Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de graduação em Direito da Rede Metodista de Educação do Sul - IPA, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Ms. Adler dos Santos Baum
Palavras-Chave: Precatório. Cessão de Crédito. Acesso à Justiça. Compensação de Tributos com Créditos de Precatórios. Descrédito Estatal. Garantia da Prestação Jurisdicional.
Palavras Llave: Exhorto. Cesión de Crédito. Acceso a La Justicia. Compensación de tributos con Créditos de Exhortos. Descrédito de Exhortos. Estatal. Gartía de la Prestación Jurisdiccioal.
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INTRODUÇÃO
O propósito inicial da presente pesquisa consiste na apresentação das características gerais que tipificam o instituto dos precatórios, tão criticados nos dias atuais por estarem mais do que nunca no centro dos holofotes da imprensa, sendo alvo de polêmicas que ocorrem no cenário político nacional. Tratar-se-á aqui de um tema inquietante, que tem sido preocupação constante para todos, porque fere os princípios fundamentais e a dignidade da pessoa humana e, assim sendo, frustra as expectativas de uma nação já desacreditada de seus governos.
Nesse contexto, figuram inadimplentes os Estados e os Municípios ante as ações intentadas por pessoas físicas, pessoas jurídicas de direito público e de direito privado. Ditas ações que, restaram em glosa, originaram o dever do pagamento por parte do ente sucumbente que, por sua vez, expede um precatório para o pagamento do débito, cujos credores, após anos de tramitação das demandas judiciais, e depois de terem a sua ação transitada em julgado, confiantes de que receberão no exercício seguinte conforme reza a lei, ainda aguardam durante angustiantes anos na espera de verem saldado seu crédito.
Frente a esta situação surgiu um novo nicho de mercado, onde os credores de precatórios são assediados diariamente por empresas, em sua maioria compreendida por escritórios de advocacia, que adquirem tais créditos e os utilizam para fins de compensação de tributos e até mesmo como garantia judicial.
Perante esta atmosfera de descrédito gerada pelo não-cumprimento da obrigação pelo ente devedor, o qual deveria adimplir com os seus débitos agindo do modo mais exemplar possível, demonstrando uma conduta ética perante seus credores e, outras vezes, motivados pela necessidade do recebimento destes valores de forma imediata, os credores se veem forçados a aceitar estas propostas, buscando através delas o recebimento do seu crédito, acabam por transferir este seu direito mediante o recebimento do montante com um deságio no percentual muitas vezes superior a 80% (oitenta por cento) do valor em face do crédito.
E através da negociação dos títulos de precatórios, mesmo com os deságios aviltantes oferecidos no mercado da compra destes títulos, os credores encontram na via transversa a efetivação das demandas e a garantia da prestação jurisdicional.
Por meio de pesquisas doutrinárias e bibliográficas, o presente trabalho abordará as características da criação do instituto do precatório traçando um breve histórico sobre o tema, trazendo de forma detalhada a evolução sobre o assunto nas Constituições Federais, bem como as alterações decorrentes de Emendas Constitucionais e de súmulas que dispõem sobre a matéria.
Deste modo, serão averiguadas a possibilidade e legitimidade da transferência de titularidade por meio da cessão do crédito, como forma de antecipação do recebimento do valor devido pelo ente público, sob a ótica do acesso à justiça.
Serão apreciadas decisões jurisprudenciais e o estudo de casos, analisando inclusive as perspectivas no âmbito jurídico quanto a aceitação destes créditos para a compensação de débitos tributários, apontando o amparo legal que tornou o precatório ao longo dos últimos tempos uma “pseudo-moeda”, capaz de saldar dívidas, assim como, servir como objeto de garantia contra aquele que as emitiu.
Dar-se-á enfoque, principalmente, a posição do Poder Judiciário frente à descabida inadimplência dos entes políticos devedores, demonstrando que o Poder Executivo a todo tempo invade a esfera do Judiciário, ditando as normas e estabelecendo regras próprias de conduta para com os seus credores.
Buscar-se-á demonstrar a real efetividade dos Direitos Fundamentais contidos nos ordenamentos jurídicos nacionais, no que tange ao cumprimento das normativas legais por parte da Fazenda Pública, sob o viés dos Direitos Humanos no chamado Estado Democrático de Direito.
A importância e oportunidades deste trabalho estão em, justamente, verificar a viabilidade destas negociações à luz da efetividade do processo, de modo a se fazer cumprir mesmo que forçadamente a prestação jurisdicional, como uma forma de amenizar os prejuízos causados aos credores das Fazendas Públicas.
1 DA ORIGEM À CONCESSÃO DO PRECATÓRIO
1.1 APORTES HISTÓRICOS
Tratar-se-á neste capítulo da raiz histórica e etimológica do vocábulo precatório, e a justificativa para a sua criação dentro dos ordenamentos jurídicos, trazendo a evolução da matéria nas Constituições Brasileiras até os dias atuais.
A palavra precatório, tem sua origem no latim precatorius, o qual deriva de precatio, que significa: súplica, petição, rogo[1].
O precatório judicial é um instituto antigo no Brasil e genuinamente brasileiro. Surgiu infraconstitucionalmente como um aspecto formal no Direito Imperial e foi mantido nas Ordenações do Reino, sendo conservado posteriormente no Direito Republicano pelo Decreto de número 3048, o qual inicialmente lograva regulamentar tão somente questões pertinentes à Justiça Federal[2].
À época, a péssima regulamentação sobre a matéria permitia protecionismos e abusos para com seus credores, ficando o pagamento dos precatórios à mercê da boa vontade do Executivo e do Legislativo.
Pode-se afirmar então que o precatório se trata de um instrumento processual, típico do Direito brasileiro, ou como aludem alguns estudiosos da matéria “é um instituto de natureza tupiniquim”.
Nas palavras de Silva[3], precatório ainda pode indicar uma requisição expedida pelo juiz da execução de sentença, para que a Fazenda efetue o pagamento pelo qual foi condenada:
PRECATÓRIO. De precatorius, é especialmente empregado para indicar a requisição ou, propriamente, a carta expedida pelos juízes da execução de sentenças, em que a Fazenda Pública foi condenada a certo pagamento, ao presidente do Tribunal, a fim de que, por seu intermédio, se autorizem e se expeçam as necessárias ordens de pagamento às respectivas repartições pagadoras.
Assis[4] formula o seu conceito sobre precatório sinteticamente, assim: “O precatório ou requisitório não passa de uma carta de sentença, processada perante o Presidente do Tribunal, consoante normas regimentais”.
Destarte, pode-se afirmar que o precatório nada mais é do que uma requisição de pagamento feita ao Presidente do Tribunal, pelo juiz de um processo cuja sentença tenha tido o trânsito em julgado, quando o devedor for a Fazenda Pública federal, estadual ou municipal, quer seja a administração direta (que são os órgãos integrantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário), quer seja a administração indireta (autarquias e fundações públicas).
Especificamente quanto a origem do instituto em mote, Bastos e Martins[5] tecem os seguintes comentários:
A sua forma mais rudimentar nasceu da imaginação de um juiz diante de uma execução de um particular que pleiteava certa quantia contra uma Câmara Municipal. Porém, a impenhorabilidade dos bens do ente municipal não poderiam isenta-lo de quitar o seu débito, e o magistrado resolveu a questão expedindo precatória (sic) de vênia, determinando a penhora do próprio dinheiro na tesouraria da Câmara. E assim, surgia a forma primitiva de requisição que mais tarde seria encampada pelo precatório.
Nota-se que se os bens públicos fossem passíveis de penhora não haveria a necessidade de precatório, pois este só foi criado em virtude da impenhorabilidade dos bens dos entes públicos.
Todavia, os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas nem sempre serão feitos por meio do precatório, existe também a chamada requisição de pagamento de valor, usualmente conhecida como RPV.
A definição da forma como será expedido o pagamento dependerá do valor vencido na demanda, cabendo ao juiz de primeira instância apurar o valor do crédito, depois de exercido o direito de defesa da Fazenda Pública na execução. Procedido este feito será encaminhado para o pagamento, e este far-se-á respeitando a regulamentação de cada membro da Federação, pois como o Brasil é um Estado Federativo há uma regulamentação própria para cada ente.
A regulamentação em cada esfera pode ser sinteticamente apresentada como segue:
§ Fazenda Nacional (entidades federais)[6]:
Precatório: acima de 60 (sessenta) salários mínimos.
RPV: igual ou inferior a 60 (sessenta) salários mínimos.
§ Fazenda Estadual (entidades estaduais)[7]:
Precatório: acima de 40 (quarenta) salários mínimos.
RPV: igual ou inferior a 40 (quarenta) salários mínimos.
§ Fazenda Municipal (entidades municipais)[8]:
Precatório: acima de 30 (trinta) salários mínimos.
RPV: igual ou inferior a 30 (trinta) salários mínimos.
Os precatórios poderão ainda ser convertidos em RPV, para tanto, dependerão de ordem judicial, e consequentemente renúncia do valor excedente ao limite estipulado para a RPV em cada esfera.
1.2 A CRIAÇÃO DO INSTITUTO
A Fazenda Pública, em uma ampla concepção, é o Estado, compreendido pela União, os Estados Membros, o Distrito Federal e os Municípios, assim como, quaisquer entidades administrativas indiretas devidamente constituídas de poder público, que são as autarquias e fundações.
As execuções contra a Fazenda Pública são regidas em um primeiro momento pelo Código de Processo Civil, que especificamente nos seus artigos 730 e 731 impõem um rito próprio e diferenciado para tais execuções:
Art. 730. Na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública citar-se-á a devedora para opor embargos em 30 (trinta) dias; se esta não os opuser, no prazo legal, observar-se-ão as seguintes regras:
I - o juiz requisitará o pagamento por intermédio do presidente do tribunal competente;
II - far-se-á o pagamento na ordem de apresentação do precatório e à conta do respectivo crédito.
Art. 731. Se o credor for preterido no seu direito de preferência, o presidente do tribunal, que expediu a ordem, poderá, depois de ouvido o chefe do Ministério Público, ordenar o seqüestro da quantia necessária para satisfazer o débito (grifos nossos).
Os artigos afirmam que mesmo sendo vedada a penhora ou a constrição dos bens públicos o legislador ainda assegura o direito do credor preterido.
E para o procedimento do precatório, em especial, o mesmo tramitará no Tribunal respectivo e será processado nos termos do Regimento Interno do Tribunal, devendo constar inclusive o ofício requisitório do juízo de primeiro grau, a cópia do título executivo (a Decisão) e a Certidão de Trânsito em Julgado do processo que se deseja executar.
Porém, por conta da qualificação de Estado, a Fazenda Pública goza de privilégios expressamente autorizados pela legislação extravagante como, por exemplo, prazos diferenciados, pagamentos de custas ao final da demanda, duplo grau de jurisdição, assim como, são inalienáveis os bens públicos, conforme reza o artigo 100, do novo Código Civil Brasileiro[9]:
Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar. (grifos nossos)
Tal prerrogativa é consentida ao Estado devido ao princípio da continuidade do serviço público e da essencialidade estatal, isto porque a Administração Pública não pode deixar de cumprir com as suas atividades, as quais são indispensáveis à sociedade, em especial àquelas prestadoras de atendimento às classes de menor poder aquisitivo.
Neste sentido, o professor Wambier[10] destaca o caráter especial concernente às execuções em face à Fazenda Pública:
Em regra, os bens públicos não podem ser alienados. Por isso, se existe um crédito contra a Fazenda Pública, desaparece a responsabilidade patrimonial (art. 591, CPC), sendo impossível ao credor utilizar o procedimento da execução por quantia certa contra devedor solvente, que pressupõe a possibilidade de constrição judicial dos bens do devedor, para satisfação do crédito.
Pode-se definir então que os precatórios nada mais são do que os débitos da Fazenda Pública, que por meio da decisão judicial transitada em julgado foi condenada ao pagamento, em razão de ações intentadas por pessoas físicas, pessoas jurídicas de direito privado ou pessoas jurídicas de direito público, que restando o Estado sucumbente originaram o dever do pagamento.
O trâmite para a expedição de um precatório segue um rito próprio, inicia-se com a decisão judicial transitada em julgado que condenou a Fazenda, em seguida os autos do processo retornam à Vara de origem (juízo de primeira instância) para que seja remetido ao ofício da contadoria, afim de que o contador judiciário calcule o montante exato do débito vencido na demanda. Procedido este cálculo, o juiz oficia ao Presidente do Tribunal competente solicitando a requisição do pagamento, este, por sua vez, expede o precatório judicial e o entrega ao ente político devedor, que tem a obrigação de incluí-lo na ordem cronológica para o pagamento em momento oportuno.
Aqueles apresentados dentro do chamado “período requisitorial”, ou seja, aqueles apresentados até o dia 1º do mês de julho do respectivo ano em que lhe foi expedido, deverão ser incluídos na ordem cronológica de pagamento, além de terem seus valores inseridos obrigatoriamente na Lei Orçamentária Anual do exercício seguinte, para pagamento do valor atualizado até o final do respectivo exercício.
A dívida deverá ser paga com a atualização do seu valor até a data do efetivo pagamento, e não o valor fixado no dia 1º de julho do ano anterior, evitando novas demandas visando o recebimento de saldos remanescentes.
Alguns elementos históricos e também comparativos com ordenamentos estrangeiros se fazem importante abordar, como é o exemplo das ordenações Manuelinas e Filipinas, onde as execuções perante a Fazenda Pública eram muito mais rigorosas do que as execuções contra os particulares, sendo processadas da mesma forma como contra qualquer pessoa, e até mesmo com direito à penhora dos bens públicos, ressalvados alguns poucos bens[11].
O mesmo não ocorre em diversos outros países como é o caso dos Estados Unidos, por exemplo, onde inexiste a preocupação quanto às representações ante a Fazenda Pública, pelo contrário, a preocupação maior é quando a execução for contra o particular, e estas execuções são feitas por intercessão da autoridade administrativa[12].
Fazendo um cotejo entre os modelos de ordenamentos mencionados com o ordenamento jurídico brasileiro, fica evidenciado o total desrespeito com que o Brasil trata a sua nação, e a discrepância no cumprimento do que está contido na chamada “Carta Magna”. Em verdade, as regras contidas nas legislações nacionais, mais precisamente na Constituição Federal, seriam perfeitas se cumpridas em sua integralidade, porém, a falta de cumprimento das regras nelas contidas fazem deste instrumento (famoso por ser um dos mais protetivos) o menos respeitoso com o seu povo.
Traz-se ainda a quebra dos princípios considerados fundamentais pela própria Constituição, como é o caso do Princípio da Democracia, estabelecido já no seu primeiro artigo[13], que tem como uns de seus fundamentos a proteção à cidadania e à dignidade da pessoa humana, pois quando a República Federativa do Brasil (que deveria servir como espelho aos seus cidadãos) não cumpre com suas obrigações fere de imediato tão preciosos e indispensáveis princípios.
Já o Princípio da Moralidade está referido doze vezes na Carta, mas seus operadores quando negligenciam a eficácia das leis parecem desconhecer o seu exato sentido.
1.3 A EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL DOS PRECATÓRIOS
No que se refere à evolução histórica dos precatórios em nosso ordenamento jurídico considera-se importante analisar as modificações ao longo de cada nova edição da Constituição, trazendo as retificações dos textos constitucionais no intuito de preencher as lacunas existentes e de aperfeiçoar o entendimento do texto, demonstrando a importância destas evoluções até os dias atuais.
Iniciar-se-á pela Constituição Brasileira de 1934 que foi a primeira dar status constitucional ao precatório, trazendo como possível entidade devedora somente a Fazenda Federal, e proibindo a denominação pessoal para a destinação dos recursos.
Art. 182. Os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão na ordem de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, sendo vedada a designação de caso ou pessoas nas verbas legais. (grifos nossos)
Parágrafo único - Estes créditos serão consignados pelo Poder Executivo ao Poder Judiciário, recolhendo-se as importâncias ao cofre dos depósitos públicos. Cabe ao Presidente da Corte Suprema expedir as ordens de pagamento, dentro das forças do depósito, e, a requerimento do credor que alegar preterição da sua precedência, autorizar o seqüestro da quantia necessária para o satisfazer, depois de ouvido o Procurador-Geral da República.
Antes da edição desta Constituição ainda não havia sido instituído o pagamento via precatório, e os titulares dos créditos contra a Fazenda Pública eram pagos de acordo com a conveniência das autoridades, ou seja, aqueles que tinham maior influência, ou que prestavam favores aos governantes receberiam antes.
Na Constituição Brasileira de 1937 foi inserida a ordem de apresentação dos precatórios, gerando desta forma um cronograma para regulamentar o pagamento dos mesmos, autorizando desta forma o arresto do montante equivalente à satisfação da dívida.
Art. 95. Os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, em virtude de sentenças judiciárias, far-se-ão na ordem em que forem apresentados os precatórios e à conta dos créditos respectivos, vedada a designação de casos ou pessoas nas verbas orçamentárias ou créditos destinados àquele fim. (grifos nossos)
Parágrafo único. As verbas orçamentárias e os créditos votados para os pagamentos devidos, em virtude de sentença judiciária, pela Fazenda Federal, serão consignados ao Poder Judiciário, recolhendo-se as importâncias ao cofre dos depósitos públicos. Cabe ao Presidente do Supremo Tribunal Federal expedir as ordens de pagamento, dentro das forças do depósito, e, a requerimento do credor preterido em seu direito de precedência, autorizar o seqüestro da quantia necessária para satisfazê-lo, depois de ouvido o Procurador-Geral da República. (grifos nossos)
A ampliação da norma também às demais Fazendas foi inserida pela Constituição Brasileira de 1946, vez que anteriormente referia-se tão somente à Fazenda Federal. Autorizou ainda a expedição de ordens de pagamento respeitando às possibilidades de depósito de cada entidade devedora, não antes da oitiva do chefe do Ministério Público.
Art. 204. Os pagamentos devidos pela Fazenda federal, estadual ou municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão na ordem de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, sendo proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos extra-orçamentários abertos para esse fim. (grifos nossos)
Parágrafo único - As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados ao Poder Judiciário, recolhendo-se as importâncias à repartição competente. Cabe ao Presidente do Tribunal Federal de Recursos ou, conforme o caso, ao Presidente do Tribunal de Justiça expedir as ordens de pagamento, segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor preterido no seu direito de precedência, e depois de ouvido o chefe do Ministério Público, o seqüestro da quantia necessária para satisfazer o débito. (grifos nossos)
A Constituição Brasileira de 1967 acrescentou no seu parágrafo 1º a obrigatoriedade da inclusão da verba necessária para a liquidação do precatório no orçamento do devedor, visando garantir a quantia devida ao credor.
Art. 117. Os pagamentos devidos pela Fazenda federal, estadual ou municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão na ordem de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos extra-orçamentários abertos para esse fim.
§ 1º - É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento dos seus débitos constantes de precatórios judiciários, apresentados até primeiro de julho. (grifos nossos)
§ 2º - As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados ao Poder Judiciário, recolhendo-se as importâncias respectivas à repartição competente. Cabe ao Presidente do Tribunal, que proferiu a decisão exeqüenda determinar o pagamento, segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor preterido no seu direito de precedência, e depois de ouvido o chefe do Ministério Público, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito.
A Constituição Federal de 1988 ordenou que os créditos apresentados até o dia 1º de julho fossem incluídos no orçamento do devedor para o pagamento ano seguinte, fixando uma data limite para o pagamento, instituindo inclusive a correção monetária até a data do pagamento, bem como, autorizando o sequestro do montante necessário à quitação do débito.
Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
§ 1º - É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, data em que terão atualizados seus valores, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte. (grifos nossos)
§ 2º - As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados ao Poder Judiciário, recolhendo-se as importâncias respectivas à repartição competente, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento, segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito. (grifos nossos)
No entanto, à medida em que os precatórios foram sendo expedidos, respeitando a redação dada pela Constituição Federal de 1988, observou-se a necessidade tanto do aclaramento como da reformulação da redação dos parágrafos supra referidos, porque continham imprecisões na forma da aplicação e apresentavam lacunas no entendimento do texto, o que mais tarde veio ser elucidado pelas Emendas Constitucionais de nº. 20, em 1998, de nº. 30, em 2000 e de nº. 37, em 2002, como serão demonstradas ao longo deste trabalho.
Com o advento da Emenda Constitucional de nº. 30, os parágrafos do artigo 100 da Constituição Federal de 1988, foram reformulados no intuito de se adequarem às necessidades de preenchimento das lacunas existentes na letra.
No parágrafo 1º, o texto constitucional foi modificado ressalvando sua aplicação a partir do trânsito em julgado da sentença.
§ 1º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente. (grifos nossos)
Carecendo esclarecer quais créditos eram tidos como de natureza alimentícia, o parágrafo 1º-A foi inserido diferenciando estes créditos dos demais.
§ 1º-A Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado. (grifos nossos)
Já o parágrafo 2º dispõe sobre as atribuições que cabem ao Presidente do Tribunal no que concerne ao orçamento, o qual deverá determinar o pagamento do débito e autorizar o arresto da quantia necessária para a liquidação do débito.
§ 2º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito. (grifos nossos)
O parágrafo 3º, que foi inserido pela Emenda Constitucional de nº. 20 e posteriormente alterado pela Emenda Constitucional de nº. 30, desenquadrou as obrigações quanto às expedições de precatórios para os valores definidos como de pequeno valor (RPV).
§ 3º - O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado. (grifos nossos)
Em 2002, com o surgimento da Emenda Constitucional de nº. 37, inseriu-se ao artigo 100 da Constituição Federal o parágrafo 4º, que vedava a expedição de precatórios suplementares ou complementares, assim como, o seu fracionamento.
§ 4º São vedados a expedição de precatório complementar ou suplementar de valor pago, bem como fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, a fim de que seu pagamento não se faça, em parte, na forma estabelecida no § 3º deste artigo e, em parte, mediante expedição de precatório. (grifos nossos)
A Emenda Constitucional de nº. 30 inseriu o parágrafo 5º, o qual posteriormente fora renumerado pela Emenda Constitucional de nº. 37, permitindo a fixação de valores que variam de acordo com o ente expedidor, seja ele Federal, Distrital, Estadual ou Municipal.
§ 5º A lei poderá fixar valores distintos para o fim previsto no § 3º deste artigo, segundo as diferentes capacidades das entidades de direito público. (grifos nossos)
Tal Emenda ainda renumerou o parágrafo 6º, inserido pela Emenda Constitucional nº. 30, que atribuí ao Presidente do Tribunal a responsabilidade por crime de responsabilidade, quando deixar de cumprir com as suas atribuições.
§ 6º O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de precatório incorrerá em crime de responsabilidade. (grifos nossos)
Nos casos dispostos no parágrafo 6º, da Constituição Federal, quanto aos crimes que incorrem ao Presidente do Tribunal caso deixe de cumprir com as atribuições de que dispõe o parágrafo, poderá ser enquadrado nos crimes tipificados pela Lei 1079/50[14], quais sejam:
Art. 1º São crimes de responsabilidade os que esta lei especifica.
Art. 2º Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República ou Ministros de Estado, contra os Ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador Geral da República.
Art. 3º A imposição da pena referida no artigo anterior não exclui o processo e julgamento do acusado por crime comum, na justiça ordinária, nos termos das leis de processo penal.
O Presidente do Tribunal ainda fica sujeito a responder por crime de prevaricação, conforme dispõe o artigo 319, do Código Penal Brasileiro[15].
Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
É de competência do Superior Tribunal de Justiça julgar o Presidente do Tribunal, à luz do artigo 105 da Constituição Federal.
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar, originariamente:
a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais.
Ainda se fizeram necessárias algumas alterações através de súmulas para a melhoria dos textos que regulamentavam a questão dos precatórios judiciais. Motivo este que levou o Superior Tribunal de Justiça, em 1995, a reiterar a ordem cronológica de que tratava o caput do artigo 100 da Constituição Federal para os créditos diversos aos contidos no rol dos de natureza alimentícia.
STJ Súmula nº. 144[16] - Créditos de Natureza Alimentícia - Preferência - Precatório - Os créditos de natureza alimentícia gozam de preferência, desvinculados os precatórios da ordem cronológica dos créditos de natureza diversa. (Publicação no DJ de 18.08.1995, p. 25079).
No mesmo artigo, o disposto “a exceção dos créditos de natureza alimentícia”, remete à ideia da dispensa da expedição de um precatório para pagamento de créditos de natureza alimentar, fazendo com que o Supremo Tribunal Federal, em 2003, manifestasse o seu posicionamento a fim de elucidar o entendimento, confirmando que os créditos de natureza alimentícia também ficariam sujeitos à expedição de um precatório.
STF Súmula nº. 655[17] - A exceção prevista no art. 100, caput, da constituição, em favor dos créditos de natureza alimentícia, não dispensa a expedição de precatório, limitando-se a isentá-los da observância da ordem cronológica dos precatórios decorrentes de condenações de outra natureza. (Publicado no DJ de 09/10/2003, p.3. (grifos nossos)
Para fins de entendimento, vez que o parágrafo 1º-A do texto constitucional citou apenas os créditos de natureza alimentar, far-se-á breve menção aos créditos de natureza comum. Tomando por base os ensinamentos de Silva[18], os créditos tidos como de natureza comum são os oriundos de aluguéis, contratos, repetições de indébito, desapropriações, e demais indenizações. Referindo inclusive que tais créditos deverão ser pagos em um prazo máximo de 10 (dez) anos, dispondo ainda da possibilidade de cessão de créditos.
No Senado Federal, até pouco tempo, ainda tramitavam três Propostas de Emendas Constitucionais sobre questões relativas a alterações na redação do artigo 100 da Constituição Federal, conforme seguem:
Proposta de Emenda Constitucional – nº. 23/2003[19]
Ementa: Dá nova redação ao § 1º do artigo 100 da Constituição Federal, criando limite máximo para pagamento de obrigações relativas a precatórios judiciais. SF PEC 23/2003 de 16/04/2003.
Proposta de Emenda Constitucional – nº. 11/2005[20]
Ementa: Altera o art. 100 da CF para instituir limite máximo de comprometimento da receita da União, Estados, Distrito Federal e Municípios com o pagamento de precatórios judiciais. SF PEC 11/2005 de 19/04/2005.
Proposta de Emenda Constitucional – nº. 12/2006[21]
Ementa: Acrescenta o § 7º ao art. 100 da Constituição Federal e o art. 95 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, instituindo regime especial de pagamento de precatórios pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. SF PEC 12/2006 de 07/03/2006.
Contudo, devido a recente aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº. 12, as Propostas de Emendas Constitucionais nº. 23/2003 e nº. 11/2005 restaram prejudicadas, tendo registrados os seus pedidos de arquivamento. A PEC nº. 12/2006 foi então remetida à apreciação da Câmara dos Deputados com o nome de PEC nº. 351/2009.
Julgou-se não ser pertinente trazer ao presente estudo o conteúdo completo de uma PEC que está sob a análise dos representantes da Câmara dos Deputados e que ainda não foi promulgada. Todavia, sinteticamente, esta proposta visa eliminar a ordem cronológica de pagamento, estabelece um teto mínimo de 2% da receita líquida dos Estados e do Distrito Federal, e de 1,5% dos Municípios para o pagamento dos precatórios.
Mal se ouviram os rumores da criação da PEC 12, e as diversas lideranças sindicais e associativas do país, com o apoio importantíssimo da OAB a nível nacional, manifestaram-se uníssonamente o seu repúdio quanto à aprovação dessa Emenda.
Conforme convite divulgado e promovido pela OAB/RS, presenciou-se no Ato Público do movimento “Diga não a PEC 12”, alcunhada pelos órgãos presentes como “PEC do calote”, onde os diversos representantes das entidades presentes, alguns com interesse direto, como é o caso das precatoristas do movimento “Tricô dos Precatórios”, rechaçaram unanimemente o conteúdo do Projeto da Emenda Constitucional nº. 12.
Ao término do ato, como forma de protesto, os presentes fizeram uma marcha até o Palácio Piratini.
Naquele mesmo horário, em Brasília, centenas de lideranças sindicais, associados e interessados na causa, assim como, diversos representantes de entidades do Estado do Rio Grande do Sul, como o SINAPERS, SINTERGS, FESSERGS e o presidente da OAB/RS, promoviam o mesmo protesto caminhando até o Congresso Nacional, onde foi entregue à presidência da Câmara dos Deputados um manifesto[22] assinado por 166 entidades civis absolutamente contrárias à aprovação da PEC 12.
Em verdade a PEC 12 cria o pasmoso sistema de leilões invertidos, onde os credores que oferecerem maior deságio seriam satisfeitos em primeiro lugar, independente da ordem cronológica de apresentação dos precatórios, que está fundada no inafastável Princípio da Moralidade Administrativa que, conforme estudado anteriormente, impede a designação de casos e de pessoas na Lei Orçamentária Anual.
2 PRECATÓRIOS: APORIAS SOBRE A NATUREZA DO CRÉDITO E DA OBRIGAÇÃO
2.1 A CESSÃO DE CRÉDITOS E SEUS REQUISITOS
No Direito Romano a cessão de crédito tinha um viés de intransmissibilidade em razão do caráter pessoal da prestação tida pelo devedor, não sendo admitida a sucessão por ato entre vivos[23].
Atualmente, contrapondo o pensamento e a forma utilizada pelos romanos, o ordenamento jurídico possibilita a transmissibilidade do crédito, isso se deu fruto da exigência de uma sociedade moderna e em constante evolução.
No ordenamento jurídico brasileiro, a cessão de crédito está fulcrada nos artigos 286 a 298 do novo Código Civil Brasileiro, por meio da redação dada pela Lei 10.406, de 10/01/2002, mais especificamente no Título II, que versa sobre as Transmissões das Obrigações, que no seu Capítulo I trata Da Cessão de Crédito. Logo no primeiro artigo fica claramente evidenciado que a cessão de crédito é perfeitamente válida, e ainda que o artigo faça algumas ressalvas, a normativa não obsta a cessão do crédito de precatórios.
Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação. (grifos nossos)
Art. 287. Salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se todos os seus acessórios.
E junto da transmissão do crédito de precatório abarcam-se todos os seus acessórios, os quais compreendem as garantias e juros, e demais adicionais, se existirem em decorrência de convenções.
Neste sentido, Diniz[24] discorre quanto à transferência dos acessórios:
Não haverá transferência dos acessórios, se as partes o tiverem estipulado, como p.ex. se houver cessão de crédito pecuniário com reserva de juros ou se convencionar transferência de crédito com exclusão expressa da garantia que o assegura.
Assim sendo, há que se excetuar da possibilidade da cessão de crédito os precatórios resultantes de ações de natureza trabalhista, porque conforme o artigo 100, da “Nova Consolidação de Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho”, estes créditos são provenientes de uma relação direta entre empregado e empregador, visto que o adquirente não figuraria em quaisquer dos pólos da relação processual[25].
Retrataremos o posicionamento de alguns estudiosos quanto à cessão de créditos e seus acessórios, diante do entendimento do que disciplina o novo Código Civil Brasileiro, precisamente quanto aos artigos pertinentes à Cessão de Créditos.
Frisa-se inicialmente o entendimento de Diniz[26]:
Cessão de crédito é um negócio jurídico bilateral, gratuito ou oneroso, pelo qual o credor de uma obrigação (cedente) transfere, no todo ou em parte, a terceiro (cessionário), independentemente do consentimento do devedor (cedido), sua posição na relação obrigacional, com todos os acessórios e garantias, salvo disposição em contrário, sem que se opere a extinção do vínculo obrigacional.
Neste norte, veja-se que a lição de Diniz vai ao encontro do entendimento de Rodrigues[27], que conceitua a Cessão de Crédito de forma semelhante.
A cessão de crédito é o negócio jurídico, em geral de caráter oneroso, pelo qual o sujeito ativo de uma obrigação a transfere a terceiro, estranho ao negócio original, independentemente da anuência do devedor. O alienante toma o nome de cedente, o adquirente de cessionário, e o devedor, sujeito passivo da obrigação, o de cedido.
Gomes[28], sucintamente, assinala que “a cessão de crédito é um negócio jurídico pelo qual o credor transfere a terceiro sua posição na relação obrigacional”.
Ensina-nos, ainda, o civilista Pereira[29]:
Chama-se cessão de crédito o negócio jurídico em virtude do qual o credor transfere a outrem a sua qualidade creditória contra o devedor, recebendo o cessionário o direito respectivo, com todos os acessórios e todas as garantias. É uma alteração subjetiva da obrigação, indiretamente e realizada, porque se completa por via de uma trasladação da força obrigatória, e um sujeito ativo para outro sujeito ativo, mantendo-se em vigor o “vincullum iuris” originário.
Define-se então, que a Cessão de Crédito é uma transferência negocial, a título gratuito ou oneroso, de um direito, um dever, uma ação ou um complexo de direitos, ou ainda de deveres ou bens, com conteúdo predominantemente obrigatório, de modo que o adquirente (cessionário) exerça uma posição jurídica idêntica a do antecessor (cedente)[30].
Entretanto, a transmissão do crédito precisa atentar para alguns requisitos que são de suma importância para a perfectibilização negocial. Dentre os principais requisitos para a eficácia desta operação, salienta-se que os agentes (cedente e cessionário) tenham plena capacidade para a realização do negócio jurídico.
As condições necessárias para a validade do negócio jurídico em tela, deverão ocorrer nos moldes do artigo 104, do novo Código Civil Brasileiro, quais sejam:
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.
Contudo, o crédito a ser cedido deve estar livre e desembaraçado de quaisquer ônus, e não estar gravado por usufruto ou penhor. E ao cedente ainda é facultada a possibilidade da cessão do crédito de forma parcial ou total. Quando a cessão for parcial, o cedente ainda permanecerá na relação obrigacional naquilo que competir ao seu quinhão.[31]
Desta feita, uma vez efetuada a cessão, o cedente será responsabilizado apenas pela existência do crédito ao seu tempo, ou seja, para os efeitos que sobrevierem posteriores a cessão do crédito não cabe a ele responder.
Geralmente não se exige uma forma especial em relação à transferência do crédito para que produza efeitos entre o cedente e o cessionário, mas para que tenha eficácia perante terceiros, deverá ser operacionalizada mediante instrumento particular ou por instrumento público, este, denominado usualmente como Instrumento Público de Cessão e Transferência de Direitos Creditórios[32].
Art. 288. É ineficaz, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se não celebrar-se mediante instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do § 1o do art. 654.
Não há necessidade de concordância do devedor quanto à cessão do crédito, mas para que se tenha eficácia plena com relação ao negócio jurídico é condição imprescindível que o mesmo seja notificado para que tome ciência do negócio, conforme disposto no novo Código Civil Brasileiro. Esta notificação informará ao devedor a nova titularidade do crédito, e uma vez peticionado prestando esta informação evita-se que o pagamento seja efetuado ao credor originário.
Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita.
Gomes[33] ainda acrescenta algumas obrigações inerentes ao cedente na busca da eficácia do negócio jurídico, tais como: a) prestar as informações necessárias ao exercício do direito de crédito, solicitadas pelo cessionário; b) entregar os documentos indispensáveis para que o cessionário possa cobrar o crédito; c) fornecer documento comprobatório da cessão, se o crédito não for titulado.
Para formalizar efetivamente a cessão, cabe informar ao serviço de Registro Público, conforme dispõe a Lei de Registros Públicos nº 6.015/73:
Art. 129. Estão sujeitos a registro, no registro de Títulos e Documentos, para surtir efeitos em relação a terceiros:
[...]
§ 9º Os instrumentos de cessão de direitos e de créditos, de sub-rogação e de dação em pagamento.
Transpondo-se os ensinamentos acerca do instituto dos precatórios ao objeto do presente trabalho, conclui-se que:
a) poderá o credor da Fazenda Pública, transferir o seu direito de crédito do precatório, com todas as garantias acessórias;
b) deverá a cessão de crédito ser firmada perante instrumento público ou particular, devidamente registrado no Cartório de Títulos e Documentos;
c) o ente público emitente do título judiciário, deverá ser notificado, cientificando-se da transferência do crédito;
d) o credor atual passará a figurar no pólo ativo da ação.
Assim, uma vez revestida de todas as formalidades imprescindíveis a Cessão de Créditos torna-se plenamente válida e oponível a todos.
Salienta-se ainda que o cedente poderá constituir um procurador para representá-lo perante o negócio, podendo dito procurador assinar o contrato e o instrumento público de transferência do crédito, bem como, receber os valores pagos pela transação, conforme dispõe o parágrafo 1º, do artigo 654, novo Código Civil Brasileiro.
Art. 654. Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante.
§ 1o O instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos.
Entende-se então que a cessão de crédito é a ação pela qual o credor transfere a um terceiro, alheio àquela relação, os direitos sobre o seu crédito, vencido ou vincendo, se a isto não se objetar a natureza da obrigação, a lei ou convenções com o devedor.
Por todo o exposto, vê-se que a transferência de créditos provenientes de precatórios é legalmente admissível (ressalvados os créditos de caráter trabalhista), tem as características de um negócio jurídico e permite a circulação do título na forma negocial.
2.2 O DESCRÉDITO ESTATAL E A FALSA PERCEPÇÃO DE ACESSO À JUSTIÇA
A convivência comum entre os homens em sociedade originou a necessidade de se estabelecer regras de condutas limitando a atuação individual, bem como, reconheceu direitos e impôs deveres necessários à coexistência pacífica. E dessa convivência social decorrente das relações de parte a parte, não raro ocorrem conflitos acerca da necessidade natural envolvendo os bens da vida.
A necessidade de organizar o desenvolvimento entre os agentes sociais concentrou no Estado a concepção de regulador dos interesses e relações do corpo social, a fim de zelar pelo funcionamento justo social, cujas diretivas estas também se submetem o próprio Estado.
O Estado Brasileiro firmou, pela Constituição Federal de 1988, as novas bases de organização do substrato social reformulando a República Federativa do Brasil em Estado Democrático de Direito, reverenciando como um dos seus fundamentos o respeito à dignidade de pessoa humana. Nessa interação Estado e sociedade, a Carta ainda estabeleceu o Poder Judiciário como órgão componente da função estatal, tendo este a observância da inafastabilidade da jurisdição à lesão ou ameaça ao direito como princípio fundamental.
O acesso à justiça então está previsto na Carta Magna como um direito fundamental, tanto que está disposto em um dos artigos mais importantes lá contidos, como constatado nos incisos reproduzidos a seguir:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
[...]
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
[...]
LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos
[...]
LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Os dispositivos mencionados do texto constitucional possuem importante relevância quando se trata da prestação jurisdicional e também da segurança jurídica dos cidadãos.
No caso dos credores de precatórios, a informação citada no inciso XXXIII do artigo 5º, é aquela prestada eletronicamente e que possibilita ao credor acompanhar o andamento do precatório. Mesmo com estes dados sendo disponibilizados resumidamente é possível se ter conhecimento da informação mais procurada pelos credores, a posição atual na fila para o pagamento.
O direito de que trata o inciso XXXVI, alínea “b”, discorre sobre a obtenção de certidões junto aos órgãos públicos. E o órgão que será enfocado para demonstrar este serviço no presente trabalho é o Serviço de Processamento de Precatórios – SPP, o qual tem a função de processar as requisições de pagamentos de precatórios.
Na Certidão expedida por este órgão deverão constar as principais informações que encabeçam o precatório, quais sejam: o número do precatório, o nome da parte que é credora, o número do processo de origem, assim como o número da Ação de Execução de Sentença que originou a demanda, o ano em que foi orçamentado para o pagamento, o valor expresso do montante do precatório, devendo constar inclusive, se ocorreu ou não o pagamento por parte do ente devedor até a data da emissão da Certidão. Nesta mesma Certidão, virá apensado o Demonstrativo de Cálculo, que constará os valores atualizados consoante a decisão judicial. Em anexo apresentamos modelos de Certidão e Demonstrativo de Cálculo, expedidos pelo SPP[34].
Ainda discorrendo sobre o acesso à justiça, tem-se o estudo de Robert e Séguin[35] acerca da evolução histórica deste processo:
Essencial dizer que o acesso à justiça, faz parte de um rol de todas as declarações de direitos humanos. O Pacto de São José da Costa Rica, introduzido em nosso ordenamento jurídico através do decreto nº 678, de 06.11.1992, no art. 8º arrola os consectários do direito de acesso à justiça. (grifos nossos)
A busca pelo acesso à justiça remonta à luta pelas garantias de liberdade individual e de limitação de poder do Estado, reconhecidas posteriormente em inúmeras declarações de direitos desde a Magna Carta de 1215. Far-se-á agora breve referência a outros documentos internacionais que também trataram dessas garantias:
Tais evoluções foram progressivamente acolhidas pelo ordenamento jurídico nacional, como se nota na atual e aclarada definição dada pela Emenda Constitucional nº. 45 de 30/12/2004, que introduziu ao texto constitucional o parágrafo 3º, com a seguinte redação:
Artigo 5º
[...]
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
O que significa dizer que o alcance ao Poder Judiciário sempre foi assunto presente nas declarações dos direitos humanos, as quais têm como alvo principal a proteção dos direitos fundamentais e igualitários aos indivíduos como um todo.
O tema sobre o acesso à justiça já foi assunto de vários estudiosos do Direito, como é o caso de Cappelletti e Garth[36], que trazem a acessibilidade à justiça como um dever a ser tutelado pelo Estado, e igualmente estendido a todos os cidadãos.
A expressão acesso à justiça é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos. (grifos nossos)
O acesso à justiça também foi examinado por Bezerra[37], que segundo a afirmação descrita a seguir, leva ao entendimento do acesso ao Poder Judiciário como um direito fundamental, devidamente garantido pela nossa “Carta Maior” e até mesmo por legislações infraconstitucionais.
No sentido de direito inerente à natureza humana o acesso à justiça é um direito natural. No sentido de garantia desse acesso, legitimadamente efetivado pela constituição e pela legislação infraconstitucional, é um direito fundamental. (grifos nossos)
Ainda neste viés manifesta-se Gonçalves[38] em artigo sobre o tema do acesso à justiça, que a igualdade de condições processuais caracteriza a promoção (oportunidade) a qual se realiza o princípio da igualdade de todos perante a Lei, num movimento dirigido à efetivação dos direitos sociais.
Nos ensinamentos de Cichocki Neto[39] sobre mesmo tema encontra-se o entendimento:
A expressão acesso à justiça engloba um conteúdo largo espectro: parte da simples compreensão do ingresso do indivíduo em juízo, perpassa por aquela que enforça o processo como instrumento para a realização dos direitos individuais, e, por fim, aquela mais ampla, relacionada a uma das funções do próprio Estado e a quem compete, não apenas garantir a eficiência do ordenamento jurídico; mas outrossim, proporcionar a realização da justiça aos cidadãos. (grifos nossos)
Resta evidenciado nas palavras de Cichocki Neto que o acesso à justiça não se restringe apenas a garantia de acesso pelos cidadãos aos meios jurídicos na busca de pleitear seus direitos, mas, sobretudo, forçar a concretização destes direitos, sendo esta função um dever único e exclusivo do Estado.
Muito bem colocado nas palavras de Bonavides[40] quando afirma que o Estado Democrático de Direito tem como alvo alcançar as garantias constitucionais e a proteção dos direitos humanos em sua integralidade:
A amplitude das garantias constitucionais bem como seu valor instrumental de meio defensivo, invariavelmente vinculado a uma prestação do Estado, ou seja, dos poderes públicos, quer pela via constituinte (a reforma da Constituição pelo legislativo), quer pelas vias regulares e ordinárias de exercício da função jurisdicional (Poder Judiciário). Mas não é possível fazê-las eficazes senão num ordenamento que concretize em toda a plenitude os postulados do Estado de Direito, sem os quais nem vinga a liberdade, nem os direitos humanos têm adequada proteção.
O Estado é – senão o deveria ser – o principal responsável pela efetivação dos direitos contidos na Constituição Federal e nas demais legislações. Mas não é o que se constata ao se deparar com casos como os dos credores de precatórios.
E o exemplo mais marcante do desrespeito com que o Estado trata os seus credores é o das famosas “tricoteiras”. São idosas que há 18 anos lutam pelos direitos dos servidores estaduais aposentados e pensionistas, as quais fazem parte de um grupo que representa um total de 4.600 associados, do Sindicato dos Servidores Públicos Aposentados e Pensionistas do Estado do Rio Grande do Sul – SINAPERS. Num movimento pacífico e silencioso chamado “Tricô dos Precatórios”, semanalmente, às quartas-feiras, a partir das 14h, elas se revezam na Praça da Matriz, no Centro de Porto Alegre, tecendo uma manta como forma de protesto pelos dias em que aguardam pelo pagamento de indenizações ou pensões transformadas em precatórios.
Lamentavelmente, no dia 17 de julho de 2007, no trágico acidente do voo 3054 da TAM, perderam-se doze integrantes deste grupo, dentre elas estava a presidente do sindicato, Júlia de Oliveira Camargo, de 79 anos. Viajavam com destino a São Paulo, a convite da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, para um encontro no dia seguinte na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP, com o intuito de participar do lançamento do Movimento Nacional Contra o Calote Público. Mobilizavam-se em defesa dos seus direitos, mais especificamente contra a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº. 12, que prevê o pagamento dos precatórios por meio de leilão, pois na visão do grupo, esta proposta automaticamente oficializaria o calote.
Junto delas foi-se um pedaço da manta de 200 metros, tecidos durante os dias de manifesto enquanto aguardavam o pagamento. Contudo, no dia 25 de julho de 2007, lideradas pela aposentada Dalila de Souza Gonçalves, de 60 anos, que também viajava para São Paulo, mas pela companhia aérea Ocean Air, iniciou-se novamente a confecção da manta pelo pedaço de 1,3 metros que havia sobrado da anterior, e que viajava consigo naquele dia. “Isso é um símbolo, eu fiquei com a missão de recomeçar a luta”, afirmou Dalila.[41]
As pessoas que perderam a vida no citado desastre, são os credores dos entes públicos, mais especificamente do IPERGS, que tiveram os seus destinos interrompidos na busca de direitos que já deveriam ter sido efetivados, ou melhor, que nem deveriam estar em discussão.
Em favor da luta contra a lendária espera pelo recebimento dos valores dos precatórios, acentua o ex-presidente da AMB, Rodrigo Collaço[42]:
No mundo jurídico se diz que precatório não é uma forma de cumprir decisão judicial, mas é muito mais uma homenagem póstuma, porque poucas pessoas ficam vivas para receber os valores devidos pelo Estado.
Não bastasse a morosidade e a excessiva burocracia com relação às demandas judiciais, em especial as movidas perante os Estados em virtude dos seus incontáveis privilégios, os credores de precatórios ainda se deparam com o descumprimento do que preceitua o artigo 100 da Constituição Federal, demonstrando que a regra insculpida em tal artigo é lamentável letra morta, pois o seu texto apregoa que os valores apresentados até o dia 1º de julho, devem ser liquidados até o dia 31 de dezembro do ano subsequente.
E não há como sustentar a tese de que faltam recursos financeiros para honrar os pagamentos de tais créditos, pois as verbas consignadas ao Judiciário para pagamento do precatório por expressa determinação constitucional pertencem juridicamente ao Judiciário e não ao Executivo, e nem a lei poderia fazer transposição total ou parcial dessas verbas para outras dotações.
Para demonstrar o descompasso existente na destinação das verbas verificou-se que no ano de 2007, o governo do Estado do Rio Grande do Sul, atingiu a cifra de R$ 123,435 milhões em gastos com publicidade, e em contrapartida disponibilizou ao Poder Judiciário para pagamento de precatórios o montante de R$ 22,683 milhões, conforme se pode comprovar pelo Relatório e Parecer Prévio sobre as Contas do Governo do Estado – RPPCGE[43]. No mesmo relatório ainda consta que foram empenhados R$ 207.348 milhões para a liquidação dos débitos, logo, denota-se que os valores não foram utilizados em sua totalidade para o fim a que se destinava.
Os representantes dos Estados, por sua vez, interpõem todos os recursos possíveis na tentativa de extinguir ou diminuir o valor da demanda, e mais uma vez cabe aos credores aguardar até que sejam apreciados tais recursos. Ainda assim, depois da decisão transitada em julgado condenando a Fazenda Pública ao pagamento, esta permanece inadimplente perante seus credores.
As Fazendas Públicas, que nada mais deveriam ser senão o Estado organizado financeiramente, fazem pouco caso desses conceitos valendo-se de todos os meios para procrastinar suas dívidas, mesmo quando a lei estipula um prazo máximo para a liquidação.
Agindo dessa forma o Poder Público afronta a Constituição Federal ferindo um dos seus artigos, senão o mais importante, e é dentro deste artigo que está contido o inciso XXXVI, que diz:
[...]
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
Os institutos jurídicos citados em tal inciso têm por finalidade salvaguardar a permanente eficácia dos direitos e das relações jurídicas adquiridas legitimamente e sob o escudo da lei, protegendo-as futuramente de possíveis alterações legislativas ou contratuais.
Segundo o artigo 467 do Código de Processo Civil[44], a coisa julgada está ligada ao conceito de conclusão, de término de uma discussão, e desde que não caibam mais recursos, a sentença que transita em julgado torna-se inalterável e indiscutível.
Diante deste cenário, ficam os seguintes questionamentos: A quem se deve recorrer quando o Estado, responsável por tutelar os direitos dos cidadãos, não cumpre a sua função? A quem deve socorrer quando a justiça não cumpre a lei?
Neste contexto, a sociedade busca a efetivação e a antecipação do recebimento dos seus créditos servindo-se de vias paralelas de acesso à justiça, como é o caso da anteriormente citada Cessão de Créditos, consumando desta forma a prestação jurisdicional que lhe deveria assegurar o Estado em conformidade com a lei.
3 UMA NOVA LEITURA DE ACESSO À JUSTIÇA
3.1 A CESSÃO DE CRÉDITO COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DA JUSTIÇA
O inadimplemento das Fazendas Públicas com relação aos seus credores sempre foi motivo de publicações de artigos e colunas em todos os meios de comunicações do País, tanto que se convencionou chamar de “a questão dos precatórios”.
Conquanto se tenha feito até o presente momento um apanhado geral sobre o assunto abrangendo as Fazendas Públicas em todas as esferas, a partir deste capítulo dar-se-á enfoque maior à Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Sul e consequentemente os seus credores. Atualmente o Estado contabiliza bilhões acumulados em dívidas de precatórios impagos pelo Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul e pelo governo do Estado do Rio Grande do Sul.
Tais dados restam facilmente comprovados ao se acessar o site do TJRS[45], que na última consulta aos entes devedores em destaque, realizada em 05/06/2009, constavam as seguintes informações:
Estado do Rio Grande do Sul
Quantidade de PRC Pendentes: 7006
Dívida total: R$ 2.336.173.939,82
Quantidade de RPV Pendentes: 13
Dívida total: R$ 42.891,85
Instituto de Previdência do Estado
Quantidade de PRC Pendentes: 15.047
Dívida total: R$ 3.545.834.714,15
Quantidade de RPV Pendentes: 12
Dívida total: R$ 26.017,16
Município de Porto Alegre
Quantidade de PRC Pendentes: 543
Dívida total: R$ 162.108.016,66
Quantidade de RPV Pendentes: zero
O mesmo site ainda disponibiliza outras formas de consultas relativas a Precatório e RPV, que podem ser feitas por número (processo, precatório ou RPV), pelo nome do Credor, ou ainda pelo nome do Devedor, e possibilita inclusive a busca pelos nomes das entidades devedoras, a nível estadual e municipal.
Diferentemente da postura adotada pelas Fazendas estaduais e municipais, os precatórios federais recebem tratamento diverso, pois são pagos em dia, tão logo a verba seja liberada. Em 2008, os precatórios federais tiveram seus pagamentos antecipados de abril e maio para os meses de janeiro e fevereiro, esta antecipação gerou aos cofres públicos um lucro superior a R$ 300 milhões, uma vez que a União deixou de pagar juros e correção monetária correspondentes há três meses. Os dados referentes à adimplência da Fazenda Federal podem ser facilmente comprovados ao se acessar o site do Tribunal Regional Federal da 4ª Região[46].
Vista por outro ângulo, a cessão do crédito de precatório pode ser uma ameaça à dignidade da pessoa humana porque atinge diretamente uma sensível faixa de mercado composta por idosos e pessoas de baixo poder aquisitivo. E a mídia deu grande ênfase quando rotulou a comercialização do crédito como “indústria dos precatórios”[47], e ao que muitos ousam chamar de “calote público” em face aos valores irrisórios oferecidos para o pagamento do crédito.
Apresentar-se-á uma matéria do Jornal Tribuna do Direito que vem ao encontro do todo exposto, retratando a atual crise dos precatórios e o vergonhoso e impune “calote estatal”:
Precatórios, o grande “calote” [48].
BRASÍLIA — Os precatórios — dívidas indiscutíveis da União, dos Estados e dos municípios, que devem ser pagas por força de decisões judiciais definitivas — transformaram-se em símbolo oficial de calote ad eternum. Juntos, os caloteiros estão pendurados em torno de R$ 60 bilhões, e obrigá-los a pagar parece uma tarefa tão difícil que o ministro Marco Aurélio de Mello, do STF, chegou a comentar que o que se faz, na prática, é "tripudiar em cima do cidadão".
Embora tenham surgido suspeitas de que haveria uma "indústria de precatórios", que privilegiaria apaniguados do governo na hora de receber os valores devidos — a tal ponto que instalou-se na Assembléia Legislativa uma CPI para apurar eventuais irregularidades, que giravam em torno, principalmente, de pagamentos sobre áreas desapropriadas — considerável parte das vítimas é formada por idosos. Na condição de aposentados e pensionistas, esperam, sem esperança. Quinhentas mil pessoas são credores alimentares só no Estado de São Paulo. Cerca de 35 mil só na Capital. É tanta gente que foi criado um movimento de advogados para defesa desse tipo de credor. A maioria dos que sofrem a angustiante situação — cerca de 70% do total de vítimas do calote — é formada por pessoas com mais de 65 anos. Calcula-se que 25 mil aposentados já morreram. A desesperança é tamanha que muitos dos aposentados, temendo morrer antes do pagamento a que têm direito, criam uma espécie de mercado paralelo, colocando à disposição os precatórios como direito líquido e certo, mas para recebimento em futuro incerto. A incógnita reduz para até 20% o verdadeiro valor.
Em tese, quem deve e não paga — no caso, o governo — poderia sofrer as sanções previstas na Constituição Federal e que incluem a possibilidade de intervenção federal, cogitada quando não se cumpre decisão judicial de forma deliberada (artigo 36, I). A requisição nesse sentido deve ser feita ao Supremo Tribunal Federal (STF), ou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ainda ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Por isso o calote generalizado já foi parar no STF, mas em sessão específica a mais alta Corte de Justiça do País decidiu pela não punição dos governantes que estão com os pagamentos de precatórios alimentares atrasados. Exceto um, os ministros da Corte resolveram que não se deveria atender aos pedidos de intervenção nos Estados para garantir o pagamento de contas atrasadas, ressaltando que a medida, que consideraram extrema, somente poderia ser adotada caso ficasse comprovada a absoluta falta de vontade para quitar as dívidas. A sessão foi dramática porque uma imensa platéia de aposentados lotava, ansiosa, o auditório. O ministro Marco Aurélio de Mello foi o relator do processo. Disse que Estados e municípios tiveram um ano e meio de prazo para pagar o que deviam, que é o tempo previsto, constitucionalmente, para a quitação das dívidas. Mas alegavam “ausência de recursos”. O ministro comentou ironicamente: “Devo, não nego, pago quando puder.”
Havia no STF, pedidos de intervenção nos Estados de São Paulo e Rio Grande do Sul. Os credores constituíram advogados para fazer valer seus direitos. No caso gaúcho, argumentou-se que as dívidas cresciam vertiginosamente em decorrência dos precatórios alimentares, mas contraditoriamente o governo reduzia, ano a ano, os recursos necessários para pagá-los. A discussão misturou Direito com política. Um dos ministros, Gilmar Mendes, ponderou que não seria justo afastar um governador do cargo (ainda no caso gaúcho), que não teria responsabilidade alguma pelo "mal feito no passado". Em contraponto, o ministro Marco Aurélio sustentou que não se tratava de personificar a responsabilidade, e que os alvos seriam governadores de Estado exclusivamente pelo motivo de não cumprimento de decisões judiciais. À época ainda na Corte, o então ministro Nelson Jobim também foi contra a intervenção: “O interventor não sairia de Brasília com dinheiro para resolver a situação. Depois, teríamos de decretar a intervenção no interventor.” Fórmulas foram e são discutidas, mas sequer existe consenso sobre o assunto. Na queda-de-braço jurídica, há quem argumente que o cidadão, isoladamente, não desfruta dos privilégios dos caloteiros oficiais: quem deixar de pagar um débito, pode ser punido com a penhora dos bens. Por causa disso, há uma corrente que sustenta a possibilidade de enquadrar os devedores como incursos em atos de improbidade administrativa. Existe até um projeto, dormitando em gavetas do Congresso, que estando nessa situação, presidente da República, governadores de Estado e prefeitos municipais seriam punidos com a perda dos direitos políticos por oito anos.
O “calote” motivou a realização de cálculos pelo Supremo Tribunal Federal. Segundo a última conta, Estados e Distrito Federal devem R$ 42 bilhões. Destes, R$ 23 bilhões são correspondentes a precatórios alimentares, proventos e pensões. Mais R$ 19 bilhões decorrentes de precatórios mais comuns, como desapropriação de terra e imóveis. Municípios brasileiros devem outros RS$ 20 bilhões. São Paulo (R$ 12,2 bilhões) e Rio de Janeiro (R$ 1,3 bilhão) são os que se destacam entre os "caloteiros". As dívidas sofrem correção monetária e juros, fatores que estão fazendo a dívida no Estado do Rio, por exemplo, subir para R$ 2 bilhões. Que fazer? Para alguns, a solução seria uma proposta de emenda constitucional para que Estados e municípios reservem uma cota de receita corrente líquida exclusivamente para o pagamento de precatórios. Segundo uma das propostas, os tribunais de Justiça teriam condições legais de seqüestrar valores das contas bancárias dos "caloteiros". Essa cota poderia girar entre 2 e 3%. A idéia é que boa parte do dinheiro arrecadado seja utilizada em leilões públicos. Seriam adquiridos precatórios de credores que se apresentarem oferecendo maiores descontos. Os demais 30% seriam usados para quitar dívidas de credores que não quiserem participar dos leilões. Essa proposta é fruto de uma prática nos chamados mercados secundários, onde precatórios são negociados, atualmente, com deságios que chegam a 70%. Mas há quem acredite, como o ex-ministro Nelson Jobim, que as reduções seriam menores se houvesse uma negociação direta com governadores e prefeitos. Um projeto nesse sentido também está no Congresso, mas não se cogita qual seria o teto para esse desconto. Outra possibilidade, também em projeto, seria a obrigatoriedade de Estados e municípios serem considerados obrigados a lançar mão de imóveis considerados ociosos para pagamento de precatórios e ainda destinar, para o mesmo fim, uma parte dos créditos obtidos com empresas e contribuintes inscritos na chamada dívida ativa. Esses bens seriam colocados num fundo especial, sob administração de membros do Poder Judiciário, Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil e Fazendas estaduais.
A situação chegou a tal ponto que a Comissão de Defesa dos Credores Públicos da OAB chegou a propor à Organização dos Estados Americanos (OEA) que se considere violação aos direitos humanos o não-pagamento de precatórios alimentares. A culpa de tudo, no entendimento de ministros dos tribunais superiores e especialistas em Direito Público, concentra-se nas restrições orçamentárias e na absoluta falta de punição para os governantes. "Joga-se contra trabalhadores, aposentados e pensionistas", sustenta, isoladamente, o ministro Marco Aurélio de Mello. De uma forma ou de outra, está florescendo, no Brasil, a inadimplência perpétua.
Assim, os credores do Estado do Rio Grande do Sul e do Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul permanecem em constante contato com a crescente exploração do mercado da comercialização de títulos de precatórios.
Em geral o perfil do credor que abdica do seu direito em troca dos valores oferecidos é aquele de baixa renda, que na maioria das vezes aguarda ansiadamente o recebimento do montante para pagamento de uma cirurgia e/ou tratamento de saúde de que necessita urgentemente para si ou para algum familiar (onde mais uma vez o Estado falhou ao deixar de prestar um atendimento imediato via SUS), aquele que almeja a compra ou a reforma de sua moradia, ou ainda, aqueles que desejam destinar a quantia para fins de estudo dos filhos ou netos. Diante destas circunstâncias, os credores aceitam ceder o seu direito ao crédito por valores ínfimos.
De acordo com informações extra-oficiais coletadas no mercado da compra e venda de precatórios, os deságios na aquisição chegam a atingir 70% (setenta por cento) do valor do crédito. Por exemplo, se existir um precatório cujo montante é R$ 100.000,00 (cem mil reais), o cedente receberá R$ 30.000,00 (trinta mil reais) pelo crédito cedido. E o deságio pode chegar a atingir mais de 80% (oitenta por cento) nos créditos cujo ente devedor é o IPERGS, visto que estes não podem ser utilizados na compensação de tributos do Estado, como é o caso do ICMS, porque não se tratam de mesmo ente, ou seja, devedor e credor figuram em esferas diferenciadas. Sendo assim, os valores barganhados – embora descabidos – são a forma atualmente utilizada pelos credores mais ávidos pelo recebimento, encurtando assim o martírio da espera.
Na prática, a compra e venda de precatórios pode ser feita por pessoas físicas e jurídicas, mas os escritórios de advocacia são os principais adquirentes destes títulos porque os utilizam no planejamento tributário de empresas, os quais são contratados para prestar assessoria tributária. Este tipo de assessoria visa diminuir os valores pagos por dívidas fiscais oferecendo os créditos na compensação de tributos ou mesmo como garantia judicial. Esta operacionalização gera um lucro altíssimo para as empresas superando muitas vezes o lucro da sua atividade fim, porque deixam de desembolsar valores mensais significantes que deveriam ser destinados ao pagamento de tributos, como é o caso do ICMS, por exemplo, quando o crédito é utilizado para fins compensatórios.
Mas apesar de ser extremamente vantajoso para a lucratividade das empresas, este procedimento ainda amedronta alguns empresários que não o praticam por receio de possíveis retaliações por parte do fisco. É o que acontece comumente, quando não detectado o depósito do montante, o fisco impossibilita a emissão de Autorização para Impressão de Documentos Fiscais – AIDF.
O fundamento legal e a forma de aplicação deste procedimento serão abordados no capítulo a seguir.
Embora sabido que todo o indivíduo tem garantido o seu direito fundamental constitucionalmente, tanto o direito de buscar o acesso efetivo à justiça como o de apreciar um resultado positivo e eficaz de sua demanda judicial, o acesso à justiça de que se trata não deve apenas se limitar ao acesso específico no âmbito do Poder Judiciário, este acesso deve ir ao encontro de uma realização da justiça como busca da consumação de direitos dentro de um prazo razoável, respeitada por todos os agentes e setores do Estado.
A cessão de crédito então possibilita que os credores tenham um verdadeiro acesso à justiça, representado não pelo direito ao ingresso judicial, mas sim pela efetivação das decisões judiciais.
E como o Estado não cumpre estas decisões, mesmo diante do injusto deságio, os credores acabam recebendo os valores que lhe são devidos utilizando-se de vias transversais de acesso à justiça.
3.2 A RELUTÂNCIA DA ACEITAÇÃO DO INSTITUTO DA COMPENSAÇÃO
Conforme antecipado no capítulo anterior quanto ao instituto da compensação de tributos, apresentar-se-ão os principais fundamentos legais para a utilização de créditos de precatórios para fins de compensação ou garantia judicial de que se valem os operadores do direito na busca da aceitação desta forma de quitação de dívidas fiscais.
Inicia-se pelo disposto no artigo 368 do novo Código Civil Brasileiro quanto a extinção da dívida entre credor e devedor:
Art. 368 Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem. (grifos nossos)
Assim sendo, quando um credor de precatórios (cedente) transfere o seu direito a um terceiro (cessionário), este passa a figurar como atual titular do crédito, e desta forma, passa a ser o novo credor do ente devedor. Possibilitando assim, se existir um débito do atual credor para com o devedor, compensar a sua dívida com o crédito havido por meio da cessão de créditos.
O então credor de precatório (seja ele originário ou cessionário) vencido e impago, e respectivamente devedor deste credor, terá direito à compensação do seu tributo, conforme o também disposto no parágrafo 2º, do artigo 78, do ADCT, que foi incluído pela já citada Emenda Constitucional nº. 30, veja-se:
Art – 78 Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos. (grifos nossos)
§ 1º É permitida a decomposição de parcelas, a critério do credor.
§ 2º As prestações anuais a que se refere o caput deste artigo terão, se não liquidadas até o final do exercício a que se referem, poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora. (grifos nossos)
§ 3º O prazo referido no caput deste artigo fica reduzido para dois anos, nos casos de precatórios judiciais originários de desapropriação de imóvel residencial do credor, desde que comprovadamente único à época da imissão na posse.
§ 4º O Presidente do Tribunal competente deverá, vencido o prazo ou em caso de omissão no orçamento, ou preterição ao direito de precedência, a requerimento do credor, requisitar ou determinar o seqüestro de recursos financeiros da entidade executada, suficientes à satisfação da prestação.
Conforme grifado ao final do caput do artigo, dentre outros aspectos importantes trazidos pelo texto, ressalta-se a expressa autorização da cessão de créditos, e ainda um aspecto de grande relevância para o credor, impõe um “prazo fatal” para a liquidação dos débitos, pois até então não se tinha conhecimento de uma normativa que impusesse um prazo limite para a liquidação do débito.
Com propriedade o Código Tributário Nacional permite a compensação de créditos tributários, não deixando imprecisões quanto a sua interpretação:
Art. 170 A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública. (grifos nossos)
Resta claramente demonstrado que os artigos supracitados corroboram no tocante ao encontro de contas quando as partes forem credor e devedor um do outro, e versarem sobre créditos líquidos e certos.
Segundo preceitua Diniz[49], a compensação é o
[...] meio especial de extinção de obrigações, até onde se equivalerem, entre pessoas que sejam, ao mesmo tempo, devedoras e credoras umas das outras; operação de mútua quitação entre credores recíprocos.
A compensação de um determinado tributo pelo contribuinte deve inicialmente ser requerida perante a autoridade fazendária devedora do crédito de precatório, ensejando assim o encontro de contas entre credor e devedor de mesma espécie. Em caso de negativa da Fazenda Pública quanto ao requerimento da compensação, tomar-se-á a via judicial para a discussão da lide e concomitantemente a tutela do direito ofendido por meio de Mandado de Segurança, que conforme entendimento sumulado pelo STJ[50] é considerada a via mais célere e eficaz.
De outra banda, colaborando com aqueles credores da Fazenda Pública que também são devedores da mesma, o Estado do Rio Grande do Sul procurou regulamentar a matéria através da Lei Ordinária nº. 11.472/2000, que em seu 1º artigo[51] autorizava o Poder Executivo a aceitar a compensação de débitos inscritos na dívida ativa com os créditos contra a Fazenda Pública oriundos de sentenças transitadas em julgado com precatórios pendentes de pagamento, já o seu 2º artigo[52] permitia a utilização dos créditos havidos de terceiros devidamente adquiridos através da cessão de créditos.
O que restava comprovadamente garantido pela redação do parágrafo único, do artigo 5º, da Lei Ordinária nº. 11.475/2000[53]: “Os créditos contra o Estado, adquiridos nos termos deste artigo, serão utilizados, com plena e absoluta admissibilidade na compensação de tributos ou de qualquer débito fiscal”, não deixando quaisquer dúvidas quanto a admissibilidade na compensação. Poucos anos depois, a Lei Ordinária nº. 12.209/2004[54] revogou os dispositivos da Lei nº. 11.472/2000.
No mesmo ano, a Lei Ordinária nº. 11.475/2000 deu nova redação ao dispositivo da Lei anterior, mas ainda possibilitando a utilização dos créditos para fins de compensação tributária, veja-se:
Art. 134 - É assegurado ao contribuinte, inscrito do Cadastro Geral de Contribuintes do Tesouro de Estado, o direito à compensação, total ou parcial, de seus débitos de natureza tributária, inscritos ou não como Dívida Ativa, em cobrança administrativa ou judicial, com seus créditos vencidos contra o Estado.
Parágrafo único - Os débitos vencidos do Estado para serem objeto de compensação deverão estar representados por sentença transitada em julgado ou título executivo extrajudicial.
Atendendo aos apelos constantes dos credores por uma solução, e devido às diversas manifestações ocorridas em torno do dilema em que se tornou o instituto dos precatórios, a Assembléia Legislativa demonstrando interesse em solucionar o impasse, aprovou por unanimidade o Projeto de Lei nº. 390/2006 do Poder Executivo, que criou o Fundo Estadual dos Precatórios - FEP, dado pela da Lei Estadual nº. 12.585/2006, apresentando a redação seguinte:
Art.1º - Fica criado o Fundo Estadual dos Precatórios - FEP/RS, destinado a viabilizar o pagamento dos precatórios judiciários sob responsabilidade do Estado, orçados e não pagos, em conformidade com o art. 100 da Constituição Federal.
Art. 2º - Constituirão recursos financeiros do FEP/RS:
I - 10% (dez por cento) das receitas brutas decorrentes da cobrança judicial de créditos inscritos em dívida ativa cujo pagamento será pactuado a partir da vigência desta Lei;
II - o valor equivalente a 30% (trinta por cento) das receitas patrimoniais resultantes da alienação de bens imóveis prevista na Lei nº. 12.144, de 1º de setembro de 2004;
III - dotações orçamentárias do Estado e créditos adicionais a ele destinados; e
IV - receitas provenientes dos rendimentos auferidos em razão de aplicações financeiras.
Parágrafo único – Os recursos, enquanto disponíveis no FEP/RS, deverão ser aplicados diretamente em Títulos Públicos Federais.
[...]
Art. 6º - Fica o Poder Executivo autorizado a abrir créditos adicionais no orçamento do Estado no valor de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) para o cumprimento do disposto nesta Lei.
Todavia, ao analisarmos o RPPCGE[55] consta expressamente que em contrariedade a dita Lei, não foi implementado o Fundo Estadual dos Precatórios.
Não bastasse a lei anterior que em nada solucionou o problema, a recente Lei Estadual nº. 13.113/2008, alterou o artigo 1º, o inciso I e o parágrafo único da redação dada por aquela normativa, ficando dispostos deste modo:
Art.1º. Fica criado o Fundo Estadual dos Precatórios - FEP/RS, destinado a viabilizar o pagamento dos precatórios judiciários sob responsabilidade do Estado: Administração Direta, Autarquias e Fundações Públicas, ou Direito Privado do Estado, orçados e não pagos, em conformidade com o art. 100 da Constituição Federal.
Art. 2º - Constituirão recursos financeiros do FEP/RS:
I - equivalente a 100% (cem por cento) das receitas líquidas, deduzidos os valores devidos a outros entes federados, decorrentes da cobrança judicial de créditos inscritos em dívida ativa, apropriadas a partir da vigência desta Lei;
Parágrafo único – Ficam excetuadas do disposto no inciso I as receitas provenientes de programas especiais de cobrança de créditos.
Os referidos regulamentos, criados pelo Estado do Rio Grande do Sul na tentativa de amenizar um problema crônico causado por ele mesmo, pareciam extremamente válidos, todavia, como não se tem conhecimento do cumprimento destas, a finalidade da sua criação deixou ares de interesses meramente eleitoreiros, e mais pareceram artimanhas do Poder Executivo na tentativa de contemporizar o problema.
Em que pesem as normativas locais apresentadas permaneçam ainda conflituosas e inaplicadas, o embasamento legal (a nível nacional) citado anteriormente por si já sustenta a autorização da compensação de tributos por meio da utilização de créditos oriundos de precatórios.
Nesse sentido, a posição do fisco quando se opõe em aceitar esta forma de pagamento dá-se sob a alegação da necessidade do erário na arrecadação em moeda corrente. É certo que não se pode deixar de destacar a posição do ente devedor frente a este procedimento, que torna enfraquecida a sua arrecadação mensal refletindo diretamente no seu orçamento. A Fazenda Estadual, por óbvio, se mostra contrária ao instituto em comento, mas ele só existe em razão da sua descabida inadimplência com o pagamento dos precatórios.
Ao mesmo tempo, deve-se atentar para a posição contrária, ou seja, quando se é devedor do fisco e não se tem condições de pagá-lo, constata-se que não há a mesma compreensão por parte deste, que ainda assim aplica multas altíssimas no atraso ou na inadimplência.
No entanto, os argumentos mais empregados nas decisões proferidas pelos julgadores do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul quando negam a aceitação da compensação de tributos com créditos tidos de precatórios, é a falta de previsão legal que autorize a compensação e a quebra da ordem cronológica do pagamento.
A constatação do exposto pode ser comprovada pelas decisões a seguir ementadas:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. LIMINAR. TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. CRÉDITO TRIBUTÁRIO. PRECATÓRIO JUDICIAL. CESSÃO DOS CRÉDITOS. NECESSIDADE DE LEI AUTORIZADORA ESPECÍFICA. Ausente prova da relevância do fundamento e do risco de ineficácia da medida, não é de ser deferida a medida liminar. Hipótese em que não há verossimilhança na alegação de direito à compensação de precatório judicial cujo devedor é o Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul com créditos tributários do Estado do Rio Grande do Sul. No direito tributário, a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública depende de lei. Art. 170 do CTN. Negado seguimento ao recurso por ato do Relator. Art. 557 do Código de Processo Civil. (Apelação Cível nº. 70021930060. Vigésima Segunda Câmara Cível. Comarca de Novo Hamburgo. Relatora: Desembargadora Maria Isabel de Azevedo Souza. Julgado em 26/10/2007). (grifos nossos)
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DIREITO TRIBUTÁRIO E FISCAL. EMBARGOS INFRINGENTES. COMPENSAÇÃO ENTRE PRECATÓRIOS CEDIDOS E CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS DE ICMS MENSAL, PARCELADO E INCLUÍDO NO REFAZ. AUSÊNCIA DE LEI ESTADUAL PERMISSIVA. O acolhimento de embargos de declaração exige a presença de obscuridade, omissão ou contradição no acórdão, não se podendo exigir da Câmara, mesmo para fins de prequestionamento, manifestação específica sobre cada um dos argumentos e normas legais invocadas pelas partes, quando outras aplicadas são suficientes para fundamentar a decisão. Jurisprudência do STJ. Rejeição dos embargos, por falta de suporte fático para o permissivo legal. Desnecessidade de menção a dispositivos. Se a Câmara enfrentou a matéria jurídica enfocada nos dispositivos referidos, estão preenchidos os requisitos do prequestionamento, em que pese a não-citação dos artigos de lei. Embargos Declaratórios desacolhidos. (Embargos de Declaração nº. 70026421339. Décimo Primeiro Grupo Cível. Comarca de Porto Alegre. Relatora: Desembargadora Rejane Maria Dias de Castro Bins. Julgado em 17/10/2008). (grifos nossos)
AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CAUÇÃO. OFERTA DE PRECATÓRIO COMO FORMA DE ANTECIPAR A PENHORA. INADMISSIBILIDADE. Inadmissível a caução sobre precatório, como forma de antecipação da penhora na execução fiscal, porque sua utilização implicaria quebra na ordem cronológica de pagamentos, prevista no art. 100, caput, da Constituição Federal. Precedentes do TJRGS e STJ. Agravo interno desprovido. (Agravo Interno nº. 70017667460. Vigésima Segunda Câmara Cível. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Relator: Desembargador Carlos Eduardo Zietlow Duro. Julgado em 23/11/2006). (grifos nossos)
A compensação das dívidas tributárias com créditos de precatórios que buscam os contribuintes quando demandam ações como as destacadas nas ementas, é uma alternativa criada pelo poder constituinte em face ao descabido atraso protagonizado pelas Fazendas Públicas com seus credores, a qual os julgadores do Egrégio local, não poderiam deixar de aceitar, em favor da posição absurda de inadimplência da Fazenda Pública, porque vai de encontro ao assentado em sede constitucional. Com isto, estes intérpretes contribuem diretamente para a eternização das execuções contra os entes públicos.
Não é diferente a lição de Tavares[56] sobre a compensação de tributos, que assim preleciona:
Por sua vez, munidos desse documento probatório da mora da Fazenda Pública, cabe ao contribuinte pleitear administrativamente a compensação do crédito tributário com o débito emergente do precatório não depositado no prazo legal, porém, caso negada essa pretensão pela autoridade fazendária, face à inexistência do contencioso administrativo, restar-lhe-á aberta a via judicial, sendo que a demanda poderá encampar o caráter mandamental, cautelar, consignatório ou declaratório-positivo, no sentido de restarem devidamente vislumbrados os elementos ensejadores da compensação.
Em verdade, o poder constituinte reformador nada mais fez que possibilitar ao credor uma alternativa frente à inadimplência dos Estados devedores, e não poderia ser outra a interpretação que se deveria dar a este entendimento que não fosse em favor do credor.
Assim, o Estado do Rio Grande do Sul, devedor contumaz de créditos precatórios, segue rejeitando a compensação de créditos advindos de precatórios para a quitação de dívidas tributárias, sob a alegação de enfraquecimento dos cofres públicos quanto à arrecadação de tributos. De outra sorte, visto pelo ângulo de quem é credor, a possibilidade da compensação seria uma maneira eficaz de fazer com que o Estado cumpra com sua obrigação desonerando-se de suas dívidas que não são poucas, deste modo, cumprindo inclusive com a sua função.
O direito à compensação de tributos com precatórios está contido na mesma Lei em que se encontram disciplinados os direitos fundamentais, dos quais vale enfatizar o princípio da moralidade da administração pública, da isonomia, do respeito à dignidade humana e da cidadania, e quando o Estado não honra as suas dívidas desrespeita tais princípios porque demonstra não garantir a tutela que lhe é cabida. E não pareceria justo nem tampouco admissível deixar o exercício de um direito a cargo daquele que figura como inadimplente na obrigação.
Nesse viés, faz-se pertinente comentar a mais recente forma de liquidação das dívidas criada pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul, em parceria com o Poder Judiciário e a Procuradoria-Geral do Estado, que pretende através da conciliação fazer andar a longa fila de credores que aguardam a espera do pagamento. A proposta pretende realizar 200 audiências mensais, na tentativa de minimizar o vergonhoso inadimplemento do Estado.
Serão consideradas duas as hipóteses de acordo: a) nos casos em que o precatório teria correção pelo IGP-M, será adotada a TR (índice aplicado nos rendimentos da poupança) mais 0,5%; ou b) nos casos em que a TR já está prevista, haverá deságio de 30% no valor do precatório. Se aceita a proposta, o credor deverá, no prazo de 15 dias, solicitar o alvará de levantamento do valor na Vara da Fazenda em que tramita o processo/precatório.
Porém, se inexistir acordo, ou se houver saldo remanescente a discutir da proposta aceita, será estabelecido um novo processo, e com esta nova discussão o credor volta para o final da fila.
No primeiro dia de audiências, que ocorreu no dia 15 de maio passado, na Central de Conciliação do Judiciário – CCJ, no Palácio da Justiça, presenciou-se duas das sessões de conciliação em uma sala onde eram disponibilizados apenas seis lugares que deveriam ser revezados entre os presentes que não faziam parte do processo (imprensa, advogados, líderes de associações, representantes de escritórios de advocacia, etc.) devido a grande quantidade de pessoas. Na ocasião, a representante da PGE apresentava as propostas de pagamento aos credores através de planilhas com os cálculos finalizados, ou seja, descontados os percentuais de previdência e de imposto de renda.
A exemplo, tem-se o processo da Sucessão de N.L.L., que tramitava na 5ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, orçamentado para o ano de 1999, que originou o precatório nº. 11.763, cujo valor, até a data da audiência de conciliação, importava no montante de R$ 206.000,00 (duzentos e seis mil reais), o qual foi liquidado por R$ 52.100,00 (cinquenta e dois mil e cem reais).
Importa ressaltar assim, que quando há o interesse do Estado em questão pode-se jogar o credor para o final da fila, desimportando a quebra da ordem cronológica alegada nas decisões que indeferem a ação demandada pelos contribuintes que visam a compensação com tais créditos.
3.3 A COMPENSAÇÃO COM FUNDAMENTO NO CRÉDITO CEDIDO: A CRIAÇÃO SOCIAL DO CONCEITO DE JUSTIÇA SATISFATIVA
O direito aqui debatido e hostilizado pelas Fazendas Públicas tem raiz na Constituição Federal, sendo dever do Poder Judiciário, quando provocado por demandas que visam o direito do contribuinte, impor a aceitação dos créditos de precatórios para o pagamento dos tributos, em face às garantias constitucionais cogentes e inerentes ao caso.
Com efeito, o direito líquido e certo de que trata o Código Tributário Nacional para a utilização na compensação se consubstancia no disposto no parágrafo 2º, do artigo 78 do ADCT que outorga poder liberatório para o pagamento de tributo aos créditos vencidos e impagos.
Nesse sentido, Machado[57] posiciona-se firmemente contra quaisquer normas infraconstitucionais que negam ao contribuinte à possibilidade de compensação, alegando que se previsto está na Constituição Federal não poderia uma normativa aquém servir-lhe de obstáculo a prática de tal exercício.
Na verdade, o direito do contribuinte à compensação tem inegável fundamento na Constituição. Isto quer dizer que nenhuma norma inferior pode, validamente, negar esse direito, seja diretamente, seja por via oblíqua, tornando impraticável o seu exercício. Assim, a questão de saber se o direito à compensação tem, ou não, fundamento constitucional, é em outras palavras a questão de saber se valem as normas jurídicas inferiores que de algum modo inviabilizam a compensação. (grifos nossos)
Acentua Machado[58], considerando incoerente impedir que um determinado sujeito, sendo devedor e também credor da mesma pessoa, seja obrigado ao pagamento do seu débito, ao passo que não é garantido exigir o recebimento daquilo que lhe é devido. Por fim, coloca ainda que a compensação é efeito de obrigações jurídicas, as quais não pode se eximir Fazenda Pública:
O direito de compensar é decorrência natural da garantia dos direitos de crédito, que consubstanciam parcelas do direito de propriedade, combinada com outros preceitos constitucionais. Seria absurdo pretender alguém, sendo credor e, também, devedor da mesma pessoa, pudesse exigir daquela o pagamento de seu crédito, sem que estivesse também obrigado a pagar o seu débito. A compensação é, na verdade, um efeito inexorável das obrigações jurídicas, e desse contexto não se pode excluir a Fazenda Pública. (grifos nossos)
Igual entendimento é também defendido por Abrão[59], que coloca suas argumentações em tópicos de forma a melhorar o entendimento do leitor, veja-se:
Estigmatizados os pontos cruciais que sinalizam a possibilidade de compensação da obrigações, por causa da existência do precatório impago, na radiografia subministrada é plausível assinalar algumas conclusões:
I – Admitiu a Emenda Constitucional 30, de 13 de setembro de 2000, no seu parágrafo 2°, do art. 78, a viabilidade de compensação entre o crédito tributário e o débito do precatório em mora;
II – Compensar-se-ão os valores desde que atendidos os pressupostos legais, cuja validade se adstringe às somas líquidas, certas, exigíveis, vencidas ou vincendas, tudo sob a provocação do interessado e manifestação da autoridade administrativa;
III – Emerge plausível a compensação quando a Fazenda Pública não depositar a soma do precatório, extraindo o credor (devedor do tributo) a certidão, documento indispensável a formalizar o pleito;
IV – Recusando a autoridade administrativa o direito à compensação, ou se omitindo na manifestação, compete ao contribuinte a propositura de medida judicial, cuja liminar ou antecipação de tutela se faz admissível;
V – Vislumbrada a mora da devedora Fazenda Pública, presente cobrança da dívida ativa ou assente parcelamento do débito tributário, os fatores permitem, dado o lineamento de identidade, a compensação como forma de extinção obrigacional, predicado de celeridade e sobretudo de economia no relacionamento entre as partes, no calor da tutela judicial.
Calcados nos dispositivos que permitem a compensação de tributos com créditos de precatórios e por acharem a via compensatória plenamente constitucional, alguns julgadores do mesmo Egrégio dos que negam a possibilidade de compensação, se valem destes fundamentos ao defenderem a prática, por considerarem de acordo com o que exprime a lei. É o que demonstra com perfeição os julgados apresentados na sequência:
APELAÇÃO CÍVEL. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CESSÃO DE CRÉDITO RELATIVO A PRECATÓRIO. CRÉDITO DE NATUREZA PREVIDENCIÁRIA. COMPENSAÇÃO COM DÉBITO TRIBUTÁRIO. POSSÍBILIDADE. AUSÊNCIA DE LEI INFRACONSTITUCIONAL. IRRELEVÂNCIA. Possível a compensação de crédito tributário com valores relativos a precatórios havidos por cessão onerosa de credores do IPERGS, porquanto a compensação, além de se constituir em direito constitucional assegurado pela Carta Maior, é, também, conseqüência natural de uma a relação jurídica em que duas pessoas sejam, ao mesmo tempo, credor e devedor uma da outra. Extinção das obrigações até onde se compensarem. Prescindível a existência de lei infraconstitucional a regulamentar a matéria. O fato de o Estado se furtar a regulamentar, no plano infraconstitucional, a matéria relativa à compensação, não pode importar em violação a direito constitucionalmente garantido ao contribuinte. Inteligência do art. 170, do CTN. Regularidade na cessão, que sequer vem contestada pelo Estado. Possibilidade de compensação admitida pelo art. 78, § 2.º, do ADCT, da CF/88. Abrangência da expressão “entidade devedora” lá contida. Possibilidade de aplicação aos créditos privilegiados. Segurança concedida. Apelação Provida, por Maioria. Voto Vencido. (Apelação Cível nº. 70013433792. Primeira Câmara Cível. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Relator: Desembargador Henrique Osvaldo Poeta Roenick. Julgado em 12/04/2006). (grifos nossos)
APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. COMPENSAÇÃO COMO DIREITO NATURAL. COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO COM CRÉDITO DE PRECATÓRIO VENCIDO E NÃO PAGO. NÃO-FERIMENTO À ORDEM CRONOLÓGICA DE PAGAMENTO DOS PRECATÓRIOS. COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO FACE AO IPERGS COM DÉBITO FACE AO ESTADO. DECLARAÇÃO DO DIREITO À COMPENSAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CESSÃO DE CRÉDITO DE PRECATÓRIO E SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. 1. Compensação como direito natural. A compensação entre credores e devedores recíprocos é direito natural, quer dizer, independe de previsão normativa. É legal, supraconstitucional. 2. Compensação de crédito tributário com crédito de precatório vencido e não pago. 2.1 – O art. 170 do CTN refere a necessidade de lei para que possa haver compensação tributária, mas se dirige tão-só à autoridade administrativa, isso em razão do princípio da legalidade que rege a administração pública (CF, art. 37, caput). Como ainda não existe a referida lei, si et in quantum não é possível a compensação tributária apenas na esfera administrativa. A ausência da mencionada lei não torna letra morta, na esfera judicial, o direito à compensação previsto no art. 156, II, do CTN, sob pena de violação ao art. 5º, XXXV, da CF. Tanto existe o direito à compensação na esfera judicial que o STJ reconheceu-o inclusive na via estreita do mandamus (Súm. 213). 2.2 – O § 2º do art. 78 do ADCT/CF-88, acrescido pela EC 30-00, disciplina a situação específica do inadimplemento em relação aos precatórios previstos no caput, funcionando, pois, como a lei referida no art. 170 do CTN, isto é, compensação na esfera administrativa. Não só não exclui a possibilidade da compensação na esfera judicial, como autoriza que o Judiciário, por analogia, faça o mesmo, em relação aos demais precatórios, quando o devedor comete a mesma infração, isto é, inadimplemento. 3. Não-ferimento à ordem cronológica de pagamento dos precatórios. Se, por um lado, o art. 100, caput, da CF, estabelece ao pagamento dos precatórios a ordem cronológica de apresentação, por outro, no § 1º, determina que o pagamento ocorra até o final do exercício seguinte. Uma vez não pago no exercício seguinte, há mora ex re. E se o devedor do precatório está em mora, e se ao mesmo tempo tem a receber daquele a quem deveria ter pago, nada mais lógico e de acordo com o direito natural a quitação até onde os créditos e os débitos se compensam. Não há falar, aí, em violação à ordem cronológica no pagamento dos precatórios, haja vista que o § 2º do art. 78 do ADCT/CF-88, acrescido pela EC 30-00, não faz qualquer referência, por desnecessária, de que, com a possibilidade de compensação nele estabelecida, estava excepcionando a citada ordem. 4. Compensação de crédito face ao IPERGS com débito face ao Estado. Sendo o Estado o primeiro fiador da autarquia previdenciária, a autonomia financeira desta não lhe dá mais do que o direito ao benefício de ordem. Na medida em que o Instituto Previdenciário não vem pagando os precatórios já há diversos anos, resta evidenciado o estado de insolvência ou de incapacidade, e por conseguinte o rompimento da barreira do benefício de ordem. Tal não fosse, o parágrafo único do art. 10 da Lei-RS 9.127, estabelece que a insuficiência de recursos do IPERGS, o excesso corre por conta e responsabilidade do Estado e de suas autarquias. Ainda, o art. 13 do Ato das Disposições Constitucionais da Constituição do Estado, de 1989, estabeleceu o prazo de noventa dias para ser efetuado levantamento completo da dívida do Estado para com o IPERGS, com envio de projeto de lei para ser estabelecido cronograma de pagamento. Passaram-se quase vinte anos, e nada foi feito. Assim, nas circunstâncias, a compensação de crédito face ao IPERGS com débito face ao Estado é modo, in extremis, de compeli-lo a cumprir suas obrigações institucionais. 5. Declaração do direito à compensação em mandado de segurança. Diz a Súm. 213 do STJ que o mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária. 6. Cessão de crédito de precatório e substituição. Para a cessão de crédito civil ser eficaz em relação a terceiros, deve ocorrer em instrumento próprio, e para que seja eficaz em relação ao devedor, este deve ser notificado. Tratando-se de cessão de crédito decorrente de título judicial, a eficácia em relação ao devedor se opera mediante a substituição processual. Exegese do art. 290 do CC/02. 7. Cumprimento dos requisitos no caso concreto. Uma vez, no caso concreto, cumpridos os requisitos legais, tem a impetrante direito líquido e certo de compensar crédito de precatório vencido e não pago, que tem via cessão, perante o IPERGS, com débito face ao Estado. 8. Apelação Provida, por maioria. (Apelação Cível nº. 70014993067. Primeira Câmara Cível. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Relator: Desembargador Irinei Mariani. Julgado em 31/05/2007). (grifos nossos)
Resta demonstrado nas ementas colacionadas que os julgadores deferem a lide em favor do contribuinte, vez que os títulos indicados na compensação dos tributos em questão são passíveis de aceitação, e se enquadram perfeitamente nos requisitos listados conforme analisado no capítulo anterior quando se tratou da cessão de crédito.
A jurisprudência a seguir trata do oferecimento do crédito de precatório para garantia em execução fiscal, e vem ao encontro de todo exposto sobre a matéria, demonstrando que a cessão de créditos de precatórios tem sido admitida, e inclusive defendida, pelo judiciário:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA. CRÉDITO DE PRECATÓRIO. CESSÃO. POSSIBILIDADE. 1. Cessão de crédito de precatório e substituição processual. 1.1 – Para a cessão de crédito civil ser eficaz em relação a terceiros, deve ocorrer em instrumento próprio, e para que seja eficaz em relação ao devedor, este deve ser notificado. 1.2 – Tratando-se de cessão de crédito decorrente de título judicial, a eficácia em relação ao devedor se opera mediante a substituição processual. Para o exercício do direito de oferecimento à penhora basta a prova do pedido de substituição. Não é imprescindível a decisão judicial a respeito. Exegese do art. 290 do CC/02. 2. Possibilidade de haver cessão de crédito de precatório alimentar. 2.1 – Inexistindo norma proibitiva expressa, nada obsta que o titular de crédito de pensão previdenciária, amparado por precatório de natureza alimentar, o negocie por meio de cessão. Tal crédito não é intransferível, haja vista a transmissão aos herdeiros; logo, pode ser cedido, sob pena de reconhecer-se aos herdeiros direito maior do que ao próprio autor da herança, além da violação do direito de propriedade, uma vez que traz ínsito o direito de não ser proprietário, no caso, o direito de dispor (CF, art. 5º, XXII; CC/1916, art. 524; CC/2002, art. 1.228). A única conseqüência é a de que, com a cessão, o crédito perde a natureza alimentícia (CF, art. 100). 2.2 – A cessão de crédito de precatório de natureza alimentícia não fere a coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI). O não-pagamento, sim, é que fere a coisa julgada, pois, na prática subtrai a efetividade da prestação jurisdicional no seu momento mais importante ao credor: receber o que lhe é de direito. Ainda, subtraindo a efetividade da prestação jurisdicional, o efeito prático é o da exclusão do Poder Judiciário, o que fere o princípio da ubiqüidade (CF, art. 5º, XXXV). 2.3 – Considerando que não se pode confundir pensão previdenciária com pensão alimentícia, não há falar em violação ao art. 1.707 do CC, pelo qual é vedado renunciar ao direito a alimentos, bem assim o crédito é insuscetível de cessão, compensação ou penhora. Ademais, se inerente ao direito de propriedade é o direito de deixar de ser proprietário, o preceito se ostenta no mínimo de duvidosa compatibilidade com a Carta Magna. 3. Dispositivo. AGRAVO PROVIDO LIMINARMENTE. (Agravo de Instrumento nº. 70027617182. Primeira Câmara Cível. Comarca de Parobé. Relator: Desembargador Irineu Mariani. Julgado em 26/11/2008). (grifos nossos)
Nesta esteira, as normas legais insertas no artigo no artigo 170 do CTN e no artigo 78 do ADCT, concedem ao ente público normatização suficiente para o embasamento da efetivação da compensação. Não obstante, se o Estado não tem interesse em normatizar a forma de compensação, não providenciando lei nesse sentido ou não cumprindo as leis que ele próprio cria, ou seja, sendo omisso, impõe-se ao julgador conceder o direito através do que preleciona a Carta Magna.
Ressalta-se que os precatórios são ordens de pagamento emitidas pelo Poder Judiciário e desrespeitadas pelo Poder Executivo, que é aquele responsável pelos cofres públicos, e como última alternativa, retornam ao judiciário para que se possa fazer valer a norma constitucional, e enfim autorizar definitivamente a sua utilização como moeda corrente na quitação de dívidas tributárias.
O Superior Tribunal de Justiça também tem admitido a compensação de tributos com créditos de precatórios e, inclusive, a utilização de tais créditos na penhora, o que se pode comprovar pela brilhante decisão ementada a seguir:
PROCESSO CIVIL. PENHORA. DIREITO DE CRÉDITO PARA COM A FAZENDA PÚBLICA, DECORRENTE DE PRECATÓRIO JUDICIAL. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. Agravo de instrumento para reformar decisão que inadmitiu recurso especial intentado contra acórdão que indeferiu nomeação à penhora de créditos decorrentes de precatórios. 2. A nomeação de bens à penhora deve se pautar pela gradação estatuída nos arts. 11 da Lei nº 6.830/80 e 656 do CPC. No entanto, esta Corte Superior tem entendido que tal gradação tem caráter relativo, já que o seu objetivo é realizar o pagamento do modo mais fácil e célere. Pode ela, pois, ser alterada por força de circunstâncias e tendo em vista as peculiaridades de cada caso concreto e o interesse das partes. 3. No caso sub examine, a recorrente nomeou à penhora os direitos de crédito para com a Fazenda Pública, decorrente de ação judicial (precatório). Tem-se, assim, uma ação com trânsito em julgado, inclusive na fase executória, gerando, portanto, crédito líquido e certo, em função da expedição do respectivo precatório. 4. Com o objetivo de tornar menos gravoso o processo executório ao executado, verifica-se a possibilidade inserida no inciso X do art. 655 do CPC, já que o crédito do precatório equivale a dinheiro, bem este preferencial (inciso I, do mesmo artigo). 5. A Fazenda recorrida é devedora na ação que se findou com a expedição do precatório. Se não houve pagamento, foi por exclusiva responsabilidade da mesma, uma vez que tal crédito já deveria ter sido pago. Trata-se, destarte, de um crédito da própria Fazenda Estadual, o que não nos parece muito coerente a recorrida não aceitar como garantia o crédito que só depende de que ela própria cumpra a lei e pague aos seus credores. Precedentes. 6. Agravo conhecido para conferir provimento ao recurso especial (art. 544, § 3º, do CPC). Agravo de Instrumento Nº 746.184 - SP (2006/0031835-8). Superior Tribunal de Justiça. Primeira Turma. Relator: Ministro José Delgado. Julgado em: 1º.03.2006). (grifos nossos)
Nota-se que a posição adotada pelo STJ não foi outra a não ser interpretar e manter a função constitucional, que tende a atribuir um maior comprometimento do ente devedor para com os seus credores, como alternativa para amenizar os efeitos da inadimplência dos entes devedores.
Vê-se que os Tribunais Superiores estão inclinados a pacificar definitivamente a matéria em favor do contribuinte, porém, ainda há resistência por parte de alguns juízes, que parecem não entender que está em jogo mais do que um direito constitucional, mas sim, a efetiva justiça e a própria democracia.
As sábias palavras de Bastos e Martins[60] são de grande valia neste contexto: “Se tem o fisco o direito de brandir a espada da imposição tributária, tem o contribuinte o direito de se defender com o escudo da lei”, eis que Estado do Rio Grande do Sul, réu confesso, não pode escudar a sua própria torpeza ao não realizar os pagamentos devidos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Atravessa-se um processo de aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito com significativos avanços, mas ainda existem retrocessos, como é o caso dos famigerados precatórios, e isto ocorre por uma simples e antiga razão: quem está no poder quer encurvar as leis a sua vontade ou a sua necessidade.
Os julgadores não poderiam admitir que a Fazenda devedora descumpra às ordens judiciais porque isso seria afrontar as leis, num total desrespeito para com a nação. Seria considerar ainda que o Poder Executivo é mais forte do que o Poder Judiciário, que aquele atua por este, dobrando a Lei àquilo que lhe favoreça. Deveriam tais julgadores considerar inadmissível que o Poder Executivo invada a sua esfera de atuação interferindo nos seus julgados e infringindo normas em desfavor dos cidadãos.
Não bastassem os privilégios que têm a Fazenda Pública na condição de Estado, a sua argumentação quanto ao inadimplemento com relação às dívidas de precatórios dá-se sob a alegação de que se quitados os seus débitos provocariam uma forte crise nos cofres públicos. Esta mesma devedora que se mostra extremamente rigorosa na cobrança dos tributos é, em contrapartida, negligente quando está no pólo inverso da obrigação.
A partir disso, questiona-se: o inverso é igualmente procedente? Poderia o contribuinte, por exemplo, alegar ao fisco que não tem recursos para o pagamento do IPVA? O tratamento dado ao cidadão devedor surtiria o mesmo efeito perante o Judiciário? É claro que não! Pois o fisco tem mecanismos que possibilitam, se for o caso, bloquear as contas do contribuinte inadimplente em uma hora, basta a simples assinatura do juiz. Através do exemplo citado, nota-se que a Lei não é igual para todos porque há uma desproporção descarada na forma de aplicação. As dívidas dos contribuintes com o erário podem ser resolvidas em questão de horas, descompassadamente, os créditos do erário para com os seus credores podem eternizar-se.
A eclosão da atual crise envolvendo a questão do (não) pagamento dos precatórios fez com que se criassem diversos movimentos em torno do assunto, e para se demonstrar a grandiosidade de tal problema, a OAB criou a Comissão Especial de Precatórios – CEP. Esta comissão conta com a constante presença dos seus advogados membros e convidados, tendo por finalidade discutir acerca do inadimplemento crônico dos precatórios devidos pelas entidades públicas, em especial as estaduais e municipais, mostrando-se efetivamente atuante nos fóruns, movimentos, atos públicos e reuniões em torno da causa, debatendo e apresentando sugestões para minorar o flagelo perpetrado pelas entidades públicas devedoras.
Mais recentemente, em maio passado, Porto Alegre sediou o Fórum Nacional de Precatórios, o qual trouxe notórias autoridades ligadas ou não ao tema, entidades defensoras da causa, assim como os maiores interessados na causa, os credores. O fórum objetivou discutir um tema que está em evidência neste segmento, a aprovação da PEC 12, assim como, formas para solucionar a grave situação econômica e institucional por que passam os Estados, em virtude do desleixo dos seus governantes para com aqueles que os elegeu.
E cabe observar que causa estranheza o desconhecido motivo que levou o Senado Federal a aprovar às pressas a afamada PEC 12, que mais parece uma invasão ao Poder Judiciário ditando-se as regras em desfavor dos credores, pois ao ler o texto denota-se que tal Emenda nada mais é do que leiloar o direito dos credores.
É difícil acreditar que um parlamentar eleito pelo povo possa apadrinhar uma PEC que passa por cima da coisa julgada, que elimina os juros compensatórios contidos na decisão exequenda, quebrando os princípios da separação dos Poderes, bem como dos direitos e garantias fundamentais, abalando diretamente o princípio da segurança jurídica, que assegura (ou deveria assegurar) a garantia de sono tranquilo dos litigantes, na certeza de que ao acordarem seus direitos não foram conspurcados. E a lei que deveria zelar na proteção do hipossuficiente parece atentar apenas ao amparo daquele que as criou.
É inaceitável que o Estado (nação) assista de braços cruzados a tudo o que ocorre em torno da questão dos precatórios, deixando as decisões ao bel prazer daqueles que pretendem unicamente procrastinar ainda mais as suas dívidas.
O que mais chama atenção é que não há nesse contexto todo nem uma discussão quanto à falta de regulamentação para o pagamento do precatório, pois está expressamente contido na Constituição Federal que o pagamento dar-se-á até o final do exercício para o qual foi orçamentado, constando inslusive uma punição para aquele que não a cumprir. Do mesmo modo consta no ADCT e no CTN a possibilidade de compensar o tributo com créditos de precatórios, quando estes forem credor e devedor um do outro. Destarte, não se discutem formas de penalizações ou de regulamentação da matéria, os debates são sempre em torno da falta do cumprimento das leis.
Pasmem, atualmente existem diversos protestos e movimentos arrazoando-se sobre a coisa julgada, ou seja, tratando sobre aquilo que não tem mais o que se discutir, ao que não cabem mais recursos. E assim, o Poder Executivo segue dando voltas em círculo dialogando e arranjando formas para postergar seus débitos, mas não para solucionar o problema. O povo, e não mais só os credores, clamam para que seja feita justiça, para que os responsáveis pela aplicação dos direitos façam valer efetivamente os instrumentos de defesa.
A crise generalizada em torno da questão dos precatórios que tornou desacreditável o sistema, desonrando o Poder Judiciário, está presa ao colapso administrativo da Administração Pública, demonstrando que urge colocar um fim no regime de impunidades criado pelos próprios agentes políticos. E quiçá o efeito mais perverso que o Estado possa sofrer seja a sua perda total de eficácia, uma perda que pode levar no campo das instituições judiciárias, a cruel e desonesta imposição da “lei do mais forte”.
É preciso, ainda, rever esta cultura de impunidades, fazendo cumprir a Constituição e as leis em vigor, assegurando e regulando o funcionamento das instituições públicas.
Não há Estado de Direito quando o Estado (nação) não se compromete com seus ideais, e a negação destes ideais é contrária ao Direito e à Justiça.
O colapso da atual conjuntura quanto à questão dos famigerados precatórios é, acima de tudo, uma carta convite a uma incursão sobre o tema.
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ANEXOS
Anexo 1 - Proposta de Emenda Constitucional
PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 12, DE 2006
Altera o art. 100 da Constituição Federal e acrescenta o art. 96 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, instituindo regime especial de pagamento de precatórios pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:
Art. 1º O art. 100 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 100 Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para esse fim.
§ 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo.
§ 2º Os precatórios alimentícios cujos titulares tenham sessenta anos de idade ou mais serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao três vezes do fixado em lei para os fins do § 3º deste artigo, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório.
§ 3º O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.
§ 4º Para os fins do § 3º, poderão ser fixados, por leis próprias, valores distintos às entidades de direito público, segundo as diferentes capacidades econômicas.
§ 5º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento integral de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.
§ 6º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento integral e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para os casos de preterimento de seu direito de precedência ou de não-alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do seu débito, o seqüestro da quantia respectiva.
§ 7º O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de precatórios incorrerá em crime de responsabilidade e responderá, também, perante o Conselho Nacional de Justiça.
§ 8º É vedada a expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago, bem como o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução para fins de enquadramento de parcela do total ao que dispõem os §§ 2º e 3º deste artigo.
§ 9º Será realizada, no momento do pagamento efetivo de precatório, independentemente de regulamentação, a compensação de créditos em precatórios com débitos líquidos e certos constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, os quais se anularão até o ponto em que se compensarem, considerando-se líquidos e certos, para os fins deste dispositivo, os débitos inscritos em dívida ativa que:
I – não tenham sofrido impugnação administrativa ou judicial; ou que
II – contestados, já tenham tido a impugnação administrativa ou judicial decidida.
§ 10. É facultada, ao credor original, conforme estabelecido em lei da entidade federativa devedora, a entrega de créditos em precatórios para a compra de imóveis públicos, do respectivo ente federado.
§ 11. A correção de valores de precatórios pendentes de pagamento, independentemente de sua natureza, será feita pelo índice oficial de correção e percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a incidência de juros compensatórios.
Art. 2º O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar acrescido do seguinte artigo:
Art. 96. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que, na data de publicação desta Emenda Constitucional, estejam em mora na quitação de precatórios vencidos, relativos às suas administrações direta e indireta, inclusive os emitidos durante o período de vigência do regime especial, farão esses pagamentos pelo regime instituído por este artigo, sem prejuízo do disposto nos §§ 2º e 3º do art. 100 desta Constituição e dos acordos de juízos conciliatórios já formalizados na data de promulgação desta Emenda Constitucional.
§ 1º As entidades sujeitas ao regime especial de que trata este artigo optarão:
I – pelo depósito em conta especial do valor referido pelo § 2º deste artigo; ou
II – pela adoção do regime especial pelo prazo de até quinze anos, caso em que o percentual a ser depositado em conta especial corresponderá, anualmente, ao saldo dos precatórios devidos, em seu valor real, em moeda corrente, acrescido do índice oficial de correção e percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, diminuído das amortizações e dividido pelo número de anos restante de regime especial de pagamento.
§ 2º Para saldar os precatórios pelo regime especial, as entidades federativas devedoras depositarão anualmente, em conta especial criada para tal fim, valor calculado percentualmente sobre as respectivas receitas correntes líquidas, sendo que esse percentual, calculado no momento da opção pelo regime e fixo até o final do prazo a que se refere o § 16 deste artigo, será:
I – para Estados e para o Distrito Federal:
a) de no mínimo 0,6% (seis décimos por cento) se o estoque de precatórios pendentes corresponder a até 10% (dez por cento) do total da receita corrente líquida da entidade devedora;
b) de no mínimo 0,8% (oito décimos por cento) se o estoque de precatórios pendentes corresponder a mais de 10% (dez por cento) e até 15% (quinze por cento) do total da receita corrente líquida da entidade devedora;
c) de no mínimo 1,5% (um e meio por cento) se o estoque de precatórios pendentes corresponder a mais de 15% (quinze por cento) em até 35% (trinta e cinco por cento) do total da receita corrente líquida da entidade devedora;
d) de no mínimo 2 % (dois por cento) se o estoque de precatórios pendentes corresponder a mais de 35% (trinta e cinco por cento) do total da receita corrente líquida da entidade devedora.
II – para Municípios:
a) de no mínimo 0,6% (seis décimos por cento) se o estoque de precatórios pendentes corresponder a até 10% (dez por cento) do total da receita corrente líquida da entidade devedora;
b) de no mínimo 0,8% (oito décimos por cento) se o estoque de precatórios pendentes corresponder a mais de 10% (dez por cento) e até 15% (quinze por cento) do total da receita corrente líquida da entidade devedora;
c) de no mínimo 1% (um por cento) se o estoque de precatórios pendentes corresponder a mais de 15% (quinze por cento) e até 35% (trinta e cinco por cento) do total da receita corrente líquida da entidade devedora;
d) de no mínimo 1,5 % (um e meio por cento) se o estoque de precatórios pendentes corresponder a mais de 35% (trinta e cinco por cento) do total da receita corrente líquida da entidade devedora.
§ 3º Define-se receita corrente líquida, para os fins de que trata este artigo, como o somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas correntes, apurado somando-se as receitas arrecadadas no mês em referência e nos onze meses anteriores, excluídas as duplicidades, e deduzidos:
I – nos Estados, as parcelas entregues aos Municípios por determinação constitucional;
II – nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios, a contribuição dos servidores para custeio do seu sistema de previdência e assistência social e as receitas provenientes da compensação financeira citada no § 9º do art. 201 desta Constituição Federal.
§ 4º As contas especiais de que tratam os § 1º, II, e § 2º serão gerenciadas pelo Poder Executivo dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, para o pagamento de precatórios expedidos pelos respectivos Tribunais.
§ 5º Os recursos depositados nas contas especiais de que tratam os § 1º, II, e § 2º não poderão retornar para livre movimentação pela entidade federativa devedora.
§ 6º Cinqüenta por cento, no mínimo, dos recursos de que tratam os § 1º, II e § 2º serão liberados até o último dia do mês de abril e os valores restantes serão liberados até o último dia do mês de setembro de cada ano.
§ 7º Os recursos de que tratam os § 1º, II e § 2º deste artigo serão distribuídos da seguinte forma, após o adimplemento dos acordos judiciais:
I – 60% (sessenta por cento) serão destinados ao pagamento dos precatórios por meio do leilão;
II – 40% (quarenta por cento) serão destinados a pagamento a vista de precatórios não quitados na forma do inciso anterior, em ordem única e crescente de valor.
§ 8º Os leilões de que trata o inciso I do § 7º deste artigo:
I – serão realizados por meio de sistema eletrônico administrado por entidade autorizada pela Comissão de Valores Mobiliários ou pelo Banco Central do Brasil;
II – admitirão a habilitação de precatórios, ou parcela de cada precatório indicada pelo credor original, em relação aos quais não esteja pendente, no âmbito do Poder Judiciário, recurso ou impugnação de qualquer natureza;
III – ocorrerão por meio de oferta pública a todos os credores habilitados pelo respectivo ente federativo devedor;
IV – considerarão automaticamente habilitado o credor que satisfaça o que consta no inciso II;
V – serão realizados tantas vezes quantas comportadas pelo valor disponível;
VI – a competição por parcela do valor total ocorrerá a critério do credor, com deságio sobre o valor desta;
VII – ocorrerão na modalidade deságio, associado ao maior volume ofertado ou do maior percentual de deságio;
VIII – o mecanismo de formação de preço constará nos editais publicados para cada leilão;
IX – a quitação parcial dos precatórios será homologada pelo respectivo Tribunal que o expediu.
§ 9º. Os precatórios parcelados na forma do art. 33 ou do art. 78 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e ainda pendentes de pagamento, ingressarão no regime especial com o valor consolidado das parcelas não pagas relativas a cada precatório.
§ 10. No caso de não liberação tempestiva dos recursos de que tratam os §§ 1º, II; 2º e 6º deste artigo:
I – haverá o seqüestro de quantia nas contas da entidade devedora, por ordem do presidente do Tribunal referido no § 4º, até o limite do valor não liberado;
II – constituir-se-á, em favor dos credores de precatórios contra a entidade devedora, direito líquido e certo, auto-aplicável e independentemente de regulamentação, à compensação automática com débitos líquidos lançados por esta contra aqueles, e, havendo saldo em favor do credor, o valor será automaticamente liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora, até onde se compensarem;
III – o Chefe do Poder Executivo responderá na forma da legislação de responsabilidade fiscal;
IV – a entidade devedora não poderá contrair empréstimo externo ou interno enquanto não regularizar a liberação dos recursos referidos;
V – a entidade devedora ficará impedida, enquanto perdurar a omissão, de receber transferências voluntárias;
VI – a União reterá os repasses relativos ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal e ao Fundo de Participação dos Municípios, e os depositará nas contas especiais referidas no § 1º, devendo sua utilização obedecer ao que prescreve o § 5º, ambos deste artigo.
§ 11. No caso de precatórios relativos a diversos credores, em litisconsórcio, admite-se o desmembramento do valor, realizado pelo Tribunal de origem do precatório, por credor, e, por este, a habilitação do valor total a que tem direito, não se aplicando, neste caso, a regra do § 3º do artigo 100 desta Constituição.
§ 12. Os valores dos precatórios pendentes de pagamentos, independentemente de sua natureza, serão corrigidos pelo índice oficial de correção e percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a incidência de juros compensatórios.
§ 13. O valor destinado ao pagamento de precatórios pelo leilão previsto no inciso I do § 7º deste artigo será, se não utilizado, empregado na liquidação de precatórios pelo sistema previsto no inciso II do mesmo dispositivo.
§ 14. Se a lei a que se refere o § 4º do art. 100 não estiver publicada em até 180 (cento e oitenta) dias, contados da data de publicação desta Emenda, serão considerados, para os fins referidos, em relação à entidade federativa omissa na regulamentação, o valor de:
I - quarenta salários mínimos para Estados e para o Distrito Federal;
II - trinta salários mínimos para Municípios.
§ 15. A entidade devedora que esteja realizando pagamentos de precatórios pelo regime especial não poderá sofrer seqüestro de valores, exceto no caso de inadimplemento de qualquer das imposições do sistema.
§ 16. O regime especial de pagamento de precatório previsto no § 1º, I, vigorará enquanto o valor dos precatórios devidos for superior ao valor dos recursos vinculados, nos termos do § 2º, ambos deste artigo, ou pelo prazo fixo de até 15 anos no caso da opção prevista no § 1º, II.
Art. 3º A implantação do regime de pagamento criado pelo art. 96 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias deverá ocorrer no exercício financeiro seguinte ao da promulgação desta Emenda Constitucional, respeitado o prazo de até cento e oitenta dias, contados da data de publicação desta Emenda Constitucional.
Art. 4º A entidade federativa voltará a observar o disposto no art. 100 da Constituição Federal:
I – no caso de opção pelo sistema do inciso I do § 1º do art. 96 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, quando o valor dos precatórios devidos for inferior ao dos recursos destinados ao seu pagamento;
II – no caso de opção pelo sistema do inciso II do § 1º do art. 96 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ao final do prazo.
Art. 5º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICATIVA
Os precatórios constituem-se, grosso modo, em uma dívida do Estado decorrente de uma sentença judicial. O período de inflação alta, onde era possível o pagamento de precatórios pelo seu valor nominal, 18 meses após a sua expedição, e os vários planos de estabilização da economia, que envolveram expurgos inflacionários causaram um aumento exponencial no número e valores dos precatórios no país.
A este quadro deve ser somada a proliferação de teses jurídicas, que inflaram o valor das indenizações de terrenos desapropriados, além da incidência de juros moratórios (6% ou 12% ao ano), juros compensatórios (12% ao ano) e da correção monetária nos precatórios. A estabilização da economia e a obrigação de corrigir o valor do precatório até o momento do pagamento efetivo, só expôs o problema. Estima-se que o estoque de precatórios estaduais e municipais, hoje, ultrapasse a barreira dos R$ 100 bilhões.
O Legislativo Federal já tentou algumas soluções para essa questão. Quando da promulgação da Constituição Federal, foi permitido o parcelamento da dívida em até 8 anos, inclusive com a possibilidade de emissão de títulos públicos para o pagamento dos mesmos. Como este parcelamento não resolveu a questão e a emissão de títulos foi desvirtuada, aprovou-se um novo parcelamento, desta vez em 10 anos, e somente dos precatórios não-alimentares, invertendo-se a prioridade constitucional.
Por último, com a Emenda Constitucional 37/02, criou-se a figura da Obrigação de Pequeno Valor (OPV), que permitiu o pagamento em até 90 dias das sentenças judiciais até um determinado valor, o que beneficiou os pequenos credores, geralmente aqueles de natureza mais humilde. A criação da OPV inseriu, portanto, na Constituição uma outra regra para o ordenamento do pagamento de sentenças judiciais (ordem crescente de valor), e não mais somente a regra cronológica.
Tendo em vista que as soluções utilizadas até agora não foram suficientes para resolver a questão, uma vez que o estoque de precatórios não diminuiu, pelo contrário ampliou-se, a Proposta de Emenda Constitucional 12/2006 (PEC 12/06) busca uma solução inovadora e definitiva. Por isso, ao contrário das tentativas anteriores, ela abrange não só o estoque como o fluxo de eventuais novos precatórios.
A PEC 12/06, entre outras inovações, institui um regime especial de pagamentos onde os Estados e municípios em atraso terão obrigatoriamente que vincular uma parcela da sua receita ao pagamento de precatórios. Uma parcela desses recursos será destinada ao pagamento de precatórios por ordem crescente de valor, isto é, os precatórios de menor valor serão pagos primeiro. O restante dos recursos será utilizado para o pagamento dos grandes precatórios em leilão.
A PEC também prevê sanções rígidas no caso de não cumprimento do regime, como a proibição de contratação de empréstimos e recebimento de transferências voluntárias, crime de responsabilidade do governador, retenção do repasse do FPE e do FPM e compensação automática entre crédito de precatórios e débitos tributários. Além disso, a PEC mantém a preferência da OPV no recebimento e institui a preferência aos idosos no recebimento de precatórios.
A redação dada pelo substitutivo do relator resguarda grande parte do texto original da PEC 12/06. Deve-se ressaltar ainda que o texto do Senador Waldir Raupp logrou inúmeros aperfeiçoamentos. No entanto, algumas modificações que foram introduzidas produziram algumas pequenas inadequações no texto que são corrigidas nesta emenda.
Em primeiro lugar, ajustou-se para 15 anos o prazo de vigência do regime para aqueles Estados e Municípios que optarem pela vinculação de receita com base no estoque de precatórios. Esta opção foi dada para atender a situação daqueles Estados cuja vinculação de um percentual da receita corrente líquida constituir-se-ia em um valor muito elevado frente ao estoque da dívida, o que resultaria no pagamento em pouco tempo. Ao reduzir esse prazo para 12 anos, o relatório acabaria por prejudicar essa construção.
Uma segunda alteração introduzida foi no sentido de adequar a escala de vinculação da Receita Corrente Líquida em função do estoque de precatórios. O escalonamento do percentual de vinculação da receita para quitação de precatórios foi elaborado de maneira a atender a capacidade financeira de cada ente federativo e a efetiva quitação do estoque de precatórios existente e dos novos precatórios, que forem emitidos durante a vigência do regime especial.
A diminuição do intervalo da última faixa de vinculação, ou seja, o comprometimento de 2% ou 1,5% da Receita Corrente Liquida (RCL) para aqueles Estados e Municípios, respectivamente, que possuírem dívida maior que 20% da RCL, está além da capacidade financeira de alguns Estados e Municípios. Portanto, limitou-se a vinculação de 2% ou 1,5% somente para os Estados e Municípios que possuam uma dívida de precatórios superior a 35% da sua RCL.
Vale ressaltar que este percentual não é o montante total que os Estados e Municípios comprometerão com o pagamento de requisições judiciais. Estes continuarão pagando, em adição, as obrigações de pequeno valor e, a partir da promulgação da PEC 12, os precatórios de pessoas com mais de 60 anos de idade, com prioridade.
Fez-se necessário também a exclusão do § 3°, que previa a vinculação adicional de outras receitas. A vinculação de valores da receita de dívida ativa e de depósitos judiciais constitui uma dupla vinculação, uma vez que os mesmos já fazem parte da Receita Corrente Líquida. A vinculação de parte da receita de alienação de bens imóveis ao pagamento de precatórios, por sua vez, contrapõe-se aos princípios da boa gestão fiscal, que não recomenda o pagamento de despesas correntes, como as sentenças judiciais, com recursos de capital - como a alienação de imóveis - uma vez que estes últimos são de natureza extraordinária, enquanto as primeiras são de natureza recorrente.
O relatório propôs também a criação de uma segunda fila – por ordem cronológica - para quitação de precatórios dentro do regime especial. A fila por ordem cronológica quebra a coerência da PEC, cujo objetivo é garantir o pagamento integral e célere, especialmente aos pequenos credores, numa medida de evidente cunho social, e por meio do leilão garantir a sustentabilidade e quitação da dívida total.
Ao destinar parcela do recurso vinculado ao pagamento de precatórios em ordem cronológica, o relatório aumenta o tempo para recebimento dos pequenos e médios credores, amplia os prazos para regularização da situação, além de dificultar a operacionalização do regime que agora deve levar em conta três regras de pagamento que interagem entre si. Por conseguinte, propõe-se a supressão do inciso III, do § 8°, e o conseqüente restabelecimento dos percentuais previstos anteriormente, a saber, 60% para o leilão e 40% para a fila única por ordem crescente de valor.
No que tange ao prazo de vigência do regime, a lógica do regime especial de pagamento de precatórios não comporta a fixação de um prazo final, na hipótese de vinculação por percentual da receita. A racionalidade da vinculação é assegurar um nível mínimo de recursos anuais para o pagamento de precatórios e assim garantir que o estoque e o fluxo de novos precatórios sejam pagos paulatinamente até que a situação seja regularizada.
O prazo para que isso ocorra não pode ser fixado a priori, porque, ele depende de alguns fatores como o crescimento da receita, inflação e o deságio a ser praticado no leilão. Não obstante, os valores de vinculação propostos representam um incremento substancial em relação ao que vem sendo pago pelo conjunto dos Estados e Municípios. Ademais, simulações mostram que na maioria dos casos, este prazo variará entre 10 a 16 anos, o que afasta as preocupações de que este regime poderia viger por décadas.
A fixação de um prazo máximo é, portanto, incompatível com a vinculação prevista no regime especial e traz insegurança, uma vez que nada garante que ao final do prazo não existam ainda precatórios a serem quitados.
A sugestão de supressão do art.5º decorre do fato de que a possibilidade de retenção das transferências federais, no caso de não cumprimento do regime especial, está prevista no inciso VI, do § 11 do art. 96 do ADCT.
Por último, sugere-se uma adequação no prazo previsto para entrada em vigor do regime especial de pagamentos, para evitar que em um mesmo ano conviva-se com dois regimes distintos de pagamento de precatórios.
[1] CINTRA, Geraldo de Ulhoa; CRETELLA JÚNIOR, José. Dicionário latino-português. São Paulo: Anchieta, 1994, p. 178.
[2] BARBI, Celso Agrícola. O Precatório na Constituição de 1988. Porto Alegre: Síntese Trabalhista, Ano 61, julho/1994, p.119/120.
[3] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: 1980, v. 3, p. 1196.
[4] ASSIS, Arakem de. Manual do Processo de Execução. 8. ed. Ed. RT: São Paulo, 2008. p.887
[5] BASTOS, Celso Ribeiro. MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. Saraiva: São Paulo, 1995. 4º volume, tomo IV, p.116.
[6] Lei 10.259/2001 - Art. 17º Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado no prazo de sessenta dias, contados da requisição, por ordem do Juiz, à autoridade citada para a causa, na agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil, independentemente de precatório. § 1º Para os efeitos do § 3º do art. 100 da Constituição Federal, as obrigações ali definidas como de pequeno valor, a serem pagas independentemente de precatório, terão como limite o mesmo valor estabelecido nesta Lei para a competência do Juizado Especial Federal Cível (art. 3º, caput). [...] § 3º São vedados o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, de modo que o pagamento se faça, em parte, na forma estabelecida no § 1o deste artigo, e, em parte, mediante expedição do precatório, e a expedição de precatório complementar ou suplementar do valor pago. § 4º Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido no § 1º, o pagamento far-se-á, sempre, por meio do precatório, sendo facultado à parte exeqüente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, da forma lá prevista. Art. 3º Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.
[7] Art. 87, ADCT. Para efeito do que dispõem o § 3º do art. 100 da Constituição Federal e o art. 78 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias serão considerados de pequeno valor, até que se dê a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes da Federação, observado o disposto no § 4º do art. 100 da Constituição Federal, os débitos ou obrigações consignados em precatório judiciário, que tenham valor igual ou inferior a: I - quarenta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Estados e do Distrito Federal. Parágrafo único. Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido neste artigo, o pagamento far-se-á, sempre, por meio de precatório, sendo facultada à parte exeqüente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, da forma prevista no § 3º do art. 100.
[8] Art. 87, ADCT, II - trinta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Municípios.
[9] BRASIL. Novo Código Civil Brasileiro. Lei n° 10.406 de 10 de janeiro de 2002.
[10] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. Volume 2: Processo de Execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 371.
[11]SILVA, Ricardo Perlingeiro Mendes da. Execução contra a Fazenda Pública. Centro de Estudos Judiciários, Conselho da Justiça Federal: Brasília, 2003, p. 129.
[12] SILVA, 2003. Op.cit., p. 130.
[13] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana;
[14] Lei N.º 1.079, de 10 de abril de 1950.
[15] Código Penal Brasileiro. Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
[16] Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?livre=%40docn&&b=SUMU&p=true&t=&l=10&i=238. Acessado em 04.04.2009.
[17] Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=655.NUME.%20NAO%20S.FLSV.&base=baseSumulas. Acessado em 04.04.2009.
[18] SILVA, Ricardo Perlingeiro Mendes da. Precatórios e Requisições de Pequeno Valor - RPV. 2.ed. Conselho da Justiça Federal: Brasília, 2003. p.18
[19] Disponível em: http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/Consulta.asp?Tipo_Cons=6&orderby=0&Flag=1&RAD_TIP=OUTROS&str_tipo=PEC&TXT_NUM=11&TXT_ANO=2005. Acessado em 05.04.2009.
[20] Disponível em: http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/Consulta.asp?Tipo_Cons=6&orderby=0&Flag=1&RAD_TIP=OUTROS&str_tipo=PEC&TXT_NUM=11&TXT_ANO=2005. Acessado em 05.04.2009.
[21] Proposta de Emenda Constitucional na íntegra, vide Anexo 1.
[22] Manifesto à Câmara dos Deputados recebido no ato público “Diga não a PEC 12”, no dia 05.05.09, vide Anexo 2.
[23] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Parte Geral das Obrigações. Saraiva: São Paulo, 2007, p. 374.
[24] DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 180.
[25] Art. 100 - A cessão de crédito prevista no artigo 286 do Código Civil, não se aplica na Justiça do Trabalho.
[26] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral das obrigações. 2º volume. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.433
[27] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Parte Geral das Obrigações. 30 ed. São Paulo: Saraiva. 2007, p.91.
[28] GOMES, Orlando. Obrigações nº 148. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.204.
[29] PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de Direito Civil. v II, 17ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p.253.
[30] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 2 – Teoria Geral das obrigações. 22ª Edição. Saraiva. São Paulo, 2007, p.431.
[31] GOMES, 2000, Op. Cit., p. 248.
[32] Modelo de Instrumento Público de Cessão e Transferência de Direitos Creditórios, vide Anexo 3.
[33]GOMES, 2000, Op. Cit., p. 252.
[34] Exemplo de Certidão e Demonstrativo de Cálculo, vide Anexo 4.
[35] ROBERT, Cinthia; SÉGUIN, Elida. Direitos Humanos, Acesso à Justiça. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 238.
[36] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad. de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 12.
[37] BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Acesso à Justiça: um problema ético-social no plano da realização do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 121.
[38] GONÇALVES, Maria Dinair Acosta. Função Jurisdicional do Estado. A Defensoria Pública e o Acesso à Justiça. Estudos Jurídicos, 1991, Vol. 23, nº 62, p. 101.
[39] CICHOCKI NETO, José. Limitações ao acesso à justiça. Curitiba: Juruá,1998, p. 61.
[40] BONAVIDES. Paulo. Curso de Direito Constitucional. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.534.
[41] Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,apos-perder-7-companheiras-tricoteiras-retomam-manta,24849,0.htm. Acessado em: 11/04/2009.
[42] Disponível em: http://www.amb.com.br/index.asp?secao=mostranoticia&mat_id=1758. Acessado em 03/05/2009.
[43] Disponível em: http://www.tce.rs.gov.br/contas_governador/index.php#
[44] Art. 467 - Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.
[45] Disponível em: http://www.tjrs.jus.br/site_php/precatorios/index.php
[46] Disponível em: www.trf4.gov.br.
[47] Exemplo de publicação com este teor disponível em:
http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/5110/Precatorios_A_maior_industria_do_pais
[48] Disponível em: http://www.tribunadodireito.com.br/2007/setembro/pa20e21.htm Acessado em 10/05/2009
[49] DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. vol. 1. Saraiva: São Paulo, 1998, p.692
[50] STJ, Súmula 213 - O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária.
[51] Art. 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a aceitar a compensação de débitos inscritos na Dívida Ativa e ajuizados até 15 de dezembro de 1999, inclusive, com créditos contra a Fazenda do Estado e suas autarquias, oriundos de sentenças judiciais, com precatórios pendentes de pagamento, até o exercício de competência de 1999.
[52] Art. 2º - É permitida a utilização de precatórios de terceiros para a compensação dos créditos de que trata o artigo 1º desta lei, devidamente formalizada a respectiva cessão.
[53] Disponível em: http://www.al.rs.gov.br/legis/M010/M0100099.ASP?Hid_Tipo=TEXTO&Hid_TodasNormas=3428&hTexto=&Hid_IDNorma=3428
[54] Art. 5º - Revogam-se as disposições em contrário, em especial a Lei nº 11.472 de 28 de abril de 2000.
[55] Disponível em: http://www.tce.rs.gov.br/contas_governador/index.php#
[56] TAVARES. Alexandre Macedo. Compensação do Indébito Tributário. Editora Juruá: Curitiba, 1ª ed., 2002, p. 201
[57] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Malheiros Editores: São Paulo, 2005, p. 214.
[58] Op. Cit. p.214
[59] ABRÃO, Carlos Henrique. O Precatório na Compensação Tributária. RDDT n°. 64, janeiro/2001, p. 55.
[60] BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. Saraiva: São Paulo, 1990, 6º volume, tomo I, p.8.
Acadêmica de Direito do IPA - Instituto Porto Alegre da Igreja Metodista.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GROLLI, Andresa. A utilização dos precatórios na compensação de créditos tributários Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 dez 2009, 08:51. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Monografias-TCC-Teses-E-Book/19041/a-utilizacao-dos-precatorios-na-compensacao-de-creditos-tributarios. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Conteúdo Jurídico
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