SUMÁRIO: ESCORÇO INICIAL; 1.BREVE HISTÓRICO ; 1.1.SURGIMENTO DOS DIREITOS; 1.2. DIREITO À VIDA; 2. ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO DIREITO À VIDA; 3. DIREITO À VIDA NOS ORDENAMENTOS; 4. A EUTANÁSIA; - Etimologia; 5. ORTOTANÁSIA; - Etimologia; - Vida digna e atingimento do direito à morte em casos aplicados; 6. Considerações Finais
INTRODUÇÃO
Há muita discussão sobre a eutanásia no mundo. Se a mesma é válida, se é justa, se há ou não espaço para ela nos ordenamentos jurídicos. Seria muito difícil oferecer respostas para todas estas perguntas, e mesmo que as possuíssemos, em se tratando de questões que tramitam o íntimo dos seres racionais, deixaríamos o convencimento a cargo de cada um.
Há outras questões, entretanto, que acreditamos poder pelo menos, traze-las a debate, com humildade. O assunto, lida com um dos aspectos mais profundos e misteriosos da vida do homem, tão profundo quanto esta própria, posto que é sua perfeita antítese, a morte. Observaremos que ao tratar deste tema, nos capítulos subseqüentes, desviaremos em tomar um caminho meramente raso, incabível nas apreciações. O presente trabalho tem a função de ilustrar alguns cenários históricos, e a possibilidade da adequação da eutanásia no sistema de leis brasileiras, em virtude de uma análise dos princípios, e observará, igualmente, as legislações estrangeiras, e se a eutanásia é ou não existente nestas.
Ocorre que, em análise prima facie do tema disposto, e já, aqui, permeando na seara de discussão, observa-se por meio de raciocínio dedutivo, que a eutanásia refere-se à morte, e a morte, outrossim já observada é a antítese da vida. Não por outro motivo, conseguiremos discutir a morte sem observar o que antes é discutido em relação à vida, assim como não enriqueceríamos nossos debates sobre a noite, se não tomássemos em contrapartida sua antítese relativa, o dia.
Este trabalho, em formato atual de livro, é fruto de estudos de uma monografia de conclusão de curso que apresentamos em Dezembro de 2005, na Faculdade Integrada do Ceará. Agora melhorado, atualizado, transformou-se em uma apresentação sucinta dos temas, para guiar os estudos mais aprofundados dos interessados.
Assim, antes de partirmos para análise do conceito da eutanásia, e de sua possível aplicação (ou não) em nosso sistema de regulação normativa, o Direito Pátrio, estudaremos em sentido amplo o direito à vida. É assim, cremos, que conseguiremos traçar paralelos de discussão apropriados.
1. BREVE HISTÓRICO – NOÇÕES FUNDAMENTAIS
O Direito surge, historicamente, como um regulador da sociedade. Ele é essencialmente nascido para regulação desta mesma sociedade (como objetivo próprio), e neste sentido criou-se o adágio “onde está a sociedade, ali está o direito”. O Direito vem regular os conflitos que surgem do convívio social. Estes conflitos, surgem imediatamente quando conduzimos o homem (e não somente um, mas um agrupamento) ao mundo. Das próprias necessidades que a natureza imbuiu no homem e a finitude (impermanência) dos bens, das coisas (alimentos, moradia), nascem os conflitos.
O homem tem necessidades de ordem biopsíquicas, como alimentação, moradia, preservação à saúde, educar-se, ter acesso à cultura, ao lazer, de ordem espiritual etc. Destinam-se a satisfazer estas necessidades, os bens da vida (alimento, casa, hospital, saneamento básico, escolas, [...]). A relação que se estabelece entre o homem e estes bens pode dar-se com maior ou menor intensidade, dependendo das necessidades humanas, no momento, e aptidão de determinado bem que seja apto a sacia-la, ou satisfaze-la. Esta atitude do espírito dirigido para um objeto é o interesse [...] Para saciar ou satisfazer suas necessidades, o homem sai em busca dos bens da vida. Sendo os bens finitos e as necessidades do homem infinitas, é inevitável a disputa de dois ou mais indivíduos por um mesmo bem. Desta competição é que surgem os conflitos intersubjetivos e até sociais[1].
Perguntarão muitos se o direito surge somente quando existe um órgão qualquer do governo que edite as chamadas leis.
Ora, é certo que não, posto que desde o momento que existem dois homens vivendo em conjunto, ali já há o Direito, para regular as condutas em relação às quais, in casu, os dois homens são possuidores de obrigações e prerrogativas um em relação ao outro. E com isso se quer demonstrar a existência de uma sociedade. Ainda assim, é intuitivo que o conceito de sociedade lato senso, é maior que apenas duas pessoas. Esta sociedade, a mesma sobre a qual discorreu Rosseau em seu Contrato Social, se refere ao pacto entre o indivíduo e o Estado.
A vida em sociedade só é possível com organização, daí a necessidade do Direito. A sociedade cria o Direito para formular as bases da justiça e segurança. Mas o Direito não gera o bem-estar social sozinho. Seus valores não são inventados pelo legislador, sendo, ao contrário, expressão da vontade social[2].
O Direito é preexistente mesmo ao Estado. Este segue àquele, e é justamente por este motivo que é dito que o vivemos em um “Estado Democrático de Direito”. É neste sentido que colacionamos a exposição de MACHADO SEGUNDO:
O Direito é inerente à qualquer grupo social, sendo historicamente anterior ao Estado, com este não se confundindo. Embora atualmente o Estado elabore grande parte das normas de um ordenamento, e procure assegurar sua eficácia através da coação institucionalizada, não se pode negar a existência de fontes do direito não estatais, tais como o costume, os princípios gerais do direito e a doutrina; tampouco se pode ignorar a existência de princípios superiores, fundamentais, inerentes à própria dignidade da pessoa humana, ao qual o Direito Estatal se deve submeter. É exatamente por isso, e porque o Estado é corporificado por homens, tão falíveis quanto os demais integrantes da sociedade, que o Direito deve disciplinar também os atos estatais. A parcela do ordenamento jurídico a tanto incumbida é denominada Direito Público, e o Estado, que submete a sua conduta a normas previamente estabelecidas é chamado Estado de Direito[3].
Para regular os bens da vida, existe o Direito. Com ele é possível entender, por exemplo, como um indivíduo pode exercer o seu trabalho, de que maneira poderá constituir uma família, o que deverá fazer para pagar os impostos. É ao mesmo tempo, uma aceitação do status quo, e também sustentação moral da indignação e da rebelião[4]. Mostra como a sociedade se organiza, para obter e produzir os bens da vida, e ao mesmo tempo provê garantias para exercemos nossas prerrogativas contra os desmandos do Estado, as demais organizações sob sua tutela, e contra os nossos semelhantes.
Assim, o Direito surgiu a partir da mera existência de duas pessoas, e regulou os diversos campos em que os homens tinham necessidade de sua existência, embora de maneira desigual em muitos locais e épocas distintas. Em alguns, o direito à liberdade surgiu, mas o direito à vida era amplamente subjugado. Um exemplo claro é a minoração que o valor a vida da mulher podia sofrer em determinados locais, nas culturas patriarcais. Em estados teocráticos controlados pela etnia muçulmana, até hoje é comum que a mera suspeita de traição enseje a barbaridade da execução sumária por apedrejamento. E isso sem o menor desenvolvimento de um processo formal, onde se apure a culpa da mulher. Não é difícil de imaginar que abusos tais direitos possam trazer.
Em outras organizações humanas, talvez, na maioria delas, a escravidão era utilizada livremente e aceita, de tal maneira que em pleno século XIX houve uma guerra interna em um dos países que adotou a democracia como baluarte e a liberdade como preceito constitucional, os Estados Unidos da América. É fato notório historicamente que um dos fatores primordiais para que se instaurasse a inquietude bélica dentro deste país foi justamente a existência da escravidão nos estados do sul, enquanto que os estados do norte defendiam a liberdade e a mão-de-obra assalariada. Apesar de que tal sustentação talvez não tenha tido motivos tão nobres, concordamos com Maquiavel no tocante à sua célebre frase, os fins justificam os meios, e neste caso, a utilidade não podia ser mais perfeita. Se a mão-de-obra assalariada surgiu para valorizar e impulsionar o sistema de produção econômica capitalista, ainda assim, valorizou de maneira reflexa o ser humano, posto que cremos, atualmente a maioria das pessoas não aceita mais a idéia de um ser humano escravo de outro, ainda que existam certos grupos e pessoas que insistem em se utilizar deste instituto de história antiga, sem observar o quanto isso causa de males de toda sorte, inclusive, a nível econômico e social, sem falar no dano direto à liberdade e dignidade humanas, com respeito ao tratamento desumano e absurdo, “coisificado”, dado ao escravo. Não é preciso citar uma comunidade específica que se utilizava deste instituto, posto que quase todo agrupamento humano antigo (e alguns nem tão antigos assim) se utilizavam do mesmo, legitimada até mesmo quando da ocupação das terras de algum povo contra outro, em caso de guerra vencida.
Assim, a história do Direito é de uma regulação incessante dos instrumentos de paz social, em determinado tempo e sociedade, para isso se utilizando por vezes dos critérios de interpretação da sociologia, antropologia e psicologia, para adaptar-se de maneira mais perfeita ao ideal de um mundo mais humano e correto, ou em outras palavras, justo.
1.1 SURGIMENTO DOS DIREITOS
Assim, mediante verdadeiros conflitos ideológicos e políticos surgiram os Direitos, e as garantias. A própria conceição do Direito da maneira como o observamos hoje, é fruto de um desenvolvimento histórico, enquanto consciência social. Assim defendia Savigny, entre outros jus-filósofos. Citando REALE, que positivou o direito como oriundo de uma relação tridimensional, qual seja da comunhão entre o fato, o valor deste fato, e a criação posterior de uma norma[5], estes são entendimentos que consideram o Direito fruto de uma organização social. E esta organização social notou, um certo momento, que precisou defender-se do homem, aquele que é lobo dele próprio, agora, de maneira civilizada, dentro dos preceitos do Direito. E pior, ao criar o Estado, o Leviatã, ente que dominou parcela dos direitos dos seus súditos para protegê-los, perceberam os homens a necessidade de instituir proteções contra este mesmo ente, visto ser o mesmo notoriamente estruturado por homens, e portanto, passível de imperfeições[6]. E neste desenvolvimento, em maior ou menor grau, viu-se o Direito amparando uma série de garantias para o indivíduo.
É nos movimentos Iluministas, que reputo haver se dado um outro cisma no mundo do direito, em que se observa a quebra da desigualdade dos homens perante a lei, em que os Estados Reais começam a observar a limitação dos direitos divinos de seus monarcas, e a laicização inicia também a sua cruzada pelos estados livres da influência da Igreja. Assim, há uma cisma com um mundo que conhecia um Direito, e há o surgimento de novas escolas de pensamento jurídico.
É neste ponto que há o renascimento do Jusnaturalismo[7] compreendido uma neste vocábulo um sistema de pensamento jurídico que imagina as o direito como procedente da noção de justiça, que exibe um modelo ideal ao legislador.
Este pensamento jusnaturalista encampará todas as grandes filosofias a respeito do Direito, e que em tempo, solidificará a uma das maiores criações do Direito Positivo que é o Constitucionalismo. E é precisamente nas Constituições que analisaremos o Direito à vida, suscitado nas páginas anteriores.
1. 1.2 CONSTITUCIONALISMO
Entre as maiores criações do Direito Positivo, se encontra sem dúvida, em mais alto nível, a criação das Constituições. É por isso que nos afirma, Paulo Roberto Figueiredo Dantas:
O Constitucionalismo surgiu, vale mencionar, a partir do Iluminismo, notadamente no século XVIII, como uma forma de se estabelecer, em oposição ao Absolutismo, a organização formal dos Estados, através da edição de Constituições escritas e rígidas, que fixassem mecanismos de limitação do poder estatal, através da concessão de direitos e garantias fundamentais às pessoas de alguma forma vinculadas àqueles Estados. [8]
É nesta época, com o surgimento das Constituições, que o Direito, ao garantir os direitos fundamentais da pessoa, dá um passo adiante na elevação de seu ideal. Posto que a Constituição, segundo Kelsen é a norma fundamental de um Estado, e que todas as normas que de um Estado decorrem e devem obediência a ela, fortificaram-se ainda mais os pilares dos Estados de Direito, que surgiram após o período Iluminista.
Da construção do conceito de Direitos fundamentais, que foi cunhado com o auxílio de várias obras, entre as quais a Petition of Rights, de 1629, e a Magna Carta, de 1215, bem como da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, cunhada a partir da Revolução Francesa, em 1789, e que foram posteriormente incrustados nas Constituições da maioria dos países, garantiu-se à pessoa humana uma segurança jurídica nunca antes vista.
Os Direitos fundamentais, também chamados de direitos humanos, são aqueles direitos mais próximos e indissociáveis ao gênero humano. Entre eles podemos enumerar como primevo, o direito à vida. Alexandre de Moraes[9] estabelece que constitui, este direito, em pré-requisito à existência e exercício dos demais direitos fundamentais da espécie humana. Posterior ao direito à vida, mas em mesmo nível de valoração, podemos encontrar o direito à liberdade. Em decorrência dos dois, segue-se o direito à igualdade, segurança, e à propriedade. Existe ainda uma série de outros direitos fundamentais, em sua maioria (ou totalidade) consignadas nas Constituições dos Estados Nacionais.
Dentre todos estes direitos, focaremos nosso estudo sobre o Direito à vida, que embasará a discussão do Direito à Eutanásia.
1. 2 DIREITO À VIDA
O Direito à vida é o direito (valor) máximo do ordenamento Brasileiro. É considerado um direito personalíssimo, como já revelado anteriormente, relativo ao gênero humano.
A eutanásia lida com um aspecto muito importante para todos os seres vivos. Através de um processo dialético, a humanidade chegou à concepção de que a vida deve ser protegida nos ordenamentos, sob pena de se criar um caos social. A vida é base, o princípio de todas as relações humanas, entendidas nas searas jurídicas, sociais, econômicas, morais e religiosas, para citar algumas. Sem a sua proteção, todos os institutos jurídicos jazem sem valia. “Grosso modo, o direito que é mais veementemente nuclear é o direito à vida. Sem ele, quaisquer outras prerrogativas juridicamente tuteladas perderiam o interesse. Sua marca registrada é a indisponibilidade (PAGANELLI, Wilson, p. 9)”.
Surgiram tais direitos personalíssimos, com a valorização da pessoa frente ao Estado, no período Iluminista, e em alguns lampejos protecionistas anteriores, ainda que tímidos, já citados acima.
O Direito à vida, dado que personalíssimo, possui, segundo a doutrina majoritária em nosso país, certas características destes, que passamos a expor:
Os direitos personalíssimos são[10]:
Portanto os direitos personalíssimos são direitos por excelência, protegidos mesmo à revelia da pessoa. Um exemplo de tal situação ocorre quando observamos que uma pessoa tem o seu direito à imagem e honra, preservados, mesmo depois de haver falecido.
Em relação ao tema proposto, isto geralmente aponta que a eutanásia é de todo modo descabida em nosso ordenamento. Segundo Maria Helena Diniz[11], o direito à vida “condiciona os demais direitos da personalidade, está acima de qualquer lei e é incólume a atos dos Poderes Públicos, devendo ser protegida (a vida) até mesmo contra o seu próprio titular, por ser irrenunciável”. É este e não outro, o entendimento majoritário da doutrina jurídica a respeito do objeto em liça.
Desta maneira, a eutanásia não seria possível de ser realizada, como o é qualquer ato atentatório à vida do ser humano. O suicídio é, em tese, punível em nossa sociedade, ou o seria, não faltasse o sujeito passivo da punição, objeto do jus puniendi do Estado, a própria pessoa que infligiu a si mesma a morte. Dado que mors omnia solvit, e a própria absurdidade de punir algo que não é mais pessoa, gera a impossibilidade da tipificação. Não fossem estes dados, fáticos, materiais, o suicídio em tese seria punível, dado ser ato violador do direito fundamental máximo.
A mesma proteção deste direito não permite a realização de aborto, ou pena de morte (que só é ressalvada em um caso, em guerra declarada, art. 5°, XLVII, alínea “a”).
Em verdade, a Constituição é o ápice de todas as normas de nosso Ordenamento. Se não houve qualquer ressalva que fosse estabelecida, neste texto, em relação ao direito à vida, então não há possibilidade de haver minoração deste em nosso Estado Democrático, de maneira lícita. Emendas Constitucionais, e legislação inferior a ela, são incapazes de legitimar atos contrários à subsistência do direito à vida[12].
2. ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA EUTANÁSIA
Saindo um pouco da esfera da análise dos direitos fundamentais, e do direito à vida, observaremos alguns aspectos históricos em que, ao longo do tempo, foi permitida a eutanásia, em alguns agrupamentos humanos.
A eutanásia não é um fenômeno recente, ao contrário, acompanha a humanidade desde a história antiga. Na Grécia já era comum a sua prática. Os povos antigos, dependendo sua sobrevivência de um exército forte e eficaz, a praticavam, em virtude de realizar outro instituto de biodireito, a eugenia, como cita Maria Helena Diniz (2002, p.325):
Entre os povos primitivos era admitido o direito de matar doentes e velhos, mediante rituais desumanos. O povo espartano, por exemplo, arremessava idosos e recém-nascidos deformados do alto do Monte Taijeto.(...) os guardas judeus tinham o hábito de oferecer aos crucificados o vinho da morte ou vinho Moriam (...) Os brâmanes eliminavam recém-nascidos defeituosos e velhos enfermos, por considera-los imprestáveis aos interesses comunitários.Na Índia, lancavam no Ganges os incuráveis(...) Na antiguidade romana, Cícero afirmava (De Legibus, III, 8, 19) que era dever do pai matar filho disforme(...)Os celtas matavam crianças disformes, velhos inválidos e doentes incuráveis.
Observamos que, de maneira diversa dos respeitados autores que citam a eutanásia confundindo o seu conceito com o de eugenia por exemplo, ao retirar a vida de uma criança disforme, em razão de alcançar com isso valor puramente estético ou mesmo um “aperfeiçoamento” racial, não cremos haver aí de fato eutanásia, segundo os ditames pelos quais a apresentaremos neste modesto trabalho.
Podemos considerar, entretanto, como outro fator causa da “boa-morte” a incapacidade de lidar com aqueles que apresentavam doenças sem cura prevista pelos líderes, antigos patriarcas, sábios e xamãs de uma sociedade, e cuja permanência do enfermo no grupo poderia desorienta-lo; ou perpertuar alguma doença desconhecida. Havia durante este período primitivo, elevado número de doenças que não se sabia a causa, frequentemente tomadas como castigo dos deuses ou demais sobrenaturalices, doenças que poderiam ser letais e contagiosas, e que deveriam ser isoladas instantaneamente a fim de evitar a sua dispersão pelos indivíduos da comunidade. Desta maneira, instintivamente por vezes, percebemos que, ao longo do tempo, a eutanásia significou um interesse do grupo sobre o do particular, onde por falta de melhores condições, a decisão era de que esta era a melhor saída.
Os Germanos matavam os enfermos. Na Birmânia, eram enterrados vivos os doentes incuráveis, enquanto que os Eslavos e Escandinavos apressavam a morte de seus pais que padeciam em enfermidade. Em Roma, era comum lançarem-se ao mar os deficientes mentais. O Imperador romano Júlio César decretou que os gladiadores feridos de morte, depois do combate no circo romano, fossem mortos se os césares voltassem o polegar para baixo (pollice verso - o polegar para baixo dos césares era uma indulgente autorização à morte, permitindo aos gladiadores feridos, que tardavam morrer, evitarem a agonia e o ultraje) para não prolongar a agonia, o que equivalia, segundo Giuseppe Del Vecchio, à prática eutanásica. Os gladiadores mortalmente feridos nos combates viam, portanto, abreviados os sofrimentos pela compaixão real.(...) Na Idade Média, os guerreiros feridos em combates eram sacrificados – ato de "misericórdia" – mediante golpes de punhal muito afiado introduzido na articulação, por baixo do gorjal da armadura, que lhes servia para evitar o sofrimento e a desonra.As populações rurais norte-americanas, que, devido aos fatores ambientais, eram nômades, sacrificavam enfermos e anciãos para não os abandonar ao ataque de animais selvagens.Até o ano de 1600, conta-nos Lombroso que na Suécia velhos e doentes incuráveis eram mortos por seus próprios familiares. A discussão sobre o tema prosseguiu ao longo de toda a história da humanidade, com a participação de Lutero, Thomas Morus (Utopia), David Hume (Of suicide), Karl Marx (Medical Euthanasia), Schopenhauer, Immanuel Kant, entre outros. Segundo o mestre Afrânio Peixoto, "na Utopia, o país ideal de Thomas Morus, havia magistrados incumbidos de informarem a incuráveis e débeis, aleijados e inúteis, que se deviam eliminar ou serem eliminados: uns deixavam-se morrer de fome, outros eram mortos, no sono". Desta forma, todos os que se sentiam inúteis deveriam se autodestruir, como um meio de ajudar a sociedade a progredir economicamente. Por outro lado, para Immanuel Kant a vida não vale para si mesma, mas em função de um projeto de vida com liberdade e autonomia. A eutanásia está justificada se permitir a base material para uma vida merecedora (LIMA NETO, Luiz Inácio de, p.1-4).
Na França, mais precisamente nas conquistas napoleônicas, houve certa vez um médico que furtou-se de cumprir as ordens do Corso, que lhe pediu que eliminasse alguns soldados que haviam sido atacados pela peste. O médico respondeu que a sua função não era esta, e sim a de curar. O interessante é que as ordens foram transmitidas pelo próprio Napoleão, o mesmo que outorgou o Código Civil Francês, em 1804.
Na Prússia, em 1859, houve a discussão do Plano Nacional de Saúde, momento em que houve a proposta de que o Estado deveria prover a realização da Eutanásia em pessoas que se tornaram incompetentes para demandá-la.
Em 1884, na Itália, Enrico Ferri, eminente jurista imprime trabalho sugestivo, que viria a ser publicado no Arquivo de Lombroso, intitulado “L´omicidio-suicidio”, e no qual aborda a responsabilidade jurídica daquele que provê a morte de outro mediante seu consentimento.
No Brasil, na Faculdade de Medicina da Bahia, bem como no Rio de Janeiro e em São Paulo, inúmeras teses foram desenvolvidas sobre este assunto, entre 1914 e 1935.
Há uma mudança no entendimento geral do que venha a ser eutanásia por volta das décadas de 30 e 40 do século XX. Antes entendia-se eutanásia pela mera disposição que se fazia de pessoas portadoras de doenças terminais e consideradas indesejáveis (como nos casos históricos na Grécia, etc., dispostos acima). Nestes casos a eutanásia, era na realidade, um homicídio. É possível observar da mesma maneira nos primeiros casos citados, a eutanásia também praticamente se confundia com a eugenia. Em 1956 houve o posicionamento da Igreja Católica, de forma contrária à eutanásia, por ser contra a “lei de Deus”. Contudo, em 1957, o Papa Pio XII aceita publicamente, o que viria a ser conhecido como eutanásia de duplo-efeito (LIMA NETO, Luiz Inácio de, p. 2-4).
Na Alemanha Nazista ficou conhecido o programa Nazista “Aktion T4”, que possuía um objetivo diverso de poupar o sofrimento de um doente. Sua atuação era justamente no sentido de eliminar, sem contradições, as etnias consideradas de menor valor, pessoas com deficiências ou doenças, perpetuando e desenvolvendo o objetivo próximo de melhorar e realizar uma “limpeza social”. Neste sentido observamos novamente o princípio da eugenia se insurgindo.
Por volta de 1997 é criada na Austália uma empresa chamada EXIT, uma das primeiras associações pro-eutanásia. Esta empresa foi criada depois da regulação dos “Direitos dos Pacientes Terminais” que entrou em vigor em 1995, autorizada pela Assembléia Legislativa Territorial (Northern Territory Legislative Assembly)[13]. Segundo se informa, esta empresa distribuía folhetos para seus associados, e nestes eram demonstradas instruções de como “morrer com dignidade”. É neste sentido, o de morte com dignidade, que muito do argumento pró-eutanásia e posteriormente pró-ortotanásico irá se fundamentar. Esta empresa, atualmente fundada pelo Dr. Philip Nitschke, e com sede em Darwin, Austrália, nome de EXIT International, permanece, com o propósito de difundir maneiras pelas quais a pessoa possa se informar a respeito da determinação do momento de sua morte a despeito de qualquer legislação que albergue entendimentos contrários[14]. Um dos seus projetos atuais é a criação da idéia da pílula pacificadora ou em inglês “Peaceful Pill”, uma pílula que pode retirar a vida de uma pessoa, de uma maneira calma e indolor, e pela qual persevera atualmente a Instituição.
3 A EUTANÁSIA
3.1. ETIMOLOGIA
A Eutanásia tornou-se assunto contemporâneo, quase que midiático, atravessando neste sentido toda a gama de filmes e livros que trouxeram à baila este assunto tão particular, velado e revelado em nossa história humana, continuamente.
A palavra está ligada à morte, como é de razão mínima esperar. Etimologicamente, a palavra é construída desta maneira:
Eu - > Do grego, “bom”, “boa”.
Tanásia -> Do grego, vem de “thanatos”, significando morte.
A eutanásia seria a boa-morte, ou morte-doce, segundo Francis Bacon, que cunhou o termo, utilizado pela primeira vez em obra sua, denominada “Historia vitae et mortis”, em 1623 (DINIZ, 2002, p.324). Entende-se, em termos bem iniciais, que a eutanásia se dá quando uma pessoa causa a morte de outra que está debilitada, em vias de morrer, e que passa por grande sofrimento.
De logo, percebem-se alguns problemas. O maior deles talvez seja o da análise do quesito “sofrimento”. Qual a medida do tal sofrimento? Existe uma medida objetiva do mesmo, que possibilite a sua aferição?
Juridicamente, a questão do sofrimento é notoriamente conhecida na formação de direitos morais e materiais que foram devidamente violados por terceiro (ou mesmo pelo Estado), frente ao sujeito de direitos.
Observa-se que a definição dada pelos vários autores sobre o dano moral [...], contém dois elementos: um negativo, no qual aparece a contraposição com o dano patrimonial, e outro substantivo, que consigna a representação da dor. Segundo o mesmo autor, as tentativas de uma conceituação substancial de dano moral tem enfrentado dois tipos de problemas: a ausência de um caráter distintivo e a tendência diante do alargamento de danos ressarcidos. Inicialmente, a dor como caráter distintivo capaz de conduzir a uma conceituação substancial era preponderante; porém observa-se uma tendência no sentido de abolir tal subjetivismo, chegando-se, progressivamente, à sua superação. (VARGAS, Glaci de Oliveira Pinto – Reparação do dano moral: controvérsias e perspectivas 4.ed. Porto Alegre. Ed Síntese, ano 2001, p. 15).
Entretanto não cabe aqui discursar sobre o dano moral e material, traçando um paralelo com o sofrimento na seara da eutanásia. Primeiro que os direitos a serem protegidos no primeiro caso, são patrimoniais, e observados em uma relação obrigacional, na maioria das vezes. Os direitos personalíssimos analisados no segundo caso não são disponíveis e são protegidos erga omnes, podem ser cobrados de qualquer pessoa, do Estado e até mesmo em relação à própria pessoa. De resto, somente a título de ilustração demonstrou-se uma das utilizações no direito posto do termo “sofrimento” gerando obrigações.
Dentre outros questionamentos, estes recaem em áreas importantes concernentes à possibilidade da eutanásia nos ordenamentos jurídicos, onde se entende que ao cidadão comum é permitido fazer tudo que a lei não proíbe. Entretanto não de maneira rasa consideraremos que a lei permite a realização da mesma no ordenamento pátrio. Observe-se que, como já foi citado acima, a eutanásia não é, prima facie, constitucionalmente permitida em nosso ordenamento. E o que legitimaria a eutanásia, se no contexto de um “sofrimento”, bem como à legitimação subjetiva ativa, ou seja, a que ser humano caberia retirar de maneira dolosa a vida de outro? Entretanto verificaremos que a questão do sofrimento é muito tênue, bem como subjetiva. Esforçar-se em analisar a questão do sofrimento objetivamente, fará com que, ao final, percamos o real sentido do assunto em tela. É por isso que deveremos nos abster de discutir tal questão subjetiva e palmilhar pelas searas dos pontos objetivos que, tentaremos demonstrar, justificam a mesma.
Retiremos então a análise subjetiva do sofrimento para não complicar o nosso estudo, momentaneamente.
Analisamos de maneira breve os contextos históricos em que foram realizadas espécies de eutanásia (confundidas por vezes com a eugenia), e percebemos sem demora que a mesma foi utilizada de maneira primitiva, rude e impulsiva, exatamente da maneira como nossos antepassados costumavam agir em suas atividades.
Mas a eutanásia que se pretende defender no presente trabalho é aquela filha do novo entendimento que surgiu a partir dos anos 30, 40 do século XX, a respeito da mesma.
Segundo Javier Gafo (2000, p.98), “(...) a palavra eutanásia perde, pelo menos em parte, o seu sentido etimológico, começa a significar a ação médica pela qual se acelera o processo de morte de um doente terminal ou se lhe tira a vida”.
É bem o sentido que se quer passar, a respeito da ação médica.
Punctum saliens, não existe mais o sentido arbitrário e selvagem de eutanásia que vinha sido realizado anteriormente. É esta a acepção de eutanásia que aformoseia a partir de 1935-1940. Não se trata de atirar de um monte uma criança de tenra idade. Tampouco é retirar a vida de pessoa em hospital quando esta ainda tem chance de uma sobrevida, que se pode denominar digna. Tais situações, em nosso visão não podem ser confundidas com a “eutanásia”. Este termo procura outros sentidos, mais humanos até, do que os anteriormente especificados.
Em nossos dias o termo faz referência ao ato de tirar a vida de outra pessoa por solicitação dela, com o propósito de acabar com o seu sofrimento. Daí advêm os outros termos aplicados a eutanásia: morte suave, morte piedosa, o direito de morrer. (SAMPAIO, 2002, p.94)
A acepção do termo é vasta e permeia toda ação que vise deliberadamente provocar a morte de outrem, conquanto enfermo. Ainda, quanto aos requisito para se compor a acepção que se quer apresentada do termo:
Para Milton Schmitt tem um sentido mais amplo, abrangendo outras modalidades: "O termo Eutanásia, hodiernamente passou a ser utilizado para designar a morte deliberada de uma pessoa que sofre de enfermidade incurável ou muito penosa, sendo vista como meio para suprir a agonia demasiadamente longa e dolorosa do, então chamado, paciente terminal. Porém, seu sentido ampliou-se passando a abranger o suicídio, a ajuda em nome do Bom Morrer, ou Homicídio Piedoso”.(...) Dentro dos limites da conceituação jurídica, a eutanásia compreenderia o "direito de matar" ou o "direito de morrer", em virtude de razão que possa justificar semelhante morte, em regra, provocada para término de sofrimentos, ou por medida de seleção, ou de eugenia. Destarte, a eutanásia leva à discussão sobre o direito de uma pessoa por fim à própria vida, valendo-se de outra pessoa. Podemos indagar se haveria apenas uma faculdade ou um direito juridicamente tutelado, isto é, que possa ser coercitivamente exigido. No mundo jurídico, se alguém tem um direito, pode socorrer-se do processo, para fazê-lo valer e, se este não consegue por seus próprios meios, outrem precisa ter o dever de realizá-lo. Suscita-se a questão: a quem caberia realizar essa ação destinada a eliminar o sofrimento de um doente, causando sua morte? Na concepção de Bacon, que cunhou o termo eutanásia, seria dever do médico acalmar os sofrimentos e as dores, mesmo quando esse alívio sirva para trazer uma morte doce e tranqüila.(LIMA NETO, Luiz, 2005, p. 2)
Percebe-se, entretanto, que a eutanásia subdivide-se, alcançando definições diferentes de acordo com seus pressupostos fáticos. O que permite um esclarecimento a respeito de suas divisões, em nome da didática.
3.2 Espécies de Eutanásia
Homicídio-piedoso, suicídio assistido, ortotanásia. Os nomes mudam, o sentido permanece. No entanto, as situações dos casos particulares é que formam os fatos, e os fatos são diferenciados, por vezes sutilmente, o que gera esta polissemia. A eutanásia propriamente dita é chamada, para efeitos de estudo, de eutanásia ativa. Ela é “o ato de tirar a vida para extinguir o sofrimento do paciente” (SAMPAIO, 2002, p.94). É o sentido mais comumente conhecido e difundido da eutanásia, qual seja a cena do médico que desliga o aparelho (respirador ou outro de mesma valia), frente a um paciente considerado incurável, de maneira científica (ou por vezes arbitrária), ou de morte certa. Ainda, há de se considerar que o paciente deve estar conectado a estes mesmos aparelhos simplesmente para não haver a morte de uma coisa, que já não aprecia vida humana, no sentido lato do termo.
Maria Helena Diniz (2002, p.323), respeitada doutrinadora, também transcorre sobre o sentido da eutanásia, trazendo dois outros sinônimos:
(...) a eutanásia ativa, também designada benemortásia ou sanicídio, que, no nosso entender, não passa de um homicídio, em que, por piedade, há a deliberação de antecipar a morte de doente irreversível ou terminal a pedido seu ou de seus familiares, ante o fato da incurabilidade de sua moléstia (...).
A eutanásia passiva é justamente o fato caracterizado por uma omissão. Cita Sampaio (2002, p.95), que:
(...) mesmo assim não deixa de ser um ato passível de inúmeras implicações já que não há uma definição precisa do ponto sob o qual a enfermidade é considerada irredutível e a partir daquele ponto o doente não sofreria benefícios de outras terapêuticas.
Ainda explica Javier Gafo (2000, p.99), que:
No segundo caso da eutanásia, pelo contrário, não existe uma acção positiva, mas também não se aplica uma terapia ou uma ação que poderia prolongar a vida do doente. O característico da eutanásia activa ou passiva seria a omissão, a não-aplicação de uma terapia disponível e que poderia prolongar a vida do doente.
Observa-se que há uma linha tênue entre a eutanásia ativa e passiva. Esta linha fica mais evidenciada quando consideramos que um certo número de pessoas pode entender que no caso em que o médico desliga os aparelhos necessários à vida e deixa o paciente falecer por insuficiência de algum trato biológico, este poderia estar incorrendo tanto em uma eutanásia ativa, quanto a passiva. Passiva porque desligou os aparelhos e deixou o paciente aos ditames da vida. Ativa porque houve um ato, o desligamento dos aparelhos só foi possível diante dele. Encontra-se aí, sutil divisão.
Em nossa humilde opinião, há eutanásia passiva quando há ato, perpetrador desta, modificador de uma situação anterior. Ou seja, se há paciente conectado a aparelhos, há eutanásia ativa quando do desligamento dos mesmos. Este foi o ato, in totum, que iniciou a série de fatos biológicos concatenados que por fim ceifaram a vida do paciente in casu. A mesma situação se apresenta quando se injetam substâncias com este fito, na corrente sanguínea do paciente. Algumas legislações internacionais tendem a tratar estes casos como suicídio assistido (ver a seguir). Maria Helena nos ilumina a respeito da eutanásia ativa novamente:
Por exemplo, o Dr. Hans Henning Atrott e o Dr. Hackenthal, médicos alemães, adeptos da eutanásia, que admitem a aplicação de medicamentos letais, sendo que o último aceitou aplicar uma dose de cianureto em uma enferma incurável de câncer de pele que, após treze operações, ficou completamente desfigurada. (Maria Helena Diniz, p. 324)
Por outro lado cremos que há eutanásia passiva quando não há modificação de situação anterior, e não há ato que enseje tal instituto. Exemplificando: tal paciente encontra-se em situação irreversível de vida, acamado e sem esperanças. Sua família se solidariza com sua dor. Neste caso, ao serem informados que a manutenção da vida (ou sub-vida) de seu parente dependerá de diferentes tipos de drogas e/ou tratamentos mecânicos, solicitam ao médico que não proceda aos mesmos, em respeito ao próprio enfermo, já que esta manutenção de (sub)vida não restará, ao final, em restabelecimento de vida digna à pessoa, que neste caso, pode estar até inconsciente destas decisões. Da decorrência deste caso e símiles, entendemos haver uma eutanásia passiva.
Há ainda, a eutanásia de duplo efeito, qual seja aquela que é acarretada pela ação médica que visa o alívio do enfermo. Sampaio (2002, p.95) explicita :
Determinados tratamentos ou medicações, pelo seu efeito adverso tóxico ou agressivo, podem acabar apressando a morte do paciente, mas ao mesmo tempo lhe permitiriam um estado mais confortável, com melhor qualidade de vida em seus últimos momentos.
Gafo (2000, p.99) acrescenta:
Diante de um canceroso que sofre grandes dores, é freqüente a aplicação de (...) derivados da morfina. (...) O médico pode não pretender acelerar a morte do doente, mas aliviar-lhe as dores. No entanto, é previsível que também se produza um encurtamento da sua vida.(...).
A eutanásia de duplo-efeito, como depreende-se das informações supra-citadas é a eutanásia geralmente conseguida (ainda que nem sempre planejada em primeiro momento) por meio de uma medicação que com o tempo, pode vir a enfraquecer o sistema biológico vital do sujeito passivo (paciente). Quando nos referimos a não ser “planejada”, queremos com isso explicitar que o motivo pelo qual determinado remédio ou tratamento está sendo utilizado ou ministrado não é em virtude de ceifar a vida do paciente, e sim minorar a dor ou condições da enfermidade. Este é um quesito básico da eutanásia de duplo-efeito, qual seja, o medicamento ou tratamento deve necessariamente ser utilizado em razão de obter alguma melhora no estado biopsíquico do paciente. Várias injeções de morfina, para redução da dor, em estados avançados de tumores, ou outro medicamento que acabe degenerando o estado do paciente, mas em troca lhe reduza o sofrimento, deve ser considerado como uma possível eutanásia de duplo-efeito. Um medicamento que somente vise abreviar a vida do enfermo não é considerada uma eutanásia de duplo efeito, sendo em tudo semelhante à eutanásia ativa.
O suicídio assistido seria outro termo que se refere ao assunto. Ocorre quando alguém municia ou possibilita a outrem desejoso de eliminar sua própria vida, tanto meios, bem como informações para tanto. Encontramos esta figura no tipo penal de “auxílio ao suicídio”, no artigo 122 do Código Penal Brasileiro in verbis:
Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça.
Novamente, Maria Helena Diniz (2002, p.320) comenta sobre isso:
Na Suíça e na Holanda constitui prática institucionalizada, configurando-se pela injeção de uma única dosagem letal.(...)Como exemplo podemos citar o caso do Dr. Jack Kevorkian, que inventou para ajudar pacientes irreversíveis a porem um fim a seus atrozes sofrimentos, a máquina do suicídio (...) Esse médico colocou o aparelho à disposição de 130 clientes (...), que, ao usarem-no cometeram o suicídio.
Este foi mesmo método requerido na Austrália, pela Lei dos Direitos dos Pacientes Terminais, de 1° de julho de 1996, revogada posteriormente.
Jack Kevorkian, um dos nomes mais conhecidos quando o assunto é eutanásia, médico norte-americano, patologista, conhecido por Dr. Morte, dado que se posicionou a favor do suicídio assistido como um direito geral, ilimitado, para todos. Depois que foi preso, acusado de homicídio, sempre se defendeu afirmando que as leis que pregavam uma sobrevida indigna da pessoa enferma eram injustas, e que nunca iria se submeter às mesmas, mesmo se incorresse em tipificação penal[15]. Foi solto, e no dia 15 de janeiro do ano de 2008 sustentou novamente seus pensamentos em uma palestra pública na Universidade da Flórida.
A eutanásia ainda pode ser apresentada como voluntária, justamente quando há o pedido por parte do doente. Neste sentido há um posicionamento que sustenta que não se pode levar em conta o que uma pessoa submetida a um sofrimento afirma, já que seu estado mental padrão está afetado. O conceito de equilíbrio deveria ser sopesado em todos os casos. Para a legislação brasileira, no estado atual, o entendimento é de que tal solicitação é irrelevante por parte do enfermo, pois não se é permitido dispor da vida, protegida pela Carta Magna e princípio de todos os direitos do nosso ordenamento.
A eutanásia involuntária é aquela que acontece a despeito do que o doente deseja para si, ou mesmo ignorando sua opinião, realizada a pedido dos familiares ou em não havendo nenhum, o próprio médico autorizando o ato. Casos em que o último acontece, infelizmente estão sempre relacionados à mistanásia (ver adiante). O paciente pode ser considerado um indigente, e portanto, em caso de inconsciência, ser realizada a mesma, dado que sua permanência no hospital redunda em custos, que a entidade não deseja muitas vezes. Ainda, pode ser realizada de maneira um pouco mais nobre, quando em falta de leitos e condições (uma realidade ainda infelizmente corrente em nosso país), para assistir paciente que detém melhores condições de sobrevida, é recomendado que se desocupe certo leito onde se encontra outro, inconsciente e com pouca expectativas de convalescer. Este tipo de causa mortis não leva em conta a vontade do enfermo (o que alguns chamam de eutanásia não voluntária), ou a ultrapassa, quando da sua exposição anterior (SAMPAIO, 2002, p.97).
Ainda existem os conceitos de ortotanásia, distanásia e cacotanásia. Os seus prefixos (orto-, dis-, caco-), todos de origem grega, ajudam perfeitamente a entender os seus significados. Nas palavras de Gafo (2000, p.104):
O prefixo grego dis teria o sentido de “deformação do processo de morte”, de prolongamento, de dificuldade. Por isso, a palavra distanásia significaria o prolongamento exagerado do processo de morte de um paciente e seria quase uma crueldade terapêutica, porque provocaria uma morte cruel ao doente.(...) O prefixo grego orto daria o sentido de “morte digna”. Ortotanásia tem o sentido da morte “a seu tempo”, sem abreviar propositadamente nem prolongar desproporcionalmente o processo de morrer. Essa ortotanásia é diferente da eutanásia –na nova terminologia que propomos—no sentido em que não pretende pôr termo à vida de um paciente.
Ortotanásia é um dos conceitos que deve ser estudado propriamente, porque contém em si, o caminho que leva a uma possibilidade de existência da eutanásia bem compreendida, nos ordenamentos.
Ainda, aduz o estudioso espanhol que cacotanásia tem o objetivo de apontar para os casos de morte que se realizam sem a vontade expressa do enfermo. Iguala o sentido da eutanásia involuntária (e da mistanásia, por vezes).
Um dos doutrinadores de magna importância no debate atual do instituto da eutanásia (e suas classificações) é Luis Jiménez Asúa, advogado criminalista, e que defendeu uma didática particular em seu livro “Liberdade de amar e Direito de Morrer: ensaio de um criminalista sobre eugenia e eutanásia”[16], que exporemos em razão de sua formidável e polêmica contribuição neste terreno de conhecimento.
Ele chama de eutanásia libertadora aquela que é realizada quando o enfermo solicita a mesma. Para que a mesma seja realizada de maneira justificada a doença deve ser incurável e o paciente deve se encontrar em estado de sofrimento. Intitula de eutanásia eliminadora a que é realizada em indivíduos que não se encontrem em estado terminal, mas que sofram de distúrbios psíquicos. Defende a mesma porque os pacientes-alvo da mesma são pessoas que não realizam atividades na sociedade civil e econômica, e portanto desprovidos de préstimo para a mesma (desnecessário apontar novamente que nossa opinião não coaduna com a do estudioso neste ponto). A eutanásia econômica, que a priori, pode parecer similar, é realizada em pessoas que sofreram doenças ou acidentes graves, e estão inconscientes por tal razão. A diferença das duas últimas classificações é que na econômica, o acidente ou doença são graves, gerando um grau de coma, e a eliminadora é defendida em pessoas que não sofreram a inconsciência acidentária (mas que possuem graus de demência que hipoteticamente não os qualificariam para a vida em sociedade).
Por fim, existe a mistanásia, que no dizer de Goldim[17] (2005, p.2) é:
também chamada de eutanásia social. Leonard Martin sugeriu o termo mistanásia para denominar a morte miserável, fora e antes da hora. Segundo este autor: ‘(...)dentro da grande categoria de mistanásia quero focalizar três situações: primeiro, a grande massa de doentes e deficientes que, por motivos políticos, sociais e econômicos, não chegam a ser pacientes, pois não conseguem ingressar efetivamente no sistema de atendimento médico; segundo, os doentes que conseguem ser pacientes para, em seguida, se tornar vítimas de erro médico e, terceiro, os pacientes que acabam sendo vítimas de má-prática por motivos econômicos, científicos ou sociopolíticos. A mistanásia é uma categoria que nos permite levar a sério o fenômeno da maldade humana’.
Esta é a eutanásia nua e crua, realizada somente no melhor interesse do sentido econômico financeiro de uma sociedade, o que, acreditamos, não deva ser de fato a primeira razão pela qual se escolhe albergar tal pensamento. Acreditamos ser a eutanásia digna de uma opção de piedade, frente a um ser humano que sofre, quase sempre sem expectativas. É assim que defenderemos, mais à frente.
Analisaremos brevemente a questão da eutanásia no Direito Comparado, e poderemos perceber as diferentes nuances com que vem sendo tratado o tema. O instituto é comumente mais refutado, no cenário internacional, do que aceito. Veremos o que as linhas a seguir podem nos revelar sobre o assunto.
4.1 A Eutanásia na Holanda
A Europa compõe-se de 45 países, possuindo uma diversidade cultural significativa. Ao mesmo tempo os diversos matizes sócio-econômicos do povo destes países estão encontrando uma isonomia através do ideal da nova aliança comercial, a Comunidade Européia.
Dentre estes, a Holanda é internacionalmente conhecida como precursora do desenvolvimento da idéias mais modernas e liberais. Seus Distritos da Luz Vermelha (Red Light Districts), se há muito chocaram o mundo, hoje permanecem, legalizados em Amsterdã.
O movimento para o uso legalizado das drogas encontrou refúgio nesta região dos Países Baixos, onde já é possível adquiri-las, mesmo em restaurantes. Igualmente a Holanda desenvolveu um respeito ao direito de morrer do indivíduo, de forma que a questão da eutanásia é tratada de maneira mais branda.
Na Holanda, a eutanásia hoje está regulamentada por lei, mas era tolerada pela justiça se feita a pedido do paciente em estado terminal, atestado por dois médicos, sob diretrizes específicas estabelecidas, desde 1984, pela Comissão Governamental Holandesa para Eutanásia, disciplinada pela Royal Dutch Medical Association (RDMA) e pelo Ministério da Justiça (DINIZ, 2002, p.326).
Ou seja, hoje, já é legalizada, mas antes, desde 1984, já se permitia ser realizada a eutanásia no enfermo, de acordo com certas formalidades.
Em 1993, houve a promulgação da Lei Funeral (Funeral Act), tornando a prática da eutanásia aceita, mas não legalizada. Desta maneira:
Seguem abaixo os cinco critérios que foram estabelecidos pela Corte de Rotterdam para permitir a eutanásia aceita mas não legal:
1)A solicitação para morrer deve ser uma decisão voluntária feita por um paciente infomado;
2)A solicitação deve ser bem considerada por uma pessoa que tenha uma compreensão clara e correta de sua condição e de outras possibilidades. A pessoa deve ser capaz de ponderar estas opções, e deve ter feito tal ponderação;
3)O desejo de morrer deve ter alguma duração;
4)Deve haver sofrimento físico ou mental que seja inaceitável ou insuportável;
5)A consultoria com um colega é obrigatória.[18]
O médico, ao seguir os procedimentos da Lei Funeral deveria comunicar o Ministério da Justiça, e elaborar relatório. Este relatório não e tratava de mero atestado de morte natural. A autoridade médica local, deveria ser informada através de questionário específico; a esta restaria por força de lei relatar a morte ao promotor do distrito; e o promotor, munindo-se então, do documento médico preenchido, e das provas a serem produzidas, decidiria pela acusação ou não do médico em questão (Sampaio, 2002, p.107).
Atualmente, como já explicitado, a eutanásia é legalizada na Holanda[19].
(...) pois o Parlamento holandês em 2002 aprovou lei que legaliza não só a eutanásia como também o suicídio assistido. A eutanásia, na Holanda, apenas poderá ser pratica se o paciente não tiver a menor chance de cura e estiver submetido a insuportável sofrimento. O pedido deve vir do próprio paciente e tanto ele quanto seu médico devem estar convencidos de que não há outra alternativa confirmada por parecer de outro médico e por uma comissão de especialistas (DINIZ, 2002, p.327).
Alguns entendem que a liberação pode estar causando abusos, como argumenta Javier Gafo. Ele afirma, em seu livro 10 Palavras Chaves em Bioética, que o número de eutanásias sendo praticadas na Holanda atualmente chega a ser em torno dos 3000 (três mil) casos anuais (p.132). Isso é uma das possibilidades que muitos autores se utilizam no sentido de refutar a eutanásia como fato jurídico válido[20].
A Bélgica, atualmente, juntamente com a Holanda, faz parte do estrito número de países a possuir a legalização da eutanásia. Foi legalizada em 16 de Maio de 2002, iniciando a sua vigência ao dia 22 de Setembro de 2002.[21]
4.2 A Eutanásia na Espanha
Na Espanha, da mesma maneira visualiza-se uma problemática, pois que, como dispõe o Código Penal espanhol, quem ajuda o suicida, mas não lhe instiga a morte vai ser castigado com prisão menor. Em virtude de o Código Espanhol não tratar especificamente do tema da eutanásia, o assunto deve ser visto através das conexões possíveis entre os institutos do suicídio e do homicídio. Como em muitos outros ordenamentos legais, explica Gafo, não se pune o suicídio, porque não se deve, nem “se pode culminar com pena de prisão a quem está disposto a tirar a própria vida.” (GAFO, Javier, p.134)
Pune-se o auxílio, mas só até aonde este se tornou eficaz, e ainda:
[...] a maior parte dos autores considera que a ortotanásia não deve ser penalizada, uma vez que a intervenção médica pretende minorar as dores, ainda que disso advenha um encurtamento da vida; o mesmo se deve dizer sobre a aplicação de tratamentos extraordinários, cuja finalidade é o prolongamento artificial da vida quando o prognóstico é mau. Se o doente está consciente, deve ser ele mesmo quem determina a assistência desejada (GAFO, 2000, p.134).
Ainda acrescenta-se que, o anteprojeto do Código Penal Espanhol de 1992, atenua as penas no caso de eutanásia ativa, quando se realiza a pedido expresso do enfermo.[22]
4.3 A Eutanásia nos Estados Unidos da América
Politicamente, os estados federativos americanos formam unidades legislativas, cada um tendo a sua própria competência. No estado do Oregon, chegaram a aprovar uma medida (measure 16) em 08 de novembro de 1994. Esta medida, entretanto, não considera a eutanásia, ativa ou passiva, mas o suicídio-assistido. Como o professor Roberto Goldim ensina em seu artigo para a Universidade do Rio Grande do Sul:
Esta lei estabelece todos os critérios mínimos a serem atingidos para que uma pessoa possa ter acesso à prescrição de medicamentos e de informações que lhe possibilitarão morrer. O médico assistente deverá chamar um colega em consultoria para confirmação do diagnóstico. Também poderá ser feita uma avaliação da capacidade da pessoa que está solicitando o procedimento, a ser feita por um profissional habilitado. Os prazos mínimos para reflexão foram estabelecidos, assim como os instrumentos necessários para a documentação adequada de todos os critérios, prazos e manifestação de vontade. [23]
O governo mediante uma pressão social conservadora tentou corrigir esta medida, mas depois do plebiscito realizado, houve uma vitória de 60% para manter a medida. Assim:
O comitê nacional pelo direito à vida obteve a interdição da medida na Corte Suprema para atrasar sua implementação. Em 7 de março de 1996, a nona corte do circuito de apelações declarou inconstitucional uma lei de Washington que incrimina o médico que ajudar a pacientes terminais (suicídio assistido). A corte, por uma maioria de 8 a 3, resolveu que a lei infringe o direito a liberdade e a proteção, garantidas pelo artigo 14 da constituição dos EUA.(SAMPAIO, 2002, p. 103).
Os Estados Unidos tornaram-se mundialmente reconhecidos, ao se falar em eutanásia, em parte devido ao renomado doutor Jack Kevorkian.
[...] o “Doutor Morte”, patologista de Michigan (EUA) que inventou, para ajudar pacientes irreversíveis a porem um fim a seus atrozes sofrimentos, a máquina do suicídio [...] Esse médico colocou o aparelho À disposição de 130 clientes, dentre eles Janet Atkins e Thomas York, que, ao usarem-no, cometeram suicídio. No Estado de Michigan (EUA), onde tal fato ocorreu, surgiu uma questão jurídica, pois lá o ato de colaborar com o suicida não constitui crime, ante o fato de o cúmplice da ação não poder ser punido mais do que o agente principal, uma vez que o suicídio não configura delito. Mas apesar disso, o médico foi condenado, judicialmente, pela morte daquela paciente, por homicídio em segundo grau, sob o fundamento de que foi o principal agente, embora tenha sido comprovado que se tratava de uma pré-suicida segura da decisão tomada, uma vez que deixara nota confessando que, conscientemente, não suportaria os efeitos do agravamento de sua moléstia, nem queria que seus familiares presenciassem a agonia a que ficaria sujeita. [...] Kevorkian considerou incoerente a decisão que o condenou, proibindo que adulto consciente ponha fim em sua vida com a assistência médica, uma vez que o aborto é legal, apesar de terminar com a vida sem a anuência da vítima (DINIZ, 2002, p.320-1).
Cita Sérgio Ferraz[24] que em Nova York, há lei, desde 1990, admitindo que os cidadãos escolham alguém, parente ou amigo, para decidir, quando aquele não puder, se deve haver a interrupção de tratamento médico, em caso terminal. Tal caso deve se dar, acreditamos em virtude de paciente poder escolher procurador que represente seus interesses frente à Justiça Americana, em caso de inconsciência. Cremos ser assim pois o único estado americano que legalizou efetivamente o suicídio assistido foi o Estado Americano do Oregon (até 2005).
O estudioso ainda traz o dado que a Associação Hospitalar Norte-Americana já noticiou que 70% de 6000 mortes hospitalares são causadas pela própria deliberatio de suspender as terapias que prolonguem a vida[25].
Caso típico de eutanásia passiva foi o ocorrido nos Estados Unidos, quando a mulher do Dr. Messinger, dermatologista de Michigan, deu à luz, após 25 semanas de gestação, um menino de 750g sem malformação grave evidente, e o neonatologista do hospital, devido à prematuridade extrema, colocou-o em ventilador e submeteu-o a uma avaliação prognostica, por ter calculado que teria 30 a 50% de possibilidade de sobrevida. Uma hora após o parto, o Dr. Messinger desligou o ventilador e foi acusado de assassinato, porque não aguardou os resultados de exame de sangue colhido do cordão umbilical, que indicou hipóxia gravíssima, que impossibilitaria a sobrevivência do recém-nascido (FERRAZ, Sergio, apud DINIZ, 2002, p. 330-1).
Podemos depreender que o conceito utilizado, em classificar a eutanásia como passiva no caso acima, foi o de que o médico não atuou em função de causar a morte do paciente, ministrando-lhe algum fármaco ou substância que lhe retirasse a vida. Apenas desligou o aparelho (ventilador) que poderia mantê-lo sobrevivo por alguns instantes a mais. Em retirando esta manutenção estranha da vida, que se recusa a existir por si própria, o médico incorreu em eutanásia passiva. Este entendimento está correto, apesar de existirem controvérsias (como expostas na nossa exposição de eutanásia passiva). Este entendimento coaduna com a visão da ortotanásia, que será explicada mais adiante.
O interessante é que a eutanásia passiva é mais comumente entendida como a piedade ao doente, e a despeito do que o caso acima venha trazer, é até mesmo tolerada, (dentro do caso concreto obviamente) e muitas vezes as pessoas, os parentes, legitimados para reclamarem caso observem procedimentos equivocados, entendem imediatamente que seja assim. É comum que a manutenção de uma vida indigna seja indesejada pelos parentes e não seja nem requisitada pelo médico, ainda quando se sabe que o corpo nunca chegará a possuir vida, quando, por exemplo, do nascimento dos acéfalos ou de outra anomalia que cause o nascimento sin vita. Se há de pronto, impossibilidade estatística de sobrevivência, de que vale aos parentes, já desconsolados que se mantenha artificialmente esta sobrevida?
4.4 A Eutanásia no Japão e Austrália
Podemos com certa facilidade remeter imaginativamente a eutanásia ao Japão em razão de que uma das memórias que temos do Japão é de que lá existiam aqueles se chamavam de “Servidores”, ou aqueles que servem”, que em sua língua nativa se chamavam Samurais. Os samurais eram uma casta de guerreiros e servidores da época feudal japonesa, que viviam por um sistema de regras denominado “bushido”. Este sistema de regras defendia a honra do samurai a tal ponto que, ao invés de sucumbir ao inimigo, ou se fosse vencido em uma batalha, o próprio samurai tiraria sua vida para poupa-la.
Feitas estas anotações, observamos que apesar de semelhante, o ato que perpetrava o samurai japonês, denominado de “seppuku” não é eutanásia. Em nossa concepção é meramente um suicídio. Orientado por razões culturais, mas é um suicídio tão-somente. Interessante que se faça a distinção: a eutanásia tem o condão de sempre, pelo menos a partir do novo entendimento que se reveste, de ser um ato dirigido ao que sofre, ao enfermo, acamado, vítima de moléstia incurável. Qualquer ato que ultrapasse este limite macula o entendimento aqui exposto.
Entretanto, a respeito da cultura japonesa, e ainda em relação ao samurai, observamos outro aspecto que nos chama a atenção neste estudo dirigido. O termo “auxiliar o suicida”, que possui tipificação específica em nosso Código Penal, possui um significado especial para a cultura japonesa, qual seja o fato de que o samurai que sofreu uma desonra, sempre contava com a ajuda de um assistente, ao seu lado, enquanto desenvolvia o ritual que iria levá-lo a morte. Vemos um abaixo um excerto retirado de um artigo de um estudioso:
É importante assinalar que o código samurai do suicídio incluía uma disposição para a eutanásia: o kaishakunin (assistente). O simples corte do hara (abdome) era muito doloroso e não provocava uma morte rápida. Depois de cortar o hara, poucos samurais tinham força para degolar-se ou cortar a espinha dorsal. Mas sem cortar o pescoço a dor do hara aberto continuaria durante minutos e até horas antes da morte. Portanto, o samurai combinava com um ou mais kaishakunin, para que o assistissem em seu suicídio. Enquanto o samurai tranqüilizava sua mente e se preparava para morrer em paz, o kaishakunin, permaneceria a seu lado. Se o samurai falasse ao kaishakunin antes ou durante a cerimônia seppuku, a resposta padrão era “go anshin” (mantém tua mente em paz). Todas as interações e conversações que rodeavam um seppuku ordenado oficialmente também estavam fixadas pela tradição, de modo que o suicida pudesse morrer com a menor tensão e a maior paz mental. Depois que o samurai terminasse de abrir o ponto preestabelecido ou desse qualquer outro sinal, o kaishakunin tinha o dever de cortar-lhe o pescoço para terminar com a sua dor, dando-lhe o golpe de misericórdia.[26]
A eutanásia entrou definitivamente nos anais da história jurídica do Japão em 1962. No caso, um jovem envenenou o leite que sua mãe estava servindo ao pai.
No julgamento, a corte identificou seis condições que devem ser preenchidas para se ter permissão legal para a prática da eutanásia : 1) a enfermidade é considerada terminal e incurável pela medicina atual e a morte é iminente; 2) o paciente deve estar sofrendo de uma dor intolerável, que não pode ser aliviada; 3) o ato de matar deve ser executado com objetivo de aliviar a dor do paciente; 4) o ato deve ser executado somente se o próprio paciente fez um pedido explícito; 5) cabe ao médico realizar a eutanásia; caso isto não seja possível, em situações especiais será permitido receber assistência de outra pessoa; 6) a eutanásia deve ser realizada utilizando-se métodos eticamente aceitáveis (22 December 1962, Nagoya Court, Collected Criminal Cases At High Court, vol.15, n.9, p.674). Se essas condições forem cumpridas, parece não haver razão moral para se opor à prática da eutanásia. Nesse caso, a Suprema Corte de Nagoya decidiu que os quatro primeiros critérios foram honrados, mas os dois últimos não. O jovem foi condenado a quatro anos de prisão. O código penal japonês prevê punições severas, pena de morte ou prisão perpétua, para o homicídio de ascendentes; contudo, no caso específico, a Corte sentiu que o desejo de honrar seu dever filial de seguir as diretrizes verbalizadas pelo pai era evidente, e aplicou-lhe uma sentença mais leve.[27]
Maurício Pinquet, o autor de “La mort voluntaire au Japon” — “A morte voluntária no Japão” — aponta que há uma identidade cultural japonesa através da análise da “morte voluntária”, mas sempre ressaltou que a frase “Nação do suicídio” não foi senão primeiramente uma invenção japonesa nos últimos anos da década de 50 (Pinguet, 1984). E Émile Durkheim, sociólogo, no seu livro O Suicídio, de 1952, introduz a idéia de que o Japão é uma sociedade onde existe um prestígio de fato, conseguido através do suicídio, e, possivelmente, por meio da eutanásia.
Na Austrália, não há uma cultura, formadora da moral do povo, baseada no suicídio, por esta razão, não há uma pressão do povo para que se forme uma base legislativa neste sentido. Ainda assim, em 1995, foi emitida uma lei somente concernente aos estados do território norte, permitindo a eutanásia ativa, sob o cuidado estrito a partir da harmonização de 23 preceitos. Na época a lei foi rejeitada por diversas associações de direitos da vida, e pela Associação Médica Australiana. Esta lei foi introduzida no ordenamento, entrando em vigor no ano de 1996. No entanto, como já ponderado, devido à pressão popular, em 25 de Março de 1997, esta lei foi rejeitada pelo Parlamento Australiano, por uma votação de 38 a 33. Esta diminuta margem no entanto, mesmo contra alguns insatisfeitos, conseguiu a revogação da lei. (SAMPAIO, 2002).[28]
4.5 A Eutanásia no Uruguai
A eutanásia nos países de em desenvolvimento pode enfrentar a problemática de, por vezes (não todas as vezes, somente quando há falta de interesse do Poder Público, ou por falta de recursos tão-somente) se dar por falta de condições de manter uma pessoa no hospital, devido ao alto-custo e falta de quase todos os produtos e aparatos técnicos essenciais a uma condição mínima necessária de qualquer operação médica. Refere-se estes casos, à mistanasia já propriamente explanada. Os tratamentos médicos são de fato caros, se tornando ainda mais custosos em relação com a especificidade e raridade do estado da enfermidade. Mesmo assim, em se tratando de uma “eutanásia regulada” por lei, o Uruguai é o país da América Latina com legislação mais avançada no sentido de uma recepção da mesma. O seu caso é bem específico, diferente de outras legislações ibero-americanas (Espanha, Bolívia, Cuba, Brasil, Argentina e Costa Rica).
Em seu Código Penal, precisamente no artigo 310, consta o tipo penal do homicídio. Mas, ao enumerar as causas de impunidade, o seu código inclui, entre estas, o homicídio piedoso, que está posto no artigo 37, e menciona que os juízes tem a faculdade de exonerar de castigo o sujeito de antecedentes honoráveis, movido por piedade, e mediante súplicas reiteradas do enfermo, que incorreu em ato que ceifou a vida do mesmo. “Por ello es que, en palabras del codificador, el fundamento doctrinario de la impunidad en el homicidio piadoso reside ‘pura y exclusivamente en la ausencia de peligrosidad del agente’.”[29]
A posição jurisprudencial e doutrinária do Uruguai é única em todo o ordenamento ibero-americano, a prever a impunidade em casos de eutanásia[30].
5.1 A Eutanásia no Brasil
Nosso país não possui uma legislação que trate da eutanásia, especificamente. Atualmente, o entendimento é de que o ato, se perpetrado, será enquadrado como homicídio, nos termos do Art. 121 do Código Penal, porque constituiu-se em ato que resultou na morte de uma pessoa (portanto enquadrado na seção “Dos Crimes contra a Pessoa” e subseção “Dos Crimes contra a Pessoa” do Código Criminal).
Entretanto, em seu parágrafo 1º: “Se o agente cometeu o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um a terço”.
Nos termos do parágrafo 1º do Art.121, a eutanásia se enquadra, de acordo com a faculdade do juiz, como atenuante da pena do infrator. De igual sentido com a lei penal Uruguaia, isto não descaracteriza o ato em si, decaindo assim de tipificação. De acordo com o art. 5º da Constituição Federal, a vida é um bem inviolável, assim a lei brasileira não permite ao indivíduo dispor de sua vida pela sua própria vontade, visto que tal direito é irrenunciável.
É salutar compreender, entretanto, que não há a figura de um “homicídio piedoso”, na legislação brasileira. É indiferente se houve ou não pedido do paciente. Não importam os motivos pelo qual se matou, se responde por isso.
O Código de Ética médica prevê em seu Art. 66, a eutanásia ativa e o suicídio assistido como proibidos. O artigo 54 do mesmo código exemplifica, e o Art.61, em seu parágrafo 2º introduz o que muitos estudiosos acreditam ser a real missão dos médicos no tratamento de saúde. Os vemos reproduzidos abaixo:
Art. 54. Fornecer meios, instrumentos, substância, conhecimento ou participar, de qualquer maneira, na execução de pena de morte.
Art.61, §2º. Salvo por justa causa, comunicada ao paciente ou aos seus familiares, o médico não pode abandonar o paciente por ser este portador de moléstia crônica ou incurável, mas deve continuar a assisti-lo ainda que apenas para mitigar o sofrimento físico ou psíquico.
Art. 66. Utilizar, em qualquer caso, meios destinados a abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu responsável legal. (SAMPAIO, 2002, p.98-101).
Maria Helena Diniz (2002, p.358) transcorre sobre o assunto:
É direito do Médico, pelo art. 28 do Código de Ética Médica, recusar a realização de atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência. Logo, pelo bom-senso, deve o profissional da saúde concluir, sempre que o tratamento for indispensável, estando em jogo o interesse de seu paciente, pela prática de todos os atos terapêuticos que sua ciência e consciência impuserem. Trata-se do direito à objeção de consciência, que, baseado no principio de autonomia da pessoa, implica, por motivo de foro íntimo, a isenção de um dever geral e a recusa a uma ordem ou comportamento imposto.
Estes artigos do Código de Ética demonstram a descendência das escolas médicas brasileiras da tradição hipocrática, segundo a qual o dever do médico é sempre salvar ou tentar curar, mas é impossibilitado a ele, de realizar qualquer ato que venha a prejudicar o paciente, ainda que haja aí um consentimento ou pedido expresso.
O Conselho Federal de Medicina emitiu a resolução n°1346 em 1991, a fim de dirimir as dúvidas restantes no tocante aos critérios do momento exato em que possam ser desligados os aparelhos que mantêm viva a pessoa. Este momento deve ser o mais exato possível (Abundans cautela non nocet) impedindo ato que possa ser considerado uma “eutanásia” e em virtude dos avanços alcançados nesta área. Vejamos :
1.) Os critérios, no presente momento, para a caracterização da parada total e irreversível das funções encefálicas em pessoas com mais de 2 anos são em seu conjunto:
a) Clínicos : coma aperceptivo com arrestividade inespecífica dolorosa e vegetativa, de causa definida. Ausência de reflexos corneano, oculovestibular e do vômito. Positividade do teste de apnéia. Excluam-se dos casos acima os casos de : intoxicações metabólicas, intoxicações por droga ou hipotermia;
b) Complementares: ausência das atividades bioelétrica ou metabólica cerebrais, ou da perfusão encefálica;
2.) O período de observação deste estado clínico deverá ser de, no mínimo, seis horas;
3.)A parada total e irreversível das funções encefálicas será constatada através de observação desses critérios registrados em protocolo, devidamente aprovado pela Comissão de Ética da instituição hospitalar;
4.) Constatada a parada total e irreversível das funções encefálicas do paciente, o médico, imediatamente, deverá comunicar tal fato ao seus responsáveis legais, antes de adotar qualquer medida adicional.(...)[31]
Desta forma, só há morte quando existe lesão irreversível de todo o encéfalo. Isto, além de ser tecnicamente mais fácil e seguro de se confirmar, não nos levaria a intervir contra um comatoso que mantém suas funções vitais sem a assistência de um respirador ou de certas medidas de reanimação circulatória. Ou seja: com tais critérios pode-se dizer que existe uma margem de segurança para se propor, no momento, um conceito ético de morte.[32]
SAMPAIO já nos dizia que tramitava em nosso Senado Federal, desde 1996, um projeto de lei que poderia introduzir o conceito legal de eutanásia, em nosso ordenamento. Deveras avançado, o projeto prevê uma oportunidade para as pessoas que alegam grande sofrimento físico ou psíquico requisitarem a própria morte, através de uma junta de 5 médicos, sendo que 2 dos médicos devem ser especialistas na área de problema do enfermo. Um familiar ou mesmo amigo, poderia realizar o pedido à Justiça, no caso da pessoa em questão estar impossibilitada de comunicar-se ou expressar-se (SAMPAIO, André, 2002, p.102). A questão que se levanta é da relativa insegurança social. Até que ponto poderá ir a legitimidade de se pedir a morte de outrem? O amigo seria legítimo? Acreditamos que nesta hipótese somente aquele que não possua parentes em nenhum grau. Se houverem, qual será o legitimado?
É por esta e não outra razão que Sampaio questiona a respeito do projeto de lei (2002, p. ):
Não apresenta por exemplo prazos para que o paciente se arrependa ou mude sua opinião inicial (como fez a legislação Australiana). Não esclarece medidas de controle e notificação dos possíveis casos de eutanásia, nem determina quem exerceria tais procedimentos.
Ainda possuímos, em nosso ordenamento, a potencialidade de um anteprojeto de lei que poderia alterar o Código Penal, em dois parágrafos do artigo 121.
Parágrafo 3°: Se o autor do crime agiu por compaixão, a pedido da vítima, imputável e maior, para abreviar-lhe o sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave;
Pena – reclusão de 3 a 6 anos;
Exclusão de Ilicitude, parágrafo 4°: Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente, ou na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão.[33]
5.2. O Direito à vida
Realizaremos uma breve enfrentamento dos Direitos Fundamentais, já na parte crepuscular de nosso modesto trabalho. Observaremos brevemente, prima facie, o Direito à vida, anteriormente esposado.
A Constituição Federal protege, em seu Artigo 5°, o maior dos direitos. A este respeito, Fernando Barcellos (1996, p.54):
O direito à vida é um dos mais importantes ou talvez o mais importante dos Direitos Humanos, e o que recebe dos governantes mais proteção na paz, pelo menos para as elites, e mais desprezo na guerra. É um dos direitos fundamentais, ao lado da liberdade, da igualdade e da segurança.
Ainda Alexandre de Moraes (2003, p.87): “O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, pois o seu asseguramento impõe-se, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos”.
O objetivo deste direito elencado na nossa Lei das leis, é o de proteger a:
(...) vida da pessoa humana, considerada como tal a existência da pessoa natural ou física, desde o nascimento com vida (artigo 4° do Código Civil Brasileiro) até o exato momento de sua morte cerebral embora alguns a extendam até a finalização das demais funções vitais.(ALMEIDA,1996, p. 33).
Feitas estas considerações, observaremos a seguir o Direito à Crença e Liberdade.
5.3 O Direito à Crença e à Liberdade
A Constituição também prevê, em seu artigos fundamentais, o direito de crença e de consciência, não sendo admitido que ninguém seja privado de direitos por tais motivos. É defendido este direito fundamental da pessoa humana nos incisos IV, VI, VII e VIII do artigo 5°. Em razão de crença ser quase que um sinônimo de fé religiosa[34], um dos enfoques que se tem dado bastante atenção dos pesquisadores no estudo da eutanásia é o religioso. A religião é uma das formas mais antigas de cultura do homem. Em todo o mundo ela surgiu como fenômeno para explicar as diversas teorias sobre o homem, sua relação com o cosmos, e para explicar seu futuro depois da vida na terra.
Em relação ao tema, a questão da religião pode ser entendida como uma possível interrupção a um determinado tratamento, por exemplo.
No Brasil, está positivado na Constituição Federal (2003, p. 21), o direito à liberdade religiosa, como vê-se: “Art. 5º. VI. – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias; (...).”
Suponhamos que alguém que professe ser Testemunha de Jeová, esteja em situação crítica, necessitando urgentemente de uma transfusão de sangue. É fato notório que esta doutrina religiosa é amplamente contra qualquer tipo de operação neste sentido, então, daí decorre-se que: a) ou o médico realiza a transfusão, salva a vida do paciente, a despeito de sua consciência e crença, ou b) o médico respeita a liberdade de escolha, consciência e crença, e deixa o paciente perecer. Qualquer das escolhas, ferirá um dos princípios dos direitos fundamentais. Como proceder?
A pessoa possui liberdade de deixar de receber o tratamento? Neste sentido:
Como já visto, a religião não pode... contentar-se com sua dimensão espiritual, isto é, enquanto realidade ínsita à alma do indivíduo. Ela vai, contudo, via de regra, procurar uma externação... a que se denomina ‘liberdade de culto’(...) Poder-se-ia inserir, dentro da liberdade de culto, todas as práticas que envolvessem qualquer opção religiosa do indivíduo. Assim, as restrições decorrentes da invocação religiosa estariam, igualmente, albergadas sob este título, sendo certo que, como dito, não há verdadeira liberdade de religião se não se reconhece o direito de livremente orientar-se de acordo com as posições religiosas estabelecidas... Ora, o culto não se exerce apenas em locais pré-determinados, como em igrejas, templos, etc. A orientação religiosa há de ser seguida pelo indivíduo em todos os momentos de sua vida, independentemente do local, horário ou situação. De outra forma, não haveria nem liberdade de crença, nem liberdade no exercício dos cultos religiosos, mas apenas ‘proteção aos locais de culto e as suas liturgias’.[35]
Não se pode admitir que, nem o Estado, sobre o pretexto de proteger a vida, imiscua-se no direito de escolha da pessoa humana. Para isso, os direitos fundamentais existem.
Em Fernando Barcellos de Almeida (1996, p.33):
Os Estados têm a obrigação de reconhecer e respeitar os direitos e liberdades da pessoa humana, e também têm o dever de proteger e assegurar seus exercício através das respectivas garantias, ou seja, através de meios idôneos para que os direitos e liberdades sejam efetivos em qualquer circunstância. Portanto, as garantias servem para proteger, assegurar ou fazer valer a titularidade ou o exercício de um direito ou liberdade da pessoa humana.
Ainda, Alexandre de Moraes (2003, p.41):
O importante é realçar que os direitos humanos fundamentais relacionam-se diretamente com a garantia de não-ingerência do Estado na esfera individual e a consagração da dignidade humana, tendo um universal reconhecimento por parte da maioria dos Estados, seja em nível constitucional, infraconstitucional, seja em nível de direito consuetudinário ou mesmo por tratados e convenções internacionais.
A contrario sensu, suponhamos que pessoa qualquer passe a proferir uma doutrina religiosa que guarde a seguinte tarefa a um iniciado: um sacrifício humano, perante o altar do seu Deus. A hipótese é exagerada, mas não deixa de cumprir com o seu objetivo: logicamente, que em um estado democrático de Direito, tal atitude não pode ser admitida.
Os direitos humanos fundamentais não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito. Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna(Princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas) (MORAES, 2003, p. 46).
Depreendendo-se que mesmo os direitos fundamentais devem ter os seus limites, continuamos na lição de Alexandre de Moraes (2003, p.46-7):
Dessa forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com suas finalidades precípuas. Apontando a relatividade dos direitos fundamentais, Quiroga Lavié (Derecho constitucional. 3. ed. Buenos Aires: Depalma, 1993, p.123) afirma que os direitos fundamentais nascem para reduzir a ação do Estado aos limites impostos pela Constituição, sem, contudo, desconhecerem a subordinação do indivíduo ao Estado, como garantia de que eles operem dentro dos limites impostos pelo direito.
Toda liberdade e toda garantia é limitada. É assim, posto que senão haveriam distorções, alegariam-se as liberdades para se excusarem aos direitos.
(...)’o direito é o que possibilita a livre coexistência dos homens, a coexistência em nome da liberdade, porque somente onde a liberdade é limitada, a liberdade de um não se transforma numa não-liberdade para os outros, e cada um pode usufruir da liberdade que lhe é concedida pelo direito de todos os outros de usufruir de uma liberdade igual à dele’.[36]
Entendendo estes pontos de vista dos doutrinadores, afirmamos então que é possível haver um entendimento em que se possibilite a eutanásia em nos ordenamentos. A eutanásia, bem entendida, aquela que seja realizada nos limites da ortotanásia. Exporemos os motivos.
5.4 Embates Acerca dos Princípios Constitucionais
As questões são: até que momento deve a pessoa humana ser mantida viva, através de aparelhos? A tecnologia médica consegue ou não manter as pessoas vivas durante um período de tempo acima do natural? Javier Gafo(2000, p.129) fala que em Janeiro de 1977 uma lei entrou em vigor no estado da Califórnia, lei esta chamada Natural Death Act (ou Lei da morte natural). Ela trazia a idéia de que as pessoas tem o direito fundamental de controlar as deliberações dos médicos concernentes ao seu tratamento, e isto incluiria decidir sobre se aceitam ou não os procedimentos que visam prolongar suas vidas.
A lei considera que tal prolongamento da vida em pessoas em situação terminal pode causar a perda da dignidade pessoal, dor e sofrimentos desnecessários e uma irracional carga emocional e econômica sobre a família do doente, ao mesmo tempo que nada proporciona de benéfico ou medicamente necessário para o doente. Conclusão: “as leis do Estado da Califórnia reconhecerão o direito de uma pessoa adulta escrever directrizes dando instruções ao seu médico sobre a não aplicação ou a retirada de procedimentos que podem manter a sua vida no caso de situação terminal.”(GAFO, 2000, p.129.)
Pode-se aceitar tal violação e crueldade? Há pouca vida, no sentido geral do termo. Este pode ser uma dos entendimentos que se dá à palavra distanásia, um prolongamento exagerado e desnecessário da vida que procura a obliteração.
A compreensão de que a vida é bem máximo tutelado pelos ordenamentos é responsável pela problemática que envolve toda a discussão sobre a “boa-morte.”
A vida deve ser protegida nos ordenamentos, por razões já aduzidas. Entretanto, perante toda a problemática do morrer com dignidade, não poderia ser garantido um direito à morte? Será que não faz parte do cabedal de escolhas humano, o de escolher se não mais deseja viver em condições que considera indignas? Se a questão traz em si caracteres tão subjetivos, como esperar que o Estado possa imiscuir-se?
O conceito de direitos e liberdades e, por conseqüência, o de suas garantias, é inseparável do sistema de valores e princípios que o inspira. Para que uma sociedade possa ser considerada democrática, ela deve apoiar-se num tripé, constituído de: 1) direitos e liberdades da pessoa humana; 2)garantias da efetividade desses direitos e liberdades; 3)configuração de um Estado de Direito. Esses três alicerces da democracia completam-se um aos outros e só tem sentido na sua existência simultânea.(ALMEIDA, 1996, p.33).
O que seria a morte com dignidade? Será que o pedido por uma morte digna pode ferir tão fortemente, as bases de um Estado Democrático? Segundo Elizabeth Kubler-Ross, “morrer com dignidade significa ter permissão para morrer com seu caráter, com sua personalidade e com seu estilo” [37]. Desta maneira cumprindo com força o que todos os ordenamentos, acreditamos, querem realmente exemplificar com direito à vida, qual seja, o direito à vida digna.
Seria atroz considerar que o homem possa dispor de sua própria vida? O suicídio não pode ser punido, caso consumado. O tentado, da mesma maneira, por não se vislumbrar aí, a “mens legislatoris”.
Na atualidade, o suicídio, tentado ou consumado, é fato impunível
diante de nossas leis penais. Se consumado a impunidade resulta da inutilidade da repressão de um corpo inanimado, insusceptível a qualquer forma de apenação e aos seus efeitos, materiais ou morais: mors ultima ratio. Se tentado, também não se pune o suicida frustrado tanto porque, além de se considerar o suicida como alguém que, pelo menos no momento da consumação do ato, não se encontra espiritualmente sã, como porque a aplicação da pena seria causa de aumento dos motivos que o levaram à tentativa de seu próprio extermínio.(PEREIRA, 2001, p.15).[38]
Não se deve punir o suicídio, quiçá, então, a situação da eutanásia.
("Magna Est Vis Et Auctoritas Aequitatis[39]”) Há que se falar aí da liberdade do homem. Para Jean Rivero (apud. ALMEIDA, Fernando Barcellos), “liberdade é o poder de agir, ou não agir, poder de determinação, em virtude do qual o homem escolhe, por si, sua conduta pessoal”. René Capitant considera que “liberdade de um ser é a autodeterminação deste ser”.
Disso se deduz que liberdade humana é a faculdade de agir com um mínimo de restrições, devendo estas serem razoáveis, não abusivas e estabelecidas por lei. Dessa forma, o conceito de liberdade está intimamente vinculado ao princípio da legalidade que propugna que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (Constituição Brasileira, art.5°, inciso II). Ou, em outras palavras, tudo quanto não for proibido pela lei não pode ser impedido e ninguém será constrangido a fazer o que ela não ordena(Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, 26-8-1789, art. 5). Esta mesma declaração de 1789 afirmava, no seu artigo 4, que a liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique ninguém (ALMEIDA, 1996, p. 29).
Ainda exemplifica BITTAR (p. 447) que “O dever mais básico que garante a fruição dos outros direitos é o dever do Estado respeitar a liberdade do cidadão. Esse dever do Estado constitui-se em uma prestação negativa (uma obrigação de não fazer)”.
Ora, em nenhum momento, em nenhum ponto, foi considerada a eutanásia, em nossa legislação pátria.
Em Ulpiano, na Lex Aquilia, encontramos a máxima "directam enim non habet, quoniam dominus membrorum suorum nemo videtur", o que significa que o indivíduo possui, em seu nome, o direito de ação por meio da Lex Aquilia, por não ter a direta, pois a ninguém se considera dono de seus membros. Pode-se concluir, pois, que já na antiga Roma, não se considerava o direito ao próprio corpo como um direito de propriedade, tutelando-se, porém, o corpo do indivíduo contra as agressões alheias (PAGANELLI, Wilson, 2005, p.4).
Alguns doutrinadores defendem a idéia que o homem não têm em última instância, a propriedade do seu corpo.
Chegou-se mesmo a dizer que esse direito constituir-se-ia em um direito de propriedade. Ultimamente, este ponto de vista não vem encontrando apoio entre os autores, que não mais aceitam a idéia de que cada um de nós possui um direito de propriedade sobre o próprio corpo. Ihering, em seus ensinamentos, já o negava. Um dos principais argumentos dos opositores à teoria da propriedade sobre o próprio corpo está no fato de que o proprietário de uma coisa tem o poder de disposição sobre a mesma, amplamente. Assim, na qualidade de proprietário de seu corpo, teria o indivíduo amplo poder de disposição sobre o mesmo, podendo mutilá-lo, ou destruí-lo, estando também, conseqüentemente, autorizada a extrema diminuição permanente da integridade física que se traduziria na perda da própria vida. Estaria, desse modo, autorizado o suicídio. E também a eutanásia. Não se confunde, pois, o direito à integridade física com o poder de disposição que o proprietário possui em relação à coisa que lhe pertence, objeto de seu direito. Não possui o indivíduo, em relação ao próprio corpo, um ius utendi, um ius fruendi e um ius abutendi como possuiria em relação a um bem de sua propriedade(PAGANELLI, Wilson, 2005, p.8).
Isso é um contra-senso, pois quando admitimos a legitimidade para representá-lo, defendê-lo contra a agressão alheia, permitir que nele sejam realizados procedimentos cirúrgicos?
Admiti-lo de propriedade “extra personae” seria admiti-lo em três possíveis posições jurídicas:
1.)Ou este direito seria um direito difuso e coletivo;
2.)Ou seria um direito relativo ao Estado;
3.)Ou seriam de uma outra pessoa;
Analisar-se-à portanto, as três proposições, sem contudo, deixar o
foco central de lado.
De acordo com a primeira possibilidade, o nosso corpo seria parte do meio, como o ar, fazendo parte dos bens que são protegidos na Lex Fundamentalis, em seu art.225. “Estes bens não pertencem ao Poder Público”[40]. O nosso corpo pertenceria à coletividade, e seria de uso comum do povo, como são os direitos difusos. Isto não parece correto, quiçá se entendemos que o corpo carece de cuidados que apenas à pessoa cabe prover, extraindo-o da categoria dos direitos difusos, onde todos, juntamente com o Estado, devem observar os cuidados necessários à sua mantença.
A segunda opinião não parece mais verdadeira. O corpo humano ser de propriedade do Estado é postulado característico de organizações fascistas, mecanicistas, sendo o homem como uma peça, em uma grande máquina. Esta idéia não coaduna com os princípios moralizadores de um Estado Democrático que preze pelo desenvolvimento do homem e pela liberdade, que preze pelo homem agente de mudanças devido à sua característica peculiar no mundo fenomênico: a razão e livre-arbítrio.
É que as ações humanas, as instituições sociais e políticas que elas constroem, têm como causa a vontade, e esta nem sempre é motivada por fatores biológicos. Idéias, crenças, opiniões, sentimentos, não raro violentando instintos e impulsões orgânicas, podem determinar atitudes e modos de agir, modificar lentamente o caráter do indivíduo e da sociedade.(AZAMBUJA, 2000, p.255)
Ainda o próprio constitucionalista continua:
A Antiguidade não conheceu (...), os direitos individuais; e agora podemos precisar nosso pensamento dizendo que ela não conheceu nem a igualdade nem a liberdade civil. (...) O cidadão grego tomava parte no governo,(...) mas não possuía a liberdade civil nem igualdade civil. O Estado absorvia-o inteiramente (AZAMBUJA, 2000, p. 155).
Compreende-se então, porque a segunda possibilidade está equivocada. O Estado não pode encerrar tal poder, a ponto de impedir que o homem enfermo, que não mais considere sua própria vida, realize a obliteração. A terceira possibilidade não poderia ser mais equivocada. Considerar o corpo como de propriedade de outra pessoa seria um contra-senso jurídico. Sem ir muito longe, a Lei Máxima pátria concebe a liberdade em seu artigo 5°, e portanto não deve haver domínio de um ser humano sobre outro, nem físico, tampouco psíquico ou mental.
Destarte, as três possibilidades foram anuladas. O corpo humano não sendo de propriedade nem da coletividade, nem do Estado, tampouco de terceira pessoa, somente poderia ser considerado res nullius. Entretanto isso também é uma consideração errônea, pois a coisa sem dono é aquela sobre a qual ninguém tem direitos. Logo, se uma pessoa tem direitos sobre o seu corpo, é racional depreender que o mesmo não seja “res sine domínio”. Ao final, percebe-se que a teoria jurídica sobre a qual ninguém é dono do seu próprio corpo é um sofisma.
Tércio Sampaio Ferraz Junior (2001, p.152) se manifesta:
A noção de propriedade privada é identificada com a de riqueza e a possibilidade de produzir bens. Ora, como o homem tem em seu próprio corpo a primeira das propriedades, pois seu corpo é fonte de trabalho, o indivíduo humano é por excelência o sujeito jurídico (o homem como ser que trabalha ou homo faber).
Sendo o corpo, uma propriedade, sobre ele o homem possui os direitos sobre a coisa, e pode portanto aliena-la. Pode dispor da coisa. Não seria correto entretanto o entendimento que encerra que qualquer tentativa torpe de manuseio e falta de cuidado com o próprio instrumento (coisa) seja bem visto, assim é também a disposição daquele que depreda seus bens, suas coisas: não é bem recepcionado pela sociedade. Suas inclinações são logo identificadas como eivadas de prodigalidade. Neste sentido, um direito difuso, pode ser reconhecido, para a curatela de seus bens, inclusive o Ministério Público pode intervir, caso haja interesse de herdeiro, e menor. É também interesse da família que peça de logo a interdição de sujeito que depreda seus bens (ou maltrata seu corpo, in casu), para sua própria proteção.
Os Direitos Fundamentais podem e devem ser relativizados, para que possam coexistir na ordem jurídica. Abstratamente, nenhum deles se anula, mas há que se ter uma proporção na medida com que ambos existirão na ordem jurídica. A liberdade de imprensa deve coexistir com o direito à imagem. O fato da casa ser disposta, no inciso XI do art.5°, como o asilo inviolável do indivíduo, não evita que a mesma possa ser adentrada, caso haja durante o dia, uma situação de flagrante delito, por exemplo, ou desastre para pedir socorro, ou ainda, por determinação judicial. Durante a noite, poderá a mesma ser violada mediante a ocorrência de um flagrante delito ou pedido de prestação de socorro. A isonomia entre homens e mulheres, disposta no art. 5°, em seu primeiro inciso, deve ser relativizada, se considerarmos um concurso para a polícia feminina por exemplo, ou a interposição de licença-maternidade.
O próprio direito à vida é relativizado no ordenamento pátrio. A legítima defesa, disposta no Código Penal, em seu artigo 25, permite que, tendo sua vida ameaçada por alguém, a pessoa dela se livre, concedendo o Estado, de maneira ressalvada e limitada, um direito de matar, caso necessário seja.
(...)ao lado do direito à vida, existe o direito e o dever de matar. O direito de matar ocorre nos casos de legítima defesa ou de aplicação de pena de morte. O dever de matar ocorre de modo especial quando há guerra e o indivíduo se torna soldado e assume a obrigação de matar o inimigo, sob pena de ser penalizado, à vezes até mesmo com a pena de morte, pelo chamado crime de traição à pátria ou de covardia perante o inimigo (ALMEIDA, 1996, p. 63).
Ainda que guardadas as devidas proporções, em razão de argumentação, entendemos justamente como o respeitado doutrinador acima. Existe um direito de matar, implícito, ainda que não seja um direito de matar ilimitado, posto que este acabaria por fazer ruir por si só, caso fosse conferido a todos os particulares, por indistinta razão, o próprio Estado de Direito, entretanto, o “direito de matar” é o direito de defender-se, SE necessário, utilizando artifício que possa ceifar a vida do agressor.
Isso é cristalino, pois não é jurídico, nem mesmo sensato, permitir que alguém, em seu arbítrio, ponha vida de alguém em risco, e a elimine, sem que a mesma não possa defender-se de seu algoz, que alegaria o direito à vida. Como a deturpação não atesta contra a própria coisa, estaria correto o assassino, ao valer-se do princípio constitucional em sua defesa.
Em igual entendimento, o Estado não deve possuir, de maneira completa, um direito sobre a vida do indivíduo, em razão da liberdade da pessoa humana.
Esta liberdade deverá também, ser sopesada, em virtude de permanecer no ordenamento pátrio.
Não existe liberdade sem restrição. A liberdade absoluta de um indivíduo sempre, inevitavelmente, prejudicaria a liberdade dos demais indivíduos. Por isso a liberdade deve admitir restrições e constrangimentos, desde que razoáveis, não abusivos e previstos em lei (Almeida, Fernando Barcellos, 1996, p. 35).
O mesmo conceito é vislumbrado nas idéias de Kant, trazidas por Bobbio:
Finalmente, o direito é o que possibilita a livre coexistência dos homens, a coexistência em nome da liberdade, porque somente onde a liberdade é limitada, a liberdade de um não se transforma numa não-liberdade para os outros, e cada um pode usufruir da liberdade que lhe é concedida pelo direito de todos os outros de usufruir de uma liberdade igual à dele (BOBBIO apud BITTAR, 1997, p.70) .
Então o que é liberdade saudável? Mais uma vez observaremos outro tratado que dispunha de maneira magnífica sobre o assunto, que é a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, pode ser vislumbrada uma idéia: “a liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique a outrem”[41].
Ou, ainda, como um dos mais renomados estudiosos do Estado, Darcy Azambuja (2000, p.164) explana: “Quer isso dizer que cada homem pode exercer suas atividades físicas e espirituais, pode exercer seus direitos até onde não prejudique igual direito dos outros homens, não ofenda o bem público”.
A liberdade é legítima, enquanto não macula os interesses de outrem. Sendo assim, resta a pergunta, que interesses alguém possui em impedir outra pessoa, enferma, insatisfeita, por vezes passando por situações indignas, maltratando em sentimentos a sua família, de morrer?
O período nazista sem dúvida influenciou a Associação Médica Mundial. O programa de limpeza racial do III Reich mostrou a fraqueza e o lado perigoso de uma legalização da eutanásia sem base ética e moral, justamente o grande perigo e talvez a raison-de-etrê (ou uma das muitas) pela qual a eutanásia encontra franca desassistência perante até mesmo os estudiosos do tema. Continuando, lembramos que esta mesma Associação Médica proclamou em 1988, em Madrid, que “A eutanásia, quer dizer, a interrupção deliberada da vida de um doente- tanto por sua livre iniciativa como a pedido de seus familiares- é contrária à ética. Isto não impede que o médico respeite a vontade do paciente deixando que o processo natural da doença siga o seu curso, na última fase da doença.”[42], afirmando sua posição frente aos abusos cometidos pelo Nazismo.
De maneira contrária, em 1950, um documento foi enviado à ONU, solicitando uma emenda à Declaração dos Direitos do Homem, trazendo o direito à eutanásia voluntária para os doentes incuráveis, e nos E.U.A, ouve um reflexo destes pedidos, que foram repetidos em 1968 e 1970, onde foram concedidas decisões admitindo a interrupção e retirada dos aparelhos mantenedores. (GAFO, 2000, p.131.)
Um ponto muito importante a ser discutido é este: o ser humano não poderia, ao mesmo tempo que possui um direito à vida, possuir um direito à morte? Este direito poderia ser interpretado como uma conseqüência da liberdade de todo o ser humano, da sua autonomia, do seu direito de não ser submetido à torturas e a tratamentos desumanos. O direito do ser humano a não sofrer.
A conjectura em favor da eutanásia depende, em última análise de se considerar que uma pessoa tem, ou deveria ter, o direito de decidir sobre que quantidade de sofrimento ela está preparada para aceitar e, quando esse limiar for atingido, se ela tem o "direito de morrer", com a finalidade de pôr fim ao sofrimento. (HORTA, 1999, p.32).
Admita-se por um instante, um insatisfeito da vida, que por ventura detivesse condições de cometer suicídio. Não seria simples que em um acesso de determinação conduzisse sua vida ao momento final? Observamos então, a mesma disposição de ânimo em um paciente, vítima desenganada de enfermidade que lhe retirou os movimentos. Mesmo assim, deseja levar adiante o projeto: como o fará? Em tudo depende de ações humanas. Cerceou-se biologicamente uma vontade que o são detém – se mantemos a vida dos dois, e observamos seus direitos, porque não os respeitamos também em sua dor? Lembramos o caso do filme Mar Aberto, ou mesmo do caso de Theresa Marie Schindler Schiavo, conhecida internacionalmente pelo nome de “Terri” Schiavo, e por haver haver sofrido uma parada cardíaca que a deixou em estado vegetativo até o ano de 2005 (precisamente até o dia 31 de Março[43]). Na época, grupos religiosos e de vizinhos da senhora marcharam até o hospital e fizeram vigília, enquanto maldiziam seu marido e os médicos do hospital, e até mesmo a Suprema Corte recebeu seu quinhão de insultos[44]. Esta foi a polêmica que reoxigenou o tema da eutanásia mundialmente, que vinha ganhando avanços legislativos que não alcançavam a mídia (tais como os avanços e realização de eutanásia na Holanda), ou até pela eutanásia social, que de maneira nenhuma chega a ser veiculada.
O que dizer da imagem que se pode ter se o médico se tornar um agente da morte?[45]
A tutela jurídica da vida, como bem de supremo valor, exige que seja afastada a possibilidade de erro, a possibilidade de abuso e a corrosão da confiança nos cuidados médicos. A questão assume especial relevância diante da eutanásia, do suicídio assistido e do transplante de órgãos e tecidos, sobretudo quando um destes fatos seguir-se ao outro. Há inegável conflito entre o interesse no progresso da medicina e o da integridade da pessoa humana. Ambos são, a um só tempo, interesses da coletividade e do indivíduo. Devem ser analisados sob o ponto de vista jurídico, quanto sob o ponto de vista médico e filosófico, na busca da solução socialmente mais adequada, especialmente no caso concreto. O limite da utilização do corpo humano, seja para a experimentação científica, seja para transplante de órgãos, seja para a conduta médica curativa ou aliviadora do sofrimento, leva em consideração, necessariamente, a possibilidade de disposição do corpo humano, parcial ou totalmente; e o consentimento válido do sujeito na utilização do seu próprio corpo.(...) A indisponibilidade do corpo humano deve considerar, sobretudo, que a vida é o bem jurídico de mais alto valor, inalienável e intransferível, que exige dever geral de abstenção, de não lesar e não perturbar, oponível a todos (é o chamado efeito erga omnes). Neste sentido, o consentimento do sujeito de direito[46] tem validade limitada em sua expressão, conteúdo e extensão. Assim, só é válido o consentimento obtido sem vícios na manifestação de vontade, decorrentes de coação, fraude, dolo ou simulação. O sujeito deve estar esclarecido de todas as circunstâncias e fatos de determinada situação jurídica, para que possa validamente manifestar-se. Deve ter capacidade de compreender os fatos, discernir e manifestar-se de modo livre e espontâneo.(DODGE, 1999, p.114-115.)
Segundo o Prof. MARTINS[47]: “três são os mais significativos (grupos de idéias), por encontrarem maior respaldo junto aos ordenamentos, bem como aos juristas.
Ao iniciarmos a análise jurídica da questão da eutanásia, é oportuno que se esclareça que, tratando-se como se trata, de tema polêmico, suscitador de várias posições, contrárias ou favoráveis, igualmente existem várias teorias ou grupos de teorias a circundar o assunto.(SOARES, Ana Raquel, 1997, p.154.)
O primeiro grupo sustenta a legitimidade jurídica do princípio eutanásico. É o homicídio piedoso, sendo a morte produzida por piedade ou mesmo pelo médico, através de providências acauteladoras preliminares. Para esse grupo, tudo se resume no consentimento da vítima, aliado ao aspecto social e humanitário da piedade. Encontraram abrigo nesta teoria, dentre outros, Binding e Hoche, teóricos alemães, defensores da eutanásia para aplicação em indivíduos desprovidos de “valor vital”. O segundo grupo alberga a teoria da impunibilidade da eutanásia, permanecendo, ainda, sua injuricidade. Não há isenção da pena, sendo facultado ao juiz exercer o perdão judicial ao criminoso piedoso. Entendem alguns países cujas legislações fazem parte desse contexto que o criminoso, tendo em vista a prática do crime, e à sua “imperigosidade”. Exemplo é o Código Uruguaio. Do terceiro e último grupo participam as teorias que sustentam a injuricidade da eutanásia em qualquer hipótese. Para este grupo não haveria como ser possível conceber uma norma jurídica que autorizasse o direito de matar. Mais ainda, como poderiam admitir que a sociedade justificasse o paradeiro do germe de todos os demais direitos – no caso, o direito à vida?
Há codificações que sustentam uma impunibilidade da eutanásia, sem negar o fato de ser injurídica (ou antijurídica). Como visto acima, o código uruguaio e o colombiano colocam a mercê de perdão judicial aquele que realizar o homicídio mediante súplicas reiteradas da vítima. Alguns podem considerar o homicídio piedoso como comum, ou simples, e são casos a citar os códigos da França, Portugal, Rússia, Argentina, Bolívia, Chile, Costa Rica, Haiti, México e Paraguai, para citar alguns. A Hungria, Holanda, Japão, Espanha, Colômbia, Áustria e a Dinamarca dão uma tipificação específica. (SOARES, 1997, p.155.)
O Brasil nunca possuiu uma legislação indiferente à prática da eutanásia. Nosso ordenamento sempre puniu e tipificou o crime, a despeito de alguns esforços legislativos infrutíferos.
O Brasil sempre manteve sua posição em relação à eutanásia firme, pelo menos no âmbito legislativo. Diz, sobre a autorização da eutanásia, Ana Raquel Soares, que : “Não o fez o Código Criminal do Império, de 1830. Nem mesmo o de 1890. Igualmente procedeu a Consolidação das Leis Penais de 1932. O código atualmente em vigor, ou seja, o de 1940, cuja parte geral foi alterada em 1984, também não lhe fornece a menor guarida. Considera-se homicídio simples, dotado com a minorante do “relevante valor moral ou social” (art.121, §1°) o que permite ao julgador a redução da pena de um sexto a um terço, de acordo, obviamente, com as circunstancias concretas de cada caso. O Anteprojeto da Parte Especial do Código, de 1984, em atitude inédita, isenta de pena a prática da eutanásia feita pelo médico que, “com o consentimento da vítima, ou na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge ou irmão, para eliminar-lhe o sofrimento, antecipa morte iminente e inevitável, atestada por outro médico.” Não tendo seguido seu curso a referida reforma, outras tentativas houve de tirar o ordenamento jurídico da omissão em que se encontrava. Exemplos disso são o projeto de decreto legislativo apresentado pelo deputado Gilvam Borges, em 1993, buscando a convocação de um plebiscito sobre eutanásia. Também o projeto de lei complementar apresentado pelo deputado Osmânio Pereira, em 1994, buscando proibir qualquer forma de controle de natalidade ou mesmo de apresentação de projeto que viesse a legalizar o aborto, eutanásia ou pena de morte. Ambos foram arquivados por pareceres contrários das comissões de Seguridade Social e Família e de Constituição e Justiça e Redação[48].
5.5 Relatividade dos Direitos Fundamentais
Para coexistirem em nosso ordenamento, os direitos humanos e fundamentais necessitaram de um parâmetro, que, ao longo da ciência jurídica ficou conhecido em dois princípios, o princípio da proporcionalidade e o da razoabilidade.
O princípio da proporcionalidade pede ponderação, comedimento. “O princípio da proporcionalidade, reafirma o constitucionalista português J.J.Gomes Canotilho, implica na proibição do excesso”[49]. Ainda na mesma obra, se fala que em última acepção, há violação do princípio de proporcionalidade, com ocorrência de arbítrio, toda vez que os meios destinados a realizar um fim não são por si mesmos apropriados ou quando há manifesta desproporcionalidade entre os meios e fins a que clama a ação[50].
O segundo é o princípio da razoabilidade. Ambos têm conceitos muito próximos. Este princípio conta com mais amplitude, pois além de proporcional, o ato há que ter “motivação(...) de acordo com o bom-senso e o sentimento do justo”[51].
O direito de morrer dignamente é a reivindicação por vários direitos e situações jurídicas, como a dignidade da pessoa, a liberdade, a autonomia, a consciência, os direitos de personalidade. Refere-se ao desejo de se ter uma morte natural, humanizada, sem o prolongamento da agonia por parte de um tratamento inútil. Defender o direito de morrer dignamente não se trata de defender qualquer procedimento que cause a morte do paciente, mas de reconhecer sua liberdade e sua autodeterminação. (BORGES, 2005)
O que se expõe no texto acima por acaso é um acinte contra o sistema jurídico? É a sensibilidade, o bom-senso, o comedimento frente aos casos práticos que devem ser expurgados de nosso ordenamento? Por acaso não são estes uma das fontes de direito, representada pela equidade, os princípios gerais[52]?
A nossa Lei Máxima nos garante o direito à vida sim. Garante sua inviolabilidade[53], bem como nos garante a segurança e a liberdade. Ocorre que estes direitos não são absolutos. E principalmente, não são deveres (BORGES, 2005, p.5). De fato, não há nenhum direito fundamental absoluto, e neste ponto encontramos a legitimação para a discussão apresentada.
Assim, é assegurado o direito (não o dever) à vida, e não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter a tratamento. O direito do paciente de não se submeter ao tratamento ou de interrompê-lo é conseqüência da garantia constitucional de sua liberdade, de sua liberdade de consciência (como nos casos de Testemunhas de Jeová), de sua autonomia jurídica, da inviolabilidade de sua vida privada e intimidade e, além disso, da dignidade da pessoa, erigida a fundamento da República Federativa do Brasil, no art. 1º da Constituição Federal. O inciso XXXV do art. 5º garante, inclusive, o direito de o paciente recorrer ao Judiciário para impedir qualquer intervenção ilícita em seu corpo contra sua vontade. A inviolabilidade à segurança envolve a inviolabilidade à integridade física e mental. Isso leva à proibição, por exemplo, de intervenções não admitidas pelo paciente em sua saúde física ou mental (ou mesmo na ausência de saúde completa)[54].
Com o auxílio dos princípios de razão e proporção, podemos vislumbrar que a eutanásia pode existir sim, mas em um contexto também comedido, proporcional. Em virtude da confusão de significado, cunhou-se o nome ortotanásia, já explicado anteriormente no presente trabalho.
Em oposição à distanásia, surge o conceito de ortotanásia. Etimologicamente, ortotanásia significa morte correta: orto: certo, thanatos: morte. Significa o não prolongamento artificial do processo de morte, além do que seria o processo natural. (BORGES, 2005, p.4-5).
O proposito é apresentar um meio-termo, entre o que comumente se apresenta como a eutanásia, ato causador de polêmicas mil, e uma ortotanásia, a apresentação de um momento correto, se há possibilidade alguma para que o ser humano assim entenda, de morrer.
Como bem entende Smith, em sua metáfora:
Um casal oferece um jantar para alguns amigos. Todos se deliciam com a comida e a bebida e conversam animadamente. O anfitrião, independentemente das alterações de seu estado de espírito, é hospitaleiro e gentil com seus convidados. Chega, porém, uma hora em que o ambiente festivo parece ter se esgotado – é o momento de se dar conta que a noite acabou. Nesse instante, que não pode ser facilmente estabelecido pelo relógio, pela conversa ou pelo metabolismo, o bom anfitrião não insite com os convidados para que fiquem mais um pouco; deixa-os partir. Um bom anfitrião jamais sabe quando será este momento e nunca expulsará de casa os convidados. Sua jurisdição sobre os convivas limita-se a tratá-los bem e permitir que partam[55].
O mesmo se passa com a ortotanásia. Manter uma condição sub-humana, uma vida com aparelhos, ainda mais quando a convalescença se mostra impossível nos moldes estatísticos, pode não ser a melhor saída, nem econômica, nem de desgaste para o hospital e famliares, e inclusive para o próprio acamado. Não foi por falta de sentimentos que muitos dos casos de eutanásia se deram; pelo contrário, o marido de Terri Schiavo, Michael, alegava que sua esposa preferia a morte ao invés de permanecer em estado vegetativo; não é por outro motivo que em certas legislações, como vimos anteriormente, a eutanásia é chamada de homicídio piedoso. Não nos enganemos achando que muitas eutanásias foram feitas com este sentimento, para isso os doutrinadores criaram até mesmo uma classificação que só lida com eutanásias deste tipo, a mistanasia, entretanto cremos que muitos dos atos pelos quais se criaram polêmicas foram trazidos à realidade por meio de um sentimento de piedade, por parte da equipe médica ou dos familiares.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo visou esmiuçar algumas idéias sobre a questão do suicídio-assistido praticado nos pacientes terminais, bem como a eutanásia. Desde o início, foi abordada a história da eutanásia, e sua relação de pertinência com o gênero humano, visto ela ser decorrente da possibilidade da morte, inerente aos seres vivos.
Da sua corrente axiológica, e da inextrincável complexidade da mente humana, nasceu toda a sua problemática. Ela se desenvolveu em quase todos, senão todos os aspectos artísticos e culturais, citados com exemplo a literatura, a filosofia, a religião, a pintura, o teatro, bem como nos filmes modernos. Foram criadas sociedades e associações em defesa da “morte doce”, houveram movimentos sociais e políticos, por conseqüência legislativos, a seu favor ou desfavor.
Por vezes, houveram abusos em sua prática. Ainda os há, e por algum tempo existirão ainda. Mas a prática de abusos de uma determinada coisa não pode atestar contra a coisa em si.
As legislações internacionais foram estudadas, de maneira resumida e de modo interessante ao trabalho, em virtude de expor o que acontece ao nosso redor, no globo, nas demais nações. Do que foi estudado, percebeu-se a multiplicidade de maneiras de lidar com o assunto, de acordo com os costumes e demais fatores culturais, que influem no corpo jurídico.
Verifica-se que no Brasil, não possuímos legislação que albergue a possibilidade da eutanásia, ou seja, não se permite sua existência legal. A este respeito, sendo a morte impingida a alguém homicídio, podendo ser discutida a pena em relação à motivação do ato.
Houve discussão posterior em relação aos direitos fundamentais, sua legitimidade, e sua relatividade.
O tema estudado é de absoluta importância para a sociedade. Por se tratar da única certeza que nós temos, é que o tema se multiplica em todos os ordenamentos.
Admite-se que a ortotanásia é a melhor corrente a seguir neste caminho, enquanto não há legislação que discipline a matéria da “morte-doce”. Ela demanda leveza, ponderação, e sensibilidade, acima de tudo, como seres-humanos, para perceber-se a vida, e aprendermos com a ela a deixar viver, e a deixar morrer, tudo a seu tempo.
É neste sentido que este pequeno trabalho se encerra. Se pelo menos não há um entendimento que em sentido geral observe a prescrição da “boa-morte”, que se opte, em um caso concreto por se preservar a vida do paciente até o máximo que se pode – sem, contudo, esquecer de observar a sua dignidade enquanto ser humano. Entender que uma pessoa não merece ficar atrelada a aparelhos se não há expectativas de melhora pode ajudar. Um bom entendimento com o médico também. Há casos que a família se decidirá facilmente, outros há que podem trazer dissensões. Em todo caso, enquanto não há lei dispondo do mesmo, podemos sugerir, observadas suas especificações em todo caso concreto, que não se omita do Poder Judiciário a apreciação de tais ocorrências.
Anexo A – Hospital não sabe se menino da eutanásia tem consciência
J., o garoto de 4 anos, internado há 4 meses no Centro de Terapia Intensiva (CTI) de um hospital de Franca, a 420 km de São Paulo, pode ou não ter consciência do que ocorre ao seu redor no atual estágio de sua doença degenerativa. Como não foram feitos exames neurológicos minuciosos para detectar quanto as áreas de seu cérebro foram afetadas, não é possível dizer se a parte responsável pela cognição, ou seja, pela percepção e compreensão, está total ou parcialmente danificada, segundo o diretor clínico do hospital e chefe do centro de terapia intensiva, Luís Fernando Peixe. "Não sabemos ainda se isso foi afetado ou não. Pode ser que ele tenha algum senso de percepção. Ele está com uma função cerebral mínima."
Sabe-se que J. está num estado semivegetativo e tem movimentos involuntários de braços e pernas, como um reflexo do organismo. Ele precisa de um aparelho para respirar - consegue respirar sozinho apenas por algumas horas - e é alimentado por uma sonda.
Perdeu a visão, a fala e a capacidade de se movimentar. O único remédio que recebe é para evitar convulsões. "A doença lesou áreas importantes do sistema nervoso central e está estagnada por enquanto. Ela pode tanto progredir mais rapidamente quanto ficar assim por anos", explica o médico.
A enfermidade é uma doença mitocondrial, uma das chamadas síndromes de erro inato do metabolismo, que faz as células se deterioraram - sem chance de reversão e cura. Essas doenças são raras e ocorrem por problemas hereditários, quando um gene não consegue produzir determinada enzima (proteína que acelera uma reação química).
Como reações químicas importantes para o organismo não ocorrem, substâncias nocivas se acumulam no cérebro e o danificam. "Sendo a parte cognitiva afetada ou não, a tendência é que haja uma piora progressiva na saúde. O paciente vai morrer antes do tempo, principalmente porque os instrumentos do sistema nervoso que comandam a respiração acabam afetados", explica Luiz Celso Villanova, responsável pelo Setor de Neurologia Infantil da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Para Fernando Kok, neurologista infantil do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, o fato de a doença ser incurável deveria levar os pais a considerar a possibilidade de, quando possível, tirar J. do hospital. "Como não existe cura, não adianta usar todos os recursos da medicina. A melhor decisão pode ser levá-lo para casa. No convívio familiar, com todos os cuidados, ele ganha qualidade de vida", diz.
É justamente a posição defendida pelo Conselho Regional de Medicina (CRM) de São Paulo, que tem um comitê de bioética para a discussão de temas como esse. "O que a gente tem discutido é a posição ética em relação a essas questões, para estarmos preparados para quando existir um amparo legal, o que não ocorre hoje", explica o presidente do conselho, Isac Jorge Filho. "De um modo geral, para doenças degenerativas irreversíveis, em que não há nada a fazer, acreditamos que no plano ético não há sentido fazer o tratamento fútil. Devem-se manter os cuidados paliativos, combater a dor e deixar a pessoa morrer naturalmente. Seria a ortotanásia", afirma.
Sexta-feira, 02 de Setembro de 2005.
Notícia encontrada em:
http://www.estadao.com.br/saude/noticias/materias/2005/set/02/45.htm
ANEXO B – Eutanásia na Holanda permitida em bebês
Comissão permitirá eutanásia em bebês na Holanda
Haia - Os ministérios da Saúde e da Justiça da Holanda criarão uma comissão de especialistas que aconselhará o Ministério Público sobre a viabilidade de aplicar a eutanásia em bebês que sofram de doenças dolorosas e incuráveis, sem que por isso os médicos sejam punidos pela lei.
Os médicos que se vejam diante do dilema de aplicar a eutanásia a um recém-nascido não deverão informar esta situação ao Ministério Público, como ocorria até agora, mas à comissão de especialistas.
A comissão, composta por um pediatra, um jurista e um ginecologista, será encarregada de aconselhar o Ministério Público a permitir ou não que possa por fim à vida do bebê, segundo um comunicado emitido pelos dois ministérios.
Prática habitual
A eutanásia em bebês é condenada pela legislação holandesa, mas um grupo de pediatras do hospital de Groningen, norte do país, reivindica desde o início de 2005 a criação de um protocolo que reconheça nacionalmente que a eutanásia em recém-nascidos é uma prática habitual em alguns casos extremos.
Médicos deste hospital divulgaram recentemente que, durante os últimos sete anos, foi praticada a eutanásia a 22 bebês com espinha bífida na Holanda sem que os casos fossem levados à Justiça do país.
A atual lei holandesa da eutanásia, aprovada no final de 1993, não prevê a possibilidade de que os recém-nascidos recebam a chamada "morte doce", já que exige, entre outras condições, que seja o paciente a pedir a própria morte.
Quatro critérios
Os médicos holandeses querem que o protocolo sirva em casos extremos e cumprindo quatro critérios básicos: 1) a criança deve sofrer de uma dor insuportável e incurável; 2) o médico deve consultar pelo menos um outro colega; 3) os pais devem saber e dar o sinal verde à decisão; 4) o ato deve ser praticado cuidadosamente e com os meios adequados.
Nos 22 casos estudados, os bebês - 10 meninos e 12 meninas - tinham nascido com espinha bífida, uma doença na coluna vertebral que, em casos extremos como os ocorridos, bloqueia o funcionamento de órgãos vitais como rins, bexiga, intestinos, afetando ainda todo o sistema nervoso do bebê.
Quarta-feira, 01 de Dezembro de 2005,
Notícia encontrada em:
http://www.estadao.com.br/ciencia/noticias/2005/dez/01/87.htm
Câmara de Israel legaliza eutanásia em doentes terminais
Jerusalém - A Câmara Legislativa (Knesset) israelense legalizou a eutanásia para doentes terminais, com 23 votos a favor, três contra e uma abstenção, após seis anos de polêmica. O projeto foi aprovado na noite de terça-feira, em uma votação na qual só participaram 27 dos 120 deputados.
A lei estabelece que, após um razoável esforço para convencer o paciente a fim de aceitar ingerir alimentos e oxigênio, assim como tratamento médico, os doentes terminais maiores de 17 anos que possam expressar sua vontade terão direito a pedir que sua vida não seja prorrogada.
Os médicos estarão facultados a suspender seu tratamento nos casos de doentes que estão sofrendo e não podem manifestar sua vontade, mas que no passado renunciaram por escrito a seguir vivendo nessas condições, ou deram um poder com essa intenção.
Os poderes concedidos a outra pessoa terão validade durante cinco anos, segundo a lei. No caso de doentes terminais menores de idade, seus pais poderão pedir a interrupção do tratamento, e com sua intervenção, se a criança estiver em condições de opinar.
A nova lei não toma partido no caso de pessoas que, por doenças ou acidentes, ficaram em "estado vegetativo", e indica que o médico que presta atendimento ao paciente deve informar-lhe disso quando sua condição for a de um "doente terminal", isto é, que não tem cura e está condenado a morrer.
A lei define como "terminal" o doente cuja esperança de vida, segundo a previsão médica, não supere os seis meses.
Os três opositores à nova lei são legisladores dos partidos da minoria ortodoxa, já que a religião judia considera que a vida é uma obra divina e só seu criador tem o poder de tirá-la. Um deputado da minoria árabe do país - uma comunidade em que mais de 90% são muçulmanos e também resistente à eutanásia - se absteve na votação.
Quarta-feira, 07 de Dezembro de 2005
Notícia encontrada em:
http://www.estadao.com.br/ciencia/noticias/2005/dez/07/70.htm
CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA
Índice
Preâmbulo.............................................................................................................................................. |
Pág. 2 |
Capítulo I: Princípios Fundamentais.................................................................................................... |
Pág. 3 |
Capítulo II: Direitos do Médico........................................................................................................... |
Pág. 4 |
Capítulo III: Responsabilidade Profissional........................................................................................ |
Pág. 5 |
Capítulo IV: Direitos Humanos............................................................................................................ |
Pág. 6 |
Capítulo V: Relação com Pacientes e seus Familiares........................................................................ |
Pág. 7 |
Capítulo VI: Doação e Transplante de Órgãos e Tecidos................................................................... |
Pág. 8 |
Capítulo VII: Relação entre Médicos................................................................................................... |
Pág. 8 |
Capítulo VIII: Remuneração Profissional........................................................................................... |
Pág. 9 |
Capítulo IX: Segredo Médico............................................................................................................... |
Pág. 10 |
Capítulo X: Atestado e Boletim Médico................................................................................................ |
Pág. 10 |
Capítulo XI: Perícia Médica................................................................................................................ |
Pág. 11 |
Capítulo XII: Pesquisa Médica............................................................................................................ |
Pág. 11 |
Capítulo XIII: Publicidade e Trabalhos Científicos............................................................................ |
Pág. 12 |
Capítulo XIV: Disposições Gerais....................................................................................................... |
Pág. 12 |
Preâmbulo
I - O presente Código contém as normas éticas que devem ser seguidas pelos médicos no exercício da profissão, independentemente da função ou cargo que ocupem.
II - As organizações de prestação de serviços médicos estão sujeitas às normas deste Código.
III - Para o exercício da Medicina impõe-se a inscrição no Conselho Regional do respectivo Estado, Território ou Distrito Federal.
IV - A fim de garantir o acatamento e cabal execução deste Código, cabe ao médico comunicar ao Conselho Regional de Medicina, com discrição e fundamento, fatos de que tenha conhecimento e que caracterizem possível infrigência do presente Código e das Normas que regulam o exercício da Medicina.
V - A fiscalização do cumprimento das normas estabelecidas neste Código é atribuição dos Conselhos de Medicina, das Comissões de Ética, das autoridades da área de Saúde e dos médicos em geral.
VI - Os infratores do presente Código sujeitar-se-ão às penas disciplinares previstas em lei.
Capítulo I - Princípios Fundamentais
Art. 1° - A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e deve ser exercida sem discriminação de qualquer natureza.
Art. 2° - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.
Art. 3° - A fim de que possa exercer a Medicina com honra e dignidade, o médico deve ser boas condições de trabalho e ser remunerado de forma justa.
Art. 4° - Ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo pretígio e bom conceito da profissão.
Art. 5° - O médico deve aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente.
Art. 6° - O médico deve guardar absoluto respeito pela vida humana, atuando sempre em benefício do paciente. Jamais utilizará seus conhecimentos para gerar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano, ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.
Art. 7° - O médico deve exercer a profissão com ampla autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços profissionais a quem ele não deseje, salvo na ausência de outro médico, em casos de urgência, ou quando sua negativa possa trazer danos irreversíveis ao paciente.
Art. 8° - O médico não pode, em qualquer circunstância, ou sob qualquer pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, devendo evitar que quaisquer restrições ou imposições possam prejudicar a eficácia e correção de seu trabalho.
Art. 9° - A Medicina não pode , em qualquer circunstância, ou de qualquer forma, ser exercida como comércio.
Art. 10° - O trabalho do médico não pode ser explorado por terceiros com objetivos de lucro, finalidade política ou religiosa.
Art. 11° - O médico deve manter sigilo quanto às informações confidenciais de que tiver conhecimento no desempenho de suas funções. O Mesmo se aplica ao trabalho em empresas, exceto nos casos em que seu silêncio prejudique ou ponha em risco a saúde do trabalhador ou da comunidade.
Art. 12° - O médico deve buscar a melhor adequação do trabalho ao ser humano e a eliminação ou controle dos riscos inerentes ao trabalho.
Art. 13° - O médico deve denunciar às autoridades competentes quaisquer formas de poluição ou deterioração do meio ambiente, prejudiciais à saúde e à vida.
Art. 14° - O médico deve empenhar-se para melhorar as condições de saúde e os padrões dos serviços médicos e assumir sua parcela de responsabilidade em relação à saúde pública, à educação sanitária e à legislação referente à saúde.
Art. 15° - Deve o médico ser solidário com os movimentos de defesa da dignidade profissional, seja por remuneração condigna, seja por condições de trabalho compatíveis com o exercício ético-profissional da Medicina e seu aprimoramento técnico.
Art. 16° - Nenhuma disposição estatutária ou regimental de hospital, ou instituição pública, ou privada poderá limitar a escolha, por parte do médico, dos meios a serem postos em prática para o estabelecimento do diagnóstico e para a execução do tratamento, salvo quando em benefício do paciente.
Art. 17° - O médico investido em função de direção tem o dever de assegurar as condições mínimas para o desempenho ético-profissional da Medicina.
Art. 18° - As relações do médico com os demais profissionais em exercício na área de saúde devem basear-se no respeito mútuo, na liberdade e independência profissional de cada um, buscando sempre o interesse e o bem-estar do paciente.
Art. 19° - O médico deve ter, para com os colegas, respeito, consideração e solidariedade, sem, todavia, eximir-se de denunciar atos que contrariem os postulados éticos à Comissão de Ética da instituição em que exerce seu trabalho profissional e, se necessário, ao Conselho Regional de Medicina.
Capítulo II - Direitos do Médico
É direito do médico:
Art. 20 - Exercer a Medicina sem ser discriminado por questões de religião, raça, sexo, nacionalidade, cor opção sexual, idade, condição social, opinião política, ou de qualquer outra natureza.
Art. 21 - Indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas reconhecidamente aceitas e respeitando as normas legais vigentes no País.
Art. 22 - Apontar falhas nos regulamentos e normas das instituições em que trabalhe, quando as julgar indignas do exercício da profissão ou prejudiciais ao paciente, devendo dirigir-se, nesses casos, aos órgãos competentes e, obrigatoriamente, à Comissão de Ética e ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição.
Art. 23 - Recusar-se a exercer sua profissão em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar o paciente.
Art. 24 - Suspender suas atividades, individual ou coletivamente, quando a instituição pública ou privada para a qual trabalhe não oferecer condições mínimas para o exercício profissional ou não o remunerar condignamente, ressalvadas as situações de urgência e emergência, devendo comunicar imediatamente sua decisão ao Conselho Regional de Medicina.
Art. 25 - Internar e assistir seus pacientes em hospitais privados com ou sem caráter filantrópico, ainda que não faça parte do seu corpo clínico, respeitadas as normas técnicas da instituição.
Art. 26 - Requerer desagravo público ao Conselho Regional de Medicina quando atingido no exercício de sua profissão.
Art. 27 - Dedicar ao paciente, quando trabalhar com relação de emprego, o tempo que sua experiência e capacidade profissional recomendarem para o desempenho de sua atividade, evitando que o acúmulo de encargos ou de consultas prejudique o paciente.
Art. 28 - Recusar a realização de atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência.
Capítulo III - Responsabilidade Profissional
É vedado ao médico:
Art. 29 - Praticar atos profissionais danosos ao paciente, que possam ser caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência.
Art. 30 - Delegar à outros profissionais atos ou atribuições exclusivos da profissão médica.
Art. 31 - Deixar de assumir responsabilidade sobre procedimento médico que indicou ou do qual participou, mesmo quando vários médicos tenham assistido o paciente.
Art. 32 - Isentar-se de responsabilidade de qualquer ato profissional que tenha praticado ou indicado, ainda que este tenha sido solicitado ou consentido pelo paciente ou seu responsável legal.
Art. 33 - Assumir responsabilidade por ato médico que não praticou ou do qual não participou efetivamente.
Art. 34 - Atribuir seus insucessos a terceiros e a circunstâncias ocasionais, exceto nos casos em que isso possa ser devidamente comprovado.
Art. 35 - Deixar de atender em setores de urgência e emergência, quando for de sua obrigação fazê-lo, colocando em risco a vida de pacientes, mesmo respaldado por decisão majoritária da categoria.
Art. 36 - Afastar-se de suas atividades profissionais, mesmo temporariamente, sem deixar outro médico encarregado do atendimento de seus pacientes em estado grave.
Art. 37 - Deixar de comparecer a plantão em horário preestabelecido ou abandoná-lo sem a presença de substituto, salvo por motivo de força maior.
Art. 38 - Acumpliciar-se com os que exercem ilegalmente a Medicina, ou com profissionais ou instituições médicas que pratiquem atos ilícitos.
Art. 39 - Receitar ou atestar de forma secreta ou ilegível, assim como assinar em branco folhas de receituários, laudos, atestados ou quaisquer outros documentos médicos.
Art. 40 - Deixar de esclarecer o trabalhador sobre condições de trabalho que ponham em risco sua saúde, devendo comunicar o fato aos responsáveis, às autoridades e ao Conselho Regional de Medicina.
Art. 41 - Deixar de esclarecer o paciente sobre as determinantes sociais, ambientais ou profissionais de sua doença.
Art. 42 - Praticar ou indicar atos médicos desnecessários ou proibidos pela legislação do País.
Art. 43 - Descumprir legislação específica nos casos de transplantes de órgãos ou tecidos, esterilização, fecundação artificial e abortamento.
Art. 44 - Deixar de colaborar com as autoridades sanitárias ou infringir a legislação pertinente.
Art. 45 - Deixar de cumprir, sem justificativa, as normas emanadas dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina e de atender às suas requisições administrativas, intimações ou notificações, no prazo determinado.
Capítulo IV - Direitos Humanos
É vedado ao médico:
Art. 46 - Efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo iminente perigo de vida.
Art. 47 - Discriminar o ser humano de qualquer forma ou sob qualquer pretexto.
Art. 48 - Exercer sua autoridade de maneira a limitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a sua pessoa ou seu bem-estar.
Art. 49 - Participar da prática de tortura ou de outras formas de procedimento degradantes, desumanas ou cruéis, ser conivente com tais práticas ou não as denunciar quando delas tiver conhecimento.
Art. 50 - Fornecer meios, instrumentos, substâncias ou conhecimentos que facilitem a prática de tortura ou outras formas de procedimentos degradantes, desumanas ou cruéis, em relação à pessoa.
Art. 51 - Alimentar compulsoriamente qualquer pessoa em greve de fome que for considerada capaz, física e mentalmente, de fazer juízo perfeito das possíveis conseqüências de sua atitude. Em tais casos, deve o médico fazê-la ciente das prováveis complicações do jejum prolongado e, na hipótese de perigo de vida iminente, tratá-la.
Art. 52 - Usar qualquer processo que possa alterar a personalidade ou a consciência da pessoa, com a finalidade de diminuir sua resistência física ou mental em investigação policial ou de qualquer outra natureza.
Art. 53 - Desrespeitar o interesse e a integridade de paciente, ao exercer a profissão em qualquer instituição na qual o mesmo esteja recolhido independentemente da própria vontade.
Parágrafo Único: Ocorrendo quaisquer atos lesivos à personalidade e à saúde física ou psíquica dos pacientes a ele confiados, o médico está obrigado a denunciar o fato à autoridade competente e ao Conselho Regional de Medicina.
Art. 54 - Fornecer meio, instrumento, substância, conhecimentos ou participar, de qualquer maneira, na execução de pena de morte.
Art. 55 - Usar da profissão para corromper os costumes, cometer ou favorecer crime.
Capítulo V - Relação com Pacientes e Familiares
É vedado ao médico:
Art. 56 - Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente perigo de vida.
Art. 57 - Deixar de utilizar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento a seu alcance em favor do paciente.
Art. 58 - Deixar de atender paciente que procure seus cuidados profissionais em caso de urgência, quando não haja outro médico ou serviço médico em condições de fazê-lo.
Art. 59 - Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal.
Art. 60 - Exagerar a gravidade do diagnóstico ou prognóstico, ou complicar a terapêutica, ou exceder-se no número de visitas, consultas ou quaisquer outros procedimentos médicos.
Art. 61 - Abandonar paciente sob seus cuidados.
§ 1° - Ocorrendo fatos que, a seu critério, prejudiquem o bom relacionamento com o paciente ou o pleno desempenho profissional, o médico tem o direito de renunciar ao atendimento, desde que comunique previamente ao paciente ou seu responsável legal, assegurando-se da continuidade dos cuidados e fornecendo todas as informações necessárias ao médico que lhe suceder.
§ 2° - Salvo por justa causa, comunicada ao paciente ou ao a seus familiares, o médico não pode abandonar o paciente por ser este portador de moléstia crônica ou incurável, mas deve continuar a assisti-lo ainda que apenas para mitigar o sofrimento físico ou psíquico.
Art. 62 - Prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente cessado o impedimento.
Art. 63 - Desrespeitar o pudor de qualquer pessoa sob seus cuidados profissionais.
Art. 64 - Opor-se à realização de conferência médica solicitada pelo paciente ou seu responsável legal.
Art. 65 - Aproveitar-se de situações decorrentes da relação médico/paciente para obter vantagem física, emocional, financeira ou política.
Art. 66 - Utilizar, em qualquer caso, meios destinados a abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu responsável legal.
Art. 67 - Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre o método contraceptivo ou conceptivo, devendo o médico sempre esclarecer sobre a indicação, a segurança, a reversibilidade e o risco de cada método.
Art. 68 - Praticar fecundação artificial sem que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre o procedimento.
Art. 69 - Deixar de elaborar prontuário médico para cada paciente.
Art. 70 - Negar ao paciente acesso a seu prontuário médico, ficha clínica ou similar, bem como deixar de dar explicações necessárias à sua compreensão, salvo quando ocasionar riscos para o paciente ou para terceiros.
Art. 71 - Deixar de fornecer laudo médico ao paciente, quando do encaminhamento ou transferência para fins de continuidade do tratamento, ou na alta, se solicitado.
Capítulo VI - Doação e Transplante de Órgãos e Tecidos
É vedado ao médico:
Art. 72 - Participar do processo de diagnóstico da morte ou da decisão de suspensão dos meios artificiais de prolongamento da vida de possível doador, quando pertencente à equipe de transplante.
Art. 73 - Deixar, em caso de transplante, de explicar ao doador ou seu responsável legal, e ao receptor, ou seu responsável legal, em termos compreensíveis, os riscos de exames, cirurgias ou outros procedimentos.
Art. 74 - Retirar órgão de doador vivo, quando iterdito ou incapaz, mesmo com autorização de seu responsável legal.
Art. 75 - Participar direta ou indiretamente da comercialização de órgãos ou tecidos humanos.
É vedado ao médico:
Art. 76 - Servir-se de sua posição hierárquica para impedir, por motivo econômico, político, ideológico ou qualquer outro, que médico utilize as instalações e demais recursos da instituição sob sua direção, particularmente quando se trate da única existente no local.
Art. 77 - Assumir emprego, cargo ou função, sucedendo a médico demitido ou afastado em represália a atitude de defesa de movimentos legítimos da categoria ou da aplicação deste Código.
Art. 78 - Posicionar-se contrariamente a movimentos legítimos da categoria médica, com a finalidade de obter vantagens.
Art. 79 - Acobertar erro ou conduta antiética de médico.
Art. 80 - Praticar concorrência desleal com outro médico.
Art. 81 - Alterar prescrição ou tratamento de paciente, determinado por outro médico, mesmo quando investido em função de chefia ou de auditoria, salvo em situação de indiscutível conveniência para o paciente, devendo comunicar imediatamente o fato ao médico responsável.
Art. 82 - Deixar de encaminhar de volta ao médico assistente o paciente que lhe foi enviado para procedimento especializado, devendo, na ocasião, fornecer-lhe as devidas informações sobre o ocorrido no período em que se responsabilizou pelo paciente.
Art. 83 - Deixar de fornecer a outro médico informações sobre o quadro clínico do paciente, desde que autorizado por este ou seu responsável legal.
Art. 84 - Deixar de informar ao substituto o quadro clínico dos pacientes sob sua responsabilidade, ao ser substituído no final do turno de trabalho.
Art. 85 - Utilizar-se de sua posição hierárquica para impedir que seus subordinados atuem dentro dos princípios éticos.
Capítulo VIII - Remuneração Profissional
É vedado ao médico:
Art. 86 - Receber remuneração pela prestação de serviços profissionais a preços vis ou extorsivos, inclusive de convênios.
Art. 87 - Remunerar ou receber comissão ou vantagens por paciente encaminhado ou recebido, ou por serviços não efetivamente prestados.
Art. 88 - Permitir a inclusão de nomes de profissionais que não participaram do ato médico, para efeito de cobrança de honorários.
Art. 89 - Deixar de se conduzir com moderação na fixação de seus honorários, devendo considerar as limitações econômicas do paciente, as circunstâncias do atendimento e a prática local.
Art. 90 - Deixar de ajustar previamente com o paciente o custo provável dos procedimentos propostos, quando solicitado.
Art. 91 - Firmar qualquer contrato de assistência médica que subordine os honorários ao resultado do tratamento ou à cura do paciente.
Art. 92 - Explorar o trabalho médico como proprietário, sócio ou dirigente de empresas ou instituições prestadoras de serviços médicos, bem como auferir lucro sobre o trabalho de outro médico, isoladamente ou em equipe.
Art. 93 - Agenciar, aliciar ou desviar, por qualquer meio, para clínica particular ou instituições de qualquer natureza, paciente que tenha atendido em virtude de sua função em instituições públicas.
Art. 94 - Utilizar-se de instituições públicas para execução de procedimentos médicos em pacientes de sua clínica privada, como forma de obter vantagens pessoais.
Art. 95 - Cobrar honorários de paciente assistido em instituição que se destina à prestação de serviços públicos; ou receber remuneração de paciente como complemento de salário ou de honorários.
Art. 96 - Reduzir, quando em função de direção ou chefia, a remuneração devida ao médico, utilizando-se de descontos a título de taxa de administração ou quaisquer outros artifícios.
Art. 97 - Reter, a qualquer pretexto, remuneração de médicos e outros profissionais.
Art. 98 - Exercer a profissão com interação ou dependência de farmácia, laboratório farmacêutico, ótica ou qualquer organização destinada à fabricação, manipulação ou comercialização de produto de prescrição médica de qualquer natureza, exceto quando se tratar de exercício da Medicina do Trabalho.
Art. 99 - Exercer simultaneamente a Medicina e a Farmácia, bem como obter vantagem pela comercialização de medicamentos, órteses ou próteses, cuja compra decorra da influência direta em virtude da sua atividade profissional.
Art. 100 - Deixar de apresentar, separadamente, seus honorários quando no atendimento ao paciente participarem outros profissionais.
Art. 101 - Oferecer seus serviços profissionais como prêmio em concurso de qualquer natureza.
Capítulo IX - Segredo Médico
É vedado ao médico:
Art. 102 - Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente.
Parágrafo único: Permanece essa proibição: a) Mesmo que o fato seja de conhecimento público ou que o paciente tenha falecido. b) Quando do depoimento como testemunha. Nesta hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento.
Art. 103 - Revelar segredo profissional referente a paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou responsáveis legais, desde que o menor tenha capacidade de avaliar seu problema e de conduzir-se por seus próprios meios para solucioná-lo, salvo quando a não revelação possa acarretar danos ao paciente.
Art. 104 - Fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir pacientes ou seus retratos em anúncios profissionais ou na divulgação de assuntos médicos em programas de rádio, televisão ou cinema, e em artigos, entrevistas ou reportagens em jornais, revistas ou outras publicações leigas.
Art. 105 - Revelar informações confidenciais obtidas quando do exame médico de trabalhadores, inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou instituições, salvo se o silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade.
Art. 106 - Prestar a empresas seguradoras qualquer informação sobre as circunstâncias da morte de paciente seu, além daquelas contidas no próprio atestado de óbito, salvo por expressa autorização do responsável legal ou sucessor.
Art. 107 - Deixar de orientar seus auxiliares e de zelar para que respeitem o segredo profissional a que estão obrigados por lei.
Art. 108 - Facilitar manuseio e conhecimento dos prontuários, papeletas e demais folhas de observações médicas sujeitas ao segredo profissional, por pessoas não obrigadas ao mesmo compromisso.
Art. 109 - Deixar de guardar o segredo profissional na cobrança de honorários por meio judicial ou extrajudicial.
É vedado ao médico:
Art. 110 - Fornecer atestado sem ter praticado o ato profissional que o justifique, ou que não corresponda à verdade.
Art. 111 - Utilizar-se do ato de atestar como forma de angariar clientela.
Art. 112 - Deixar de atestar atos executados no exercício profissional, quando solicitado pelo paciente ou seu responsável legal.
Parágrafo único: O atestado médico é parte integrante do ato ou tratamento médico, sendo o seu fornecimento direito inquestionável do paciente, não importando em qualquer majoração de honorários.
Art. 113 - Utilizar-se de formulários de instituições públicas para atestar fatos verificados em clínica privada.
Art. 114 - Atestar óbito quando não o tenha verificado pessoalmente, ou quando não tenha prestado assistência ao paciente, salvo, no último caso, se o fizer como plantonista, médico substituto, ou em caso de necropsia e verificação médico-legal.
Art. 115 - Deixar de atestar óbito de paciente ao qual vinha prestando assistência, exceto quando houver indícios de morte violenta.
Art. 116 - Expedir boletim médico falso ou tendencioso.
Art. 117 - Elaborar ou divulgar boletim médico que revele o diagnóstico, prognóstico ou terapêutica, sem a expressa autorização do paciente ou de seu responsável legal.
Capítulo XI - Perícia Médica
É vedado ao médico:
Art. 118 - Deixar de atuar com absoluta isenção quando designado para servir como perito ou auditor, assim como ultrapassar os limites das suas atribuições e competência.
Art. 119 - Assinar laudos periciais ou de verificação médico-legal, quando não o tenha realizado, ou participado pessoalmente do exame.
Art. 120 - Ser perito de paciente seu, de pessoa de sua família ou de qualquer pessoa com a qual tenha relações capazes de influir em seu trabalho.
Art. 121 - Intervir, quando em função de auditor ou perito, nos atos profissionais de outro médico, ou fazer qualquer apreciação em presença do examinado, reservando suas observações para o relatório.
É vedado ao médico:
Art. 122 - Participar de qualquer tipo de experiência no ser humano com fins bélicos, políticos, raciais ou eugênicos.
Art. 123 - Realizar pesquisa em ser humano, sem que este tenha dado consentimento por escrito, após devidamente esclarecido sobre a natureza e conseqüências da pesquisa.
Parágrafo único: Caso o paciente não tenha condições de dar seu livre consentimento, a pesquisa somente poderá ser realizada, em seu próprio benefício, após expressa autorização de seu responsável legal.
Art. 124 - Usar experimentalmente qualquer tipo de terapêutica, ainda não liberada para uso no País, sem a devida autorização dos órgão competentes e sem consentimento do paciente ou de seu responsável legal, devidamente informados da situação e das possíveis conseqüências.
Art. 125 - Promover pesquisa médica na comunidade sem o conhecimento dessa coletividade e sem que o objetivo seja a proteção da saúde pública, respeitadas as características locais.
Art. 126 - Obter vantagens pessoais, ter qualquer interesse comercial ou renunciar à sua independência profissional em relação a financiadores de pesquisa médica da qual participe.
Art. 127 - Realizar pesquisa médica em ser humano sem submeter o protocolo à aprovação e ao comportamento de comissão isenta de qualquer dependência em relação ao pesquisador.
Art. 128 - Realizar pesquisa médica em voluntários, sadios ou não, que tenham direta ou indiretamente dependência ou subordinação relativamente ao pesquisador.
Art. 129 - Executar ou participar de pesquisa médica em que haja necessidade de suspender ou deixar de usar terapêutica consagrada e, com isso, prejudicar o paciente.
Art. 130 - Realizar experiências com novos tratamentos clínicos ou cirúrgicos em paciente com afecção incurável ou terminal sem que haja esperança razoável de utilidade para o mesmo, não lhe impondo sofrimentos adicionais.
Capítulo XIII - Publicidade e Trabalhos Científicos
É vedado ao médico:
Art. 131 - Permitir que sua participação na divulgação de assuntos médicos, em qualquer veículo de comunicação de massa, deixe de ter caráter exclusivamente de esclarecimento e educação da coletividade.
Art. 132 - Divulgar informação sobre o assunto médico de forma sensacionalista, promocional, ou de conteúdo inverídico.
Art. 133 - Divulgar, fora do meio científico, processo de tratamento ou descoberta cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido por órgão competente.
Art. 134 - Dar consulta, diagnóstico ou prescrição por intermédio de qualquer veículo de comunicação de massa.
Art. 135 - Anunciar títulos científicos que não possa comprovar ou especialidade para a qual não esteja qualificado.
Art. 136 - Participar de anúncios de empresas comerciais de qualquer natureza, valendo-se de sua profissão.
Art. 137 - Publicar em seu nome trabalho científico do qual não tenha participado: atribuir-se autoria exclusiva de trabalho realizado por seus subordinados ou outros profissionais, mesmo quando executados sob sua orientação.
Art. 138 - Utilizar-se, sem referência ao autor ou sem a sua autorização expressa, de dados, informações ou opiniões ainda não publicados.
Art. 139 - Apresentar como originais quaisquer idéias, descobertas ou ilustrações que na realidade não o sejam.
Art. 140 - Falsear dados estatísticos ou deturpar sua interpretação científica.
Art. 141 - O médico portador de doença incapacitante para o exercício da Medicina, apurada pelo Conselho Regional de Medicina em procedimento administrativo com perícia médica, terá seu registro suspenso enquanto perdurar sua incapacidade.
Art. 142 - O médico está obrigado a acatar e respeitar os Acórdãos e Resoluções dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina.
Art. 143 - O Conselho Federal de Medicina, ouvidos os Conselhos Regionais de Medicina e a categoria médica, promoverá a revisão e a atualização do presente Código, quando necessárias.
Art. 144 - As omissões deste Código serão sanadas pelo Conselho Federal de Medicina.
Art. 145 - O presente Código entra em vigor na data de sua publicação e revoga o Código de Ética ("DOU", de 11/01/65), o Código Brasileiro de Deontologia Médica (Resolução CFM n° 1.154 de 13/04/84) e demais disposições em contrário.
WANDERMUREN, Eutanásia. CONSULEX, São Paulo, n.199, p. 26 -31, abr. 2005
[1] PANCOTTI, José Antonio. Elementos do processo civil de conhecimento. São Paulo: LTr, 1997. 254p. p.19
[2] César fiúza, direito civil completo, p. 1
[3] MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo Tributário. São Paulo: Atlas, 2004. p. 21
[4] Tércio sampaio introdução ao estudo do direito– p. 31
[5] Miguel Reale, Teoria Tridimensional do Direito, 5ª ed., Editora Saraiva, São Paulo, 2003, p.. 18.
[6] Ocorre, porém que a convenção[social] não é o fim dos males humanos, pelo contrário, é o início das tormentas humanas. Se se quiser retraçar a história das desgraças humanas, diz Rosseau, deve-se retraçar a história das sociedades civis. Enfim, o que é contrato social? A fonte dos males da sociedade, ou o pacto tendente à realização de uma utilidade geral? Surge, aqui, um impasse que parece macular a obra de Rosseau pela contradição interna. (BITTAR – p. 242
[7] O Direito Natural surge pela primeira vez na história do pensamento com os gregos. Desta feita, sua grande contribuição é mostrar a ligação do Direito e as leis da natureza. Na segunda oportunidade que vem à tona, no século XVII, o Direito Natural aparece como reação racionalista à situação teocêntrica na qual o Direito fora colocado durante o medievo. (BITTAR .... p. 236)
[8] Direito Constitucional, paulo roberto de figueiredo, pg. 1-2.
[9] Ver referencia em pág. 63 do livro branco de constitucional
[10] Celso Bittar – pág. 172 do livro césar fiúza
[11] Livro de dir. constitucional p. 64
[12] No que respeita ao requisito material, a norma infraconstitucional editada não pode desrespeitar os ditames constitucionais, a essência do Texto Magno, não podendo haver, em outras palavras, incompatibilidade entre aquela norma e os preceitos constantes da Constituição. Se houver tal incompatibilidade, estaremos diante de uma hipótese de inconstitucionalidade material. – idem livro de direito constitucional, p. 27
[13] E nulificada posteriormente pelo Parlamento Federal, em 1997.
[14] Maiores informações através do site da Instituição: << www.exitinternational.net >>.
[16] Liberdade de amar e derecho a morir: ensayo de um criminalista sobre eugenesia y eutanasia. 7. ed. reimp. Buenos Aires: Depalma, 1992, p. 409-412
[17] http://www.ufrgs.br/bioetica/eutanasi.htm
[18] SAMPAIO, Sampaio Xenofonte André, Concurso de Monografias, p. 106-7
[19] A Holanda tornou-se ontem o primeiro país do mundo a legalizar a eutanásia.
Por 46 votos a favor e 28 contra, o Senado aprovou a lei que permitirá aos médicos abreviar a vida de doentes terminais. (http://www.bioetica.ufrgs.br/eut2001.htm)
[20] Voltando aos fatos jurídicos, podem ser eles naturais ou humanos. Aqueles não dependem da atuação do homem, mas trazem repercussão na esfera jurídica, como o nascimento e a morte. Já os fatos jurídicos humanos nascem da atuação humana como, por exemplo, um contrato, o casamento, uma batida de carros etc. Fato jurídico é, pois, todo evento natural, ou toda ação ou omissão do homem que cria, modifica ou extingue relações ou situações jurídicas. (FIUZA, Direito Civil: Curso Completo. 10. ed., p.200.)
[21] A Bélgica legalizou a eutanásia em 16 de maio de 2002. A sua vigência iniciou em 22 de setembro de 2002. A lei belga foi derivada de uma diretriz emanada pelo Comitê Consultivo Nacional de Bioética daquele país, Diferentemente da lei da Holanda que surgiu de uma longa trajetória de casos, ou seja, de uma jurisprudencia prévia, a lei belga surgiu de um debate sobre a sua necessidade e adequação.A lei belga é mais restritiva que a holandesa. Uma diferença fundamental é a garantia do anonimato presente na legislação belga. Outra é a exclusão da possibilidade de menores de 18 anos solicitarem este tipo de procedimento. Na Bélgica é dada a garantia de que uma pessoa que não tenha recursos possa ter a sua disposição os meios fornecidos pelo Estado para a realização da eutanásia. Uma situação prevista é a possibilidade de solicitação de eutanásia por uma pessoa que não esteja em estado terminal. neste caso será necessária a participação de um terceiro médico para dar a sua opinião sobre o caso. Todos os procedimentos são revistos por um comitê especial que avalia se os critérios legais foram efetivamente cumpridos.” (GOLDIM, 2005, p.4)
[22] GAFO, Javier, 2000, p.134.
[23] GOLDIM, José Roberto , 2005, p.1
[24] Apud. Maria Helena Diniz, O estado atual do biodireito, p.331.
[25] Apud. Maria Helena Diniz, O estado atual do biodireito, p. 331.
[26] PESSINI, Leo, 1999, p. 87
[27] PESSINI, Léo, 1999, p.88.
[28] Critérios Estabelecidos pela Lei dos Direitos dos Pacientes Terminais (SAMPAIO, 2002, p.104-105)
1.) Paciente faz solicitação a um médico.
2.) O médico aceita ser seu assistente.
3.) O paciente deve ter 18 anos no mínimo.
4.) O paciente deve ter uma doença que no seu curso normal ou sem a utilização de medidas extraordinárias acarretará sua morte.
5.) Não deve haver qualquer medida que possibilite a cura do paciente.
6.) Não devem existir tratamentos disponíveis para reduzir a dor, o sofrimento, ou o desconforto.
7.) Deve haver a confirmação do diagnóstico e do prognóstico por um médico especialista.
8.) Um psiquiatra qualificado deve atestar que o paciente não sofre de uma depressão clínica tratável.
9.) A doença deve causar dor ou sofrimento.
10.) O médico deve informar ao paciente todos os tratamentos disponíveis, inclusive tratamentos paliativos.
11.) As informações sobre os cuidados paliativos devem ser prestadas por um médico qualificado nesta área.
12.) O paciente deve expressar formalmente seu desejo de terminar com a vida.
13.) O paciente deve levar em consideração as implicações sobre a sua família.
14.) O paciente deve estar mentalmente competente e ser capaz de tomar decisões livre e voluntariamente.
15.) Deve correr um prazo mínimo de sete dias após a formalização do desejo de morrer.
16.) O paciente deve preencher o certificado de solicitação.
17.) O médico assistente deve testemunhar o preenchimento e a assinatura do Certificado de Solicitação.
18.) Um outro médico deve assinar o certificado atestando que o paciente estava mentalmente competente para livremente tomar esta decisão.
19.) Um interprete deve assinar o certificado, no caso em que o paciente não tenha o mesmo idioma de origem dos médicos.
20.) Os médicos envolvidos não devem ter qualquer ganho financeiro, além dos honorários médicos habituais, com a morte do paciente.
21.) Deve ter decorrido um período de 48 horas após a assinatura do certificado.
22.) O paciente não deve ter dado qualquer indicação de que não deseja mais morrer.
[29] ALMADA, Hugo Rodriguez, 1999, p.122.
[30] A Colômbia também seguiu o exemplo do Uruguai, mantendo em seu art. 365 o benefício do perdão judicial. (DINIZ, Maria Helena, 2002, p. 326.)
[31] Resolução do CFM, n° 1346/91
[32] FRANÇA, Genival Veloso de, 1999, p. 78
[33] SAMPAIO, André, 2002, p.103
[34] Crença :sf. 1. Fé religiosa. 2. Opiniões que se adotam com fé e convicção. (Dicionário Melhoramentos, 1992, p.135).
[35] Direito de recusa de pacientes, de seus familiares, ou dependentes, às transfusões de sangue, por razões científicas e convicções religiosas, p.13, Celso Ribeiro Bastos, Parecer Jurídico, São Paulo, SP, 23 de novembro de 2000. apud http://www.direitonet.com.br/textos/x/14/69/1469/ , 16:54, 16.11.05, por Bruno Marini.
[36] (Bobbio, Direito e estado no pensamento de Emmanuel Kant, 1997, p.70) apud. Bittar, Eduardo & Almeida, Guilherme, Curso de Filosofia do Direito, 2002, p. 279.
[37] apud. Maria Helena Diniz, 2002, p. 340.
[38] “Em alguns Países ainda se punem a tentativa de suicídio (Bolívia, Tasmânia e alguns Estados norte-americanos)”. (PEREIRA, Hugo, 2001, p.15)
[39] (loc. lat.) “Grande é a força e a autoridade da eqüidade”.
[40] SIRVINKAS, Paulo, 2001, p.51.
[41] Almeida, Fernando, 1996, p.29
[42] Aqui, nota-se o mesmo significado para Ortotanásia.
[43] O desligamento teria ocorrido no dia 18 de Março do mesmo ano em que se deu a morte.
[44] CONSULEX – WANDERMUREN, Eutanásia. CONSULEX, São Paulo, n.199, p. 26 -31, abr. 2005
[45] Durante séculos se elogiaram estes profissionais pelo seu serviço à saúde e à vida do doente. A existência de um clima de confiança entre os profissionais da saúde e o doente é fundamental num processo terapêutico em que cada vez mais se insiste, com toda a razão, na importância dos aspectos pessoais e interrelacionais. Presentemente, quando a imagem social do médico aparece seriamente deteriorada, principalmente como conseqüência da massificação no funcionamento dos sistemas de saúde, que repercussão teria naquela imagem o facto de o médico ser a pessoa que, em determinadas condições, também pudesse ser o agente da morte, por muito justificados que fosse estes casos? Que atitude teria um doente perante um profissional de saúde que tanto é capaz de tirar a vida a um doente que lho pede como a um que se encontra inconsciente? (GAFO, Javier, 2000, p.138)
[46] É sujeito de direitos, a pessoa física ou jurídica que pode exercitar direito, ou que é titular deste. “O sujeito nada mais é do que o ponto geométrico de confluência de diversas normas.(...). A ele se atribuem, nele convergem normas que conferem direitos e deveres”. (FERRAZ Junior, Tercio Sampaio, 2001, p.154).
[47] apud SOARES (1997, p.154)
[48] SOARES, 1997, p.155.
[49] (ALMEIDA, 1996, p.40)
[50] ibidem.
[51] Ibidem, p.42.
[52] “Por último, no conjunto da razão jurídica, costuma-se mencionar a eqüidade. (...) A solução de litígios por eqüidade é a que se obtém pela consideração harmônica das circunstâncias concretas, do que pode resultar um ajuste da norma à especificidade da situação a fim de que a solução seja justa. Pois, como diziam os romanos, summum jus summa injuria. Não se trata de um princípio que se oponha à justiça, mas que a completa, que a torna plena.”(FERRAZ, p.244)
[53] Inviolável: Jur. Que está legalmente protegido contra qualquer violência e acima da ação da justiça. [Pl.: invioláveis.]
[54] Idem, op. cit.
[55] Consulex - p.29
Advogado, especializado em Direito Empresarial.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MELO, Rafael Tages. Eutanásia - um breve estudo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 nov 2009, 09:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Monografias-TCC-Teses-E-Book/18759/eutanasia-um-breve-estudo. Acesso em: 23 dez 2024.
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