Monografia apresentada à Banca examinadora do Centro Universitário - UDF como exigência parcial para obtenção do grau de bacharelado em Direito sob a orientação do Professor Isaque Pereira de Carvalho Neto.
RESUMO
O presente trabalho trata da temática do Direito como alicerce de superação das contradições sociais, um tema polêmico e pouco debatido no ambiente acadêmico bem como no meio jurídico de forma geral. Quando se fala em contradições existentes no seio da sociedade, não se pode deixar de refletir sobre a importância do Direito no processo de transformação social. Nesse sentido, analisam-se os aspectos conceituais do termo direito, em suas várias acepções, e a sua relação com as ideologias impostas na sociedade, fazendo-se uma reflexão acerca das contradições sociais e da luta de classes, enfocando a educação, associada ao direito, enquanto prática transformadora. Abordar-se-á o Direito sob um enfoque social, apontando-o como instrumento fundamental na solução de conflitos sociais.
Palavras-chave: Direito, justiça, ideologia, jurista, contradições sociais, luta de classes, educação, ensino jurídico, formação humanista.
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Nesta reflexão, torna-se essencial compreender o Direito como fator de extrema relevância na sociedade, partindo-se do pressuposto de que sem o direito não existe a própria sociedade, pois, conforme já dizia o jurista romano Ulpiano: ubi societas ibi jus “onde está a sociedade aí está o direito”, onde há relações entre as pessoas, percebem-se os fenômenos jurídicos. A sociedade, nesse sentido, é organizada pelo direito, é transformada pela ciência e experiência jurídicas, de maneira que se pode afirmar que direito e sociedade estão sempre a se influenciar mutuamente.
Não se pretende apontar aqui o Direito como único instrumento determinante de uma transformação social, mas considerá-lo como instrumento essencial no combate às contradições sociais. É sabido que outros artifícios são também determinantes. No entanto, devido à amplitude do tema, nesse trabalho, somente essa perspectiva será abordada.
Para tanto, será abordada, no primeiro capítulo, a definição do termo direito, buscando a sua compreensão a partir das várias concepções das escolas teorias e escolas existentes: a escola jusnaturalista, a escola teológica, a escola racionalista ou contratual, a escola histórica do direito, a escola marxista e a escola sociológica do direito. Posteriormente, buscar-se-á analisar a relação entre a ideologia e o direito, entendendo este último como um fenômeno ideológico. E, por fim, ainda, nesse primeiro capítulo, levantar-se-á a questão da neutralidade da atuação do jurista como um fenômeno ideológico, difundido na sociedade, que acaba por corroborar com a manutenção de um sistema de poder vigente.
No segundo capítulo, o assunto de abordagem será o das contradições sociais, com a análise da temática da luta de classes, bem como o conceito de classes sociais e o papel do direito, materializado na atuação do jurista quanto ao combate às contradições sociais. Abordar-se-á, também, a questão da educação enquanto prática transformadora, procurando demonstrar que a educação é um dos fatores que mais pode acentuar ou reduzir as contradições sociais, tendo em vista o seu poder conscientizador. Será enfatizada a problemática do ensino jurídico nas universidades, ressaltando a importância da formação humanista do jurista, a fim de que o profissional da área do direito esteja habilitado e consciente para atuar frente aos problemas existentes na sociedade.
Por último, no terceiro capítulo, o problema do acesso à justiça estará em foco, demonstrando-se como tornar a justiça acessível a todos é um desafio ao jurista. Enfatizar-se-á também como a conquista da cidadania apresenta-se como fator determinante no processo de superação das contradições sociais. Por fim, será analisada a questão do direito quanto à solução dos conflitos sociais, afirmando-se que o direito pode ser considerado como um meio efetivo de se alcançar a paz social, a harmonia e de se buscar a redução das contradições sociais.
O Direito em suas várias acepções
Falar sobre o Direito é analisá-lo em suas várias acepções. Não há como falar em Direito sem fazer menção à sociedade. A vida em sociedade é uma característica marcante da civilização. Ao longo dos anos, o homem formou a sua história por meio de mecanismos de convivência social. Dessa convivência em sociedade, emergiu a necessidade de elaboração de normas para regular as relações entre os indivíduos, fazendo surgir daí a idéia do direito.
Torna-se essencial, logo à partida, explicitar a noção de direito, bem como verificar-se a relação entre direito e ideologia a fim de facilitar a compreensão sobre o objeto de estudo dessa pesquisa.
1.1 Uma reflexão sobre o termo direito
Definir o termo Direito não é uma tarefa das mais simples. Muito se discute sobre o tema e várias são as teorias a respeito do assunto. O direito pode ser estudado como uma ciência, como um fenômeno histórico ou como um fenômeno social, além de ser objeto do interesse filosófico. Nesse trabalho, de forma alguma, busca-se esgotar o tema. Demanda-se apenas realizar uma possível reflexão sobre o assunto.
Etimologicamente, no latim, há duas formas lingüísticas, jus, forma clássica e directum, forma do latim vulgar. Esta última é a forma lexigênica das línguas neolatinas. Em espanhol, tem-se o termo derecho, em italiano, diritto, em francês, droit, termos derivados de de + rectum, linha reta, por extensão, a retidão moral e jurídica, a reta posta na conduta humana como parâmetro[1].
Dentre as várias possibilidades existentes, o direito pode ser visto por três concepções, segundo o entendimento de Sílvio de Salvo Venosa:
Sob o aspecto geral, o direito se apresenta em três acepções.
Como regra de conduta obrigatória, que se traduz no direito objetivo; como um sistema ordenado de conhecimentos, o que se traduz na ciência do direito; e como uma faculdade que a pessoa tem de agir para obter de outrem o que entende cabível, o direito subjetivo[2].
Nessa perspectiva, o direito objetivo representa o conjunto de regras que regulam a vida em sociedade, corresponde à norma agendi (a norma de agir), enquanto o direito subjetivo indica uma faculdade, a liberdade de que o individuo dispõe para fazer valer o seu direito frente a outro indivíduo e frente ao próprio Estado.
O termo Estado aqui está sendo entendido como uma superestrutura organizada, composta por configurações culturais e ideologias, espécies e graus de poder, bem como instituições jurídicas, sociais, políticas, nas palavras de Marcos T. Kaplan, citado por Wolkmer[3].
Mortati[4] apresenta a definição de Estado bastante explicativa “Estado é um ordenamento jurídico destinado a exercer o poder soberano sobre um dado território, ao qual estão necessariamente subordinados os sujeitos a ele pertencentes”.
Voltando à explanação sobre o Direito e sua natureza, cumpre trazer à tona algumas concepções do ponto de vista de Sérgio Cavalieri Filho[5], acerca do tema, sob o prisma de algumas teorias e escolas existentes: a escola jusnaturalista, a escola teológica, a escola racionalista ou contratual, a escola histórica do direito, a escola marxista e a escola sociológica do direito.
Segundo o autor, para a escola jusnaturalista, que traz o conceito de direito natural, originado pelos filósofos gregos, destacando-se entre eles, Heráclito, Sócrates, Platão e Aristóteles[6], embora este último entenda a Justiça como uma virtude a partir da convivência dos homens na polis, o direito representa um conjunto de idéias ou princípios superiores, eternos e universais, outorgados ao homem pela divindade.
Para essa escola, o direito natural possui como características principais a estabilidade e a imutabilidade, com origem na Divindade. Os jusnaturalistas reconhecem a legitimidade do Estado em estabelecer o ordenamento, baseando-se em lei preexistentes e imutáveis, ou seja, fundamentando-se no Direito Natural.
O direito natural considera a natureza psíquica do homem inerente à pessoa, na qualidade de criatura racional. A idéia fundamental da doutrina é a de que existe, ao lado do direito positivo, um direito natural, anterior e superior àquele; expressão da própria lei natural que rege a natureza humana. Esse direito serve de inspiração para o direito positivo, que deve torná-lo em modelo, e de critério para julgar o direito positivo, que será considerado justo e perfeito, à medida que se aproximar de seu modelo.
Já para a escola teológica, defendida por líderes político-religiosos, entre os principais, Moisés, Hamurabi, Manu e Sólon[7], o direito também é concebido como um conjunto de princípios eternos, permanentes e imutáveis. Nesse ponto, assemelha-se ao jusnaturalismo, diferenciando-se deste na medida em que considera a origem do direito não ligada indiretamente à divindade, mas sim diretamente, tendo em vista que as primeiras leis foram escritas e outorgadas por Deus aos homens para serem observadas.
Dessa forma, para a escola teológica, o direito é uma criação divina, tendo em vista que a religião é processo de adaptação do homem à vida social, uma forma de religar o homem ao divino, pode-se dizer que a religião é um fenômeno inerente à própria cultura humana.
Nos povos primitivos, atribuíam-se as realizações e os fenômenos, de forma geral, à religião. Recorria-se ao processo religioso como forma de conferir sentido ao mundo, além de, muitas vezes, exercer dominação sobre ele. Assim, as relações jurídica mostravam-se subordinadas ao transcendental, à religião. Todos os repositórios do direito primitivo, como o Código de Manú, o de Hamurabi, o livro das leis dos egípcios, os livros sibilinos, o Decálogo de Moisés, o Alcorão de Mahomé, presumem-se ditados pelos deuses e constituíam a fonte única do direito.
A partir do século XVII, passa-se a ter uma concepção inovadora de direito natural, que ficou conhecida como escola Racionalista ou contratual, defendida por autores como Hugo Grotius, Thomas Hobbes, Jonh Locke, Montesquieu, Rousseau[8], entre outros.
Nessa perspectiva, surge a idéia de contrato social que se converte em fundamento do Estado.
Os contratualistas, entre eles, Hobbes, acreditavam que a coerção, no sentido de socialização, deriva do estado de desconfiança universal e da insegurança, gerado pela luta competitiva e geral dos homens em seu estado da natureza. Assim, a ordem social consiste em direito sagrado, que serve de suporte a todos os homens, mas não à natureza, fundamentando-se nas convenções.
Nesse sentido, Rousseau, também propõe as condições do pacto legítimo, por meio do qual o indivíduo, após renunciar parte de sua liberdade natural, recebe, em contrapartida, a liberdade civil.
Segundo a concepção da teoria contratualista, o direito é dividido em duas categorias, a do Direito Natural e a do Direito positivo. O Direito Natural representa, como defendido pelos jusnaturalistas, um conjunto de princípios permanentes, imutáveis e estáveis, mas não com origem divina, e sim com uma origem na natureza racional do homem, afastando, assim, o vínculo teológico, objetivando validar o direito natural na própria razão humana. Por outro lado, o direito positivo seria decorrente de um pacto social que o homem celebrou com a finalidade de viver em sociedade.
Segundo Wolkmer[9], a concepção positivista procurou banir todas as considerações de teor metafísico-racionalista do Direito, reduzindo tudo à análise de categorias empíricas na funcionalidade de estruturas legais em vigor. Sob essa perspectiva, o direito é explicado pela sua própria materialidade coercitiva e concreta, combatendo assim as idéias jusnaturalistas que buscavam definir a origem, a essência e o fim do Direito na natureza ou mesmo na razão humana.
Sílvio de Salvo Venosa retrata com bastante clareza o antagonismo entre os jusnaturalistas e os positivistas:
Para os jusnaturalistas, os valores são algo proposto aos homens e suscetíveis de justificação objetiva e metafísica. Para o positivismo, quando se reconhece a existência de valores, estes têm origem na iniciativa dos homens. Para o jusnaturalismo, o direito natural prevalece sobre o direito positivo sempre que ocorrer um conflito entre ambos. Prevalecerá a lei ideal superior. No positivismo, exclui-se qualquer norma derivada da natureza, qualquer que seja seu entendimento, existindo sempre o direito positivo[10].
Outra escola, segundo Sérgio Cavallieri Filho, que reflete sobre o fundamento do Direito, é a Escola Histórica do Direito, com origem na Alemanha, no final do século XVIII e começo do século XIX. Para essa escola, o direito era fruto da evolução histórica do homem, portanto uma construção humana, constituído normalmente ao longo da trajetória humana e sujeito a permanente evolução. O Direito, nessa visão histórica, é concebido, não como mero produto racional, mas como um produto histórico e espontâneo peculiar a cada povo.
Assim, pode-se dizer que a escola histórica nega a existência de um direito imutável e comum a todos os povos e lugares. Para essa escola, o direito é, apenas, um fato histórico, produto da história de cada povo. Cada povo tem alma própria, consciência coletiva, que se manifesta em sua história. O direito nasce e desenvolve-se, de maneira natural e instintiva, sem intervenção de leis e legisladores, que se limitam a reformular e aperfeiçoar esse direito espontâneo, elaborado na consciência popular.
Enfoque diverso traz a Escola Marxista, que surgiu em meados do século XIX, oriunda das teses de Karl Marx[11] e Friedrich Engels[12] Segundo a escola marxista, o direito pressupõe o Estado, surgindo apenas quando há uma sociedade estruturada, e tem por objetivo regulamentar uma situação já existente.
Essa concepção do Direito deve muito a Hegel, que também une intimamente o Direito ao Estado, com a diferença essencial de que o Estado para ele é uma instituição eminentemente respeitável, quase divina, que tem por missão manter a ordem e a paz na sociedade, ao passo que, para Marx, o Estado é instrumento de pressão, que deve ser combatido por todos os meios e finalmente destruído[13] .
A escola marxista concebe o direito como produto da economia. O direito não é resultante do desenvolvimento espiritual do homem, mas das condições materiais da vida, dos vários modos de produção e distribuição da riqueza. Os processos econômicos formam a estrutura básica da vida social e, em harmonia com ela, ergue-se a superestrutura do direito.
A concepção marxista afirma o primado do fator econômico, fundado em dupla premissa. A primeira de que o direito representaria uma projeção ideológica, fenômeno das relações entre as formas produtivas e uma realidade social própria e a segunda que identifica a economia como fenômeno social total.
Por último, segundo Cavalieri, a Escola Sociológica do Direito, por meio de pensadores como Emile Durkheim e Leon Duguit[14], entende que o Direito possui sua origem nos fatos sociais, nas relações entre os homens, assim, o Direito existiria pelo simples fato de a sociedade existir.
Para a Escola Sociológica, o Direito tem sua origem nos fatos sociais, entendendo-se como tais os acontecimentos da vida em sociedade, práticas e condutas que refletem os seus costumes, valores, tradições, sentimentos e cultura, cuja elaboração é lenta e espontânea da vida social. Costumes diferentes implicam fatos sociais diferentes, razão pela qual cada povo tem a sua história e seus fatos sociais. E o Direito não pode formar-se alheios a esses fatos por ser um fenômeno decorrente do próprio convívio do homem em sociedade[15].
Dessa forma, a Escola Sociológica do Direito estreitou a relação entre a Sociologia e o Direito, buscando nesse último um caráter social.
A fim de se compreender o caráter social do Direito e o papel do jurista nesse quadro, objeto de estudo do presente trabalho, faz-se necessário fazer uma relação entre o Direito e a ideologia imposta numa dada sociedade, assunto que será abordado a seguir.
1.2 O direito enquanto fenômeno ideológico
Direito e ideologia são conceitos intimamente relacionados entre si, seja pela idéia de que o Direito é ideológico, parcial, utilizado para reforçar uma idéia vigente, seja pela idéia de que o Direito deve combater uma ideologia imposta por uma classe dominante.
Nesse sentido, para melhor compreensão deste trabalho, é necessário esclarecer o conceito de ideologia, devido à sua importância e à sua relação com o assunto em foco.
Segundo Antônio Carlos Wolkmer[16], pode-se dizer que o termo ideologia apresenta dois tipos gerais de significado: o significado positivo de ideologia e o significado negativo de ideologia. O primeiro significado, o positivo, traz a idéia de ideologia como um sistema de atitudes integradas de um grupo social, um sistema de idéias, uma ordenação de crenças, valores, maneiras de sentir, pensar de pessoas ou grupos.
Já a ideologia em seu significado negativo, segundo Wolkmer, é entendida como falsa consciência das relações de domínio entre as classes, representando uma ilusão, uma distorção, uma idéia errada, uma dissimulação da verdade.
Este último é o conceito de ideologia que predomina no contexto da tradição histórica da sociologia crítica, com ênfase na perspectiva marxista, e será sob esse aspecto que se abordará as suas relações com o Direito.
Marilena Chaui[17] define ideologia como um ideário histórico, social e político que oculta a realidade. Tal ocultamento é uma forma de assegurar e manter a exploração econômica, a desigualdade social e a dominação política, apresentando-se, portanto, como um instrumento de legitimação das forças dominantes. Todavia, não se pode confundir ideologia com ideário. Este representa um conjunto sistemático e encadeado de idéias, enquanto aquela é um ideário com uma finalidade camufladora, que tem sempre como escopo uma vontade de dominação política.
A ideologia possibilita que coisas verdadeiras sejam tidas como falsas e as falsas como verdadeiras. Pode ser considerada um dos instrumentos de dominação e uma das formas de luta de classes. É um dos meios usados pela classe dominante para exercer a dominação, legitimá-la e torná-la imperceptível aos dominados. Acerca das classes sociais, entende Marilena Chauí:
As classes sociais não são coisas nem idéias, mas são relações sociais determinadas pelo modo como os homens, na produção de suas condições materiais de existência, se dividem no trabalho, instauram formas determinadas da propriedade, reproduzem e legitimam aquela divisão e aquelas formas por meio de instituições sociais e políticas, representam para si mesmos o significado dessas instituições através de sistemas determinados de idéias que exprimem e escondem o significado real de suas relações[18].
Nesse sentido, as classes sociais instauram-se no contexto das relações de produção. A classe dominante detém os meios de produção enquanto os dominados são instrumentos de execução dos meios de produção, o que torna possível o processo de dominação, viabilizado e fortalecido, principalmente, pela ideologia.
Um dos aspectos que torna a ideologia uma força quase impossível de se remover, segundo Chauí, bem como também compreendido por Karl Marx, é o fenômeno da alienação, que leva o indivíduo a atribuir a sua situação a forças ignoradas como: natureza, razão, Estado. A ideologia existe para ocultar o fenômeno da dominação para que, assim, os homens conformem-se com a sua situação[19].
Sendo assim, uma das funções da ideologia é impedir a revolta dos dominados, ao fazer com que a dominação seja vista como legal e por isso legítima e justa. Mas a ideologia não surge da vontade elaborada da classe dominante, sendo antes, resultante de uma prática social, ou seja, de um processo pelo qual as idéias de tal classe tornam-se idéias de todas as classes, transformando-se em idéias dominantes para a sociedade como um todo[20].
E nesse ponto que se torna interessante discutir a relação do Direito com a ideologia imposta e percebê-lo, por um lado, como instrumento ideológico de uma classe dominante, camuflado pela imagem de uma ciência neutra. Nas palavras de Antônio Carlos Wolkmer:
Parece que criticamente a neutralidade normativa de uma Ciência “pura” do Direito não resiste mais à sua ideologização. A ciência do Direito não consegue superar sua própria contradição, pois enquanto “Ciência” dogmática torna-se também ideologia da ocultação. Esse caráter ideológico da Ciência Jurídica se prende à asserção de que está comprometida com uma concepção ilusória de mundo que emerge das relações concretas e antagônicas do social[21].
Segundo o referido autor, toda atividade jurídica é uma prática ideológica, pois reproduz o jogo de forças sociais e políticas, bem como os valores morais e culturais de uma dada organização social.
Dessa forma, o Direito, por ter sua origem na sociedade e por ser construído ao longo de um processo histórico, exprime, pelo menos em tese, os objetivos, os anseios das classes sociais existentes. No entanto, pode-se perceber que há a prevalência no sistema jurídico de um determinado Estado das idéias e conceitos da classe dominante: “Todo sistema jurídico traz a marca de uma classe social dominante na sociedade[22]” :
Não será demais ressaltar que todo Direito, enquanto pretensão de formar um direito justo, exige ser universalmente válido e perene. Entretanto “nenhum direito está de fato à altura desta reivindicação, todo Direito é particular não realiza o verdadeiro interesse geral, mas apenas o interesse médio de uma classe minoritária; todo Direito é temporário, apenas transitoriamente constitui a expressão legítima das condições adequadas de desenvolvimento da sociedade. Todo Direito é ideológico, porque na sua reivindicação desconhece sempre seu condicionamento social e histórico”. [23] Grifou-se.
E essa ideologia da classe dominante, recorrentemente, é reforçada pela atuação do jurista, disfarçada por uma suposta neutralidade ideológica, como será visto a seguir.
1.3 A ideologia da neutralidade da atuação do jurista
Muito se tem difundido que a atuação do jurista deve ser neutra, apolítica, com o objetivo de buscar apenas a aplicação integral da lei ao caso concreto.
Para melhor compreensão do termo neutralidade, traz-se uma apontada por José Renato Silva Martins:
Para que se possa realizar o que ela expressa (a neutralidade), necessário seria estar isento de toda ideologia. Tal empreitada é impossível (...) Neutralidade é a possibilidade de manutenção da indiferença diante de um quadro que manifesta posições antagônicas; posições estas que precisam ser pacificadas no âmbito do intermediário social, que é o local privilegiado assumido pelo Direito[24].
Assim, tendo em vista a impossibilidade manter-se indiferente frente aos problemas sociais, pode-se afirmar que essa postura de neutralidade é inconcebível no papel a ser desempenhado pelo jurista.
Na sociedade de classes em que vivemos, dividida e antagônica, agravada, no caso do Brasil, pelas imensuráveis diferenças econômicas entre ricos muito ricos e pobres muito pobres, ninguém é neutro, e o jurista também não é neutro[25].
Nesse sentido, a ideologia é mais perigosa quando assume, pelo agente disseminador, uma postura supostamente neutra, pois a dominação sustenta-se na passividade e não na luta. Um pensamento ideológico, visto por esse aspecto, é todo pensamento que interpreta, representa o mundo de maneira falsa, distorcida[26].
O jurista, de forma alguma, pode assumir esse papel de passividade e, assim, não se envolver com as questões sociais presentes em sua realidade. Antes, deve assumir uma postura de inconformidade com esse quadro de contradições sociais, valendo-se de seu principal armamento, a interpretação da lei, em favor dos menos favorecidos.
Como difundido por João Baptista Herkenhoff, os juristas e juízes que fecham os olhos para os problemas sociais e procuram adotar uma postura supostamente neutra em nada contribuem para a superação das contradições sociais. Ao adotar essa postura, acabam por beneficiar a classe dominante:
Os juristas e juízes que se submetem docilmente a esse sistema, sem mesmo descobrir algumas de suas brechas , que possam servir às maiorias oprimidas, colocam-se decididamente do lado das minorias aquinhoadas[27].
O jurista precisa perceber o seu papel ativo na sociedade, ou seja, conscientizar-se de que não é possível uma atuação neutra, apolítica, quando se trata de Direito. Pelo contrário, essa suposta neutralidade apenas corrobora para a manutenção de um sistema de poder vigente, da estrutura de classes atual, caracterizada por uma relação de submissão. De maneira que: “Não existe a suposta neutralidade políticas e ideológica dos juristas, inclusive dos juízes”[28].
É preciso desenvolver uma conscientização por parte dos operadores do direito a fim de que exerçam uma postura crítica frente aos problemas sociais, uma postura de inconformismo, que possa contribuir ativamente no combate à ideologia imposta e no processo de superação das contradições sociais.
A própria legislação brasileira, especificamente no artigo 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil, determina que o juiz deverá aplicar a lei atendendo aos fins sociais e às exigências do bem comum. Assim, é papel do juiz observar os fins sociais na aplicação da lei. Nesse sentido, como poderá o juiz ignorar a realidade social e aplicar friamente o texto da lei?
Apesar de prática bastante comum entre muitos juízes, tal atitude representa uma postura inadmissível a ser adotada por magistrados que possuem real compromisso social.
Torna-se, então, essencial o labor dos juristas populares, termo utilizado por João Batista Herkenhoff para designar os juristas que possuem a consciência de seu papel transformador da realidade social, capazes de utilizar as interpretações possíveis das leis para auxiliar as classes minoritárias a combater a opressão imposta pela classe dominante.
Da mesma forma que os intelectuais orgânicos das classes dominantes vão procurar interpretar a Constituição a serviço dos interesses a que servem, os juristas populares deverão descobrir, na nova Carta, as aberturas que possam servir às classes marginalizadas. E todo esse esforço urge desenvolver para que tenha efetiva vigência e aplicação tudo aquilo que, na Constituição, possa eventualmente prestar-se ao reconhecimento dos direitos das maiorias[29].
Segundo Herkenhoff, a lei costuma ser tormada como aparato a serviço do sistema dominante, um sistema de opressão institucionalizada. Dessa forma, a lei é utilizada como instrumento de perpetuação das desigualdades sociais, um artifício legitimar a força dominante da classe privilegiada, fazendo surgir nos oprimidos um sentimento de conformismo e aceitação das condições sociais em que se encontram.
O Direito, no Brasil, sempre foi instrumento de política dominante e aliado das forças de reação social, quer ela diuturna prática conservadora dos juristas, quer pela doutrina jurídica corrente, fortemente influenciada pelo Positivismo[30].
Por outro lado, a lei, o ordenamento jurídico em geral, apresenta contradições, nas palavras do referido autor:
A mesma lei que proclama valores humanistas instrumentaliza valores anti-humanos. Então me parece que aí está um grande desafio a ser enfrentado pelos juristas, que é explorar essas contradições da lei, é selecionar os valores humanos e dar força a esses valores, é exigir que esses valores humanistas, teoricamente proclamados, demagogicamente proclamados, tornem-se efetivos e cumpridos[31].
Para se atingir os objetivos reais do direito e levar a justiça social plena às relações sociais, o trabalho dos juristas não deve se limitar à análise estrutural da lei, de forma restrita, isolando a norma jurídica da sociedade, e, assim, separando a política do direito, perpetuando a discriminação. Pelo contrário, o jurista não deve ignorar os problemas sociais, deve fazer valorações ao texto legal e identificar a sua aplicação social de forma a utilizar a lei em benefício da própria sociedade.
E é esse um dos problemas-chave a ser explorado pelo jurista: utilizar-se das brechas na lei, das contradições presentes nas legislações com o propósito de se buscar uma finalidade social para o Direito e, com isso, combater a ordem existente, o sistema opressor vigente, permitindo que o Direito tenha um papel que não foi projetado pelas classes dominantes.
Capítulo 2
Contradições sociais: uma questão de direito
Nesse capítulo, será abordado o tema das contradições sociais, enfatizando o conceito de classes sociais e a temática da luta de classes relacionada ao Direito e ao papel do Jurista, como intelectual e como agente prático, lutando ao lado e para o êxito das classes menos privilegiadas.
Também será discutida a problemática da educação, vista por dois enfoques: como fator ideológico de opressão pela classe dominante, mas também vista como fator indispensável para a conscientização do indivíduo na busca de uma transformação na estrutura da sociedade.
2.1 A luta de classes
O conceito de classes sociais gera muita polêmica entre os estudiosos. Muito se tem discutido sobre o assunto. Segundo Otávio Guilherme Velho (1981), as classes sociais começam a emergir no século XVIII, tornando-se aos poucos organizadas ou quase-organizadas ao mesmo tempo em que foram se desenvolvendo as ideologias de consciência e a luta de classes. Durante os dois últimos séculos, as classes sociais foram se tornando cada vez mais poderosas e atualmente continuam um dos mais fortes grupos multivinculados nas sociedades ocidentais. Nas palavras do autor:
Se numa dada população existem indivíduos com status ocupacional, econômico e legal semelhante, mas que não estão organizados e nem mesmo quase organizados, esses indivíduos representam simplesmente uma coletividade nominal – não uma classe real. Para constituir uma classe genuína, uma parte desses indivíduos deve estar completamente organizada e a outra quase-organizada. Quando se verifica essa organização, surge a consciência de classe entre os membros do grupo, composta pelos significados, valores e normas do mesmo, que cresce na proporção do desenvolvimento da própria classe. Mas uma mera ideologia da consciência de classe, fomentada por este ou aquele teórico, não assegura a existência objetiva de uma classe[32].
Para o desenvolvimento desse trabalho, torna-se imprescindível esclarecer o que se entende pelo termo “classes sociais”. Segundo Otávio Guilherme Melo, as classes sociais são grupamentos particulares de fato, organizam-se naturalmente e não de uma forma imposta, afirmam-se fora das divisões oficiais, sem levar em conta as regulamentações jurídicas impostas. São grupamentos à distância, pois tendem a uma estruturação bastante extremada e se exprimem numa multiplicidade de organizações que podem ser muito ativas e muito influentes.
As classes sociais são caracterizadas por sua suprafuncionalidade, tendo em vista que interpretam ao seu modo todas as funções exercidas por si próprias e pelas outras classes e grupamentos, bem como são caracterizadas por sua tendência para uma estruturação crescente, por sua resistência à penetração pela sociedade global e por sua incompatibilidade radical com as outras classes.
Apesar de o conceito de classes sociais ter sido muito difundido por Karl Marx, Theotônio dos Santos[33] esclarece que o conceito de classes sociais existe desde a antiguidade, não sendo, dessa forma, uma criação do marxismo. Segundo o autor, a inovação em Karl Marx está em dar ao conceito de classe não só uma dimensão científica, mas também atribuir-lhe o papel de base de explicação da sociedade e de sua história.
Segundo Teothônio dos Santos, Marx faz uma relação entre as classes sociais e a consciência de classe, relação de suma importância para se entender o conceito de classe. Karl Marx estabelece uma distinção entre classe em si e classe para si. De forma que uma classe em si representaria um grupo em que as impressões, os valores de forma geral não expressariam a realidade das relações vivenciadas pelos indivíduos. Por outro lado, segundo o autor:
Serão uma classe para si, numa situação social em que tomem consciência destas relações sob a forma de uma ideologia política que defina claramente as condições reais de sua existência e a contradição entre elas e seus interesses como classe social, bem como lhe proponha os meios de superar esta situação. Neste momento, passa a se constituir uma classe para si, quer dizer, uma classe capaz de elaborar um projeto de existência social adequado a seus interesses de classe[34]. Grifou-se.
Pode-se definir a consciência de uma classe como a representação consciente possível de que dispõe acerca de seus interesses num dado modo de produção. Nesse sentido, faz-se necessária a conscientização de determinada classe a fim de que possa entender a sua condição e buscar meios para transformar essa realidade na medida de seus interesses como classe.
Theotônio dos Santos faz uma importante reflexão em relação aos intelectuais, considerando-os instrumentos fundamentais na conscientização de uma classe. Explicita:
Esta compreensão do caráter da consciência de classe revela também o papel do intelectual na luta de classes, em geral obscurecido por certas concepções erradas. Como a consciência de classe é ao mesmo tempo um elemento condicionado pela práxis humana (quer dizer, um resultado consciente desta práxis) e um elemento condicionante dela (quer dizer, é a consciência que permite ao homem dominar sua práxis e submetê-la a seus fins), o intelectual tem um papel-chave em seu desenvolvimento. Pois é somente uma atividade intelectual sistemática que permite tirar as conseqüências da práxis e sistematizá-la de tal forma que a consciência se transforme em consciência efetiva dos indivíduos de classe[35]. Grifou-se.
Dessa forma, o intelectual pode ser considerado como elemento-chave no desenvolvimento dessa consciência de classe ao auxiliar, por meio de uma atividade intelectual crítico-sistemática os indivíduos a se organizarem a fim de elaborarem um projeto social voltado para seus interesses como classe social e que atinjam as suas reais necessidades. Nessa perpectiva, pode-se fazer uma relação entre esse intelectual, entendido como militante intelectual de uma classe, e o jurista.
O jurista, como detentor de um saber jurídico, deve utilizar-se de seus conhecimentos para favorecer as classes menos privilegiadas, a fim de reduzir as contradições sociais existentes. Volta-se aqui ao já mencionado termo juristas populares, juristas que possuem a consciência de seu papel transformador da realidade social e estão dispostos ao engajamento nessa luta social, não fechando os olhos para os problemas existentes, mas participando ativamente dessa luta de classes, contra a opressão de uma classe privilegiada sobre os marginalizados, indivíduos que se encontram à margem da sociedade.
Fica visível, dessa forma, a luta de classes em busca de uma afirmação dentro da sociedade, de um espaço no meio social, enfim, na defesa de seus interesses. No entanto, como salienta Paulo Freire, muitas vezes, essa luta de classes não é tão nítida, ocorrendo de forma oculta no seio da sociedade, numa forma de resistência ao poder das classes dominantes:
A luta de classes não se verifica apenas quando as classes trabalhadoras, mobilizando-se, lutam claramente, determinadamente, com suas lideranças, em defesa de seus interesses... A luta de classes existe também latente, às vezes escondida, oculta, expressando-se em diferentes formas de resistência ao poder das classes dominantes[36].
Nessa perspectiva, a educação emerge como ferramenta a ser utilizada pelos indivíduos a fim de lograr êxito nessa luta de classes, nesse combate a ideologias impostas, na busca de uma afirmação no meio social, posto que se apresenta como caminho anagógico para a afirmação das potencialidades dos indivíduos e das classes que estão absconditos.
2.2 A educação enquanto prática transformadora
A divisão da sociedade em classes sociais a partir de um status social demonstra a desigualdade existente entre os indivíduos de um mesmo território, representando uma questão polêmica e de difícil resolução.
Nesse contexto, percebe-se a existência de um pequeno grupo que detém o poder econômico utilizando-se da força de trabalho da classe subjugada e, assim, transmitindo uma ideologia que prega a incompetência intelectual da classe minoritária, originando uma apatia que fortalece e legitima o poder intelectual, social e político da elite.
Karl Marx já trazia em seus estudos a noção de que a luta de classes é o motor da história, influenciada pelos meios de produção. Enfatizava a idéia de que a posse dos instrumentos dos meios de produção por uma determinada classe e a manipulação do poder econômico como forma de dominação possibilitavam injustiças no seio da sociedade, ocasionando a exploração do homem pelo homem, fortificada na alienação resultante do trabalho:
Toda a reflexão levada a cabo pelo marxismo tem motivo em distorções sociais notórias de seu tempo. Sua própria análise da luta de classes na história demonstra o quanto a posse dos instrumentos e dos meios de produção faculta injustiças e dominações entre os próprios homens, e o capitalismo seria mais um destes sistemas que, no curso do século XIX, testificava a distorção desta forma de se distribuírem as riquezas e as relações humanas em sociedade[37].
Na concepção marxista, enquanto uma classe detinha os meios de produção, a outra classe, marginalizada, dispunha apenas da sua própria capacidade de trabalho que, dessa forma, era explorada pelos detentores do poder econômico, fortalecendo a estrutura de dominação na sociedade.
Essa forma de opressão gera uma ideologia de conformismo nas classes desprivilegiadas. Tais indivíduos acabam por acreditar que a situação em que se encontram é de sua própria responsabilidade, resultado de uma postura adotada por eles mesmos. Nas lições do educador Paulo Freire (1996, p.92):
Faz parte do poder ideológico dominante a inculcação nos indivíduos das classes desprivilegiadas da responsabilidade por sua situação, como se o contexto, a situação social, a estrutura da sociedade não exercesse forte influência[38].
Sob esse enfoque, pode-se perceber que a educação é um dos fatores que mais acentua ou reduz as contradições no seio da sociedade. A educação revela-se como uma ferramenta fundamental tanto para a conscientização do indivíduo a fim de que este se perceba como cidadão capaz de exercer seus direitos e atuar conscientemente na sociedade, quanto para a manutenção de uma situação dada, ao se tratar de uma educação ideológica.
No entanto, é notável que o acesso à educação é limitado quando se tata dos indivíduos das camadas mais pobres. Tais indivíduos, quando têm acesso à escola, evadem muito cedo, por não terem perspectiva de um futuro acadêmico ou por presenciarem um embate cultural presente nas instituições escolares, em que se chocam as culturas das classes privilegiadas com a das classes desprivilegiadas, supervalorizando-se as primeiras.
Segundo C. Baudlet e R. Satblet [39], o ensino é dualista. Há escolas para ricos e para pobres e, na maioria das vezes, o ensino da classe dominante supera qualitativamente o ensino oficial, que é a escola utilizada principalmente pelos pobres. A busca de uma igualdade no ensino e, conseqüentemente, igualdade cultural e social, sem negligenciar as diversidades, implica mudanças estruturais reais na instituição escolar.
Como conseqüência, esse é um fenômeno presente também nas instituições de ensino superior. Assim, é prudente realizar uma análise sobre o ensino universitário, especificamente o ensino jurídico nas universidades públicas para que se possa compreender a importância da formação do jurista no processo de contribuição para a redução das contradições sociais.
Nas lições de Antônio Alberto Machado[40], as universidades são consideradas instituições caracterizadas por serem mecanismos permanentes, criados ou instituídos pela civilização, com objetivos externos, dependendo a sua legitimidade da realização, no âmbito da sociedade, dos objetivos estabelecidos.
Nessa perspectiva, a instituição representa algo diverso de uma organização, tendo em vista que essa última é caracterizada por ser uma criação eventual de uma pessoa ou de um grupo de pessoas, com objetivos preferentemente internos e não possui a necessidade de legitimar-se no plano externo da sociedade.
Segundo o autor, por esses parâmetros, a universidade pública representaria uma instituição, pois é uma criação permanente da sociedade, possui o objetivo público e externo de educar as pessoas e, como conseqüência, tem a necessidade de reconhecimento social. Por outro lado, a universidade privada seria uma organização, tendo em vista que é um empreendimento criado por uma ou por algumas pessoas específicas, com objetivo interno de prestar um serviço a fim de obter remuneração, a exemplo das organizações empresariais e, dessa forma, não necessita de reconhecimento social externo. Tal diferenciação reflete diretamente na forma de ensino praticada.
Antônio Alberto Machado faz uma crítica ao ensino ministrado nas universidades particulares, supervalorizando, dessa forma, o ensino nas universidades públicas. O autor afirma que a universidade pública é a instituição que poderá reunir as condições necessárias para assegurar a sobrevivência de todos os aspectos e objetivos que caracterizam uma universidade autêntica enquanto, nas universidades privadas, haveria uma supervalorização de lucros. Nas palavras do autor:
A universidade pública é o espaço por excelência onde se pode almejar a idéia de autonomia, de pesquisa pública e independente, de acesso democrático, de formação de cidadania, de ensino com qualidade, de produção e transmissão da cultura, de compromisso com o desenvolvimento nacional etc (...) No espaço das universidades privadas, que de há muito se entregaram a um projeto exclusivamente empresarial de obtenção de lucros, excetuando-se as universidades confessionais, será muito difícil, senão impossível ou até mesmo irracional, falar-se num ensino crítico de qualidade, na formação da cidadania e no compromisso democrático, na pesquisa com o objetivo de promover o desenvolvimento do país e em outros papéis que não se harmonizam com a idéia de lucro[41].
Não obstante, cabe aqui uma crítica ao posicionamento do autor acerca da supervalorização do ensino nas universidades públicas em detrimento das universidades particulares. Apesar de ser uma instituição privada, com objetivos realmente diversos de uma universidade pública, não se pode afirmar categoricamente que não é possível existir comprometimento com um ensino de qualidade em tais universidades, tornando-se uma atitude precipitada a afirmação de que “será muito difícil, senão impossível ou até mesmo irracional, falar-se num ensino crítico de qualidade” nas universidades privadas.
Apesar de não se poder afirmar que representam a maioria, atualmente, existem muitas universidades privadas comprometidas realmente com ensino de qualidade, engajadas em projetos sociais. Universidades que estimulam a produção científica, projetos de assistência social, entre outros.
Além do mais, é visível que as universidades públicas estão cada vez mais elitizadas. Os vestibulares acabam por selecionar não só intelectualmente os candidatos, mas economicamente, tendo em vista que, em sua maioria, são os alunos que estudaram ao longo de sua trajetória acadêmica em escolas particulares que possuem maior êxito nas provas, alunos que possuem condições econômicas mais favoráveis para custearem estudos em instituições privadas de ensino fundamental e médio e cursos preparatórios para o vestibular.
Como conseqüência, os alunos menos desprovidos economicamente, que sempre estudaram em escolas públicas, enfrentam muitas dificuldades para obter êxito nos vestibulares das universidades públicas e, se vêem obrigados a procurar como alternativa o ensino privado, encontrando aí uma outra barreira: a dificuldade financeira para custear os estudos, fato esse que dificulta o acesso das classes desprivilegiadas ao ensino superior, dificultando, assim, a possibilidade de redução das contradições existentes na sociedade.
Faz-se necessário pensar em alternativas para uma reformulação no acesso ao ensino universitário no Brasil, a fim de que as classes menos privilegiadas possam também ter a oportunidade de ingressar no ensino superior e, com as armas da educação, possam fortalecer-se na luta diária contra as desigualdades sociais.
2.3 Ensino jurídico nas universidades e a formação humanista do jurista
Um exame das estruturas e dos acontecimentos aponta que o ensino nas universidades vem sendo guiado pelas necessidades do mercado de trabalho, visando atender às necessidades e anseios dos discentes que ingressam nas universidades em busca de uma especialização e qualificação profissional com o objetivo de galgar uma colocação nesse mercado.
Nessa perspectiva, o ensino universitário tem se revelado como ensino utilitário e imediatista, primando pela transmissão de conteúdos, pela formação técnica dos discentes, preparando profissionais especializados para um mercado cada vez mais exigente. No entanto, percebe-se na formação acadêmica dos alunos, de forma geral, certa defasagem na formação crítico-humanista.
Dentre os problemas, vícios ou defeitos conjunturais que marcam todo sistema universitário no Brasil, e especificamente sobre o ensino jurídico nessa universidade, pode-se apontar aquele que é, a partir de uma perspectiva estrutural, um dos principais fatores de crise dessa instituição, ou seja: o fato de a universidade estar aprisionada no “cativeiro do mercado”[42].
Segundo Antônio Alberto Machado, esse caráter utilitário dos cursos universitários, com a crença absoluta na neutralidade da técnica, tem resultado num saber acrítico, distanciado das questões sociais, sem compromisso algum com a emancipação do ser humano, voltado apenas ao conteúdo específico, priorizando apenas pesquisas e o conhecimento científico que visam impulsionar o avanço tecnológico em função de estratégias e objetivos econômicos.
Logo, a fetichização do conhecimento técnico e a absoluta ausência de crítica no espaço universitário, de pleno acordo com a lógica dos mercados – que confirma o saber científico apenas pelo desempenho descartando a reflexão científica – apresentam-se como dois fatores relevantes e estruturalmente responsáveis por esse contexto de crise em que se encontra a universidade. Seja porque fizeram com que esta se desviasse do seu papel fundamental de refletir acerca das idéias, e da evolução do espírito humano; seja porque levaram a mesma a abandonar o seu mister, também fundamental, de elaborar o pensamento crítico a respeito dos modelos econômicos propostos, deixando de refletir sobre os sistemas de produção e a forma de organização política da sociedade[43].
Desse modo, a formação do acadêmico do ensino superior, ressaltando-se a formação do jurista, deixa muito a desejar quando se trata do aspecto político, filosófico, sociológico, enfim, do aspecto crítico já tratado nesse trabalho. Nas faculdades de Direito, percebe-se a ênfase no conteúdo técnico, na análise das leis, do ordenamento jurídico em geral e uma deficiência na reflexão sobre os problemas de ordem social.
Nota-se que algumas disciplinas humanistas, como a Filosofia, Psicologia, Sociologia, Ciência Política, até estão presentes em alguns currículos das universidades de Direito. Todavia, são encaradas pelos acadêmicos, de forma geral, como disciplinas de pouco valor ou até mesmo sem valor nenhum, devido à supervalorização das disciplinas de caráter técnico.
Em um mundo pautado pelo imediatismo, pelo tecnicismo, pelo pragmatismo e utilitarismo, observa-se que os próprios acadêmicos não demonstram interesse pelas disciplinas humanistas.
O ensino jurídico na atualidade tem perdido bastante a qualificação como ensino superior. Pode-se dizer que são causas desse fenômeno a massificação do ensino, a proliferação descontrolada das faculdades de direito, a ausência de um programa de formação docente, o baixo nível do ensino secundário, até mesmo a queda da qualidade técnica do ensino jurídico, a crise do direito e das carreiras jurídicas, entre outros fenômenos que têm contribuído para a queda na qualidade do ensino jurídico no Brasil.
Apesar desse concurso de inúmeras causas, o fato é que há mesmo uma causa estrutural que condiciona todos esses aspectos de rebaixamento do nível científico e cultural do ensino jurídico no País e que, conseqüentemente, atinge todas as carreiras jurídicas de um modo geral: trata-se do modelo normativo e tecnicista de transmissão do saber jurídico, considerado o único paradigma do ensino do direito, com o objetivo primordial de ensinar o exercício das profissões jurídicas. E, ao insistir numa pedagogia tecnicista, com objetivos exclusivamente profissionalizantes,o ensino jurídico dificilmente se constituirá num ensino superior, porque, como se sabe, o conhecimento profissionalizante e técnico é mesmo um conhecimento de nível secundário, normalmente ministrado no ensino de segundo grau[44].
O quadro universitário da atualidade é um reflexo de toda uma estrutura social, um sistema ideológico que prima pela perpetuação dessa postura acadêmico-tecnicista e profissional. O intuito da classe dominante tende a ser o da educação apolítica, alheia aos problemas existentes na sociedade, que parece ser menos ameaçadora, neutra por excelência, a educação do não-questionamento, da passividade, que proporciona a reprodução da estrutura social vigente.
Dessa maneira, essa dimensão crítico-política revela-se mais como uma conquista individual, resultante de esforço e dedicação pessoal do acadêmico de direito, que precisa atentar-se à importância de seu papel, a fim de desempenhar uma postura ativa contra a pressão dominante.
Além disso, pode-se perceber também que o ensino universitário é elitizado, reflete os interesses de uma classe dominante, reproduzindo, assim, a estrutura social vigente. Sebastião Vila Nova traz à tona um debate sobre a pressão das elites detentoras do poder político sobre o intelectual, que, no nosso contexto, pode ser entendido como o professor universitário, e que acaba por influenciar no ensino universitário:
Um outro aspecto da situação social do intelectual, vinculado ou não à universidade, de interesse à nossa reflexão, é o fato consensualmente admitido entre nós de que, qualquer que seja o regime político, é inevitável, em maior ou menor grau, alguma tensão nas sua relações com as elites detentoras do poder político, em razão mesmo do presumível potencial de crítica que o intelectual, pela sua própria condição, detém em relação à organização política da sociedade[45]. Grifou-se.
Percebe-se, portanto, um ensino universitário que privilegia as ciências técnicas em detrimento do humanismo, um excessivo depósito de conhecimento teórico e pouco debate sobre assuntos sociais o que resulta na formação de profissionais extremamente técnicos, que não refletem de forma crítica os problemas sociais. Nesse sentido:
O profissional da ciência social deve aspirar antes
à condição de humanista, no amplo e rico sentido renascentista original, pois, mais que ciência, mais que técnica, mais que utópica ou ideológica, a ciência social é uma disciplina humanística[46].
Tal supervalorização técnica resulta ainda mais no distanciamento entre o acadêmico e sua realidade social, na formação de profissionais que não se envolvem nas questões do seu dia-a-dia, cidadãos que apenas assistem aos fatos cotidianos, apáticos, conformados com o quadro de desigualdades e contradições sociais, cidadãos que podem até perceber os problemas existentes, mas estão tão preocupados com a formação técnica, com o mercado de trabalho, que são incapazes de exercer um papel social relevante a fim de buscar soluções para a resolução dos conflitos presentes no seio social.
O resultado de tudo isso é o complexo divórcio entre a atuação do profissional do direito e o meio social onde atua. Aquele seguindo isolado num universo cognitivo conceitual e a-histórico, enquanto grupos sociais marginalizados, por outro lado, seguem desconfirmando seu papel[47].
Assim, como defende Antônio Alberto Machado, deve-se buscar uma reflexão acerca dos rumos a serem tomados pelo ensino jurídico no país, de forma a se alcançar um ensino cujo fundamento seja a transmissão de um conhecimento crítico, relacionando o fenômeno jurídico ao contexto histórico em que está inserido, com a implementação de uma metodologia multidisciplinar, capaz de proporcionar ao jurista uma visão ampla e completa, do ponto de vista social, político, econômico e cultural de seu saber, com o conseqüente desenvolvimento do senso crítico, fundamental para habilitá-lo ao desempenho de funções sociais que podem implicar confronto com as estruturas de poder estabelecidas na sociedade.
O ensino dogmático, predominantemente tecnicista, como o que se vem praticando no Brasil, produz uma espécie de aprendizado de “curto alcance”; enquanto que a formação cultural humanística, interdisciplinar e crítica, configura, por assim dizer, um saber consistente e definitivo, portanto, “de longo alcance”[48].
Capítulo 3
ATUAÇÃO JURÍDICA CONSCIENTE E A SUPERAÇÃO DAS CONTRADIÇÕES SOCIAIS
A análise do Direito como instrumento de superação das contradições sociais implica discussão de vários temas. Na tentativa de alcançar o objetivo maior dessa produção acadêmica, qual seja, Compreender a importância do Direito, materializada na atuação do jurista, como instrumento de superação das contradições sociais, buscou-se fazer um apanhado sobre questões referentes à ideologia imposta na sociedade, à ideologia no Direito, e à ideologia da neutralidade na atuação do jurista, passando pela análise do conceito de classe social e estudando a luta de classes existente na sociedade.
Buscou-se, também, analisar os aspectos ligados à educação, a sua influência nesse processo social, bem como ressaltou-se a importância da formação humanista do jurista nos cursos de Direito, a fim de que o profissional da área esteja realmente capacitado para se envolver nas questões existentes na sociedade e possuir ferramentas para lutar contra as desigualdades sociais, mudando, assim, o rumo imposto ideologicamente pela classe dominante.
Nesse momento, é oportuno chamar a atenção para alguns aspectos referentes ao acesso à justiça e à conquista da cidadania, encerrando-se com uma sucinta análise entre o direito e a solução dos conflitos sociais, elementos críticos de suma importância para se chegar ao objetivo dessa pesquisa.
3.1 O acesso à justiça
Como já se vem discutindo, é oportuno levantar uma discussão acerca do acesso à Justiça por todos os cidadãos, independente de classe social, condição econômica ou política.
Com a promulgação da Constituição da República de 1988, ampliou-se a discussão que envolve o acesso à Justiça por todos os cidadãos. Um dos preceitos básicos, previsto nesse diploma, em seu artigo 5º, incisos XXXIV e XXXV, é o princípio do livre acesso ao Judiciário:
XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
O ordenamento jurídico brasileiro prevê a possibilidade de o cidadão, independente de sua condição social, ao se deparar com alguma situação de conflito com um terceiro ou uma situação em que veja afrontado o seu direito, solicitar assistência judiciária, que poderá ser, inclusive, gratuita, como prevê o inciso LXXIV, do mesmo artigo da Constituição Federal, “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
No entanto, apesar de a Carta Magna prever esse amplo acesso à justiça, pode-se perceber que essa não é a realidade prática na sociedade atual. Tal fenômeno pode ser justificado por vários aspectos, entre eles, a falta de conhecimento por parte dos indivíduos sobre os seus direitos, sobre as estruturas judiciais, além do que, apesar de haver proteção constitucional, a Justiça parece estar cada vez mais distante do cidadão menos favorecido, quando, na verdade, os mais desfavorecidos são os que carecem de mais proteção do Judiciário.
Tornar a Justiça acessível a todos é um desafio ao jurista, que deve rever sempre o seu papel na sociedade. Utilizar a Justiça, o Direito, como alicerce de transformação social implica necessariamente humanização. Tornar o Direito mais humano pode ser a chave para a luta contra as desigualdades sociais. Nesse sentido, pode-se destacar mais uma função do direito, a função educadora, como defende Paulo Bezerra:
Apresenta, pois, o direito, duas funções básicas: a conservadora e a transformadora. A função conservadora corresponde ao aspecto estático da realidade social; aqui, o direito atua como controle social das áreas sociais de conformidade, protegendo o status quo. A função transformadora corresponde ao aspecto dinâmico da realidade social; o direito atua, então, como controle social das áreas sociais de não-conformidade, incrementando a mudança social, modificando as relações e os valores sociais. A chamada função educativa do direito enquadra-se necessariamente em uma dessas espécies básicas: ou servirá à manutenção do status quo ou à mudança das estruturas sociais[49] .
O ideal, portanto, é que o Direito exerça a sua função “transformadora”, modificando as relações sociais, assumindo, assim, uma postura de não conformidade com a realidade social, valorizando o aspecto humano em detrimento de uma perspectiva que se pretende exclusivamente técnica.
É importante destacar que, por trás da técnica, da profissionalização, do legalismo, dos ritos processuais, há o ser humano, que tem necessidade de se valer da Justiça, de lutar pelos seus direitos e de se encontrar realmente inserido no meio social.
Nesse sentido, o Direito revela-se como um artefato fundamental, capaz de romper paradigmas culturais e, por outro lado, resguardar a Constituição Federal, como simbolismo do justo, cujo fundamento é o cidadão e o Estado Democrático de Direito, a fim de buscar alternativas para minimizar os conflitos sociais.
Tais pressupostos estão presentes em outros diplomas, como o Código de Ética e Disciplina da OAB, que traz em seu artigo 3º uma observação importante acerca da conscientização do papel do advogado na busca da redução das desigualdades sociais, e que pode servir de parâmetro para os juristas de uma forma geral:
Art. 3º O advogado deve ter consciência de que o Direito é um meio de mitigar as desigualdades para o encontro de soluções justas e que a lei é um instrumento para garantir a igualdade de todos.
Essa conscientização mostra-se como requisito essencial para que o jurista possa exercer uma função ativa frente à sociedade e evitar, com isso, condutas que acentuem as contradições existentes entre os indivíduos e, assim, acentue a distância entre o cidadão e o Judiciário. Pode-se observar, nas palavras de Jaime Pinsky, a idéia de como o cidadão tem visto a justiça, de forma distante e aterrorizante:
Não é fácil encontrar quem se disponha a comparecer em juízo. As pessoas simples não se sentem à vontade no ambiente forense. Ele é solene, assustador, totalmente insólito para quem se aflige com aquilo que considera uma injustiça. A própria linguagem forense é outro obstáculo a que as pessoas se disponham a litigar. Ininteligível o tecnicismo e a sofisticação vernacular do profissional jurídico. Além de um idioma incompreensível, existe um rito que se preordena a amedrontar a parte.
Ninguém fala diretamente com o juiz. Não há oportunidade para expor a sua angústia. A parte e as testemunhas são objeto de inquirição. Só podem responder àquilo que o magistrado lhes indaga. Não entendem inteiramente a pergunta e se acanham em solicitar esclarecimentos. É freqüente a rispidez, a falta de paciência, compreensível em quem está a presidir inúmeras audiências, tantas vezes com profissionais despreparados e de causas que considera menores para serem submetidas à sua erudição[50].
Recentemente, em junho de 2007, um fato ocorrido em Cascavel – Paraná, causou revolta à população brasileira. A conduta de um Juiz demonstrou uma postura que reflete o antagonismo entre o discurso da igualdade, do amplo acesso ao judiciário e, por outro lado, a realidade vivenciada nos tribunais brasileiros. Uma conduta que apenas reforça a idéias apresenta acima por Jaime Pinsky.
O Juiz do Trabalho, Bento Luiz de Azambuja Moreira, adiou uma audiência com a justificativa de que a parte estava usando chinelo de dedos, afirmando que o calçado era incompatível com a dignidade do Poder Judiciário. Abaixo, segue a transcrição do termo de tal polêmica audiência:
Numeração única: 01468-2007-195-09-00-2
Reclamante: Joanir Pereira
Reclamada: Madeiras J. Bresolin Ltda.
TERMO DE AUDIÊNCIA
Aos treze dias do mês de junho de 2007, às 15:10h, na sala de audiências da 3ª Vara do Trabalho de Cascavel, sob a direção do Juiz do Trabalho Dr. BENTO LUIZ DE AZAMBUJA MOREIRA, foram apregoados os litigantes.
Presente o(a) reclamante, acompanhado(a) de seu(sua) procurador Dr. Olímpio Marcelo Picoli (OAB/TO 3631) .
Presente o(a) reclamado(a), por intermédio do preposto José Orlando Chassot Bresolin, acompanhado(a) de seu(sua) procurador Dr. Heriberto Rodrigues Teixeira (OAB/PR 16184), que junta procuração, carta de preposição e contrato social.
O Juízo deixa registrado que não irá realizar esta audiência, tendo em vista que o reclamante compareceu em Juízo trajando chinelo de dedos, calçado incompatível com a dignidade do Poder Judiciário.
Protestos do reclamante.
Em face da providência, o Juízo designa nova data para instauração do dissídio, dia 14 de agosto de 2007 às 14h30min.
Cientes as partes.
Nada mais.
Audiência encerrada às 16H10h.
E para constar, eu Suzeli Maria Idalgo Becegato, Assistente Administrativo de Sala de Audiências, digitei a presente ata.
BENTO LUIZ DE AZAMBUJA MOREIRA
Juiz do Trabalho
(grifou-se)
Como se pode perceber nesse curioso fato, alguns juristas ainda não se conscientizaram do seu papel frente à sociedade e continuam a agir de forma discriminatória com os cidadãos. Tais juristas parecem não ter a noção do papel que devem desempenhar na sociedade, em busca de redução das contradições sociais e não de sua acentuação. Condutas como essas apenas demonstram que o Direito ainda é visto como uma ciência elitizada, distante da realidade social, o que torna, dessa maneira, a efetivação da justiça um ideal praticamente inalcançável.
3.2 O Direito e a conquista da cidadania
A Constituição Federal Brasileira traz em seu seio uma proposta de democracia social, apresentando como fundamentos, previstos em seu artigo 1º, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.
A Carta Magna preconiza como objetivos da Republica Federativa do Brasil, aclamados em seu artigo 3º, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais; a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Pode-se afirmar que a Constituição Federal atribuiu ao Judiciário uma tarefa sublime e ao mesmo tempo de muita responsabilidade. É como se o constituinte acreditasse na solução judicial dos problemas sociais. Transformou em funções essenciais à Justiça o Ministério Público, a Advocacia e a Defensoria Pública, de forma que o Profissional do Direito, como sujeito de uma profissão essencial à realização da justiça, tornou-se um profissional com ainda mais responsabilidade social quando comparado a outras profissões.
São esses os traços de um autêntico Estado Democrático-Social de Direito, que os juristas, como operadores do Direito, devem buscar efetivar no exercício de suas profissões.
Dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil, caracterizados como princípios fundamentais, destaca-se a cidadania, que, relacionada ao Direito, pode ser considerada instrumento fundamental no processo de superação das desigualdades sociais.
Ao longo dos tempos, muitos foram os conceitos atribuídos ao termo “cidadania”. Etimologicamente, o termo cidadão foi originado na expressão latina civis, traduzido do grego polites, que significa o sócio da polis ou civitas, ou seja da cidade-Estado da Antiguidade Greco-Romana. Eram considerados cidadãos apenas os indivíduos que participavam da gestão da cidade por meio do exercício direto de direitos políticos, sem que houvesse intervenção de representantes.
Tal participação direta na vida política consistia basicamente na votação das leis e no exercício das funções públicas, em especial a judiciária. Esse status de cidadão não era conferido a qualquer indivíduo, apenas aos membros ativos na sociedade, o que excluía os escravos, mulheres, artesãos, estrangeiros e comerciantes[51].
Explica Alexandre Cesar que, durante a Idade Média, o status de cidadão foi substituído por um sistema de relações hierárquicas privadas, características do sistema feudal que, como conseqüência, fez suprimir a cidadania como elemento de liberdade entre os iguais.
Essa visão acerca do status de cidadão só veio a ser modificada com as conquistas revolucionárias, a partir de 1789, concretizadas pelo pensamento liberal-burguês, que buscaram resgatar os espaços de liberdade, antes suprimidos pelo poder do absolutismo monárquico, centralizador do poder político.
Assim, com a vitória do pensamento liberal, por meio das revoluções burguesas, marcantes do cenário político europeu dos séculos XVIII e XIX, a cidadania volta ao primeiro plano. No entanto, agora com certa diferenciação entre os indivíduos, ao ponto de se poder afirmar que suscitou divisão entre direitos civis, inerentes à condição humana, e direitos políticos, atribuídos apenas aos cidadãos, surgindo, nesse cenário, a idéias de participação indireta na gerência do Estado, por meio de representação política.
Com a modificação na estrutura da sociedade, um novo conceito de cidadão foi formulado. No século XVIII, são destacados os direitos civis, caracterizados como aqueles necessários às liberdades individuais como o direito de ir e vir, a liberdade de imprensa, de pensamento e de fé religiosa.
Já no século XIX, ganharam força os direitos políticos, entendidos como o direito de votar e ser votado, ou seja, de participar da vida política. Enquanto que, no século XX, foram materializados os direitos sociais, caracterizados como o direito ao mínimo de bem-estar econômico e segurança, bem como o direito a ter uma vida digna.
Com as conquistas sociais vivenciadas ao longo da história da humanidade, foi-se construindo um conceito de cidadania, com ênfase no aspecto social, definindo-a como um status do ser humano, um direito fundamental dos indivíduos.
Assim, como se pode perceber, a idéia de cidadania é bem mais ampla que o conceito que vem sendo difundido na teoria jurídica brasileira, que restringe a cidadania ao exercício de direitos políticos, aprisionando-a a conceitos reducionistas, como afirma Alexandre Cesar (2002, p. 40):
Destas concepções, podemos concluir que permanece na teoria jurídica dominante no Brasil o conceito de cidadania oriundo das revoluções burguesas, reduzido ao exercício dos direitos políticos dos indivíduos. Tais concepções, presentes no discurso jurídico dominante no Brasil, além de explicitarem um abordagem superficial (...) desnudam também seu caráter eminentemente normativista, calcado numa abordagem pretensamente científica, que acaba por reduzir o conceito de cidadania a uma elaboração meramente jurídica, decorrente dos preceitos constitucionais.
Conceber a cidadania como dimensão ampla de participação social e política e através da qual a reivindicação, o reconhecimento e o exercício dos direitos humanos, instituídos e instituintes, se exteriorizam enquanto processo histórico, busca-se romper com a dicotomia liberal homem/cidadão, através de uma unificação de temáticas que permita pensar os direitos humanos como o núcleo da dimensão da cidadania e o problema de sua (ir) realização com problema relativo à construção da cidadania, numa perspectiva política em sentido amplo [52].
Nessa mesma linha, entende Maria de Lourdes Covre, in verbis:
O que é ser cidadão? Para muita gente, ser cidadão confunde-se com o direito de votar. Mas quem já teve alguma experiência política – no bairro, igreja, escola, sindicato etc. – sabe que o ato de votar não garante nenhuma cidadania, se não vier acompanhado de determinadas condições de nível econômico, político, social e cultural, Podemos afirmar que ser cidadão significa ter direitos e deveres, ser súdito e soberano [53]
Contudo, essas definições recorrentes de cidadania pressupõem o ideal de igualdade entre todos os homens na sociedade, o ideal de que todos são iguais perante a lei, com os mesmos direitos civis e políticos assegurados pela Constituição.
Ocorre que abordar a cidadania e qualificar os indivíduos menos favorecidos como cidadãos implica mudança social. Apresenta-se como algo desafiador e, ao mesmo tempo, utópico, em que se procura romper com sistemas vigentes, idéias pré-concebidas e ideologias impostas.
Igualar os desiguais não é uma tarefa simples. Falar dos excluídos é ter consciência de que estes não conhecem apenas a miséria em seu sentido literal, a miséria em relação à alimentação, mas também vivem a miséria em todos os aspectos sociais, como a falta de acesso à saúde digna, à assistência social, à educação, ao conhecimento de forma geral. São pessoas que, por muitas vezes, nem sequer possuem registro de nascimento, carteira de identidade ou título de eleitor, e estão, por conseguinte, impossibilitados de exercerem a sua própria cidadania.
Tanta discrepância social gera nessas pessoas marginalizadas pela sociedade um sentimento de rejeição e preconceito, revolta e, ao mesmo tempo, conformismo, por acreditarem que essa situação é impossível de ser mudada.
Diante de tanto contraste social, pode-se observar que a história da cidadania está intimamente relacionada à história das lutas pelos direitos humanos. A cidadania é um conceito que está permanentemente em construção e que consiste em um referencial de conquista da humanidade, por meio daqueles que estão sempre em luta pela conquista de direitos, numa incessante busca por uma maior liberdade, melhores garantias individuais e coletivas, sem se conformar com modelos impostos, ideologias impostas, meios de opressão das classes mais privilegiadas.
Pode-se afirmar, assim, que ser cidadão é ter uma visão de si mesmo como sujeito de direitos e obrigações. Ter consciência de seus direitos à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade, enfim, direitos civis, políticos e sociais. O cidadão reconhece-se como peça fundamental no funcionamento da sociedade, possui dignidade e espaço para exercer a sua participação, a sua contribuição.
No entanto, não se pode atribuir apenas direitos ao indivíduo na caracterização da cidadania, tendo em vista que a condição de cidadão também pressupõe deveres ou talvez se possa afirmar mais deveres que obrigações. É de suma importância que o cidadão tenha consciência das suas responsabilidades enquanto parte integrante de um grande e complexo organismo que é a coletividade, a nação, o Estado, para cujo bom funcionamento todos têm de dar sua parcela de contribuição. Somente assim será possível chegar ao objetivo final, coletivo: a justiça em seu sentido mais amplo, ou seja, o bem comum.
A cidadania está intimamente relacionada à democracia, como pode ser percebido nessa expressão: “Cidadania é a expressão concreta do exercício da democracia” (PINSK, 2003, p.10). Sob esse enfoque, para que se possa exercer a democracia em sua plenitude, é imprescindível que o indivíduo tenha alcançado o status de cidadão, tenha condições, mesmo diante de tanta desigualdade social, de exercer a cidadania em todos os sentidos e o mais importante, que tenha atingido um grau de conscientização acerca do seu papel dentro da sociedade.
3.3 O direito e a solução de conflitos sociais
O direito tem sido visto de forma geral como um instrumento para a manutenção da ordem e pacificação social, como uma forma de reprimir os conflitos sociais. Contudo, como se tem entendido nessa pesquisa, o direito transcende a esse reducionismo. Pode-se dizer que o direito é um meio efetivo de se alcançar a paz social, a harmonia e de se buscar a redução das contradições sociais.
A atual experiência mostra que o direito tem sido utilizado como meio de se preservar o status quo vigente, um meio de reprodução da estrutura social vigente. Caractereiza-se por um desvirtuamento do fenômeno jurídico e, conseqüentemente, implica a perpetuação da ideologia da classe social mais favorecida, inculcada na educação e na forma de viver da sociedade. A despeito disso ainda é possível ter alguma esperança de que o direito pode servir às classes menos favorecidas.
E foi esse o objetivo dessa pesquisa: compreender a importância do Direito, materializada na atuação do jurista, como instrumento de superação das contradições sociais, entendendo o direito a partir de uma outra visão, enquanto um fenômeno social, excedendo a perspectiva exclusivamente técnica.
Entende-se, portanto, que a principal função do direito deve ser a de reduzir as contradições sociais, procurando resolver conflitos sociais de forma justa, buscando, assim, a redução das desigualdades, a redução da distância entre os indivíduos integrantes das diversas camadas sociais.
A realidade aponta que o Direito é inerente à sociedade. O homem só pode viver se o fizer por meio de grupos, em sociedade. Da mesma forma, não pode haver sociedade sem direito. O direito existe como necessidade da própria sociedade, de regular as relações existentes, regular o comportamento dos indivíduos e dos grupos.
Nesse sentido, pode-se afirmar que o direito representa um dos meios de resolução de conflitos sociais. Especificamente, o direito apresenta-se como o instrumento mais severo e eficiente de controle social, convocado para atuar sempre que uma conduta extrapole os limites impostos pela própria sociedade, constituindo-se ameaça à harmonia social[54].
O direito pode ser o mecanismo mais eficiente de solução de conflitos, usado aqui a palavra direito num sentido mais amplo e mais elevado que o homem comum pode perceber nele, sem confusão entre direito e meio de protegê-lo, mecanismo estatal de realização. E dizemos que o direito pode ser o mecanismo mais eficiente de solução de conflitos porque, se de um lado o direito nos protege do poder arbitrário, exercido à margem de toda regulamentação, nos salva da maioria caótica e do tirano ditatorial, dá a todos oportunidades iguais e, ao mesmo tempo, ampara os desfavorecidos, por outro lado, é também um instrumento manipulável que frustra as aspirações dos menos privilegiados e permite o uso de técnicas de controle e dominação que, pela sua complexidade, é acessível apenas a uns poucos especialistas (BEZERRA, 2001, p. 42).
Sob essa perspectiva, na tentativa de resolver os conflitos sociais, o direito deve refletir os valores e sentimentos básicos que se buscam preservar dentro do contexto social. Os sentimentos que não podem sofrer afronta sob pena de causar desequilíbrio às relações sociais.
Observa-se, então, que os conflitos sociais existem e não podem ser considerados como enfermidades, antes refletem o próprio modo de ser das sociedades. Assim, pode-se até afirmar que os conflitos sociais são indispensáveis no processo universal de mudança social.
O conflito gera o litígio e este, por sua vez, quebra o equilíbrio e a paz social. A sociedade não tolera o estado litigioso porque necessita de ordem, tranqüilidade, equilíbrio em suas relações. Por isso, tudo faz para evitar ou prevenir o conflito, e aí está a primeira e principal função social do direito – prevenir conflitos: evitar, tanto quanto possível, a colisão de interesses (CAVALIERI, 1987, p. 15)
Por isso, não cabe ao direito abafar os conflitos sociais, ou apenas reprimi-los, o que poderia resultar em agravamento da situação, tornando-os mais violentos. Ao contrário, é função do direito entender os conflitos e procurar uma solução pacífica que atenda às necessidades de todos os grupos sociais.
Para tanto, é preciso repensar o modo como o direito é visto na sociedade. A forma como o direito desde a modernidade até os dias de hoje vem sendo produzido e pensado tem transformado-o em um instrumento de manutenção das desigualdades existentes, num contexto de opressão social.
O direito, muitas vezes, é reduzido à lei, às normas, tornando-se desvinculado da realidade social, servindo, nessa perspectiva, apenas aos interesses elitizados, na tentativa de iludir os menos favorecidos. Tal fenômeno pode ser facilmente identificado quando se analisam as normas programáticas presentes no ordenamento jurídico brasileiro, disposições legais que indicam os fins sociais que devem ser atingidos pelo Estado, tendo em vista a concretização e o cumprimento dos objetivos previstos na Constituição.
Um exemplo bastante elucidativo é o artigo 7º da Constituição Federal Brasileira, que traz à tona os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim (grifou-se).
Tal norma reflete um ideal bastante distante da realidade vivenciada pelo povo brasileiro. Possui apenas uma dimensão ideal e simbólica na tentativa de demonstrar que o Estado Brasileiro tem condições de garantir uma vida digna aos seus cidadãos, fato esse quase impossível de ser concretizado, resultando em ilusão aos menos esclarecidos. A elaboração de normas dessa natureza, idealizadas e de difícil concretização, gera nas camadas populares um sentimento de insatisfação, descrença no Estado e, até mesmo, revolta.
Entre outros motivos existentes, não pode o direito estar reduzido apenas à lei, ao legalismo. Apesar de a lei ser um artefato poderoso nesse processo, o direito deve ser visto de forma mais abrangente, de forma humanizada, a fim de atender os anseios humanos sociais. O direito deve ir além do dogma, deve buscar reduzir o abismo entre as classes sociais existentes, deve, enfim, promover a própra humanidade do homem. Delineado dessa forma, o direito passa a ser o tão almejado “direito transformador” da realidade social.
A questão então não é promulgar um sem número de leis, e sim fazer-se com que seu alcance seja efetivamente o seio da comunidade e de forma mais justa possível. Se o processo em si, e a conduta de seus aplicadores, (advogado, juiz, promotor, serventuário) é pautada pela lei, no plano de realização do direito, então é através da lei que se inicia o processo de distribuição de justiça[55] (BEZERRA, 2001, p. 93).
A edição de inúmeras leis na tentativa de se resolver os problemas existentes no seio da sociedade acaba por resultar em certa depreciação do Poder Normativo. Muitas leis sequer são conhecidas pelos cidadãos, principalmente pelos menos favorecidos, além de existirem inúmeras leis que se contradizem entre si ou até mesmo que não são aplicadas por não terem aceitação social.
É importante insistir que a norma deve estar em conexão com a realidade dos fatos, sempre relacionada ao ponto gerador de sua elaboração, o fato social. Caso contrário, não haverá razão para a sua existência. Como defende Bezerra (2001, p. 97): “a lei que vai ser aplicada no seio social deve ser o principal veículo de efetiva democratização social, de eliminação das desigualdades e injustiças sociais”.
Com essa visão, todavia, não se pretende apontar o direito como a única forma de solução dos conflitos sociais. Sabe-se que os costumes, as normas de natureza religiosa e moral, a cultura, de forma geral, também proporcionam uma certa organização de interesses conflitantes, resultando, em alguma medida, numa pacificação social.
Contudo, o direito pode ser considerado uma das ferramentas mais importantes na solução de um dos principais conflitos sociais existentes: a exclusão social. Mas, para atingir esse objetivo tão complexo, é indispensável que haja compromisso ético por parte dos juristas na aplicação do direito.
Sendo assim, o objetivo primordial do direito deve ser a garantia da paz e do equilíbrio das relações entre os indivíduos, a fim de evitar os conflitos sociais e, conseqüentemente, promover o desenvolvimento da sociedade com a redução das contradições sociais existentes, bem como a afirmação do prórpio homem.
O direito só poderá atingir essa finalidade quando for utilizado de forma “justa”. Entenda-se essa forma justa como uma atuação consciente por parte dos juristas, como afirma Paulo Bezerra: “O direito é algo construído, algo impensável e irrealizável sem o homem que o produz e o aplica, que dele se utiliza e a quem deve servir” (BEZERRA, 2001, p. 44).
Dentre as várias formas de conceber o direito, está o enfoque sociológico, que se buscou destacar neste trabalho. Pôde-se perceber que analisar o Direito além da perspectiva técnica e do legalismo representa um desafio ao jurista nos dias de hoje.
O Direito, por ter sua origem nos anseios da sociedade, deveria refletir os ideais das classes sociais existentes. No entanto, percebe-se que, ao longo da história, apesar de camuflado pela idéia de ser uma ciência neutra, o direito tem sido utilizado como instrumento de dominação de uma classe minoritária que exerce o poder na sociedade, perpetuando a sua ideologia por meio do sistema jurídico.
Tal prática, muitas vezes perpetuada inconscientemente pelos operadores do Direito, constitui-se em uma forma de legitimar as forças dominantes e a estrutura social de exploração vigente, reforçando as contradições sociais existentes.
Assim, tornou-se essencial analisar o papel do jurista nesse processo de transformação social. Pôde-se constatar que a conscientização é a principal arma de que o jurista deve munir-se, a fim de compreender o seu papel na sociedade. Percebendo a necessidade de se adotar uma postura crítica, de inconformidade frente aos problemas sociais existentes e valer-se das brechas da lei, com o propósito de buscar a finalidade social do Direito, interpretando-o, quando lhe for possível, em favor das classes menos privilegiadas para, com isso, combater a ordem existente e buscar a redução do abismo existente entre os indivíduos.
No entanto, adotar essa postura não é uma tarefa simples, significa confrontar interesses. Contudo, apesar de árdua, esse deve ser o objetivo de todo jurista, tendo em vista que manter a idéia de neutralidade por parte dos operadores do direito apenas contribui para a manutenção do sistema de poder vigente.
Dessa forma, constatou-se que não se trata de utopia considerar o direito como um alicerce de superação das contradições sociais. O direito pode e deve exercer uma finalidade social, deve ter a função, não de reproduzir a ideologia da classe dominante por meio de leis opressoras e discriminatórias, mas a de reduzir as desigualdades sociais, de buscar uma sociedade mais igualitária, buscando resolução dos conflitos existentes na sociedade de forma justa. Para tanto, é preciso gerar conscientização no meio jurídico e compromisso por parte dos juristas a fim de que realmente se possa afirmar que a utopia transformou-se em realidade.
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[1] Enciclopédia Saraiva do Direito/coordenação do Prof. R. Limongi. França. São Paulo: Saraiva, 1977. P. 59.
[2] VENOSA, Sílvio de Salvo. Introdução ao estudo do direito: primeiras linhas. São Paulo: Atlas, 2004. P. 30.
[3] KAPLAN, Marcos T. Formação do Estado nacional da América Latina, Rio de Janeiro, Eldorado, 1974, p.9-41
[4] MORTATI 1969 apud BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade: para uma teoria geral da política. 13ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007.
[5] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Sociologia Jurídica: você conhece? 8ª Ed. Rio de Janeiro: Forense 2000. P.2.
[6] Heráclito de Éfeso (datas aproximadas: 540 a.C. - 470 a.C. em Éfeso, na Jônia) foi um filósofo pré-socrático, recebeu o cognome de "pai da dialética". Problematiza a questão do devir (mudança). Sócrates (470–399 a.C.) foi um filósofo ateniense e um dos mais importantes ícones da tradição filosófica ocidental e um dos fundadores da atual Filosofia Ocidental, conhecido pela famosa expressão “só sei que nada sei”. Platão de Atenas (428/27–347 a.C.) foi um filósofo grego, discípulo de Sócrates, fundador da Academia e mestre de Aristóteles. Em linhas gerais, Platão desenvolveu a noção de que o homem está em contato permanente com dois tipos de realidade: a inteligível e a sensível. Obra do autor relacionada ao Direito A República, nela o autor aborda vários temas, mas todos subordinados à questão central da justiça. Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) Filósofo grego, discípulo de Platão e preceptor de Alexandre, o Grande, é considerado um dos maiores pensadores de todos os tempos e criador do pensamento lógico. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Her%C3%A1clito. Acesso em 06 NOV. 2008.
[7] Moiséis profeta israelita da Bíblia Hebraica. De acordo com a tradição judaico-cristã, Moisés foi o autor dos 5 primeiros livros do Antigo Testamento (veja também Pentateuco). É encarado pelos judeus como o seu principal legislador e um de seus principais líderes religiosos. Para os muçulmanos, Moisés foi um grande profeta. Hamurabi: nascido supostamente por volta de 1810 a.C. e falecido em 1750 a.C., foi o sexto rei da primeira dinastia babilônica. Tornou-se famoso por ter mandado compilar o mais antigo código de leis escritas, conhecido como Código de Hamurabi no qual consolidou uma legislação pré-existente, transcrevendo-a numa estela de diorito em três alfabetos distintos. Manu (da raiz verbal homem em sânscrito) na mitologia Hindu é o filho de Svayambhuva, pai e marido de Ila. Na Teosofia os Manus não são homens, mas um coletivo. Eles são considerados os "pais da humanidade". São um nome genérico para os Pitris, os progenitores da humanidade. Sólon foi um poeta e legislador ateniense que em 594 a.C. iniciou uma reforma onde as estruturas social,política e econômica da pólis ateniense foram alteradas. Na sua reforma, Sólon proibiu a hipoteca da terra e a escravidão por endividamento através da chamada lei Seixatéia, dividiu a sociedade pelo critério censitário (pela renda anual) e criou o tribunal de justiça. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Moises. Acesso em 06 NOV. 2008.
[8] Hugo Grotius (Delft, 10 de abril de 1583 — Rostock, 28 de agosto de 1645) foi um jurista a serviço da República dos Países Baixos. É considerado o precursor, junto com Francisco de Vitória, do Direito internacional, baseadondo-se no Direito natural. Foi também filósofo, dramaturgo, poeta e um grande nome da apologética cristã. Algumas obras: De republica emendanda, 1601, Parallelon rerumpublicarum, 1602, De iure praedae (que inclui Mare liberum), 1604, De antiquitate reipublicae Batavicae, 1610, De iure belli ac pacis, 1625, no Brasil, teve publicada a obra "O Direito da Guerra e da Paz" (Unijuí, coleção "Clássicos do Direito Internacional", 2004). Thomas Hobbes (Malmesbury, 5 de abril de 1588 – Hardwick Hall, 1 de dezembro de 1674) foi um matemático, teórico político, e filósofo inglês, autor de Leviatã (1651) e Do cidadão (1651). Thomas Hobbes defendia a idéia segundo a qual os homens só podem viver em paz se concordarem em submeter-se a um poder absoluto e centralizado. John Locke (29 de Agosto de 1632 — 28 de Outubro de 1704) foi um filósofo inglês. Pai do Liberalismo e do individualismo liberal; a principal obra, Ensaio sobre o entendimento humano (1690), propõe que a experiência é a fonte do conhecimento, que depois se desenvolve por esforço da razão. Locke é considerado o protagonista do empirismo. Charles de Montesquieu, senhor de La Brède ou barão de Montesquieu (castelo de La Brède, próximo a Bordéus, 18 de Janeiro de 1689 — Paris, 10 de Fevereiro de 1755), foi um político, filósofo e escritor francês. Ficou famoso pela sua Teoria da Separação dos Poderes, atualmente consagrada em muitas das modernas constituições internacionais. Principais obras do autor: Cartas persas (1721), Considerações sobre as causas da grandeza dos romanos e de sua decadência (1734) e O Espírito das leis (1748), a sua mais famosa obra. Jean-Jacques Rousseau (Genebra, 28 de Junho de 1712 — Ermenonville, 2 de Julho de 1778) foi um filósofo suíço, escritor, teórico político e um compositor musical autodidata, sua principal obra relacionada ao Direito é “O Contrato Social”. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean-Jacques_Rousseau. Acesso em 06 NOV. 2008.
[9] WOLKMER, Antônio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. 3ª ed. revista e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. P. 158.
[10] VENOSA, Sílvio de Salvo. Introdução ao estudo do direito: primeiras linhas. São Paulo: Atlas, 2004. P. 61.
[11] Karl Heinrich Marx (1818 - 1883). fundador de uma das grandes teorias que iria influenciar os séculos dezenove e vinte, intelectual alemão, economista, sendo considerado um dos fundadores da Sociologia e militante da Primeira e Segunda Internacional. Principais obras: Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (1844) , O Capital. Outros textos foram publicados por Karl Kautsky, A Ideologia Alemã, 1845-46; Manifesto do Partido Comunista, 1848. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Karl_Marx. Acessado em Acesso em 07 NOV. 2008.
[12] Friedrich Engels(1820-1895): Filósofo alemão que, junto com Marx, fundou o chamado socialismo cinetífico ou marxismo. Co-autor de diversas obras com Marx, entre elas: Manifesto Comunista e o Capital. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Friedrich_Engels. Acesso em 06. NOV. 2008.
[13] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Sociologia Jurídica: você conhece? 8ª Ed. Rio de Janeiro: Forense 2000. P. 7.
[14] Émile Durkheim (1858-1917) é considerado um dos pais da sociologia moderna. Foi o fundador da escola francesa de sociologia, posterior a Mafuso, que combinava a pesquisa empírica com a teoria sociológica. Principais obras: Da divisão social do trabalho (1893); Regras do método sociológico (1895); O suicídio (1897); As formas elementares de vida religiosa (1912). Pierre Marie Nicolas Léon Duguit (1859-1928) foi um jurista francês especializado em direito público. Algumas obras L'État, le droit objectif et la loi positive, Traité de droit constitutionnel (1911), Les transformations générales du droit public (1913).
[15] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Sociologia Jurídica: você conhece? 8ª Ed. Rio de Janeiro: Forense 2000. P. 8.
[16] WOLKMER, Antônio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. 3ª ed. revista e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. P. 95.
[17] CHAUÍ, Marilena de Souza. O que é ideologia. 2a ed., rev. e ampl. São Paulo: Brasiliense, 2001. P. 17.
[18] CHAUÍ, Marilena de Souza. O que é ideologia. 2a ed., rev. e ampl. São Paulo: Brasiliense, 2001. P. 52
[19] CHAUÍ, Marilena de Souza. O que é ideologia. 2a ed., rev. e ampl. São Paulo: Brasiliense, 2001. P. 76
[20] CHAUÍ, Marilena de Souza. O que é ideologia. 2a ed., rev. e ampl. São Paulo: Brasiliense, 2001. P. 84
[21] WOLKMER, Antônio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. 3ª ed. revista e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. P. 151.
[22] WOLKMER, Antônio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. 3ª ed. revista e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. P. 152.
[23] FETSCHER 1970 apud WOLKMER, Antônio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. 3ª ed. revista e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. P. 153.
[24] MARTINS, José Renato Silva. O Dogma da Neutralidade Judicial. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. P. 69.
[25] HERKENHOFF, João Baptista. Direito e Utopia. 3ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. P. 58.
[26] GADOTTI, Moacir. Educação e Poder: introdução à pedagogia do conflito. São Paulo:Cortez, 2003. P. 32.
[27] HERKENHOFF, João Baptista. Direito e Utopia. 3ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. P. 59.
[28] HERKENHOFF, João Baptista. Direito e Utopia. 3ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. P. 58.
[29] HERKENHOFF, João Baptista. Direito e Utopia. 3ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. P. 60.
[30] HERKENHOFF, João Baptista. Direito e Utopia. 3ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. P.93.
[31] HERKENHOFF, João Baptista. Direito e Utopia. 3ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. P. 65-66.
[32] VELHO, Otávio Guilherme C. A. Estrutura de Classes e Estratificação Social. 9ª ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. P. 85-86.
[33] SANTOS, Theotônio dos. Conceito de Classes Sociais. Rio de Janeiro: Vozes, 1982. P. 8.
[34] SANTOS, Theotônio dos. Conceito de Classes Sociais. Rio de Janeiro: Vozes, 1982. P. 31.
[35] SANTOS, Theotônio dos. Conceito de Classes Sociais. Rio de Janeiro: Vozes, 1982. P. 38.
[36] FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. P. 48.
[37] MARX apud BITTAR, Eduardo Carlos Bianca; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2005. P. 311-312.
[38] FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. P. 92.
[39] C. Baudelot e R. Satblet apud SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. São Paulo: Autores Associados, 2001. A teoria da escola dualista está exposta no livro “L’école Capitaliste em France” (1971), dos autores citados. A missão da escola dentro dessa teoria é impedir o desenvolvimento da ideologia do proletariado e a luta revolucionária.
[40] MACHADO, Antônio Alberto. Ensino jurídico e mudança social. São Paulo: UNESP, 2005.
[41] MACHADO, Antônio Alberto. Ensino jurídico e mudança social. São Paulo: UNESP, 2005. P. 82-84.
[42] MACHADO, Antônio Alberto. Ensino jurídico e mudança social. São Paulo: UNESP, 2005. P. 91.
[43] MACHADO, Antônio Alberto. Ensino jurídico e mudança social. São Paulo: UNESP, 2005. P. 93.
[44] MACHADO, Antônio Alberto. Ensino jurídico e mudança social. São Paulo: UNESP, 2005. P. 99.
[45] VILA NOVA, Sebastião. Ciência Social: humanismo ou técnica? Ensaios sobre problemas de teoria, pesquisa e planejamento social. Petrópolis: Vozes, 1985. P. 17.
[46] VILA NOVA, Sebastião. Ciência Social: humanismo ou técnica? Ensaios sobre problemas de teoria, pesquisa e planejamento social. Petrópolis: Vozes, 1985. P. 27.
[47] MACHADO, Antônio Alberto. Ensino jurídico e mudança social. São Paulo: UNESP, 2005. P. 106.
[48] MACHADO, Antônio Alberto. Ensino jurídico e mudança social. São Paulo: UNESP, 2005. P. 108.
[49] BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Acesso à Justiça: um problema ético-social no plano da realização do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 53.
[50] PINSKY, Jaime. Práticas de cidadania. São Paulo: Contexto, 2004, p. 15.
[51] CESAR, Alexandre. Acesso à Justiça e Cidadania. Cuiabá: EdUFMT, 2002. P. 17-21.
[52] ANDRADE, Vera Regina Pereira de. “Cidadania e Democracia: repensando as condições de possibilidade da democracia no Brasil a partir da cidadania”. In: Revista Jurídica UNOESC, n.01. Chapecó: UNOESC, 1990, p. 12.
[53] COVRE, Maria de Lourdes Manzini. O que é cidadania. São Paulo: Brasiliense, 2003, p. 8-9.
[54] BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Acesso à Justiça: um problema ético-social no plano da realização do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 41-42.
Servidora Pública do Governo do Distrito Federal, Bacharel em Direito pelo Centro de Ensino Unificado do Distrito Federal e licenciada em Letras pela Faculdade Planalto.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MEDEIROS, Kalilah Pereira Guedes. Utopia ou realidade: O Direito como alicerce de superação das contradições sociais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 dez 2009, 09:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Monografias-TCC-Teses-E-Book/19049/utopia-ou-realidade-o-direito-como-alicerce-de-superacao-das-contradicoes-sociais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Antonio Augusto Vilela
Por: Rafael Victor Pinto e Silva
Por: William Paul
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