RESUMO
As arbitrariedades cometidas no intuito de depreciar a dignidade do funcionário, causando-lhe danos, podem ser entendidas como assédio moral, dependendo do contexto. O escopo deste trabalho é mostrar como esse fenômeno pode vir a ocorrer dentro da administração militar à luz de estudos baseados na doutrina, jurisprudência, legislação, entre outros, bem como esclarecer as principais características do assédio moral e os cuidados que o intérprete deve tomar antes de afirmar se houve ou não a caracterização do psicoterror, além de demonstrar quais os direitos do trabalhador que são atingidos e as repercussões que o assédio moral causa.
PALAVRAS-CHAVE: dignidade, direitos da personalidade, ética, moral, terror psicológico, abuso de poder, arbitrariedade, coação, humilhação, assédio moral, Forças Armadas, militar, hierarquia, disciplina.
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O assédio moral é, de fato, prática muito antiga que aflige a dignidade do homem, trazendo-lhe diversos transtornos. Contudo, só recentemente que algumas áreas profissionais (psicologia, direito e medicina, entre outras) começaram a estudar o tema e dar-lhe a importância que merece, já que engloba muitos detalhes sutis e complexos.
Esta pesquisa tem a finalidade de mostrar que o assédio moral atinge a dignidade da pessoa humana, perturbando seriamente a integridade psicofísica da vítima, além de poder abalar também a família do assediado e pessoas próximas do mesmo. E isso não só nas relações de trabalho privado, mas também no serviço público e, conseqüentemente, alcançando os militares. O ambiente militar, por sua estrutura rigidamente hierarquizada, permite desvios de conduta por parte de uma minoria de superiores hierárquicos. No entanto, ao analisar um caso concreto do fenômeno, o intérprete tem de ter o cuidado necessário para não cometer equívoco, sendo objetivo deste trabalho, também, mostrar as principais facetas e características do assédio moral. Dessa maneira, serão feitas análises concisas à luz da doutrina, jurisprudência e legislação no intuito de esclarecer o tema.
Assim, no primeiro capítulo desta obra, mostrar-se-á a importância dos princípios fundamentais no sistema jurídico pátrio. Verificar-se-á como os mesmos devem vincular a atuação do Estado e seus componentes de um modo geral.
Por conseguinte, serão feitas considerações sobre o princípio da dignidade da pessoa humana e como esse princípio fundamental tem sido encarado pelos juristas.
No segundo capítulo, discorrer-se-á a respeito dos direitos da personalidade, de forma que será feita uma análise detalhada quanto à personalidade civil mostrando seu início e fim, além da apreciação da questão da tutela alcançada por esses direitos. Verificar-se-á, também, os laços existentes entre os direitos da personalidade e o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Já no terceiro capítulo, estudar-se-á de maneira aprofundada o assédio moral, com análise dos tipos de comportamentos que podem compor o processo de psicoterror, bem como as principais características do sujeito passivo e ativo.
Posteriormente, examinar-se-á como o assédio moral afeta diretamente os direitos da personalidade além de ser prática inconstitucional. Será feita também uma análise do fenômeno no contexto mundial. Logo após, estudar-se-ão as conseqüências causadas pelo psicoterror para a vítima, para o empregador e para o Estado, de maneira geral. Adiante, o exame da questão da legislação no estrangeiro e no Brasil. Mais à frente, abordar-se-ão as melhores formas de prevenir e amenizar o problema.
E finalmente, no último capítulo, analisar-se-ão os princípios que regem a vida militar e os seus limites. Em seguida, a apreciação do momento em que o assédio moral pode ocorrer nas Forças Armadas, assim como os crimes que podem fazer parte desse processo. Por conseguinte, enfocar-se-á como a vítima pode prevenir-se do assédio moral na caserna.
Posteriormente, examinar-se-á a responsabilidade civil do Estado proveniente do assédio moral e, após, a questão da competência para estudar o pleito de assédio moral nas Forças Armadas, além do prazo prescricional para o assediado ajuizar ação contra o Estado.
Neste início de trabalho, enfocar-se-á algumas considerações sobre o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e os reflexos que o mesmo causa no ordenamento jurídico brasileiro
Por primeiro, é importante ressaltar o conceito de princípio, a fim de enfatizar melhor o princípio da dignidade da pessoa humana posteriormente. Segundo De Plácido e Silva, princípio “significa as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa. [...] exprimem sentido mais relevante que o da própria norma ou regra jurídica”. O autor destaca ainda: “Princípios jurídicos, sem dúvida, significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito. Indicam o alicerce do Direito”. [grifo do autor] Nesse sentido, apreende-se que os princípios são o fundamento e a base principais do direito, visto que toda e qualquer ação jurídica se nos originam mesmos.
O reflexo no ordenamento jurídico brasileiro dos princípios constitucionais fundamentais Os princípios constitucionais fundamentais estão dispostos no artigo 1º da Constituição Federal de 1988. São eles: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Sobre tais princípios, Manoel Messias Peixinho assim aborda: Os princípios constitucionais fundamentais ocupam o mais alto posto na escala normativa. [...] Os princípios fundamentais se identificam com os valores supremos previstos em todas as Constituições, expressos em valores culturais, poéticos que se traduzem nas intenções que formam o núcleo material da Constituição.
Esses princípios fundamentais estão, sem dúvida, numa posição hierarquicamente superior às outras normas constitucionais [...].
Nessa mesma direção, Manoel Jorge e Silva Neto explicam que “os Princípios Fundamentais, na condição de postulados constitucionais vinculativos, conformam de modo absoluto o atuar da Administração Pública”.
Portanto os princípios fundamentais previstos na Constituição concebem o arcabouço jurídico que deve servir de norte e orientação aos operadores do direito em nome da própria segurança jurídica. Eles representam a manifestação primeira dos valores constitucionais, de modo que, ignorá-los seria desconsiderar a importância simbólica da Constituição e seu significado histórico enquanto reflexo de expectativas da comunidade.
Por dignidade, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira entende como sendo “Decência, decoro”. Para De Plácido e Silva dignidade consiste no seguinte: [...] em regra se entende a qualidade moral, que, possuída por uma pessoa, serve de base ao próprio respeito em que é tida.
Compreende-se também como o próprio procedimento da pessoa, pelo qual se faz merecedor do conceito público.
Orlando Teixeira da Costa explana sobre o significado de dignidade da seguinte forma: A palavra dignidade provém do latim – dignitas, dignitatis – e significa, entre outras coisas, a qualidade moral que infunde respeito, a consciência do próprio valor. Ao falar-se em dignidade da pessoa humana quer-se significar a excelência que esta possui em razão da sua própria natureza. Se for digna qualquer pessoa humana, também o é o trabalhador, por ser uma pessoa humana. É a dignidade da pessoa humana do trabalhador que faz prevalecer os seus direitos estigmatizando toda manobra tendente a desrespeitar ou corromper de qualquer forma que seja esse instrumento valioso, feito à imagem de Deus.
Logo, “a dignidade é atributo intrínseco, da essência, da pessoa humana”, sendo que todo ser humano tem dignidade só pelo fato de ser pessoa.
Assim, percebe-se que dignidade consiste num conjunto de atribuições morais protegidas pelo direito e inatos ao homem para direcionar sua vida enquanto ser social, visando não só o próprio bem-estar como o da sociedade num todo.
À luz do exposto, pode-se inferir que o motivo pelo qual a República Federativa do Brasil adotou como um de seus fundamentos o princípio da dignidade da pessoa humana, conforme disposto no inciso III do artigo 1º da Carta Magna de 1988, deve-se ao fato de os princípios serem à base do ordenamento jurídico pátrio e a dignidade representa o valor intrínseco da pessoa e diz respeito à própria razão de existir do ser humano.
Por essa óptica, fica claro por que o princípio da dignidade da pessoa humana encontra-se num patamar merecedor de respeito, visto que é um princípio fundamental e que o mesmo deve estear as operações jurídicas. Manoel Jorge e Silva Neto apontam o supracitado princípio como o fundamento de maior essência do Estado brasileiro, adiante:
A dignidade da pessoa humana é o fim supremo de todo o direito; logo, expande os seus efeitos nos mais distintos domínios normativos para fundamentar toda e qualquer interpretação. É o fundamento maior do Estado brasileiro.
O autor salienta ainda:
Sendo a dignidade da pessoa humana o valor fonte de todos os valores constitucionalmente postos, deve ser utilizada como balizamento para eventual declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público, ou mesmo para conformar o comportamento de quem quer que esteja, no caso concreto, ofendendo o Princípio Fundamental em questão.
Na opinião de Eduardo Vera-Cruz, a dignidade da pessoa humana é um superprincípio, avante:
É o valor da dignidade humana que a ordem jurídica encontra seu próprio sentido, sendo seu ponto de partida e seu ponto de chegada, na tarefa de interpretação normativa. Consagra-se, assim, a dignidade humana como verdadeiro superprincípio a orientar o Direito Internacional e Interno.
Luiz Antônio Rizzatto Nunes faz a seguinte consideração: “sem sombra de dúvida, a luz fundamental, a estrela máxima do universo principio lógico, é a dignidade da pessoa humana”.
Logo, conclui-se que o princípio da dignidade da pessoa humana é o princípio fundamental mais sublime elencado pela Constituição Federal de 1988, sendo o mesmo o principal guia principio lógico não só para os operadores do direito como também para o Estado e seus componentes, devendo nortear o modo de atuação do ente público.
Neste capítulo trabalhar-se-á o conceito de personalidade, além de fixar a definição e a tutela dos direitos da personalidade e sua ligação com o princípio da dignidade da pessoa humana no sistema jurídico brasileiro.
Consoante De Plácido e Silva podem conceituar personalidade como sendo “o conjunto de elementos, que se mostram próprios ou inerentes à pessoa, formando ou constituindo um indivíduo que, em tudo, morfológica, fisiológica e psicologicamente se diferencia de qualquer outro. [...] É a qualidade de pessoa”. O educador conclui dizendo que “A personalidade, portanto, exprime o caráter próprio, e designa a vida com independência, a vida autônoma”.
Assim sendo, pode-se dizer, genericamente, que personalidade é uma série de fatores que “determina a individualidade duma pessoa moral”. É um “conjunto de caracteres próprios da pessoa. É, portanto, objeto de direito”.
Por dignidade, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira entende como sendo “Decência, decoro”. Para De Plácido e Silva dignidade consiste no seguinte:
[...] em regra se entende a qualidade moral, que, possuída por uma pessoa, serve de base ao próprio respeito em que é tida. Compreende-se também como o próprio procedimento da pessoa, pelo qual se faz merecedor do conceito público.
Orlando Teixeira da Costa explana sobre o significado de dignidade da seguinte forma:
A palavra dignidade provém do latim – dignitas, dignitatis – e significa, entre outras coisas, a qualidade moral que infunde respeito, a consciência do próprio valor. Ao falar-se em dignidade da pessoa humana quer-se significar a excelência que esta possui em razão da sua própria natureza. Se for digna qualquer pessoa humana, também o é o trabalhador, por ser uma pessoa humana. É a dignidade da pessoa humana do trabalhador que faz prevalecer os seus direitos estigmatizando toda manobra tendente a desrespeitar ou corromper de qualquer forma que seja esse instrumento valioso, feito à imagem de Deus.
Logo, “a dignidade é atributo intrínseco, da essência, da pessoa humana”, sendo que todo ser humano tem dignidade só pelo fato de ser pessoa. Assim, percebe-se que dignidade consiste num conjunto de atribuições morais protegidas pelo direito e inatos ao homem para direcionar sua vida enquanto ser social, visando não só o próprio bem-estar como o da sociedade num todo.
À luz do exposto, pode-se inferir que o motivo pelo qual a República Federativa do Brasil adotou como um de seus fundamentos o princípio da dignidade da pessoa humana, conforme disposto no inciso III do artigo 1º da Carta Magna de 1988, deve-se ao fato de os princípios serem à base do ordenamento jurídico pátrio e a dignidade representa o valor intrínseco da pessoa e diz respeito à própria razão de existir do ser humano.
Por essa óptica, fica claro por que o princípio da dignidade da pessoa humana encontra-se num patamar merecedor de respeito, visto que é um princípio fundamental e que o mesmo deve estear as operações jurídicas. Manoel Jorge e Silva Neto aponta o supracitado princípio como o fundamento de maior essência do Estado brasileiro, adiante: A dignidade da pessoa humana é o fim supremo de todo o direito; logo, expande os seus efeitos nos mais distintos domínios normativos para fundamentar toda e qualquer interpretação. É o fundamento maior do Estado brasileiro.
O autor salienta ainda:
Sendo a dignidade da pessoa humana o valor fonte de todos os valores constitucionalmente postos, deve ser utilizada como balizamento para eventual declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público, ou mesmo para conformar o comportamento de quem quer que esteja, no caso concreto, ofendendo o Princípio Fundamental em questão.
Na opinião de Eduardo Vera-Cruz, a dignidade da pessoa humana é um superprincípio, avante:
É o valor da dignidade humana que a ordem jurídica encontra seu próprio sentido, sendo seu ponto de partida e seu ponto de chegada, na tarefa de interpretação normativa. Consagra-se, assim, a dignidade humana como verdadeiro superprincípio a orientar o Direito Internacional e Interno.
Luiz Antônio Rizzatto Nunes faz a seguinte consideração: “sem sombra de dúvida, a luz fundamental, a estrela máxima do universo principio lógico, é a dignidade da pessoa humana”.
Logo, conclui-se que o princípio da dignidade da pessoa humana é o princípio fundamental mais sublime elencado pela Constituição Federal de 1988, sendo o mesmo o principal guia principio lógico não só para os operadores do direito como também para o Estado e seus componentes, devendo nortear o modo de atuação do ente público.
Neste capítulo trabalhar-se-á o conceito de personalidade, além de fixar a definição e a tutela dos direitos da personalidade e sua ligação com o princípio da dignidade da pessoa humana no sistema jurídico brasileiro.
Consoante De Plácido e Silva podem conceituar personalidade como sendo “o conjunto de elementos, que se mostram próprios ou inerentes à pessoa, formando ou constituindo um indivíduo que, em tudo, morfológica, fisiológica e psicologicamente se diferencia de qualquer outro. [...] É a qualidade de pessoa”. O educador conclui dizendo que “A personalidade, portanto, exprime o caráter próprio, e designa a vida com independência, a vida autônoma”.
Assim sendo, pode-se dizer, genericamente, que personalidade é uma série de fatores que “determina a individualidade duma pessoa moral”. É um “conjunto de caracteres próprios da pessoa. É, portanto, objeto de direito”.
A personalidade civil é atribuída ao homem desde o seu nascimento com vida, estando “intimamente ligada à pessoa, pois exprime a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações”. Nos dizeres de Caio Mário da Silva Pereira “A personalidade, como atributo da pessoa humana, está a ela indissoluvelmente ligada. Sua duração é a da vida. Desde que vive e enquanto vive, o homem é dotado de personalidade”. Assim, fica transparente que o simples fato do homem existir, já o faz ter personalidade, ou seja, a personalidade já nasce e é inerente à pessoa estando ligada a ela perpetuamente e, por isso, não é um direito, mas, sim, objeto de direito. Com esse raciocínio, Maria Helena Diniz:
A personalidade não é um direito, de modo que seria errôneo afirmar que o ser humano tem direito à personalidade. A personalidade é que apóia os direitos e deveres que dela irradiam, é objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se encontra, servindo-lhe de critério para aferir, adquirir e ordenar outros bens.
Corroborando a idéia da autora, Sílvio de Salvo Venosa afirma: “A personalidade não é exatamente um direito; é um conceito básico sobre o qual se apóiam os direitos”. No mesmo sentido, Pietro Perlingieri: “A personalidade é, portanto, não um direito, mas um valor (o valor fundamental do ordenamento) e está na base de uma série aberta de situações existenciais, nas quais se traduz a sua incessantemente mutável exigência de tutela”.
A personalidade civil só se encerra com a morte do indivíduo, sendo que qualquer ameaça ou lesão sofrida por seu titular, passa a ser requerida por seu cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau, conforme dispõe o parágrafo único do artigo 12 do Código Civil vigente.
Explicando sobre a definição dos direitos da personalidade, Silvio Rodrigues esclarece:
[...] são inerentes à pessoa humana e portanto a ela ligados de maneira perpétua e permanente, não se podendo mesmo conceber um indivíduo que não tenha direito à vida, à liberdade física ou intelectual, ao seu nome, ao seu corpo, à sua imagem e àquilo que ele crê ser sua honra.
Nas anotações feitas por Maria Helena Diniz tem-se a seguinte consideração sobre direitos da personalidade:
São direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio vivo ou morto, partes separadas do corpo vivo ou morto); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária) e sua integridade moral (honra, recato, segredo pessoal, profissional e doméstico, imagem, identidade pessoal, familiar e social).
Os direitos da personalidade são da própria essência humana, e eles são fundamentais ao desenvolvimento do ser humano como explicita Orlando Gomes: “Sob a denominação de direitos da personalidade, compreendem-se direitos considerados essenciais à pessoa humana, que a doutrina moderna preconiza e disciplina, a fim de resguardar a sua dignidade”. Seguindo essa inteligência, Silvio Romero Beltrão define os direitos da personalidade como “categoria especial de direitos subjetivos que, fundados na dignidade da pessoa humana, garantem o gozo e o respeito ao seu próprio ser, em todas as suas manifestações”. Autor salienta ainda: [...] sendo a pessoa o fim do direito, a pessoa representa o valor a tutelar na proteção de seu interesse moral e material e no desenvolvimento de sua personalidade; assim, os direitos da personalidade vêm definidos como os direitos essenciais do ser humano, como conteúdo mínimo necessário e imprescindível a sua própria existência.
Tais direitos estão regulamentados nos artigos 11 a 21 do Código Civil.
A Carta Política de 1988 em seu inciso X do artigo 5º recomenda que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Portanto está na Constituição a maior proteção aos direitos da personalidade. Nessa orientação, Gustavo Tepedino:
[...] em respeito ao texto constitucional, parece lícito considerar a personalidade não como um novo reduto de poder do indivíduo, no âmbito do qual seria exercida a sua titularidade, mas como valor máximo do ordenamento, modelador da autonomia privada, capaz de submeter toda a atividade econômica a novos critérios de validade”.
O autor explica ainda:
Com efeito, a escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, associada ao objetivo fundamental de erradicação da pobreza e da marginalização, e de redução das desigualdades sociais, juntamente com a previsão do § 2.º do art. 5.º, no sentido da não exclusão de quaisquer garantias, mesmo que não expressos, desde que decorrentes dos princípios adotados pelo texto maior, configuram uma verdadeira cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento.
Nessa inteligência, não resta dúvida que os direitos da personalidade devem ser colocados como um dos enfoques centrais dentro do sistema jurídico nacional merecendo especial atenção e nunca deixando de serem protegidos.
Destaque-se a lição de Caio Mário da Silva Pereira:
[...] os direitos da personalidade distribuem-se em duas categorias gerais: adquiridos por um lado, e inatos por outro lado. Os “adquiridos” (como decorrência do status individual) existem nos termos e na extensão de como o direito positivo os disciplina.
Os “inatos” (como o direito à vida, o direito à integridade física e moral), sobrepostos a qualquer condição legislativa, são absolutos, irrenunciáveis, intransmissíveis, imprescritíveis: absolutos, porque oponíveis erga omnes; irrenunciáveis, porque estão vinculados à pessoa de seu titular. Intimamente vinculados à pessoa, não pode esta abdicar deles, ainda que para subsistir; intransmissíveis, porque o indivíduo goza de seus atributos, sendo inválida toda tentativa de sua cessão a outrem, por ato gratuito como oneroso; imprescritíveis, porque sempre poderá o titular invocá-los, mesmo que por largo tempo deixe de utilizá-los.
Desse modo, compreende-se que os direitos da personalidade tutelam a integridade física, além da integridade intelectual e moral da pessoa humana.
A grande gama doutrinária separa a integridade do indivíduo por tipos (integridade física e moral/psíquica ou ainda intelectual). Outro grupo defende que o ser humano tem de ser analisado como um todo, através de um conceito unitário de personalidade. Com esse pensamento, leciona Elimar Szaniawski:
A doutrina predominante, praticamente não adota a concepção unitária do direito à integridade do homem, possuidor de um direito à integridade psicofísica, preferindo dar tratamento separado por intermédio de duas tipificações, tutelando um direito à integridade física e um direito à integridade psíquica, possuindo, ambos os direitos, a natureza de um direito de personalidade.
Parece-nos que essa dicotomia tradicional não consegue alcançar a ampla e verdadeira tutela que se deve outorgar à pessoa humana, pois nenhum dos dois direitos, isoladamente, protege o direito à integridade do corpo humano, o direito à saúde, de um modo geral, e um direito ao pudor, estando nesses inseridos o direito à integridade psíquica e o direito à integridade física. Já o direito à integridade psicofísica, visto de um modo unitário, abrange todos esses tipos e subtipos sob a mesma denominação, tutelando esses direitos de uma vez só, já que a psique pertence à estrutura do indivíduo, compõe a pessoa, integrando-se à própria personalidade e a tutela do indivíduo deve-se fazer por inteiro como um todo. Por isso, damos preferência ao conceito unitário de personalidade.
O Código Civil, no capítulo destinado aos direitos da personalidade, só se refere expressamente à integridade física. Porém, em seu artigo 12 consolida que “Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”. Aqui o Código não fez distinção entre integridade física, intelectual ou psíquica. Menciona apenas “direito da personalidade”, ou seja, a finalidade da tutela dos direitos da personalidade é proteger a integridade do homem por inteiro, quer fisicamente, quer psicologicamente. O objetivo do citado diploma legal é mostrar que independentemente do tipo de integridade, esse é direito da personalidade e, por isso, tem de ser protegido. Ademais, uma pessoa que não tem seu direito à integridade moral (honra pessoal, o bom nome, a boa fama, a reputação,...) protegido, fica reduzida a condição de animal de pequena significação, motivo pelo qual o respeito à incolumidade moral do indivíduo assume feição de direito fundamental.
Para Pietro Perlingieri “a tutela da integridade psíquica é atuável também onde a norma se limitou a tutelar a integridade física”.
Agora se o correto é utilizar um conceito unitário de personalidade ou uma dicotomia, não é o objetivo deste trabalho. Certo é que a integridade da personalidade humana tem de ser preservada, seja física, seja moral, e a legislação em vigor assim o faz. Outrossim, “não existe um número fechado de hipóteses tuteladas: tutelado é o valor da pessoa sem limites”.
Segundo Renan Lotufo, “os direitos da personalidade são o mínimo imprescindível para o ser humano desenvolver-se dignamente”. Assim, é evidente que os direitos da personalidade estão diretamente entrelaçados com o princípio da dignidade da pessoa humana. O valor da pessoa humana é o maior em nossos pilares jurídicos e “é nesse sentimento de valor que se fundamenta o direito da personalidade como projeção da personalidade humana”. A observância das conseqüências jurídicas decorrentes dos direitos da personalidade é imprescindível ao respeito da dignidade do ser humano. Carlos Henrique Bezerra Leite assim enfatiza:
A Carta de 1988 consagrou a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III), o que permitiu a positivação dos direitos de inviolabilidade à vida, à intimidade, à vida privada, à imagem e à honra das pessoas, assegurando indenização por danos materiais e morais decorrentes de sua violação. E conclui dizendo que “Os direitos de personalidade são espécies de direitos inerentes à dignidade humana que têm por objeto a proteção da incolumidade física, psíquica e moral da própria pessoa”.
José Afonso da Silva aclara que a “dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida”.
Baseando-se nisso, Sandra Lia Simón conclui da seguinte maneira:
[...] como valor supremo, não pode incidir apenas nos clássicos direitos sociais, imprescindíveis para o desenvolvimento das potencialidades do homem. [...]
Logo, como os direitos da personalidade são manifestações concretas do princípio da dignidade da pessoa humana, nunca se dissociam do indivíduo e o acompanham em todas as suas atividades.
Nesse sentido, é indiscutível que os direitos da personalidade são um reconhecimento da dignidade do homem, preservando-o dos atentados que pode sofrer por parte do outros indivíduos. Com o fito de ressaltar a relação de proximidade entre direitos da personalidade e a dignidade humana, segue as afirmações de Silvio Beltrão:
Não é possível compreender a pessoa simplesmente como um sujeito de uma relação jurídica; [...] Assim, essencialmente, o que destaca a categoria dos direitos da personalidade é a sua fundamentação no respeito e na proteção da dignidade da pessoa humana, como elemento essencial à própria existência da pessoa [...]. Assim, o direito da personalidade está sempre diante da necessidade de uma valoração ética fundada na dignidade da pessoa humana [...].
Por conseguinte, resta de forma explícita que os direitos da personalidade são o reflexo claro do princípio da dignidade da pessoa humana, como vislumbra Sílvio de Salvo Venosa: “Os direitos da personalidade são os que resguardam a dignidade humana”. Maria Helena Diniz segue esse mesmo pensamento.
Embora o assédio moral seja tão antigo quanto o próprio trabalho, só recentemente que estudiosos passaram a se preocupar com a questão, visto que esse fenômeno não pode mais ser encarado com descrédito, principalmente pelas repercussões que causa ou pode vir a causar na atual conjuntura.
O problema é mundial. Só na União Européia 8% dos trabalhadores, ou seja, 12 milhões de pessoas sofrem desse drama, segundo pesquisa de 1996 da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Isso repercute não apenas na vítima, como também nas pessoas próximas a ela, nas empresas, no Estado e na sociedade de um modo geral.
Para Márcia Novaes Guedes “O terror psicológico é o projeto de destruição individualizada da pessoa no ambiente de trabalho, que guarda estreita proximidade com o genocídio enquanto processo destinado a descartar seres humanos”. Hádassa Dolores Bonilha Ferreira define assédio moral como sendo:
[...] um processo composto por ataques repetitivos que se prolongam no tempo, permeado por artifícios psicológicos que atingem a dignidade do trabalhador, consistindo em humilhações verbais, psicológicas, públicas, tais como o isolamento, a não-comunicação ou a comunicação hostil, o que acarreta sofrimento ao trabalhador, refletindo-se na perda da sua saúde física e psicológica.
Marie-France Hirigoyen assim entende:
[..] o assédio moral no trabalho é definido como qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.
José Roberto Dias Leite expõe o conceito de assédio moral como “o resultado da ação de uma chefia, que no uso de suas prerrogativas, literalmente, tortura o subordinado, seja no campo de trabalho privado ou público”. Percebe-se, assim, que não há um conceito comum entre os apreciadores do tema, no entanto, seguem certa linha de raciocínio com o mesmo norte no que se refere ao objeto atingido pelo assédio moral: a integridade (física e/ou psíquica) humana. Dessa maneira dessume-se que o assédio moral é um conjunto de ilegalidades e abusos que visam atingir a dignidade da pessoa causando-lhe prejuízos psicofísicos. Participam do processo no mínimo duas pessoas: o agressor e a vítima, sendo que aquele sempre age de maneira consciente e destinada a inibir esse.
É importante frisar que não é qualquer ato que pode ser considerado como assédio moral, da mesma maneira que não há um número taxativo de hipóteses desencadeadoras desse processo. Consoante Marie-France Hirigoyen, para que o assédio moral exista necessita-se do acontecimento de dois fenômenos: o abuso de poder e a manipulação perversa. A autora esclarece que o assédio moral “é sempre precedido da dominação psicológica do agressor e da submissão forçada da vítima. O outro é ridicularizado, a priori, por ser o que é, por gênero sexual, alguma deficiência ou por sua posição hierárquica”. Considera ainda que no assédio moral haja uma relação de dominante-dominado, na qual o agressor submete a vítima a perder a identidade e quando isso ocorre numa relação de subordinação, transforma-se em abuso de poder hierárquico. Com isso pode-se dizer que o poder exercido dentro de ditames legais e legítimos não pode ser encarado como assédio moral, assim como se não for vislumbrada a vontade de assediar do agressor, o ato não deve ser enfrentado como processo vitimizador, isto é, o assediador tem de manifestar seu comportamento arbitrário, ilegal e ilegítimo com a finalidade de atingir a dignidade da vítima. O que é decisivo para a visualização do assédio moral é a conduta inconveniente e destinada a humilhar expor ao ridículo, menosprezar subordinado ou colega de trabalho. Há necessidade de violação da dignidade do trabalhador por condutas abusivas desenvolvidas dentro do contexto profissional. Saliente-se o pensamento de Maria Áurea Baroni Cecato:
O assédio moral nas relações de trabalho subordinado ultrapassa as medidas sensatas e aceitáveis no tratamento dispensado ao empregado: é febril, excessivo, discriminatório e degradante atentado contra os direitos humanos. Para, além disso, deturpa o exercício do poder disciplinar. Altera-lhe o destino, desloca-lhe o objetivo. Há nele um abuso da prerrogativa que o direito reconheceu ao empregador.
A autora diz ainda:
O assédio moral no ambiente de trabalho tem características específicas: é dirigido pelo empregador ou superior hierárquico ao subordinado e costuma ser repetitivo e duradouro. Manifesta-se pela coação ou pela discriminação, provocando no assediado sentimento de humilhação, frustração e inferioridade em relação aos demais integrantes da organização.
Note que a educadora aclama veementemente que “Existe, necessariamente, uma relação de poder entre autor e vítima” no processo de assédio moral. Corroborando essa idéia, José Roberto Dias Leite assegura que o agente ativo será sempre o superior hierárquico do agente passivo, vítima do dano. Porém, o assédio moral no trabalho não ocorre apenas verticalmente, apesar de ser a maneira mais comum. Ele também pode ser horizontal (entre colegas de trabalho hierarquicamente iguais) e, raramente, ascendente (violência moral que vem de colegas de trabalho de escalas inferiores).
As hipóteses mais habituais de atos de assédio moral consoante alguns doutrinadores são: atribuir à vítima problemas psicológicos; zombar de suas deficiências ou aspectos físicos (imitando-a,...); injuriá-la com termos obscenos ou degradantes; falar com a vítima aos gritos; fragilizar, ridicularizar, inferiorizar, humilhar publicamente a vítima; divulgar boatos sobre sua moral; desqualificar e destruir a auto-estima da vítima; entre outras. No tocante à destruição da auto-estima, segue a posição de Márcia Novaes Guedes:
O objetivo é atingir o âmago da intimidade da vítima, levá-la a desacreditar de si mesma. Tudo pode começar com brincadeiras de mau gosto, pequenas insinuações malévolas, evoluindo para a difusão de um mal-entendido. Fala-se mal da vítima pelas costas. Quando esta aparece em meio ao grupo, cai em silêncio fúnebre. Para derrubar a imagem social, a vítima é ridicularizada, humilhada e coberta de sarcasmos, até que perca toda autoconfiança. Coloca-se-lhe um apelido ridículo, caçoa-se de uma limitação física, do seu modo de andar, de falar, de vestir-se. São atacadas suas opiniões, a vida privada e a maneira de viver.
Em síntese, pode-se dizer que o assédio moral começa freqüentemente pela recusa de uma diferença, sendo que o assediador é incapaz de conviver com essa diferença nascendo, assim, um agressor em potencial. Conforme Jorge Luiz de Oliveira da Silva “o assediador é essencialmente um indivíduo destituído de ética, agindo por impulsos negativos e sem nenhuma nobreza de caráter, revelando seu lado perverso ao verificar sua vítima sucumbir aos poucos diante do desenvolvimento de processo de assédio moral”. E o autor conclui:
Ora, uma vez definido que o assediador é um ser humano infeliz, que utiliza o assédio moral para suprir carências da alma, provocadas por experiências traumáticas, preconceitos ou ambições desmedidas, podemos concluir ainda que o assediador é fraco, pois não utilizou as experiências negativas em sua vida como instrumento solidificador de seu caráter, mas sim se deixou corromper e dominar por suas fraquezas e pela prepotência.
Existe um conjunto de sentimentos inconfessáveis (inveja, ciúme, rivalidade, medo, insegurança, busca pelo poder, preconceito, discriminação,...) que surge no agressor na origem dos procedimentos de assédio.
Hádassa Dolores Bonilha Ferreira, referindo-se a Marie-France Hirigoyen, menciona o seguinte:
Um dos elementos que a psicóloga enfatiza como inerente à perversidade é a incapacidade do agente assediador em considerar os outros como seres humanos. Tal constatação induz ao pensamento de que quando uma pessoa não é tratada como ser humano resta somente duas possibilidades: ou ela é tratada como coisa, uma propriedade de alguém, ou como animal. Em ambos os casos, o agente assediador estaria violando o terceiro princípio fundamental da República Federativa do Brasil elencado no art. 1º da Constituição Federal de 1988, a saber, a dignidade da pessoa humana.
Concordando com o tino acima, José Roberto Dias Leite aponta que aparentemente, o agressor é uma pessoa que está muito satisfeita com ela mesma e raramente se questiona sobre suas atitudes. É incapaz de sentir empatia, considerada como a capacidade de colocar-se no lugar do outro, porque não estará à altura de sentir o mal que seus ataques podem fazer ao seu próximo. Mas enquanto não descoberto os seus meios de agir, o agressor persegue seu objetivo.
Assim, conclui-se que as principais características do assediador é que é um ser humano inapto a superar ou, ao menos, suportar as diversidades existentes no convívio social e, freqüentemente, é alguém com certo distúrbio de personalidade que busca descarregar sua negatividade nas pessoas que, de alguma maneira, tornaram-se incômodas em seu meio.
Não há uma classificação ideal daqueles que podem vir a serem vítimas de assédio moral. No entanto, existem estudos que mostram que tipos de pessoas são mais suscetíveis ao terror psicológico, como ensina Márcia Novaes Guedes:
A vítima do terror psicológico no trabalho não é o empregado desidioso, negligente. Ao contrário, os pesquisadores encontraram como vítimas justamente os empregados com um senso de responsabilidade quase patológico; são pessoas genuínas, de boa-fé, a ponto de serem consideradas ingênuas no sentido de que nos acreditam outros e naquilo que fazem; geralmente são pessoas bem-educadas e possuidoras de valiosas qualidades profissionais e morais. De um modo geral, a vítima é escolhida justamente por ter algo mais. E é esse algo mais que o perverso busca roubar [...].
A maior parte das vítimas apresenta um perfil bem específico, mostrando-se como indivíduos com elevada ética, honradez, retidão e sentido de justiça, além de sua capacidade de autonomia e independência, iniciativa, capacitação pela inteligência e atitudes, popularidade, carisma e liderança naturais, alto sentido cooperativo e de trabalho em equipe. Todavia, a vítima também pode ser pessoa humilde, com problemas existenciais ou com determinadas limitações. O assediado é escolhido por despertar no agressor o medo, a inveja, a insegurança, enfim, diferenças que o assediador não suporta nem supera, podendo acontecer com qualquer pessoa pelo simples fato da vítima tornar-se alguém incômodo para o agressor.
Anteriormente, discorreu-se a questão de os direitos de personalidade estar, definitivamente, atrelados ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Isso é um ponto praticamente unânime entre os doutrinadores. Muitos chegam a considerar tal princípio como sendo o mais importante dentre os princípios constitucionais o que, de fato, é plausível.
Ao examinar-se com cautela o assédio moral, fica transparente que o mesmo atinge de maneira explícita os direitos da personalidade, os quais estão protegidos constitucionalmente pelo princípio da dignidade da pessoa humana, isto é, o assédio moral ofende diretamente a Constituição Federal. Com essa inteligência, Jorge Luiz de Oliveira da Silva elucida: “o assédio moral praticado no serviço público brasileiro, dentre outras conotações, é prática inconstitucional, tendo em vista os princípios vetores da Administração Pública consagrados na Carta Magna”. Ora, “O assédio moral deve ser considerado como manifesto atentado à dignidade do trabalhador”. Reforçando a tese aqui defendida, segue a manifestação de Luciany Michelli Pereira Santos:
Uma breve noção do conceito e caracterização do assédio moral já é suficiente para se chegar à conclusão que o assédio moral, seja nas relações familiares, seja nas relações de trabalho, se consubstancia em um autêntico dano à integridade psíquica e moral da pessoa humana, e, assim o sendo, toda vez que esta situação ocorrer também estará ocorrendo um dano a um direito da personalidade.
Em suma, é inegável que o assédio moral atinge a integridade psicofísica do ser humano, culminando com uma afronta aos preceitos normativos constitucionais, em especial no que diz respeito à dignidade humana.
O assédio moral encontra-se em todo o mundo, mas com diferentes nomes dependendo da cultura e do contexto;
O mobbing - refere-se à união de forças desferida contra um empregado, sujeitando-o a um assédio psicológico, mediante reiteradas críticas ou chamadas de atenção, isolamento no local de trabalho, afastamento do convívio social, difusão de rumores e até mesmo ridiculização da sua pessoa. Nos Estados Unidos da América calcula-se que cerca de 3.000 suicídios anuais estejam ligados ao mobbing.
O conceito de mobbing se difundiu durante os anos 90 essencialmente nos países escandinavos e, em seguida, nos países de língua alemã e, atualmente, nos países nórdicos (Suécia, Dinamarca, Finlândia), na Suíça e na Alemanha. O termo ainda prevalece e continua sendo estudado.
O bullying - seria o comportamento ofensivo, consubstanciado na prática de atos vingativos, cruéis, maliciosos ou humilhantes, com o objetivo de “detonar” um indivíduo ou grupo de trabalhadores por meio de ataques negativos e persistentes aos desempenhos profissionais e pessoais.
O termo bullying surgiu na Inglaterra e inicialmente servia para descrever as humilhações, os vexames ou ameaças que certas crianças ou grupos de crianças infligiam nas outras e, logo após, a expressão se estendeu às agressões observadas no exército, nas atividades esportivas, na vida familiar (especialmente com relação a pessoas de idade) e, conseqüentemente, no mundo do trabalho.
A nomenclatura bullying é um pouco mais ampla que mobbing, já que este é mais relacionado com o ambiente de trabalho, ao passo que aquele, guarda relação não somente com o ambiente de trabalho, mas também com as relações entre grupos de crianças, vida familiar, entre outras.
O harassment - Nos Estados Unidos, essa terminologia foi introduzida em 1990 por um artigo de Heinz Leymann na revista americana Violence and Victims. Contudo, o fenômeno vem sendo estudado desde 1976, pelo americano Carroll Brodsky. Segundo ele o assédio consiste em ataques repetidos e voluntários de uma pessoa a outra, para atormentá-la, miná-la, enfim, provocá-la; assinalando os efeitos nocivos à saúde.
Os whistleblowers - Consoante Luciany Michelli Pereira Santos “os whistleblowers seriam caracterizados por uma forma especial de bullying ou mobbing ou assédio moral, especificamente dirigida contra pessoas que tenham denunciado ou se rebelado contra um sistema ou microssistema, previamente imposto”. Marie-France Hirigoyen afirma que “Trata-se de uma forma específica de assédio moral, destinada a silenciar quem não obedece às regras do jogo”.
O ijime - O vocábulo ijime é empregado no Japão e também significa assédio. Conforme Marie-France Hirigoyen “é utilizado não só para descrever as ofensas e humilhações infligidas às crianças no colégio, mas também para descrever, nas empresas nipônicas, as pressões de um grupo com o objetivo de formar os jovens recém-contratados ou reprimir os elementos perturbadores”.
O sistema educativo japonês é baseado em avaliações permanentes com o objetivo de determinar os melhores elementos e orientar as crianças rumo às carreiras mais promissoras. Essa pressão psicológica transcendeu o ambiente escolar e o ijime nos anos 90 tornou-se uma verdadeira chaga social, fazendo com que várias crianças cometessem suicídio ou abandonassem a escola.
Nos dizeres de Jorge Luiz de Oliveira da Silva “o assédio moral é um câncer social, que se alastra por todas as direções, ocasionando perdas substanciais que transcendem à pessoa da vítima, gerando danos significativos à saúde financeira da empresa e do Estado”. O autor considera também que “o assédio moral no ambiente de trabalho é um processo altamente vitimizador, cujas conseqüências ultrapassam as demarcações éticas aceitáveis em uma sociedade civilizada, onde o trabalho é considerado um dos direitos sagrados atribuídos ao ser humano”. O assédio moral é uma violência devastadora e que atinge não só a vítima, como também o Estado, as empresas e toda a sociedade. Para melhor esclarecer o reportado, José Carlos Ferreira assim apregoa:
A violência no local de trabalho pode ser física, moral ou psicológica e, dependendo da gravidade, intensidade e freqüência, de efeitos traumatizantes e dramáticos para os trabalhadores e suas famílias, as empresas onde prestam serviços e para a sociedade como um todo. Ressalte-se que o autor entende como local de trabalho qualquer espaço físico (a própria casa, as ruas e becos patrulhados por policiais, os quartéis, os veículos conduzidos por taxistas, as salas de aula, os presídios, os hospitais,...).
Incontestavelmente são poucas as agressões que causam distúrbios psicológicos tão graves a curto prazo e conseqüências a longo prazo tão desestruturantes como as causadas pelo assédio moral. Marie-France Hirigoyen salienta que “Não se morre diariamente de todas essas agressões, mas perde-se uma parte de si mesmo. Volta-se para casa, a cada noite, exausto, humilhado, deprimido”.
Os danos do assédio moral ultrapassam a esfera psíquica, alcançando muitas vezes a vítima em sua estrutura física, familiar e social. Em relação à família da vítima o assédio moral pode ocasionar reflexos destrutivos de grande relevância, repercutindo na saúde física e mental dos familiares mais próximos, principalmente nos filhos e inclusive no contexto do relacionamento sexual entre o casal. Nessa linha de pensamento, Márcia Novaes Guedes:
Os efeitos nefastos para o organismo submetido ao assédio moral no trabalho não se limitam ao aspecto psíquico, mas atingem o corpo físico, fazendo com que todo o organismo se ressinta das agressões. Os distúrbios podem recair sobre o aparelho digestivo, ocasionando bulimia, problemas gástricos diversos e úlcera. Sobre o aparelho respiratório a queixa mais freqüente é a falta de ar e sensação de sufocamento. Sobre as articulações podem ocorrer dores musculares, sensação de fraqueza nas pernas, sudorização, tremores, como também dores nas costas e problemas de coluna. Sobre o cérebro verificam-se ânsia, ataques de pânico, depressão, dificuldade de concentração, insônia, perda de memória e vertigens. Sobre o coração os problemas podem evoluir de simples palpitações e taquicardias para o infarto do miocárdio. E o enfraquecimento do sistema imunológico reduz as defesas e abre as portas para diversos tipos de infecções e viroses.
Os danos na esfera emocional atingem em cheio a vida familiar e social da vítima, desencadeando crise existencial, crise de relacionamento e crise econômica. [...] A relação familiar arruína-se na medida em que esta é a válvula de escape da vítima, que passa a descarregar sua frustração nos membros da família.
Quase como uma regra, a vítima que é casada acaba por ter seu relacionamento finalizado, devido ao processo de psicoterror. Nesse sentido, Hádassa Dolores Bonilha Ferreira:
[...] quase sempre o assédio moral acarreta a desestruturação familiar. A família, assim como a vítima, desconhece as razões do conflito, repassando então as mesmas condições do assédio moral praticado no trabalho. Não raro os processos de assédio moral culminam com o fim do casamento daqueles que foram vítimas.
Em recente pesquisa realizada por Margarida Maria Silveira Barreto, foram entrevistados 2.072 trabalhadores (1.311 homens e 761 mulheres), sendo que 42%, 870 trabalhadores (494 mulheres e 376 homens), relataram já terem sido vítimas de assédio moral no ambiente de trabalho. O que mais impressiona é que 100% das vítimas masculinas tiveram sentimentos de revolta, vergonha dos filhos, indignação e pensamentos suicidas, sendo que 18,3% efetivamente tentaram o suicídio. Quanto às mulheres, 17% tiveram sentimentos de revolta, 10,7% vergonha dos filhos, 7% indignação e 16,2% pensamentos suicidas. Dessa maneira apreende-se como são arrasadores os reflexos ocasionados pelo assédio moral sob o ser humano.
Infelizmente, dependendo do grau de perturbação do agredido (geralmente já no estágio de depressão profunda), o assédio moral pode levá-lo ao suicídio. Nessa inteligência, José Roberto Dias Leite:
As agressões sofridas pelas vítimas no ambiente de trabalho desencadeiam distúrbios físicos e psíquicos e desenvolvimento de várias patologias. Esse processo pode levá-la à incapacidade permanente e até matá-la durante o expediente de trabalho e ou levá-la ao suicídio.
Embasando essa tese, Manoel Jorge e Silva Neto:
O assédio moral produz efeitos extremamente danosos para quem o sofre. É habitual que, em face da conduta assediante, o trabalhador resolva pela saída da empresa ou, em situação mais extrema – se bem que possível -, tente ou chegue até a consumar suicídio.
Importante também mostrar a visão de José Carlos Ferreira:
O trabalhador que sofre agressão moral com freqüência tem sua auto-estima deteriorada, apresentando-se deprimido, desestimulado e, por conseguinte, com menor rendimento no trabalho. Referidos estados de ânimo acabam por afetar seus familiares, em especial o relacionamento com o cônjuge e os filhos. Muitos se deixam levar, num passo seguinte, pelo consumo de álcool, tabaco e até mesmo de drogas, na ilusão de se reequilibrarem emocionalmente, dentro e fora do ambiente de trabalho. As alternativas que se lhe apresentam, entretanto, são a demissão voluntária ou a dispensa por justa causa, a dificultar-lhes a reinserção no mercado de trabalho
O assédio moral deixa seqüelas marcantes que podem evoluir do estresse pós-traumático (depois de findo o assédio moral) até uma sensação de vergonha recorrente ou mesmo modificações duradouras de personalidade afirmando que todas as vítimas, com raríssimas exceções, experimentam uma desestabilização permanente. A pessoa se torna refém de uma cicatriz psicológica que a deixa frágil, medrosa e descrente de tudo e de todos. Marie-France Hirigoyen enfatiza que “Tal qual o assalto à mão armada ou o estupro, o assédio moral constitui incontestavelmente um traumatismo”. E afirma: “Trata-se de uma verdadeira alienação, no sentido de que a pessoa perde o próprio domínio e se sente afastada de si mesma”.
Jorge Luiz de Oliveira da Silva menciona inclusive os danos sofridos ao patrimônio da vítima:
Não há dúvidas, por todas as nuances inerentes ao assédio moral, que este é um processo que se direciona frontalmente à dignidade do trabalhador, aniquilando sua auto-estima, debilitando sua saúde física e mental, degradando suas relações interpessoais e atingindo seu patrimônio.
O autor considera que os danos devem ser contabilizados conjuntamente, incorporando-se não só os danos à saúde, como também os danos patrimoniais; revelando, assim, a real faceta destruidora do fenômeno.
No setor público os abusos de poder são mais freqüentes e o assédio moral pode ser mais duradouro, pois, em princípio, as pessoas são protegidas e não podem ser demitidas, a não ser devido a uma falta grave. Por isso, os meios de assédio são, neste caso, mais perniciosos e produzem resultados dramáticos sobre a saúde, bem como sobre a personalidade das vítimas.
Os efeitos do assédio moral não se restringem apenas à vítima, mas espraiam-se também para os empregadores. O atentado à dignidade do trabalhador gera obrigações para o empregador, oriundas da configuração de responsabilidade civil e trabalhista. Só na Alemanha, o custo total relacionado a atos de mobbing é de 2,5 bilhões de marcos por ano.
A pessoa que sofre assédio moral não tem a mesma capacidade laboral que dispunha antes do fenômeno iniciar-se. Com isso os impactos negativos, sejam no setor público, sejam no setor privado, são certos. Ademais, está provado que um trabalhador submetido à violência psicológica tem um rendimento inferior a 60% em termos de produtividade e eficiência, em relação a outros trabalhadores, e o seu custo para o empregador é de 180% a mais.
Por fim, Marie-France Hirigoyen, durante o I Seminário Internacional de Assédio Moral no Trabalho, realizado na cidade de São Paulo, em 30 de abril de 2002, afirmou as seguintes palavras:
O assédio moral é um péssimo “negócio” para as empresas, pois não é um método eficiente na medida em que causa perda de produtividade. Para que as pessoas trabalhem bem e produzam bastante elas precisam ter boas condições e ambiente de trabalho saudável. As pessoas precisam estar bem para produzir bem. Serem respeitadas como seres humanos. Estamos num sistema que perdeu sentido, num sistema louco. Desestruturam-se as pessoas deixando-as totalmente desmotivadas e depois se reclama que não são suficientemente eficientes, que não produzem de forma satisfatória. Isso não tem sentido! Seria necessário, pelo contrário, melhorar sempre as condições de trabalho, fazer com que as pessoas tenham vontade de trabalhar, reconhecendo e respeitando seus esforços, o que certamente, levaria a empresa a obter melhores resultados. Um dos argumentos que utilizo, atualmente, para ser ouvida, que dei para os políticos na França e que agora dou para as empresas, para que sejam vigilantes e para que façam uma política de prevenção do assédio moral, é que o assédio moral não é produtivo, é péssimo, e custa caro. Custa caro para as vítimas porque são obrigadas a se tratar, às vezes perdem seus empregos, são, às vezes, obrigadas a recorrer a um advogado para se defender, portanto, custa caro para as vítimas. Isto também custa caro para a sociedade porque as pessoas ficam doentes e impedidas de trabalhar. Custa caro também para as empresas porque há efetivamente, o problema do absenteísmo associado a uma grande desmotivação e perda de produtividade. [...].
O processo vitimizador provocado pelo assédio moral acarreta enormes prejuízos às finanças do Estado, visto que os assediados são muitas vezes remetidos aos serviços previdenciários e de saúde, gerando um universo de trabalhadores que estariam na plenitude da capacidade laboral, mas que acabam alijados do sistema em virtude das diversas patologias acarretadas pelo psicoterror em seu ambiente de trabalho. O poder público acaba por ter que arcar com a recuperação da saúde e a responsabilidade dos salários das vítimas de assédio moral, que não raramente, têm de se aposentarem precocemente.
Na Inglaterra, as doenças provocadas pelo assédio moral causam um prejuízo ao governo de cerca de 24 milhões de dólares por ano.
A Legislação em alguns países estrangeiros já possui legislação específica para combater o assédio moral enquanto outros adotaram medidas com a finalidade de coibir o fenômeno. No Brasil já existe legislação no âmbito municipal e estadual contra o assédio moral e, atualmente, encontram-se junto ao Congresso Nacional alguns projetos de lei com o objetivo de combater o assédio moral em nível nacional.
A Legislação no estrangeiro Na Suécia (primeiro país a deliberar sobre o assédio moral) o mobbing é considerado crime. Além disso, o Ministério da Saúde e Segurança publicou uma Resolução que entrou em vigor a partir de 31 de março de 1994 semelhante a um verdadeiro código de comportamento para a gestão das relações sociais no local de trabalho.
A Noruega desde 1977 já dispunha de tutela jurídica genérica contra toda e qualquer forma de assédio e comportamento impróprio, estendida também aos trabalhadores.
A Alemanha ainda não possui norma específica de proteção de vítima do mobbing, mas o agredido goza de proteção por meio de aplicação de normas de caráter geral que lhe garantem a saúde e segurança no trabalho.
O direito austríaco faz expressa menção ao termo mobbing num plano de ação interna sobre a igualdade entre homens e mulheres, aprovado em 1998. Tal plano tutela a dignidade no local do trabalho.
A Espanha, por sua vez, ainda não possui uma lei específica para coibir o assédio moral, mas tanto a doutrina quanto a jurisprudência utilizam indistintamente os termos acoso moral e mobbing para definir o terror psicológico no trabalho. O Código Penal Militar espanhol também apresenta normas de caráter genérico, cuja tipicidade está plenamente adequada ao sistema de condutas que delineiam o psicoterror laboral. Saliente-se que a jurisprudência penal militar espanhola está punindo severamente os agressores no que concerne à constatação de maltrato psicológico em ambiente militar.
O direito australiano possui uma lei que dispõe especificamente sobre bullying. Essa lei prevê que o empregador deve garantir um local de trabalho sadio e seguro e é responsável por proteger os trabalhadores do assédio moral no ambiente de trabalho.
Nos EUA não existe legislação específica que venha a fazer previsão de meios preventivos e repressivos em relação ao terror psicológico. No entanto, os Estados norte-americanos desenvolvem políticas internas tendentes a combater os abusos e as perseguições.
Legislação no Brasil foi o que mais produziu leis sobre assédio moral, até o momento. Contudo, todas as leis estão voltadas para a Administração Pública Estadual e Municipal.
O município paulista de Iracemápolis foi o que primeiro produziu lei específica sobre assédio moral. Hoje já existem legislações específicas nos municípios de Campinas/SP, Cascavel/PR, Sindrolândia/MS, entre outros.
No âmbito federal, há apenas projetos de lei que estão tramitando no Congresso, como por exemplo, o Projeto de Lei nº 33/2007 do Deputado Dr. Rosinha e o Projeto de Lei n° 2369/2003 do Deputado Mauro Passos, ambos dispondo sobre o assédio moral nas relações de trabalho. Há também o Projeto de Lei nº 4.742/2001 do Deputado Marcos de Jesus, o qual visa fixar no Código Penal a previsão de crime para aqueles que forem sujeitos ativos do assédio moral.
Maria Áurea Baroni Cecato analisa a questão da legislação sobre assédio moral de forma diferente. Consoante ela “Não há carência, a priori, de lei que regulamente os princípios contidos no texto constitucional. Por si, eles são suficientes, até porque têm aplicação imediata”.
A prevenção contra o assédio moral seria utópica afirmar que o assédio moral pode ser erradicado, porém existem instrumentos adequados que podem ser utilizados com o fito de abrandar o problema. Segundo Márcia Novaes Guedes “A melhor forma de combater o terror psicológico no trabalho é a prevenção”. E a prevenção tem de ocorrer globalmente, isto é, através de medidas adotadas pelo governo, pelas empresas, pela vítima e pela sociedade. No entanto, sem o conhecimento prévio dos envolvidos no fenômeno, quanto ao que diz respeito às facetas do assédio moral, tal prevenção não tem eficácia. Por isso, o primeiro passo é a veiculação da informação daqueles ligados ao terror psicológico, como mostra Jorge Luiz de Oliveira da Silva:
[...] o implemento de campanhas elucidativas desponta como de vital importância, possibilitando a disseminação da visibilidade social do assédio moral, o que possibilitará uma maior eficácia das políticas de prevenção. Uma vez conhecendo e percebendo o assédio moral, suas conseqüências e suas peculiaridades, os trabalhadores e empregadores estarão mais suscetíveis a colaborar com as políticas de prevenção. Chegando-se a este nível, o trabalhador vitimado poderá implementar ações mais imediatas tendentes a fazer cessar o processo de psicoterror, o que certamente resultará na mitigação das conseqüências. Já o empregador, ciente da magnitude das conseqüências do assédio moral, poderá destinar especial atenção à prevenção da violência no âmbito interno da organização.
Alguns doutrinadores defendem que o governo tem de dimanar normas sobre o assédio moral. Mas essa corrente não é unânime. Maria Áurea Baroni Cecato, citada no subcapítulo anterior, assegura que os próprios preceitos constitucionais já são suficientes, não havendo necessidade de emanação de regras sobre o fenômeno, a priori. Jorge Luiz de Oliveira da Silva expõe da seguinte forma:
Muito mais importante que uma lei tratando de assédio moral é desenvolver a consciência dos envolvidos no processo, alertando-os e demonstrando-os acerca das conseqüências danosas que podem advir das condutas assediadoras. A lei é bem vinda, porém, a visualização das conseqüências que se direcionam a todos os envolvidos (vítima, organização, Estado e assediador) é de suma relevância para a consolidação de uma política preventiva em relação ao assédio moral. Neste ponto, desenvolver o sentido ético daqueles que integram ou possa a vir integrar o processo passa a ser o principal instrumento para atingir os objetivos desejados.
Portanto, o autor deixa claro que “se não houver uma conscientização ética acerca dos problemas que envolvem o fenômeno, o mero regramento legal não será suficiente para deter a escalada da violência silenciosa no ambiente de trabalho”. Note que o autor não é contra a difusão de normas a respeito do assédio moral. Ele apenas afirma que só a lei sem a conscientização não terá a eficácia desejada. Isso fica evidente em sua fundamentação ora ementada:
Ressalte-se que não estamos afirmando que uma lei disciplinando a prevenção e o sancionamento para o assédio moral venha a provocar injustiças. Não, não é esta a abordagem. No entanto, o que se constata é que a arma mais poderosa contra o assédio moral é a conscientização de todos sobre a iniqüidade de tal prática e suas conseqüências danosas.
Existindo tal conscientização, com o apoio de uma legislação específica, um futuro mais positivo poderá ser vislumbrado nas relações interpessoais no ambiente de trabalho. Para isto, essencial que seja desenvolvida uma ampla política, tanto no âmbito interno da organização quanto em âmbito geral, com esforços neste sentido por parte do empresariado, do Estado e das entidades sindicais. No entanto, para que o resultado destas políticas seja positivo, é essencial que o fenômeno tratado tenha visibilidade, que seja conhecido por todos os envolvidos e que o mesmo não seja manipulado de forma oportunista, evitando, assim, prejuízos e dúvidas no momento de se implementar as medidas punitivas devidas.
Destarte, veicular a informação das facetas do assédio moral àqueles que fazem parte do processo de psicoterror torna a lei muito mais eficaz e eficiente, sendo uma ótima maneira de auxiliar na prevenção deste câncer social.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 142, caput, preconiza, que as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
Logo, estão na Carta Suprema os princípios norteadores da vida militar, ou seja, a hierarquia e a disciplina.
A Lei Federal n° 6.880, de 09 de dezembro de 1980, publicada no Diário Oficial da União de 11 de dezembro de 1980, que dispõe sobre o Estatuto dos Militares, em seu artigo 14 afirma que “A hierarquia e a disciplina são a base institucional das Forças Armadas”. Tais preceitos são conceituados nos parágrafos desse mesmo artigo, adiante:
§ 1° A hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas. [...]. O respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à seqüência de autoridade.
§ 2° Disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar e coordenam seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes desse organismo.
Nesse sentido, José Afonso da Silva esclarece que não se confundem hierarquia e disciplina, mas são termos correlatos, no entendimento de que a disciplina pressupõe relação hierárquica, juridicamente falando, a quem tem poder hierárquico. E ainda o parágrafo 3° do artigo 14 do Estatuto dos Militares assevera que “A disciplina e o respeito à hierarquia devem ser mantidos em todas as circunstâncias da vida entre militares da ativa, da reserva remunerada e reformados”.
Consoante De Plácido e Silva, podemos conceituar a disciplina militar como sendo “a soma de preceitos que devem ser obedecidos por todos os componentes de uma corporação militar, em virtude dos quais todos devem respeito aos modos de conduta que deles decorrem”
Segundo Célio Lobão a disciplina militar, sustentáculo maior da hierarquia, constitui um sistema rígido de relacionamento entre os integrantes da organização castrense, com a finalidade precípua de zelar pela manutenção deste segmento hierarquizado da estrutura social do país.
De modo semelhante, Eliézer Rizzo de Oliveira instrui que “A disciplina condiciona o militar a não contestar ordens, a aceitá-las, a associar-se até efetivamente ao superior que o comanda no interior da estrutura militar”.
A respeito da hierarquia militar, De Plácido e Silva define como “ordem disciplinar que se estabelece nas forças armadas decorrente da subordinação e obediência em que se encontram em relação aos de categoria mais elevada”. Portanto, transparece que são essenciais à doutrina militar a hierarquia e a disciplina, a fim de prevalecer a ordem e o decoro na vida castrense.
Achibaldo Nunes dos Santos contempla que “A preservação da hierarquia e disciplina no seio das Forças Armadas brasileiras, é imprescindível e até salutar nos limites da lei”. O autor manifesta também: “A hierarquia não forja o caráter do militar. A disciplina não o modela. Simplesmente, hierarquiza e disciplina a atividade castrense”.
Segundo Antônio Pereira Duarte os usos e costumes militares fizeram nascer outro princípio regedor da vida castrense; o companheirismo e a camaradagem nas relações de serviço e nas relações sociais dos militares.
Trata-se, outrossim, de preceito ético-militar, necessário para sanear a boa relação entre militares.
Ressalve-se que a camaradagem está prevista no artigo 3° do Regulamento Disciplinar do Exército-RDE, aprovado pelo Decreto n° 4.346, de 26 de agosto de 2002, publicado no Diário Oficial da União de 27 de agosto de 2002, assim dispondo: “A camaradagem é indispensável à formação e ao convívio da família militar, contribuindo para as melhores relações sociais entre os militares”.
Ainda quanto às considerações sobre o princípio do companheirismo o citado doutrinador faz o seguinte deslinde:
Tal princípio de base costumeira é de suma importância para a boa consecução dos objetivos traçados pelas forças militarizadas, sendo também mola propulsora da união em torno do sentimento magno de amor à Pátria e da consciência de defesa das instituições organizadas e da soberania nacional.
Logo, segundo o autor, o companheirismo seria mais um fundamento da vida militar, ou seja, as bases que regem o militarismo seriam a hierarquia, a disciplina e o companheirismo.
No entanto, como se averiguará, essa indagação não é tão verdadeira na prática e, muitas vezes, sequer há relação de companheirismo, principalmente dos superiores junto aos seus subordinados.
Os militares têm por finalidade manter a ordem e a paz social e essas começam, por primeiro, dentro da própria caserna. Quando ocorre alguma anormalidade na vida militar é dever dos próprios integrantes de cada Força, geralmente os superiores hierárquicos, tomarem as medidas adequadas e cabíveis para cada caso. Todavia, existem limites que devem ser respeitados no tocante aos feitos impostos aos subordinados, e quando esses infringem alguma regra, a autoridade competente deve julgá-los com isenção de ânimo, justiça, sem condescendência nem rigor excessivo, conforme preconiza o artigo 35 do Regulamento Disciplinar da Aeronáutica – RDAer (Decreto n° 76.322, de 22 de setembro de 1975).
Segundo Célio Lobão aponta ao exercitar o poder legal de punir o subordinado que transgridem os regulamentos militares, o superior hierárquico deve fazê-lo com estrita observância das normas pertinentes [...].
Corroborando tal pensamento, Achibaldo Nunes dos Santos assinala: “A transgressão disciplinar é contingência do serviço militar, porém, saber aplicar o corretivo correspondente, exige imparcialidade e equilíbrio do superior hierárquico”. Outrossim, os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988 devem ser resguardados por serem regras de aplicação imediata.
Assim como mostra Paulo Tadeu Rodrigues Rosa a hierarquia e a disciplina devem ser preservadas por serem princípios essenciais das Corporações Militares, mas os direitos e garantias fundamentais previstos no art. 5° da CF são normas de aplicação imediata (art. 5°, § 1°, da CF), que devem ser asseguradas a todos os cidadãos (civis ou militares, brasileiros ou estrangeiros), sem qualquer distinção, na busca do fortalecimento do Estado de Direito.
A justiça é elemento essencial de qualquer instituição, pois somente com a observância do devido processo legal e das garantias constitucionais é que se podem alcançar os objetivos do Estado Democrático de Direito. O respeito à lei em todos os seus aspectos é condição essencial para a construção de uma sociedade justa, fraterna e livre da violência e das desigualdades sociais.
Portanto, ao aplicar punição e/ou dar alguma ordem, o superior hierárquico tem de observar o pronto atendimento aos limites permitidos na lei e aos princípios de justiça com a finalidade de o ato administrativo militar ser válido, ter eficácia e estar de acordo com o texto e o espírito das normas constitucionais, a fim de evitar o excesso e o arbítrio nas suas ações.
José Roberto Dias Leite segue esse entendimento, chegando a certificar que “o poder de chefia extingue-se na própria ação administrativa, normatizada, que dosa sanções e determina limites”. Assim também explica Eliézer Rizzo de Oliveira:
Haverá limites para a obediência? Certamente o limite é a legalidade de uma ordem. [...] o militar só é obrigado a obedecer às ordens fundadas na lei e nos regulamentos militares, desde que não confrontem direitos constitucionais e, no limite, padrões éticos de sua própria consciência.
Nesse sentido, Antônio Pereira Duarte, diz que a conduta moral e profissional do militar deve estar gizada pelo acatamento aos preceitos maiores da ética militar espelhados no amor à verdade, na dignidade do exercício das funções atribuídas, no respeito à dignidade da pessoa humana, no cumprimento das leis, regulamentos, instruções e ordens das autoridades competentes, na ação justa e imparcial para com os outros, no exercício do companheirismo e da camaradagem e tantos outros parâmetros da conduta ético-milita.
O caput do artigo 4° do Regulamento Disciplinar do Exército - RDE exibe que “A civilidade, sendo parte da educação militar, é de interesse vital para a disciplina consciente”. E em seu parágrafo 1° conclui: “É dever do superior tratar os subordinados em geral, e os recrutas em particular, com interesse e bondade”. E ainda, os parágrafos do artigo 3° do aludido diploma enfocam que as demonstrações de camaradagem, cortesia e consideração são obrigatórias entre os militares brasileiros, incumbindo aos mesmos incentivar a harmonia e a amizade entre seus pares e subordinados.
Destarte, a sanção administrativa militar é prevista e deve ser imposta àqueles que não se adequam aos preceitos ético-militares cabendo à autoridade observar os limites situados no direito, sob pena de cometer arbítrio. Contudo, antes de punir deve-se priorizar pelo pundonor militar, entendido como “o dever de o militar pautar a sua conduta como a de um profissional correto. Exige dele, em qualquer ocasião, alto padrão de comportamento ético que refletirá no seu desempenho perante a Instituição a que serve e no grau de respeito que lhe é devido” (artigo 6°, II, do Regulamento Disciplinar do Exército -RDE), pois “A autoridade impõe-se pela ascendência, pelo tratamento enérgico, porém justo, com o respeito devido à pessoa humana [...]”. Ademais, “A disciplina será tanto mais eficiente quanto mais ela expressar valores e afeto”.
Segundo Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, a construção de um Estado Democrático de Direito tem como fundamento o respeito aos direitos previstos na CF, que é a norma fundamental de uma nação. Desrespeitar a Constituição é negar o próprio Estado de Direito e se afastar da Justiça e do próprio conceito de civilização. Os infratores devem ser punidos para se evitar o sentimento de impunidade, mas o exercício do jus puniendi deve ocorrer em conformidade com a lei.
Em síntese, “A Constituição Federal deve ser o vade-mecum das autoridades militares, sendo imprescindível sua leitura e meditação diária, devocional, se não, obrigatória”.
De maneira já bem salientada em estudo preliminar, deve-se atentar que não é todo comportamento e atitude que podem ser encarados como assédio moral. Há de se ter o cuidado necessário em cada caso, assim como expõe Jorge Luiz de Oliveira da Silva, [...] os militares, categoria peculiar de trabalhadores públicos, não estão imunes à submissão a um processo de assédio moral [...]. Ao analisar o fenômeno do assédio moral aplicado aos militares, não há dúvida acerca dos cuidados extremos que se deve adotar, tendo em vista a estrutura personalíssima da carreira militar, fundamentada nos pilares constitucionais da hierarquia e disciplina.
Portanto, um alerta preliminar: não devemos confundir submissão à hierarquia e disciplina, exercidas dentro dos legítimos limites, com submissão ao processo de assédio moral.
Posição também adotada por Marie-France Hirigoyen ao certificar que “O assédio moral é um abuso e não pode ser confundido com decisões legítimas [...]”.
Por conseguinte, depreende-se que quando as decisões do superior estão de acordo com as normas de direito e pautadas nos legítimos limites, isto é, nos liames da lei e de forma a não causar constrangimentos e humilhações injustificadas nos subordinados, não há de se falar em assédio moral.
Outro detalhe que também merece atenção é no concernente aos tipos de assédio moral. Como já analisado, existem tipos de assédio moral (ascendente, horizontal, misto e vertical descendente), embora essa não seja uma classificação universal e alguns doutrinadores chegam a considerar que só há assédio moral numa relação de subordinação tendo de existir, necessariamente, relação de poder entre os agentes envolvidos no processo. Este trabalho irá se ater apenas ao assédio moral vertical descendente, até mesmo porque no militarismo dificilmente verificar-se-á outra forma do fenômeno. E na vida militar certamente o exemplo de assediador mais encontrado será o do tirano, figura de agressor bem explicado por Márcia Novaes Guedes:
É certamente o pior tipo de agressor moral. Pratica o assédio moral apenas pelo gosto de rebaixar, humilhar e submeter a vítima. Seus métodos são freqüentemente muito cruéis. É um ditador que sente prazer em escravizar os outros. Geralmente um tirano sofre fraqueza, mantém distância dos outros pelo autoritarismo. Acusa os outros e impede que estes possam demonstrar os erros dele, agressor, que ele procura tão bem ocultar.
Nesse caso, as possibilidades dos assediados serem recrutas ou praças especiais são maiores, em virtude da falsa alegação de se adequarem à vida militar, conforme se demonstrará mais à frente. Atente-se, como bem explica a autora, que essa característica não é absoluta, ou seja, dizer que alguém é tirano não necessariamente significa que essa pessoa é perversa, mas indica uma probabilidade desse indivíduo ser ou se tornar um agressor em potencial.
E finalmente, antes de continuar esta obra monográfica, deve-se observar a questão da legislação. Na esfera federal ainda não existe uma sanção para aqueles que vierem a cometer o assédio moral, enquanto processo complexo, embora haja comportamentos do assediador que podem se amoldar perfeitamente aos tipos previstos no Código Penal Militar (a exemplo dos artigos 174 a 176, 205, 207, 209, 213, 215 a 217, 333, entre outros), dependendo dos métodos utilizados pelo assediador.
Essas são as considerações preliminares a serem feitas.
O artigo 35 do Estatuto dos Militares apregoa que “A subordinação não afeta, de modo algum, a dignidade pessoal do militar e decorre, exclusivamente, da estrutura hierarquizada das Forças Armadas”. Ratificando esse entendimento, Antônio Pereira Duarte explica: “A subordinação, conforme já asseverado, é decorrente do próprio sistema hierarquizado das Forças Armadas, não sendo fator de violação da dignidade do subordinado”.
Todavia, segundo Ney da Silva Oliveira, “o hábito de vida de caserna, onde a hierarquia e a disciplina são absolutas, onde não se discutem ordens e onde o uso da inteligência crítica torna-se supérfluo, conduz ao autoritarismo [...]” e essa estrutura militar, fortemente verticalizada e fundada no binômio constitucional hierarquia e disciplina, propicia ambiente próprio para o desenvolvimento de processos de assédio psicológico.
Nesse mesmo pensamento, Achibaldo Nunes dos Santos, diz que [...] percebe-se que a disciplina militar perfeccionista, e não perfeita, que emana do Regulamento Disciplinar do Exército, tem sido objeto de inúmeras injustiças e perseguições sem lastro por militares medíocres que, não raro, se utilizam subsidiariamente do “RQUERO”, regulamento do querer no jargão militar, para satisfazer a interesses subalternos e inconfessáveis, criando um estado de anomia.
Aqui, embora o autor refira-se tão somente ao Exército, tal conduta espraia-se às demais Forças.
Há superiores que extravasam os preceitos éticos e morais do militarismo e não se adequam às relações humanas proporcionando verdadeiros prejuízos aos seus semelhantes e, dessa forma, o caminho para a perpetração do assédio moral é praticamente certo.
Seguindo esse desfecho, Alexandre José de Barros Leal Saraiva assevera ainda que não se pode negar que a sensação de poder é extremamente inebriante, o que acaba propiciando o afloramento de sentimentos arbitrários, violentos e egocêntricos, notadamente naquelas pessoas em que a sensibilidade e a consciência da própria condição humana são obnubiladas pelo egoísmo, pela arrogância e venalidade.
Outro aspecto que impulsiona a prolação do assédio moral é o atual quadro de desemprego no país, onde muitas pessoas tentam se ajustar aos tratamentos desumanos que recebem devido as suas necessidades de sustento, como mostra segundo Maria Áurea Baroni Cecato:
[...] a violência moral se torna uma forma de provocar, no trabalhador, a desistência do emprego. Entretanto, diante do quadro conjuntural de desemprego e da necessidade de subsistência; ele é impelido a buscar adequar-se ao tratamento mais aviltante, passando de subordinado, como determina o ordenamento jurídico, a submisso e dependente. Suporta as degradações e adia o projeto de tomar a iniciativa de romper o contrato, o que prolonga seu sofrimento e o torna ainda mais vulnerável ao assédio patronal.
Isso acontece freqüentemente com os militares temporários, e com os militares de carreira não estabilizados, os quais necessitam engajar ou reengajar de tempos em tempos para continuarem na ocupação. Assim, para permanecerem trabalhando muitos se submetem aos tratamentos subumanos vindos de superiores destituídos de valores ético-militares. Ocorre que, a outorga pelo engajamento/reengajamento ou não desses militares é da Administração Pública, mais especificamente, é o comandante da Organização Militar - OM que é a autoridade competente para tal. Entretanto, há comandantes que optam pela baixa do militar impelido por motivos à margem do discricionarismo, como mostra Achibaldo Nunes dos Santos:
Devido à inexistência do senso de legalidade de alguns comandantes de organização militar que insistem na predominância de seus atos à lei e até à Constituição Federal, diversas arbitrariedades, somente imagináveis pela ficção do absurdo, são perpetradas contra subordinados indefesos e destituídos de garantias constitucionais, pelo amordaçamento imposto por esses senhores do baraço e do cutelo.
O discricionarismo da Administração Militar não pode ser instrumento, em ultima ratio, do arbítrio, da conveniência pessoal e da má-fé, devendo ser vazado com cautela e segundo os superiores princípios de justiça, também incidentes na esfera castrense. Por isso, é preciso que as autoridades militares, notadamente os comandantes de organização militar, adeqúem os seus atos administrativos ou disciplinares à Constituição Federal, que se sobrepõe a todos os regulamentos e manuais de campanha.
E, geralmente, numa situação em que o militar se vê vítima do arbítrio ele busca maneiras de solucionar a lide. Entretanto, pode acabar por piorar ainda mais sua situação, ocorrendo uma forma específica de assédio moral chamado whistleblowers (espécie de assédio moral destinada a silenciar quem se queixa contra um sistema previamente imposto, não obedecendo às regras do jogo), chegando a receber sanções mais severas da Administração Militar, como bem salienta Marie-France Hirigoyen, referindo-se aos militares:
No exército, os atos de violência são freqüentes, porém, mais que em qualquer outro lugar, são difíceis de denunciar em razão da força da hierarquia. Faz-se calar todo aquele que pretenda denunciar procedimentos injustos ou sádicos de um superior.
Ainda segundo Marie-France Hirigoyen, os militares são arraigados ao dever de reserva e discrição, e não tem nenhum meio de se justificar em caso de críticas ou de assédio moral vindo da hierarquia. Se eles se queixam, é a instituição militar inteira que se sente ameaçada.
Reforçando o ponto de vista da autora, Raul Canal tem o seguinte deslinde:
Em sua coletividade, o militar é um reprimido. Não pode expandir seus sentimentos, está cercado pela disciplina e pressionado de cima para baixo pela hierarquia. O chamado humor de caserna é uma raridade. Não pode sequer aflorar seu pensamento. Quando está contrariado com as situações, com as imposições, com as práticas do dia-a-dia, se externar suas reações, estará correndo o risco de ser punido, inclusive com a pena privativa de liberdade. É o único cidadão que não tem o direito constitucional da livre manifestação do pensamento. Vive mentalmente segregado.
Muitas vezes, principalmente nas grandes cidades, o militar já chega ao quartel estressado. O engarrafamento no trânsito, as enchentes, os acidentes estão em seu caminho, como o de qualquer habitante urbano, com a diferença de que ele não pode externar o seu cansaço, o seu mau - humor.
E o que é pior: cinco minutos de atraso são suficientes para deixá-lo numa situação embaraçosa, que vai da reprimenda à prisão – é comum, nos quartéis, a pena privativa de liberdade por atraso. Freqüentemente, não lhe dão sequer o trivial direito de defesa – não pode argumentar, não pode justificar por que se atrasou.
Prosseguindo, o autor afirma:
O abuso de autoridade nos quartéis já se tornou parte da cultura militar. Gerou-se a idéia de que comandante que não se impõe pelo grito não tem autoridade. Um absurdo que foi passando de geração a geração e subsiste à sombra das leis e regulamentos que regem a vida do profissional da segurança.
A maneira imperial como o chefe é colocado acima dos subalternos vem sendo preservada ao longo dos anos, com base em regulamentos que têm origem em tempos bem distantes do estilo de vida democrático hoje em voga, isso porque a maioria dos regulamentos que regem a vida militar não foi discutida sequer pelo Poder Legislativo, que, em tese, são os legítimos representantes da sociedade. Os regulamentos atuais são meras republicações dos regulamentos imperiais, onde os oficiais eram os nobres e os praças eram os escravos, pobres, que eram em sua totalidade analfabetos. Saliente-se que o único regulamento disciplinar posterior à Constituição Federal de 1988 é o do Exército datado de 26 de agosto de 2002.
Portanto, não é utópico afirmar que atualmente a legislação militar permite a prática de assédio moral contra os subordinados, sem que esses disponham de instrumentos legais para se defender adequadamente. Enfim, depreende-se com esse raciocínio, que é a partir do instante do abuso, do excesso, do desvio de poder que a porta para o assédio moral nas Forças Armadas estará aberta, visto que o arbítrio conduz ao autoritarismo, à tirania, segregando mental e fisicamente os subordinados hierárquicos. Com esse pensamento, Maria Áurea Baroni Cecato:
O assédio moral é uma das conseqüências, provavelmente a mais evidente, dos excessos que o empregador comumente pratica. Aliás, pode-se asseverar mais: não se trata unicamente de excesso e, sim, de desvio de poder disciplinar. Constitui, incontestavelmente, abuso de poder.
Conforme se demonstrou antes, no âmbito federal, não há punição para aqueles que compõem o pólo ativo do assédio moral. Logo, os crimes que serão aqui mostrados subsistem por si só. Mas, dependendo das maneiras empregadas pelo agressor, pode-se afirmar se houve assédio moral, desde que as características do mesmo estejam presentes, como expor o militar a situações humilhantes, geralmente repetidas e prolongadas, de modo a causar-lhe sofrimento físico e emocional atingindo diretamente sua honra pessoal (“sentimento de dignidade própria, como o apreço e o respeito de que é objeto ou se torna merecedor o militar, perante seus superiores, pares e subordinados” – inciso I do artigo 6° do Regulamento Disciplinar do Exército -RDE). Importante também reforçar que o assediado é escolhido por despertar no agressor diferenças que esse não suporta nem supera, podendo acontecer com qualquer militar pelo simples fato de tornar-se alguém incômodo para o agressor. Ressalte-se que o agente do pólo ativo do processo de assédio moral deve ter o animus, ou seja, a vontade livre e consciente de praticar o ilícito.
Agora, alguns comentários sobre hipóteses de crimes capitulados no Código Penal Militar que podem consubstanciar o assédio moral nas Forças Armadas. Tais hipóteses não são taxativas.
Artigo 174, “Rigor Excessivo”:
Exceder a faculdade de punir o subordinado, fazendo-o com rigor não permitido, ou ofendendo-o por palavra, ato ou escrito.
Pena – Suspensão do exercício do posto, por dois a seis meses, se o fato não constitui crime mais grave.
Célio Lobão caracteriza como “Crime de abuso de poder, denominado pelo Código de excesso ou abuso de autoridade”. Aponta ainda: “O excesso objetiva-se com a punição revestida de rigor não autorizado nas normas regulamentares”. E continua:
Na primeira modalidade, o ato do superior reveste-se de rigor não autorizado nas normas regulamentares, como deixar o subordinado preso sem água ou alimento, sem agasalho em regiões frias, colocá-lo em prisão sem condições de higiene ou em local inadequado para recolhimento de preso disciplinar, enfim, qualquer outra forma de punir com excesso, com crueldade.
Na segunda, a punição efetiva-se por meio de ato, da palavra escrita ou oral, de manifestação corpórea, gesto, etc., ofensivo ao subordinado, atingindo-o em sua honra comum, [...], e em sua honra especial ou profissional, [...], no caso presente, a de militar.
José da Silva Loureiro Neto entende que o conceito de punir alcança também o de castigo, não previsto nos regulamentos disciplinares, visto que a disciplina exige para seu fundamento moral o respeito recíproco à dignidade dos militares, mesmo quanto ao trato dos inferiores.
O artigo 175, que trata da “Violência contra Inferior”, assim apregoa:
Praticar violência contra inferior:
Pena – Detenção, de três meses a um ano.
Parágrafo único. Se da violência resulta lesão corporal ou morte é também aplicada à pena do crime contra a pessoa, atendendo-se, quando for o caso, ao disposto no art. 159.
Outro crime de excesso ou abuso de autoridade que para concretizar a violência basta que o corpo do subordinado seja tocado (tapas, pontapés, empurrões, bofetadas,...), mesmo sem ocasionar lesão ou morte, pois, nesse caso, o crime qualifica-se. Por exemplo, o superior que imobiliza o subordinado, obrigando-o a fazer algo contra sua vontade ou ainda lhe castiga e agride fisicamente.
Há também o crime de “Ofensa Aviltante a Inferior”, que se encontra tipificado no artigo 176, adiante:
Ofender inferior, mediante ato de violência que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considere aviltante.
Pena – Detenção, de seis meses a dois anos.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no parágrafo único do artigo anterior.
Sobre esse artigo, Célio Lobão faz a seguinte exposição: “Ato aviltante é o que humilha, ofende a dignidade, o decoro, situando o ofendido em condição de inferioridade, de menor valia, diante de outros militares [...]”. Considera ainda: “O ato aviltante pelo meio empregado, consiste em cometer violência, com humilhação, com desonra, do ofendido, como retirar sua roupa, deixando-o despido em local onde não possa abrigar-se, a vista de todos, pendurá-lo pelos pés, etc.”. A lei faz referência à violência cometida de maneira a atingir o inferior em sua honra especial de militar e de pessoa humana, como no caso de um superior, durante uma aula de equitação e na qualidade de instrutor, desfere com seu rebenque no rosto de seu instruído com o intuito de humilhá-lo perante seus colegas.
Agora, algumas considerações sobre o crime de “Maus-tratos”, listado no artigo 213:
Expor a perigo a vida ou saúde, em lugar sujeito à administração militar ou no exercício de função militar, de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para o fim de educação, instrução, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalhos excessivos ou inadequados, quer abusando de meios de correção ou disciplina:
Pena - Detenção, de dois meses a um ano.
Formas qualificadas pelo resultado
§ 1º Se do fato resulta lesão grave:
Pena - reclusão, até quatro anos.
§ 2º Se resulta morte:
Pena - Reclusão, de dois a dez anos.
É comum esse tipo de crime durante os cursos ministrados para recrutas e praças especiais, principalmente em relação aos abusos cometidos por superiores tiranos em nome da correção e disciplina. Entendimento também dado por Jorge Cesar de Assis:
Dentre as condutas que caracterizam o delito de maus-tratos, muitas delas acontecem nos exercícios de aprimoramento das unidades militares, principalmente em relação aos recrutas e alunos-oficiais ou cadetes, onde a exigência, por parte dos instrutores, de que seus instruídos demonstrem a coragem e virilidade esperadas dos militares, acaba, por vezes em injustificável excesso, com conseqüências muitas vezes danosas, tanto para o ofendido quanto para a corporação a que pertence.
Ilustrando essa proposição, segue abaixo trechos da decisão que inadmitiu o Recurso Extraordinário 298-2/AM, da lavra do Ministro do Superior Tribunal Militar - STM, Tenente-Brigadeiro do Ar Cherubim Rosa Filho, publicada no DJU de 17 de junho de 1994, p. 16.011 – 16.013:
[...] por ter exposto a perigo a vida e a saúde do S2 CLS, que estava sob sua autoridade para fins de instrução, quando obrigou referido soldado a permanecer, por cerca de oito minutos na barraca de gás lacrimogênio, ao tempo em que teve de “pagar” vinte flexões. Tal procedimento deveu-se à recusa do ofendido em gritar, de dentro da barraca, que era “bicha”, senha para a liberação do trabalho [...].
[...] O acusado, no dia 23.05.91, praticou violência contra o inferior S2 CJM, aplicando-lhe várias chicotadas nas costas com um cipó, no momento em que este praticava exercícios de flexões. O mesmo denunciado, a pretexto de forçar a entrada do S2 CAC na barraca de gás lacrimogênio, aplicou-lhe uma forte pancada na região calcaneana do pé esquerdo. Não satisfeito, já que o ofendido ainda não ultrapassara a porta de entrada, por estar “enroscado” na lona, terminou por pisar violentamente a mesma região, insensível aos gritos de dor e ao alerta dado pelo S2 CMS para que parasse a agressão [...].
[...] Em um dos dias do acampamento, em hora não determinada, o denunciado, quando dava seguimento ao exercício denominado “ponte humana”, permaneceu parado sobre os joelhos do S2 JCS, sabedor de que a referida região deveria ser evitada, por ser de alto risco de lesão. Submetido a esse trabalho excessivo e inadequado para o fim de instrução, o ofendido, que estava sob a autoridade do denunciado, teve a sua saúde afetada com o advento de lesão grave no tendão rotuliano, que resultou em incapacidade para as suas ocupações habituais por cerca de 90 dias [...].
[...] por ter dado um chute nas nádegas do S2 WDM, a pretexto de posicioná-lo corretamente no exercício que estava praticando [...] O ofendido, sob a autoridade do denunciado, já exausto e desiquilibrado [sic], não suportando o trabalho excessivo à sua saúde afetada, motivo pelo qual retornou à Base para tratamento médico, com fortes dores na nuca e rigidez na musculatura do pescoço [...].
O acórdão original teve o seguinte texto:
Militares monitores, encarregados de ministrar instrução a recrutas que extrapolam na aplicação de exercícios físicos e partem para a agressão, expondo a perigo a vida e a saúde de seus subordinados. Constrangimento ilegal. Art. 222 do CPM. Superior que autoriza o desnudamento de soldado como forma de castigo, submetendo-o ao constrangimento de correr nu pelo acampamento, portando somente capacete e fuzil. Comprovação exuberante dos delitos a autorizar a reforma da sentença absolutória com a conseqüente condenação dos agentes. Extinção da punibilidade pela prescrição, que beneficia três acusados. Decisão unânime.
Outros exemplos de crimes previstos no Código Penal Militar são:
Difamação
Art. 215. Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação.
Pena – Detenção, de três meses a um ano.
Parágrafo único. A exceção da verdade somente se admite se a ofensa é relativa ao exercício da função pública, militar ou civil, do ofendido.
Injúria
Art. 216. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro.
Pena – Detenção, até seis meses.
“Injuriar é humilhar, achincalhar, ofender, ridicularizar, atentar contra a honra. É crime que se caracteriza pela ofensa à honra subjetiva da pessoa, que constitui o sentimento próprio a respeito dos atributos físicos, morais e intelectuais de cada um”.
Injúria Real
Art. 217. Se a injúria consiste em violência, ou outro ato que atinja a pessoa, e, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considera aviltante.
Pena – Detenção, de três meses a um ano, além da pena correspondente.
Exemplificando as possibilidades de injúria real podemos citar “a chicotada, a bofetada, o arremesso de excrementos, o cuspirem na face etc.”.
Violência Arbitrária
Art. 333. Praticar violência, em repartição ou estabelecimento militar, no exercício de função ou a pretexto de exercê-la.
Pena – Detenção, de seis meses a dois anos, além da correspondente à violência.
Nas palavras de José da Silva Loureiro Neto “A violência deve ser arbitrária, isto é, não permitida em lei, portanto ilegítima e acima de tudo arbitrária. Essa violência é manifestada através de vias de fato, como tapas, empurrões, pontapés etc.”.
O artigo 467 do Código de Processo Penal Militar - CPPM também traz outras hipóteses de ilegalidade e abuso de poder (cerceamento de liberdade sem as formalidades legais; coação ou constrangimento sem justa causa;...).
Na legislação extravagante são encontrados outros crimes que podem se enquadrar no processo de assédio moral militar, como alguns tipos dispostos na Lei n° 4.898, de 09 de dezembro de 1965, a qual prevê casos de abuso de autoridade: atentar contra a liberdade de locomoção, a incolumidade física do indivíduo, a honra, submeter pessoa a vexame ou constrangimento não autorizado em lei, dentre outros. E ainda a Lei n° 9.455, de 07 de abril de 1997, que regula o crime de tortura.
Tendo em vista que o suicídio é o resultado mais drástico do terror psicológico (tema já reportado) e sendo que suas conseqüências alcançam de maneira mais veemente os familiares e as pessoas mais próximas da vítima, prefere-se realçar este ponto.
Essa hipótese está prevista no parágrafo 2° do artigo 207 do Código Penal Militar - CPM, que assim pune àquele que provoca indiretamente suicídio a outrem: “Com a detenção de um a três anos, será punido quem, desumana e reiteradamente, inflige maus-tratos a alguém, sob sua autoridade ou dependência, levando-o, em razão disso, à prática do suicídio”.
Sobre o assunto, Jorge Cesar de Assis assim assegura, que aquele que mesmo sem instigar, ou induzir, ou prestar auxílio para que alguém venha a suicidar-se, inflige desumana e reiteradamente maus-tratos a pessoa sob sua autoridade ou dependência, de tal forma que dita pessoa acaba se suicidando por não suportar mais o sofrimento, responde pela provocação indireta do suicídio, nos termos do § 2° do art. 207.
Visto que o assédio moral atinge diretamente a dignidade do militar, isto é, o seu direito de personalidade, pode-se exigir que esse tipo de lesão cesse. Mas no caso específico, suicídio, a personalidade civil do indivíduo é encerrada, sendo que o cônjuge sobrevivente ou parceiro, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau, possui legitimação para tomar as medidas previstas em lei, conforme se pode arrematar pela inteligência do artigo 12 do Código Civil. E se for reconhecido que houve cometimento de ato ilícito por parte do sujeito ativo, ainda que exclusivamente moral, o dever de reparação proporcional ao dano é certo, consoante resta entendido pelos artigos 186, 927 e 944 do citado diploma legal.
A Súmula 346 do Supremo Tribunal Federal - STF, aprovada em Sessão Plenária de 13 de dezembro de 1963, apregoa que “A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos”. Nessa mesma linha, a Súmula 473, aprovada em Sessão Plenária de 03 de dezembro de 1969, do Excelso Tribunal manifesta:
A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Destarte, a Administração Militar possui tal discricionariedade e deveria, sempre que fossem verificadas injustiças, retificar suas ações. Entretanto essa correção é algo pouco provável no militarismo, devido ser um ambiente toldador.
Assim sendo, ao militar que se sentir ofendido ou prejudicado por ato administrativo ou disciplinar de superior hierárquico é facultado a interposição de pedido de reconsideração, queixa ou representação (artigo 51, caput, do Estatuto dos Militares).
O Regulamento Disciplinar do Exército - RDE faz menção apenas ao pedido de reconsideração de ato e ao recurso disciplinar (artigo 52) nos casos de algum subordinado sentir-se ofendido ou injustiçado por ato de superior, sendo esse último recurso utilizado nas hipóteses de indeferimento do primeiro.
O Regulamento Disciplinar para a Marinha (Decreto n° 88.545, de 26 de julho de 1983), em seu artigo 45, dispõe que “Àquele a quem for imposta pena disciplinar será facultado solicitar reconsideração da punição à autoridade que a aplicou, devendo esta apreciar e decidir sobre a mesma dentro de oito dias úteis, contados do recebimento do pedido”. No entanto, tal recurso só pode ser interposto após o militar ter cumprido a punição imposta [!], conforme reza o § 1° do artigo 46 do citado diploma. Vale lembrar que o Regulamento Disciplinar para a Marinha é anterior à Excelsa Carta de 1988.
Já o Regulamento Disciplinar da Aeronáutica - RDAer é o único que faz expressa alusão à Representação, assim indicando em seu artigo 62: “O militar poderá representar contra ato de superior que considere injusto ou infringente das leis ou regulamentos militares [...]”. Nesse caso, o ofendido, antes de representar contra superior, deve observar alguns procedimentos previstos no Regulamento Disciplinar da Aeronáutica - RDAer: sempre que possível, preceder sua representação de pedido de reconsideração do ato que lhe deu motivo; informar formalmente e por escrito o superior que irá ser representado; entre outros.
A Lei n° 4.898, de 09 de dezembro de 1965, que regula o direito de Representação e o processo de Responsabilidade Administrativa Civil e Penal nos casos de abuso de autoridade, também pode ser utilizada como forma de prevenção.
O servidor militar pode utilizar-se, ainda, dos remédios constitucionais do Habeas Corpus e do Mandado de Segurança.
? Habeas Corpus
O § 2° do artigo 142 da Carta Suprema estabelece que “Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares”. Não obstante, essa é uma discussão que ainda existe entre os operadores do direito, a qual não é o principal objetivo desta obra monográfica, mas que tem de ser abordada pela sua relevância, assim como em relação ao mandado de segurança, o qual será tratado em tópico apropriado.
O inciso LXVIII do artigo 5° da Constituição Federal apresenta como um dos direitos e garantias fundamentais a concessão de “habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”, não fazendo qualquer ressalva para o servidor público militar e inclusive asseverando no caput do artigo que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]”. Sobre esse assunto, Paulo Tadeu Rodrigues Rosa explicita:
A vedação de cabimento de habeas corpus prevista no art. 142, § 2°, da CF, por mais que se conteste, fere flagrantemente o disposto no art. 5°, inciso LXVIII, da própria CF.
Aclama ainda o doutrinador: “O militar preso sob a acusação de ter praticado uma transgressão disciplinar ou contravenção militar poderá, caso esta seja abusiva, interpor habeas corpus, na forma do art. 5°, inciso LXVIII, da CF”. Outrossim, o artigo 466 do Código de Processo Penal Militar - CPPM menciona que “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.
Portanto a interposição de habeas corpus contra punições disciplinares militares é plenamente possível, mas “se o ato punitivo militar é editado com observância dos pressupostos legais, estando reunidos os elementos que dão validade ao referido ato, é óbvio não caber habeas corpus”.
Com relação à competência para apreciar o habeas corpus, o artigo 469 do Código de Processo Penal Militar - CPPM certifica ser do Superior Tribunal Militar – STM, bem como também estabelece nessa orientação a alínea “b” do inciso I do artigo 4° e o artigo 86 e seguintes do Regimento Interno desse Tribunal Superior. Compreensão também firmada por Paulo Tadeu Rodrigues Rosa. Entretanto, há doutrinadores que entendem ser a competência para conhecimento e concessão do remédio constitucional da Justiça Comum Federal, conforme construção analógica à espécie e o disposto do artigo 109, I, da Carta Magna. Há recentes precedentes do STM declinando de sua competência para apreciar questões disciplinares para a Justiça Federal.
? Mandado de Segurança
A Lei n° 1.533, de 31 de dezembro de 1951, relativa ao mandado de segurança, contempla em seu inciso III do artigo 5° que essa garantia constitucional não alcança os atos disciplinares, salvo quando praticados por autoridade incompetente ou com inobservância das formalidades essenciais. No entanto, Achibaldo Nunes dos Santos conclama que “todo ato disciplinar, ainda que cumpridos os requisitos legais, não está isento de apreciação pelo Poder Judiciário, pelo meio processual do mandado de segurança”, pois poderá estar viciado em seu mérito. Ademais, o inciso XXXV do artigo 5° da Constituição Federal anuncia que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Sobre esse remédio constitucional, Antônio Duarte Pereira proclama:
De qualquer modo, na hipótese de haver a imposição de sanção disciplinar militar, em ato administrativo punitivo eivado de vício de legalidade ou editado com abuso de poder, caso não se admita o habeas corpus por interpretação puramente literal do disposto no inciso II do art. 142, entendemos que cabível será a impetração de outro remédio jurídico, como, por exemplo, o mandado de segurança, nos termos do inciso LXIX do mesmo art. 5°, já que, nesta situação, poder-se-ia concluir que o direito à liberdade de locomoção não estaria protegido pelo habeas corpus, não inviabilizando o uso do mandado de segurança.
Portanto, “está fartamente comprovado que os atos punitivos disciplinares aplicados na esfera militar são passíveis de apreciação pelo Poder Judiciário, simplesmente pela largueza constitucional do instituto do mandado de segurança e, sobre mais, pelo princípio da inafastabilidade do Judiciário”, tendo a jurisprudência entendimento de que a Justiça Federal é competente para examinar mandado de segurança contra autoridade federal, segundo interpretação literal do inciso VIII do artigo 109 da Constituição Federal de 1988.
Porém, o Regimento Interno do Superior Tribunal Militar - RISTM expressa ser esse Tribunal competente para apreciar mandado de segurança impetrado contra autoridade administrativa vinculada à Justiça Militar (alínea “c” do inciso I do artigo 4° e artigo 94).
Saliente-se que, apesar do § 3° do artigo 51 do Estatuto dos Militares exigir que o militar só possa recorrer ao judiciário após exaurir os recursos da via administrativa, tal condição não é de caráter indispensável para que o administrado procure o poder judicante, até mesmo porque essa prerrogativa não foi recepcionada pela atual Constituição Federal. O Superior Tribunal de Justiça – STJ possui entendimento firmado no sentido de ser desnecessário o exaurimento das vias administrativas para o ingresso em juízo, tendo em vista o princípio da inafastabilidade do Judiciário (artigo 5°, XXXV, da Constituição Federal). Sobre esse assunto, destaque-se, também, a preleção do Superior Tribunal Militar – STM, que se segue abaixo:
MANDADO DE SEGURANÇA. CABIMENTO. EXAURIMENTO DE INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA. DESNECESSIDADE. ATO PRATICADO PELO DIRETOR-GERAL DE SECRETARIA DO STM. AUTORIDADE ADMINISTRATIVA DA JUSTIÇA MILITAR. COMPETÊNCIA DESTA CORTE. [...]. 1. CABIMENTO. Cabe mandado de segurança contra ato de qualquer autoridade, ressalvadas as exceções legais. Essa é a regra geral. 2. EXAURIMENTO DA INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA. DESNECESSIDADE. Ainda que caiba recurso administrativo, com efeito suspensivo, contra o ato impugnado, mesmo assim não há que se falar em esgotamento da instância administrativa para, somente após, admitir-se o ajuizamento de Mandado de Segurança. "É, por outro lado, princípio tradicionalmente firmado, ao menos no direito brasileiro, que não há matéria, por sua natureza, vedada ao Judiciário. Em outras palavras, sempre que houver lesão a direitos particulares cabe recurso ao Judiciário: "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, dispõe o art. 5º, XXXV, da Constituição... ” (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO) 3. ATO PRATICADO PELO DIRETOR-GERAL DE SECRETARIA. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO STM. Por ser o Diretor-Geral de Secretaria do Superior Tribunal Militar uma das "autoridades da Justiça Militar", contra seus atos cabe Mandado de Segurança julgado, originariamente, pelo próprio Superior Tribunal Militar. Inteligência do art. 109, inciso VIII c/c o art. 124, Parágrafo Único, da Constituição Federal; art. 6º, inciso I, alínea "d", da Lei nº 8457/92; e art. 4º inciso I, alínea "c", do RISTM.
[...]. Segundo o juízo de Antônio Pereira Duarte “a única obrigação do militar para que legitimamente deduza suas pretensões perante o Poder Judiciário é a de fazer a comunicação à autoridade competente sobre o ajuizamento de qualquer demanda”. Entretanto, quando o militar comunicar seu superior quanto ao ajuizamento de ação no poder judiciário buscando proteção de algum direito que julga estar sendo desrespeitado ou na iminência de ser obumbrado, ele pode acabar por sofrer maior perseguição.
O § 6° do artigo 37 da Constituição Federal assim preconiza:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Logo, percebe-se que o constituinte adotou a Teoria do Risco Administrativo, a qual responsabiliza o Estado objetivamente pelos danos ou prejuízos que causa a outrem, devendo reparar esses danos, indenizando-os, independentemente de ter agido com dolo ou culpa.
Sobre essa teoria o Superior Tribunal de Justiça - STJ já posicionou seu entendimento, avante: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO.
O artigo 37 § 6º da CF/88 ganhou interpretação pelo Tribunal a que, pronunciou-se no sentido de que "o que prevalece no caso em análise, é a interpretação do art. 37, § 6º da Constituição Federal, representada na doutrina, pela chamada Teoria do Risco Administrativo, ou seja, a responsabilidade civil de indenizar do Estado é objetiva, sendo suficiente que o prejudicado demonstre o nexo causal entre o fato lesivo imputável à administração pública e o dano por ele pleiteado, independente de provar a culpa do Estado, pois esta é presumida, invertendo-se assim o ônus da prova ao Estado que, para se eximir da obrigação deverá provar que o evento danoso ocorreu por culpa exclusiva da vítima".
Para configurar a responsabilidade civil do Estado exige-se o acontecimento de três pressupostos de acordo com José dos Santos Carvalho Filho:
1° - a ocorrência do fato administrativo, assim considerando como qualquer forma de conduta, comissiva ou omissiva, legítima ou ilegítima, singular ou coletiva, atribuída ao Poder Público. Ainda que o agente estatal atue fora de suas funções, mas a pretexto de exercê-las, o fato é tido como administrativo, no mínimo pela má escolha do agente (culpa in eligendo) ou pela má fiscalização de sua conduta (culpa in vigilando).
2° - o dano. Não há falar em responsabilidade civil sem que a conduta haja provocado um dano.
3° - o nexo causal (ou relação de causalidade) entre o fato administrativo e o dano. Significa dizer que ao lesado cabe apenas demonstrar que o prejuízo sofrido se originou da conduta estatal, sem qualquer consideração sobre o dolo ou culpa.
Alexandre de Moraes afirma que além dos pressupostos citados tem de haver a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. Ratificando o autor a primeira turma do Supremo Tribunal Federal - STF assim se manifestou:
A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público. Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal.
O princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias – como o caso fortuito e a forca maior – ou evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima.
Ressalte-se que a responsabilidade civil do Estado não se confunde com as responsabilidades criminais e administrativas dos agentes públicos, por tratar-se de instâncias independentes. Nesse sentido, a absolvição do servidor no juízo criminal não afastará a responsabilidade civil do Estado se não ficar comprovada culpa exclusiva da vítima ou, ao menos, culpa concorrente, na qual a responsabilidade civil do ente público será mitigada, repartindo-se o quantum da indenização.
Portanto, o assédio moral nas Forças Armadas tem como sujeito ativo servidor público federal militar. Nesse caso, o Estado pode ser responsabilizado pelos danos, sejam de ordem material, sejam de ordem moral, ou ambos, pois possui responsabilidade objetiva conferida por lei, a qual independe de culpa. Outrossim, o artigo 6° da lei n° 4.898, de 09 de dezembro de 1965, recomenda que “O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa civil e penal.” E ainda ao militar que praticar o abuso poderá ser cominada a pena de não exercer suas funções no município da culpa pelo prazo de um a cinco anos, consoante o parágrafo 5° do mesmo artigo.
Além disso, se forem comprovados o fato e o dano, cabe ao Estado indenizar a vítima, podendo, todavia, processar o agressor, visando à restituição dos prejuízos que sofrer.
Compete à Justiça Federal apreciar os atos praticados pela Administração Militar que envolva interesses dos servidores militares federais, já que nesse caso a União atuará no pólo passivo da lide, segundo infere-se da interpretação do inciso I do artigo 109 da Constituição Federal. Sendo a União parte ré, o autor tem a faculdade de ajuizar sua demanda na seção judiciária onde tiver seu domicílio, ou onde tiver ocorrido o fato que deu origem à causa, ou ainda, no Distrito Federal (parágrafo 2° do artigo 109 da Carta Magna).
Contudo, é sabido que ainda não há sanção a nível federal para aqueles que vierem a compor o pólo ativo no assédio moral, apesar de existir projetos de lei nesse sentido. Assim, alguns crimes militares podem chegar a serem considerados como parte de um todo no processo de assédio moral. Mas, esses crimes são independentes, isto é, apesar do assédio moral castrense ser possível o agressor será indiciado pelos delitos previstos na legislação militar e não pelo assédio moral em si. Portanto, a competência para examinar o assédio moral consumado nas Forças Armadas é da Justiça Militar, pois “À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei” (artigo 124 da Constituição Federal).
Antônio Pereira Duarte entende que deveria haver ampliação em relação à competência da Justiça Militar, uma vez que o juiz auditor conhece melhor as leis administrativas militares e o número de processos sob sua responsabilidade é menor. Assim, suas decisões iriam refletir melhor a realidade. O autor chega a propor que a redação do artigo 124 da Constituição Federal passa-se a ser a seguinte:
À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei, bem como todas as demandas aforadas por servidores públicos militares em que a União Federal figure como ré.
Reza o artigo 1° do decreto n° 20.910, de 06 de janeiro de 1932, que a pretensão para qualquer direito contra a Fazenda Federal, independente de sua natureza, prescreve em 05 (cinco) anos, contados da data do ato ou fato que se originou, ou seja, se entre a data do ato ou fato danoso e a interposição da ação judicial pleiteando reparação decorrer mais de 05 anos, o direito subjetivo do lesado à indenização torna-se impossível.
Como o assédio moral é dano de trato sucessivo, conta-se o prazo prescricional a partir da data do cometimento do último ato lesivo à dignidade do ofendido.
O princípio da dignidade da pessoa humana é o mais importante entre os fundamentais arrolados pela Carta Suprema. Conseqüentemente os direitos da personalidade, sendo o reflexo da dignidade humana, encontram-se entre os bens jurídicos mais valiosos protegidos pelo direito.
O assédio moral atinge diretamente tais direitos pessoalíssimo, isto é, a dignidade humana, reduzindo o agredido a uma condição vil, tanto que há vítimas que chegam a consumar o suicídio devido às pressões sofridas.
Cabe ao Estado, principalmente, adotar as providências para inibir esse câncer social o mais breve possível, não devendo mais tratar o assédio moral com descrédito, pois não é normal e deve ser combatido.
Os militares das Forças Armadas estão submetidos a um sistema altamente hierarquizado e onde deve prevalecer a disciplina. Essa, por sua vez, é exercida por meio de regulamentos e costumes castrenses que condicionam a disciplina consciente em cada militar. Todavia, existe um limite legal e legítimo que deve ser respeitado para que não haja extrapolação do superior hierárquico no momento de exercer seu poder sobre inferiores, seja por meio de ordens proferidas ou por punições impostas.
Assim, para existir a disciplina e a ordem no meio militar, muitos superiores hierárquicos tomam providências junto aos subordinados que nem sempre estão de acordo com a legalidade e os princípios da justiça. Dessa maneira, as possibilidades de acontecer arbitrariedades por parte desses chefes militares são reais, ainda mais que na vida castrense dificilmente alguma ordem ou punição é contestada e quando isso acontece, as perseguições sobre o contestador podem aumentar. Ademais, os militares já são doutrinados a se adequarem a um regime de não apresentar defesa quanto às manifestações provenientes de seus superiores.
Nesse sentido, as probabilidades de que exista manifesto atentado aos direitos da personalidade dos subordinados militares e os abusos de poder dos superiores hierárquicos aumentam, tendo em vista ser um ambiente de trabalho altamente propício ao autoritarismo e a atitudes tiranas à margem da lei em nome da disciplina militar. Assim, o assédio moral nas Forças Armadas pode consumar-se a partir do instante que os abusos de poder vingam e desde que haja conduta abusiva e consciente do chefe militar objetivando atingir a dignidade do subordinado e provocando-lhe dano.
Diante das considerações acima, a União tem de ser responsabilizada por esses absurdos surreais cometidos, quer pela má escolha de seus agentes (culpa in eligendo), quer pela má fiscalização de suas condutas (culpa in vigilando).
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: YURI DA SILVA GUIMARãES, . Assédio moral à luz do Direito Militar: Forças Armadas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 out 2009, 08:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Monografias-TCC-Teses-E-Book/18555/assedio-moral-a-luz-do-direito-militar-forcas-armadas. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Eleckson Alves da Silva Júnior
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