esta ela a concluir, no catálogo dos direitos constitucionalmente protegidos, os direitos enunciados nos tratados internacionais, esta a Constituição atribuindo-os uma natureza especial e diferenciada, qual seja, a natureza de norma constitucional, os quais passam a integrar, portanto, o elenco dos direitos constitucionalmente protegidos, interpretação esta consoante com o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais (NALINI, 1997, p.38).
Como a liberdade é um direito fundamental, cláusula pétrea da Carta Magna, por isso protegido pelo sistema, tem fundamento esta interpretação; levando a supremacia dos tratados que versam sobre direitos humanos, em detrimento dos demais, elevando-os a paridade com as normas constitucionais e por isso fazendo com que a prisão civil do devedor fiduciante e até de forma mais ampla, a do depositário infiel, esteja sem efeito, só restando a prisão do devedor de alimentos (MAZZUOLI, 2002).
Como base para o que foi relatado acima, deve-se observar os ensinamentos do Professor Antônio Augusto Cançado Trindade, Juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos e que propôs a Assembléia Nacional Constituinte, a proposta de inserir o artigo 5º, parágrafo 2º da Constituição Federal.
O disposto no artigo 5º, parágrafo 2º, da Constituição Brasileira de 1988 se insere na nova tendência de Constituições latino-americanas recentes de conceder um tratamento especial ou diferenciado também no plano do direito interno aos direitos e garantias individuais internacionalmente consagrados. A especificidade e caráter especial dos contratos de proteção internacional dos direitos humanos encontram-se, com efeito, reconhecidos e sancionados pela Constituição Brasileira de 1988: se, para os tratados internacionais em geral, se tem exigido a intermediação pelo Poder Legislativo a ato de forca de lei, de modo outorgar as suas disposições vigências ou obrigatoriedade do plano do ordenamento jurídico interno, distintamente no caso dos tratados de proteção internacionais dos diretos humanos em que o Brasil e parte dos direitos fundamentais neles garantidos passam, com soante o artigo quinto, parágrafo primeiro e o segundo, da Constituição brasileira de 1988, a integrar o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados e direta e imediatamente exeqüíveis no plano do ordenamento jurídicos internos (TRINDADE, 1997, p. 407-408).
Segundo alguns doutrinadores, os tratados de direitos humanos não precisam nem de ratificação, sendo prontamente recepcionados pela ordem jurídica, tendo status de norma constitucional, diversamente dos tratados que se elevam somente à categoria de legislação federal. Dessa forma, o artigo 652 do Código Civil, estaria derrogado pelo artigo 7º, inciso sete, do Pacto de São José da Costa Rica, fazendo com que aquele artigo do Código Civil perca sua razão de existir (PIOVESAN, 1997).
Mesmo o Código Civil sendo norma mais recente e específica, no momento em que reza sobre a propriedade fiduciária, não tem força para derrogar a norma, com efeito, constitucional, que são os tratados internacionais. Neste caso somente prevalecerá a prisão civil por dívida referente ao devedor de alimentos, não existindo mais a do depositário infiel (PIOVESAN, 1997).
Segundo o artigo 4.º, inciso II da Constituição Federal, tendo como princípio basilar, erigido à cláusula pétrea, a prevalência dos direitos humanos: “A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: II- prevalência dos direitos humanos”, não se pode a partir de então decretar a prisão do devedor fiduciante, haja vista de acordo com os tratados internacionais não existir a possibilidade de prisão civil do depositário infiel, pois como estes tratados têm a prerrogativa de serem tratados que versam sobre direitos humanos, tem prevalência sobre as normas federais de caráter ordinário, sendo erigidos à forma de norma constitucional (PIOVESAN, 1997).
De acordo com este entendimento, “embora seja admissível a utilização da ação de depósito relativamente aos contratos de alienação fiduciária, nela não é possível a prisão do devedor fiduciário, pois não se trata de depósito tradicional do Código Civil” (NERY JUNIOR, 1975, p.143).
Observa-se também que “não existe, na alienação fiduciária em garantia, a figura do depositário, pois em verdade o alienante é o proprietário, porque, desde o início negocial, sofre ele o risco de perda do objeto” (AZEVEDO,1993, p.456).
Necessário se faz trazer à baila julgamentos recentes do Tribunal tratando do tema e demonstrando a permanência de seu posicionamento pela impossibilidade da prisão civil do devedor fiduciante, a saber:
Constitucional e Processo Civil. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. Devedor Fiduciante. Prisão Civil. Impossibilidade. Jurisprudência pacificada nesta Corte e no Egrégio STF . Súmula 83/STJ. Agravo improvido.
1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido do não-cabimento da prisão civil em casos de alienação fiduciária em garantia, uma vez que não se equipara o devedor fiduciante ao depositário infiel (EREsp nº 149.518-GO, relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar.
2. A alegação de que o agravado seria depositário do juízo, além de não estar devidamente comprovada nos autos, não tem o condão de infirmar as conclusões adotadas na decisão, porquanto, ainda assim, seria incabível a prisão civil.
3. Agravo regimental improvido (BRASIL, 2008).
Ante o exposto, o Superior Tribunal de Justiça continua entendendo pelo não cabimento da prisão civil do devedor fiduciante em contratos com a garantia de Alienação Fiduciária, mesmo com a implementação desta possibilidade pelo novo Código Civil brasileiro.
3.2 Mudança de Posicionamento do STF Acerca do Tema
No que tange à prisão civil do depositário infiel e, por conseguinte, do devedor fiduciante, por ser uma regra de exceção, sempre houve controvérsia acerca de sua aplicação (GOMES, 2008).
No Brasil, existiu grande divergência jurisprudencial a respeito do tema, em relação ao STF e STJ. O Superior Tribunal entende pela impossibilidade da prisão enquanto o Colendo Tribunal entendia pela sua possibilidade, mas esse entendimento começou a mudar (GOMES, 2008).
Em 03 de dezembro de 2008, após julgamento do Tribunal Pleno acerca do Recurso Extraordinário nº 466.343-1 São Paulo, os Ministros do STF decretaram a inadmissibilidade absoluta da prisão do devedor fiduciante na alienação fiduciária, bem como do depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito (MAZZUOLI, 2009).
Mencionado julgamento, iniciado no final de 2006, teve por base a ratificação do Pacto de São José da Costa Rica e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, sem qualquer reserva, no ano de 1992. Após as ratificações, os juristas pátrios incansavelmente debateram acerca da possibilidade de revogação da legislação pátria acerca da possibilidade de prisão do depositário infiel pelos tratados, já que a única possibilidade de prisão civil contida nos pactos seria a do devedor de alimentos (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 466343/SP, Relator Ministro Cezar Peluso. 3 de dezembro de 2008. Disponível emhttp://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000385385&base=baseAcordaos. Acesso em: 30 jun. 2009).
Assim sendo, a discussão doutrinária e jurisprudencial em razão do tema originou quatro pensamentos principais em relação ao status dos tratados internacionais de direitos humanos quando incorporados ao ordenamento jurídico nacional (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 466343/SP, Relator Ministro Cezar Peluso. 3 de dezembro de 2008. Disponível emhttp://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000385385&base=baseAcordaos. Acesso em: 30 jun. 2009).
Inicialmente, existe a corrente supraconstitutcional, que entende que os tratados e convenções em matéria de direitos humanos preponderam em relação às normas constitucionais. No Brasil, Celso de Albuquerque Mello é um dos principais defensores desta tese (MELLO, 2001, p.25).
A segunda corrente relata que referidos tratados são equiparados às normas constitucionais. É o pensamento de Antônio Augusto Cançado Trindade, o idealizador do § 2, do artigo 5º da Constituição Federal (TRINDADE,1998, p.88-89).
Já a terceira corrente posiciona os tratados que versam sobre direitos humanos como equiparados à lei ordinária. Era a tese defendida pelo Plenário do STF anteriormente ao RE 466343/SP e já demonstrada no presente trabalho.
Por fim, a quarta corrente entende que os tratados estão acima das leis ordinárias e abaixo das normas constitucionais, é a chamada supralegalidade dos tratados e convenções sobre os direitos humanos. Corrente essa defendida entre outros, pelo então Presidente do STF, Ministro Gilmar Ferreira Mendes (MAZZUOLI, 2009).
A tese que prevaleceu no referido recurso extraordinário foi a da supralegalidade. Um dos fundamentos utilizados foi a incorporação ao texto constitucional, por meio da EC nº 45/2004, do § 3º do art. 5º da CF:
Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais (BRASIL, 1988).
Assim sendo, verifica-se que os tratados já ratificados pelo Brasil e que não observaram o procedimento acima exposto não podem ser equiparado às normas constitucionais, todavia, a reforma demonstrou o caráter especial que possuem os tratados de direitos humanos em relação aos outros tratados e as normas ordinárias federais (MAZZUOLI, 2009).
O Supremo, realizando um cotejamento de quatro disposições constitucionais, a saber: art. 4º, parágrafo único; art. 5º, §§ 2º, 3º e 4º, demonstrou, em apertada síntese, a simbologia de uma abertura constitucional ao direito internacional (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 466343/SP, Relator Ministro Cezar Peluso. 3 de dezembro de 2008. Disponível emhttp://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000385385&base=baseAcordaos. Acesso em: 30 jun. 2009).
Em conseqüência, o posicionamento da supralegalidade prevaleceu entre os demais, pois os tratados concernentes aos direitos humanos não afrontariam a supremacia da Constituição e, ao mesmo tempo, teriam seu lugar reservado no ordenamento jurídico pátrio, em caráter especial, sem equipará-los à legislação ordinária, subestimando o seu valor no contexto da proteção dos direitos humanos (MAZZUOLI, 2009).
Essa tese já foi defendida pelo então Ministro Sepúlveda Pertence, em sessão de 29 de março de 2000, no julgamento do RHC nº 79.785 – RJ, contudo, não prevaleceu, diante do posicionamento anterior do pleno do Tribunal, que entendia que os tratados internacionais que versavam sobre direitos humanos eram equiparados à legislação ordinária federal, a saber:
[...] Se assim é, à primeira vista, parificar às leis ordinárias os tratados a que alude o art. 5º, § 2º, da Constituição, seria esvaziar de muito do seu sentido útil a inovação, que, malgrado os termos equívocos do seu enunciado, traduziu uma abertura significativa ao movimento de internacionalização dos direitos humanos (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Embargos de Declaração no Recurso em Habeas Corpus nº 79785/RJ, Pleno. Relator Ministro Sepúlveda Pertence. Julgado em 22 de novembro de 2002. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=79785&classe=RHCED&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M. Acesso em: 04 ago. 2009).
Diante da tese da supralegalidade é forçoso concluir que a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel não foi revogada pelos tratados internacionais ratificados pelo Brasil, já que são normas de hierarquia inferior às normas constitucionais. Contudo, a previsão constitucional deixou de ser aplicável, tendo em vista o efeito paralisante dos mencionados tratados no que tange à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria, isto é, o Decreto-lei nº 911/69 e o artigo 652 do Código Civil, não havendo, portanto, mais base legal para a prisão civil do depositário infiel (MAZZUOLI, 2009).
Para ratificar o acima exposto:
O meu entendimento é o de que, desde a ratificação dos referidos tratados, inexiste uma base legal para a prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. É que o status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. [...] É forçoso ponderar se, no contexto atual, em que se pode observar a abertura cada vez maior do Estado Constitucional a ordens jurídicas supranacionais de proteção de direitos humanos, a tese da legalidade ordinária dos tratados, há muito adotada por esta Corte, não haveria de ser revistada. (BRASIL, 2007).
Além do principal fundamento exposto para a mudança de orientação do Supremo, existiram outros que serão demonstrados a seguir.
A prisão civil do devedor fiduciante não observa o princípio da proporcionalidade, por dois motivos (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 466343/SP, Relator Ministro Cezar Peluso. 3 de dezembro de 2008. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000385385&base=baseAcordaos. Acesso em: 30 jun. 2009.).
O primeiro motivo é que o ordenamento jurídico brasileiro prevê um conjunto de meios para satisfação do crédito do credor fiduciário, previstas tanto no Decreto-lei nº 911/69, como no Código Civil e de Processo Civil. Assim, faz-se totalmente desnecessária a prisão civil de tal devedor, por configurar-se desproporcional em relação ao binômio necessidade e adequação (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 466343/SP, Relator Ministro Cezar Peluso. 3 de dezembro de 2008. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000385385&base=baseAcordaos. Acesso em: 30 jun. 2009).
O Segundo fundamento é facilmente verificado na esdrúxula tentativa de equiparar institutos que são materialmente diversos. A equiparação do devedor fiduciante ao depositário infiel, por meio de um depósito que no mínimo é chamado de atípico, viola o princípio da legalidade (MACHADO, 1993).
A regra geral prevista na Constituição Federal é a impossibilidade da prisão civil por dívida, a exceção expressa à garantia constitucional não pode ser ampliada para abarcar hipóteses legais que não foram previstas pelo legislador constitucional (MACHADO, 1993).
Desta forma, apenas o depositário infiel, oriundo da hipótese tradicional do instituto do depósito, também chamado de depósito típico, é que, em princípio, poderia sofrer a reprimenda carcerária. Depósito típico no qual o devedor recebe a guarda de um bem, de forma gratuita, com o ônus de devolver o bem quando solicitado. Muito diferente do instituto da alienação fiduciária, em que o devedor, a título oneroso, financia o bem ao Banco que fica com a propriedade resolúvel e quando a dívida for devidamente quitada o bem passa a ser de propriedade plena do devedor (MAZZUOLI, 2002).
Em conclusão, não paira qualquer dúvida pelo Supremo Tribunal Federal atualmente de que a prisão do devedor fiduciante é totalmente inconstitucional, violando ainda o princípio da proporcionalidade e da legalidade.
CONCLUSÃO
A Constituição Federal prevê, no seu artigo 5.º, inciso LXVII, a prisão por dívida decorrente do devedor de pensão alimentícia e o depositário infiel; são somente as únicas hipóteses de prisão por dívidas ainda existentes no Brasil.
Todavia, hoje, de forma absoluta, pelos fatos e fundamentos jurídicos já delineados no presente trabalho, é impossível a prisão do devedor fiduciante equiparado ao depositário infiel.
Assim, a prerrogativa de coerção do depositário infiel por meio de sua prisão civil não estava firmada na Constituição Federal, e sim no Decreto – lei nº 911/69, já que referido decreto regulamentou esta possibilidade. A razão para tal posicionamento salta aos olhos: é direito inerente ao ser humano não ser preso por dívidas. Nesta senda, se não existisse qualquer lei que regulamentasse a matéria, não seria possível a determinação da prisão civil do devedor fiduciante ou do depositário infiel, inobstante a ressalva prevista no artigo 5º, inciso LXVII do texto constitucional.
Outros fundamentos para demonstrar a impossibilidade desta prisão já foram demonstrados, tais como: a impossibilidade de equiparação do depositário infiel ao devedor fiduciante, já que o depósito neste último caso trata-se de um depósito atípico; a aplicação dos tratados e convenções internacionais em nosso País, principalmente os tratados que versam sobre direitos humanos derrogadores, segundo o STF, da legislação ordinária contrária.
Com a análise do julgamento do Recurso Extraordinário nº 466.343-1/SP demonstrou-se o novo posicionamento acerca da prisão civil e defendido no trabalho em tela, delimitando-a apenas aos devedores de pensão alimentícia.
Com efeito, segundo a Constituição Federal e seu interprete, o homem só pode ser privado de sua liberdade em situações excepcionais.
Assim, não se entende como proporcional, em um estado democrático de direito como o Brasil, a prisão civil do depositário infiel.
Mesmo existindo a previsão na Constituição Federal da prisão do depositário infiel era necessária a releitura desta passagem constitucional, já que contraditória diante de seus preceitos constitucionais.
Outrossim, de acordo com o Informativo nº 450 do Supremo, na parte em que demonstra o julgamento do recurso extraordinário motivador do presente trabalho, deve-se verificar que, pelas fundamentações já expostas no julgamento, a Súmula nº 691 do STF caiu por terra, devendo ser de pronto cancelada.
Ante o exposto, conclui-se que o posicionamento jurisprudencial do STF neste tema se alinhou ao entendimento do STJ para firmarem juntos que, no Brasil, não há mais a possibilidade de prisão civil por dívidas em relação ao depositário infiel e, por conseguinte, ao devedor fiduciante.
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WALD, Arnoldo. Obrigações e contratos. 9 ed.São Paulo:Revista dos Tribunais, 2000.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: contratos em espécie. v.3, 5 ed., São Paulo: Atlas, 2005.
Analista Processual do Ministério Público da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRITO, Igor Vinicius da Silva. Impossibilidade da prisão civil do depositário infiel em contratos de alienação fudiciária em garantia. Evolução histórica e posicionamentos do STF e STJ Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 set 2009, 09:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Monografias-TCC-Teses-E-Book/18356/impossibilidade-da-prisao-civil-do-depositario-infiel-em-contratos-de-alienacao-fudiciaria-em-garantia-evolucao-historica-e-posicionamentos-do-stf-e-stj. Acesso em: 23 dez 2024.
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