P A R E C E R
Assunto: Aposentadoria do Servidor Policial Civil com requisitos diferenciados, cômputo do tempo de exercício de cargos comissionados e funções gratificadas.
Ementa: O EXERCÍCIO DE CARGOS COMISSIONADOS, FUNÇÕES GRATIFICADAS E ASSESSORIAS, DESTINADOS À GESTÃO E ENSINO DA INSTITUIÇÃO POLICIAL CONSTITUI EXERCÍCIO DO CARGO DE NATUREZA ESTRITAMENTE POLICIAL EXIGIDO PELO ARTIGO 1º DA LEI COMPLEMENTAR Nº 51/65 E NÃO PODE AFASTAR O SERVIDOR DAS PRERROGATIVAS E DOS DIREITOS INERENTES AO CARGO POLICIAL QUE OCUPA.
Cuida-se de consulta formulada pelo Senhor Presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Distrito Federal – SINDEPO sobre exigências feitas pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal em processos de aposentadorias concedidas pela Polícia Civil do Distrito Federal a servidores policiais civis.
DOS FATOS
Informa o consulente que o Tribunal de Contas do Distrito Federal tem encaminhado de volta à Polícia Civil do Distrito Federal processos referentes a aposentadorias de Policiais Civis, para cumprimento de exigências que entende necessárias à viabilização do registro, ato de competência daquela Corte de Contas.
Consta que as exigências são, em sua maioria, relacionadas ao exercício de Funções Gratificadas e Assessorias, especialmente àquelas direcionadas à gestão e ao ensino no âmbito da Instituição Policial Instituição Policial e de organismos que compõem o sistema de segurança pública, o que têm causado surpresa e grande inquietação nos servidores da Polícia Civil, principalmente por se tratar de discussão nova que afeta diretamente a aposentadoria diferenciada assegurada aos servidores policiais.
Informa por fim, que a exigência alcança grande número de servidores que estão e estiveram designados para as funções durante suas carreiras, circunstâncias que resultam do rodízio continuo ocorrido na lotação e designação dos servidores para as funções gratificadas no interesse da Administração. O número de servidores afetados é grande porque, em algum momento da carreira muitos estiveram lotados e/ou exercendo Funções Gratificadas em Divisões ou Seções de Gestão, de Apoio Administrativo ou ainda em Assessorias.
DAS CONSIDERAÇÕES FÁTICAS
À evidência, as diligências desenvolvidas pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal são voltadas ao controle das atividades dos servidores policiais civis e tem por finalidade esclarecer se o exercício das funções que enumera em cada processo constitui ou não exercício de cargo de natureza estritamente policial, conforme exigido pela Lei Complementar nº 51/85.
Em termos práticos, a comprovação do exercício do cargo de natureza estritamente policial, mormente aqueles exercidos no âmbito da Instituição, como o caso dos chefes de Divisões e de Seções de Apoio Administrativo e Assessorias existentes em todas as Unidades que compõem o seu Organograma ou mesmo aqueles disponibilizados aos organismos que compõem o sistema de Segurança Pública, carece de maior conhecimento do funcionamento das Instituições policiais e de cada órgão que as compõe.
Neste aspecto faz-se necessário demonstrar àquela Corte de Contas, na prática, o funcionamento da Instituição policial civil e de suas unidades, quando então se concluirá que todas as funções, mesmo aquelas típicas de gestão e ensino, se convergem e estão diretamente envolvidas com as atividades investigativas, não havendo falar em atividades meio e fim.
No Órgão policial e no sistema macro de segurança pública o exercício próprio da atividade policial, envolve todo o organograma e todos os servidores policiais disponíveis, estejam lotados onde estiverem. Todo o efetivo da Instituição, aí incluídos os Diretores de Divisão, Chefes de Seção e Assessores está sempre à disposição da Direção-Geral para diligências policiais, sejam elas ordinárias, complementares ou operações policiais extraordinárias, portanto, envolvidas com as cautelas e riscos imanentes à atividade, conforme se passa a demonstrar.
A atividade de Segurança Pública é especial por natureza. A própria Constituição da República, que destinou o Capítulo III do Título V para tratar da matéria, fez exigência expressa de legislação especifica para disciplinar o funcionamento das instituições de segurança pública (art. 144, § 7º), tudo para atender às suas especificidades e garantir a eficiência de seus serviços.
As instituições policiais, por se tratarem de órgãos de força, armados, funcionam com regimes jurídicos especiais, alicerçadas em regimes rígidos de formação, hierarquia e disciplina, com sistemas disciplinares diferenciados dos demais servidores públicos, ainda com regime de lotação e horários diversificados, sistema de plantões e operações extraordinárias, para atender a contento suas finalidades.
Na esteira do que exige a Constituição e a Lei nº 4.878/65, regime jurídico próprio do servidor policial, a Polícia Civil do Distrito Federal foi estruturada em organograma desenhado para sustentação de todas as suas atividades, sendo que todas as funções que o compõe mantêm relação direta com as atividades policiais, razão pela qual suas funções gratificadas são formalmente correlacionadas, por lei, com os cargos policiais efetivos.
Tudo em um órgão policial demanda segurança. No ambiente policial, em qualquer unidade, são armazenadas e conduzidas informações e dados de pessoas, armamentos, munições, pessoas presas, vestígios de toda natureza, inclusive drogas. Todo esse material é manejado, transportado e controlado pelas Seções de Apoio Administrativo, razão pela qual suas chefias também são correlacionadas e ocupadas por Servidores Policiais.
A título de exemplo, o servidor da Divisão de Material guarda e distribui armas, coletes, munições etc.; a Divisão de Informática é responsável pela guarda e disponibilização dos dados de qualificação e de vida pregressa de pessoas, com o devido controle; o Assessor de qualquer dos Departamentos auxilia o diretor na elaboração das operações, na escolha das condições estratégicas para sua consecução, elabora escalas, convoca servidores, participa ativamente do planejamento da operação; o Chefe da Seção de Apoio Administrativo, seleciona e controla as representações criminais, conduz drogas e outros vestígios de prova de qualquer natureza, conduz presos aos Institutos periciais para exame e também distribui materiais também controlados em suas unidades; a Divisão de Recursos Humanos, da mesma forma cuida dos recursos pessoais, formando-os em conjunto com a Academia de Polícia, fazendo a triagem curricular de acordo com o interesse institucional, controlando e preservando os dados pessoais dos servidores para evitar contra informação etc. Todas as atribuições acima exigem sempre manuseio por pessoa formada, disciplinada e controlada para a atividade policial, inclusive com regras rígidas de disciplina, para o resguardo das informações e dos sigilos necessários.
O servidor policial, por estar lotado ou chefiando Divisões ou Seções administrativas não perde as prerrogativas, direitos e deveres inerentes ao cargo de natureza policial que ocupa. Está sempre a disposição para complementar equipes de investigação e sempre desenvolvendo funções de natureza policial na condução de presos, de material de alta sensibilidade, transporte de vestígios de prova ou inquéritos de risco à Justiça ou à outra unidade policial, o que exige segurança armada, por questões óbvias, sob pena de arrebatamentos ou desaparecimento de provas ou documentos.
Todas as atribuições acima são afetas aos cargos de natureza policial e exigem ser executadas por servidores com formação e disciplina próprias. É para isto que são orientados a sempre portarem armas e rádios de comunicação para as ações imediatas exigidas a todo o momento em qualquer unidade policial. A atividade policial necessita demonstrar força até mesmo para desestimular a reação e não necessitar usá-la.
Uma operação de investigação policial necessita de grande aparato de recursos materiais e pessoais, com qualificação e preparo para sua organização e outro ainda maior para execução. Para resguardo do sigilo necessário ao sucesso da operação, na maioria dos casos, os policiais executores da missão são comunicados e convocados na data da realização, por vezes próximo à hora do início. Há casos em que todo o efetivo disponível da unidade participa de operações.
De outro lado, a própria realidade de efetivo hoje vivida pela Polícia Civil do Distrito Federal explica por si a dúvida levantada pelo Tribunal de Contas. A Polícia Civil tem envidado esforços hercúleos para o cumprimento do seu mister com o efetivo a ela disponível. Está sendo gerida com o efetivo criado em 1993 (Lei federal nº 8.674/1993), ainda incompleto, utilizando todo o seu efetivo no cumprimento de sua missão constitucional, não podendo de forma alguma ver seus quadros divididos em servidor de atividade meio e de atividade fim.
Para quem conhece a Instituição sabe que existem Delegacias funcionando com menos de 50 servidores, incluindo os chefes de seção. Descontando o plantão que demanda no mínimo 24 servidores, e ainda as ausências previstas e imprevistas, férias e licenças, fica claro que delegacias estão investigando e cumprindo as ordens judiciais com efetivo aquém do mínimo possível, não podendo criar a figura do servidor administrativo, sob pena de não mais desempenhar a contento sua missão.
Como já referido, todas as diligências da atividade policial são vinculadas e devem ser realizadas por servidor qualificado, o Policial Civil. As funções investigativas e de polícia judiciária não podem ser delegadas sob pena de viciar a prova constituída ou até mesmo toda a investigação.
É de domínio público o recente episódio ocorrido na Polícia Federal em razão do envolvimento de pessoas estranhas em operação de investigação daquela Instituição, a denominada “satiagraha”, fato que foi suficiente para conduzir à anulação de toda a investigação pelo Superior Tribunal de Justiça.
Conclui-se diante de todo o exposto que, de fato, nas Instituições Policiais não existem atividades meio e fim. Todas as atividades, inclusive as de gestão, estão sempre envolvidas e comprometidas com as diversas atividades desenvolvidas pela Polícia para o cumprimento de seu mister, que é vinculado por sua própria natureza. Os ocupantes das funções gratificadas também estão imbuídos de atribuições e responsabilidade de natureza policial e são considerados por lei, funcionários policiais (art. 2º, parágrafo único da Lei nº 4.878/65). Além disto, como visto acima todos os servidores policiais, incluídos os exercentes de funções gratificadas, estão sempre envolvidos nas diversas diligências policiais, principalmente aquelas imprevistas ou que podem por em risco a missão ou os servidores nela envolvidos.
DAS CONSIDERAÇÕES JURÍDICAS
As prerrogativas e direitos do servidor policial civil, imprescindíveis ao exercício da função policial, decorrem da investidura no cargo efetivo e estão previstas em lei. A lotação ou nomeação para cargos comissionados ou gratificados componentes da própria Instituição Policial não pode mitigar esses direitos e prerrogativas, sob pena do afastamento do servidor das funções de seu cargo, o que não pode ocorrer sem a justificativa fática e legal.
Com o devido respeito, em nenhum momento a lei complementar que rege a aposentadoria do funcionário policial faz referência às atividades exercidas. Ela exige tão somente o exercício do cargo de natureza policial. O interprete deve se ater à letra da lei, extraindo dali sua inteligência sem dar sentido extensivo aos seus termos. Vamos à letra do artigo 1º da Lei Complementar nº 51/85, que transcrevo.
Art.1º - O funcionário policial será aposentado:
I - voluntariamente, com proveitos integrais, após 30 (trinta) anos de serviço, desde que conte, pelo menos 20 (vinte) anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial; (grifei)
(...)
Não se pode dar à letra da Lei interpretação extensiva. Resta evidente que o legislador quis a aposentação diferenciada para o servidor que exerça cargo de natureza estritamente policial, não exigindo em momento algum o exercício de atividade estritamente policial. E a diferença do tratamento se explica porque o exercício do cargo de natureza policial é diferente dos demais, é impar. O risco a que está sujeito o servidor policial não decorre do exercício em si durante a realização da atividade, decorre da investidura, da ocupação do cargo, do ser policial.
O servidor policial, indiferente da função que esteja exercendo, corre risco por portar arma, carteira funcional, que é imanente ao exercício do cargo, não estando necessariamente pendente do exercício de uma ou de outra atividade no âmbito da Instituição. Repito, para o policial o risco tem início quando da investidura no cargo de natureza policial, pelo fato de ser policial, portar compulsoriamente arma de fogo e pelo fato de ter de agir diante de fato delituoso. Mais ainda, a natureza do cargo policial impõe-lhe o risco de morte diuturno.
O exemplo disso se reflete no comando insculpido no art. 11, da citada Lei 4.778/65, que determina, in verbis:
Art. 11. O funcionário policial não poderá afastar-se de sua repartição para ter exercício em outra ou prestar serviços ao Poder Legislativo ou a qualquer Estado da Federação, salvo quando se tratar de atribuição inerente à do seu cargo efetivo e mediante expressa autorização do Presidente da República ou do Prefeito do Distrito Federal, quando integrante da Polícia do Distrito Federal.
Não se pode confundir a condição do servidor policial com a do servidor público ou trabalhador comum. Estes, quando exercem reiteradamente alguma atividade que lhe traga risco à saúde ou à sua integridade física, correm risco durante o exercício da atribuição. No caso do servidor ou trabalhador comum, o risco é inerente ao exercício de determinada atividade perigosa ou insalubre, necessária ao serviço do órgão que atua. Em suma, o risco advém do exercício de atividade que lhe imponha risco por determinado período de tempo.
No caso do policial o risco independe da atividade que esteja exercendo no âmbito da Instituição ou de qualquer organismo que compõem o sistema de segurança pública. Primeiro, como já dito, o risco advém do simples fato de ser policial, portar compulsoriamente arma de fogo e ser obrigado a agir a qualquer momento ao presenciar fato delituoso. Segundo, pela necessidade que tem a Administração Policial de realizar inúmeras atividades que completam o serviço de investigação criminal ou de polícia judiciária.
Tanto é verdade que o risco acompanha o policial mesmo em seus momentos de folga, que a Lei lhe concede o porte de arma de fogo mesmo fora de serviço e o servidor é orientado pela Instituição a andar sempre armado, nunca desprevenido, exatamente para proteção do risco permanente a que está sujeito.
Até mesmo os servidores policiais que se aposentam guardam em suas mentes as intensas lembranças dos inúmeros confrontos e prisões que realizaram. Dessas ações na defesa da sociedade, além das inquestionáveis seqüelas psicológicas, resta sempre a preocupação de se deparar com algum dos infratores que combateu (são muitos), pois desse encontro fortuito pode resultar grave comprometimento à sua integridade física ou daquele que lhe está próximo, na maioria dos casos um amigo ou ente querido.
O risco transcende o exercício do cargo, perseguindo o servidor até mesmo na inatividade, motivo porque o legislador lhe conferiu a autorização para portar arma de fogo após a aposentadoria, fato que deixa evidente que o risco para o servidor policial não advém da atividade em si, mas do cargo policial que ocupa.
Reforçam sobremaneira as assertivas acima, o fato de a própria Lei de regência ter previsto a contagem do tempo de freqüência do curso de formação na Academia de Polícia como atividade policial, para fins de aposentadoria (art. 12 da Lei nº 4.878/65). Se o legislador, conhecedor da especificidade da atividade policial, entendeu que o tempo de estudo em estabelecimento policial constitui tempo de natureza estritamente policial, certamente não lhe faltou à certeza de que, os policiais, professores, instrutores e funcionários da Casa de Ensino Policial não estão afastados do exercício de cargos de natureza estritamente policial.
Perguntaria: qual a natureza das atividades do aluno do curso policial? Certamente não teria resposta porque a atividade é simplesmente escolar, mas a inteligência do dispositivo citado, assim como a do artigo 1º da Lei Complementar nº 51/85, entendeu que o risco não está na atividade e sim na condição singular que envolve o ambiente policial desde o curso de formação, que é o primeiro contato do candidato com o Órgão.
Não é à-toa que todo o arcabouço jurídico tratou de vincular o servidor, mesmo àquele que exerce função gratificada, à função de natureza policial. O regimento jurídico dos servidores Policiais Civis do Distrito Federal determinou expressamente que todo o servidor que exerça funções gratificadas com atribuições e responsabilidades de natureza policial é considerado funcionário policial (art. 2º, parágrafo único da Lei 4.878/65).
Por seu turno a legislação que estruturou a Polícia Civil do Distrito Federal (Lei Distrital nº 2.835/2001 modificada pelas Leis também Distritais nº 3.100/2002 e 3.656/2005 e Decretos Distritais posteriores, editados com força de lei, autorizados pela Lei distrital nº 2.299, art. 3º, inciso III), cuidou de correlacionar os cargos comissionados e funções gratificadas componentes da estrutura administrativa da Instituição com os cargos policiais, conferindo a eles exatamente o que exigiu a lei de regência, a atribuição e a responsabilidade de natureza policial.
E o fez para que todo o efetivo, incluídos os ocupantes de funções gratificadas, esteja disponível e comprometido com as atividades ali desenvolvidas realizando quaisquer diligências policiais, evitando por em risco servidores estranhos ao meio policial e afastando os riscos de mácula no conteúdo das investigações.
Com efeito, todos os demais organismos que compõe a segurança pública, em especial a própria Secretaria de Estado de Segurança Pública e todo o sistema prisional, têm a mesma ambiência de risco da própria polícia, primeiro por lidar com questões criminais de ordem preventiva e repressiva e, segundo, por serem constituídos de servidores policiais de todas as forças, haja vista que ambos não detêm quadro funcional.
Não se tem conhecimento na história das Polícias de supressão de prerrogativas e mitigação de direitos de servidores policiais em razão do exercício de funções gratificadas, principalmente quando exercidas no âmbito das próprias Instituições que pertencem. Seria incongruente a mesma Administração que exige que as funções gratificadas sejam exercidas privativamente por membros seus (correlação formal), designá-los para exercê-las e ao fim mitigar direitos deles em razão do exercício das funções.
Não é dado ao administrado levantar dúvidas ou rejeitar comandos legais e atos emanados do Estado, que goza do princípio da legalidade. Se o Estado criou os cargos, os correlacionou com os respectivos cargos efetivos e designou o servidor para exercê-los, resta a ele cumprir, não podendo daí acarretar a mitigação de direitos e prerrogativas.
Não há de outra sorte notícia de que o exercício de funções gratificadas no próprio órgão de vinculo afaste o servidor das prerrogativas, direitos e deveres funcionais inerentes aos seus cargos efetivos. Membros da Magistratura e do Ministério Público exercem, também pontualmente, cargos administrativos e assessorias em seus respectivos Tribunais e Procuradorias e até nos Conselhos Nacionais respectivos sem se afastarem de suas prerrogativas, deveres e direitos.
Desde a vigência da Lei Complementar nº 51/85, há quase três décadas, nenhuma das Cortes de Contas do Distrito Federal ou da União – que registra as aposentadorias dos servidores da Polícia Federal - aplicaram interpretações diversas quanto à contagem do tempo de aposentadoria dos servidores policiais, mantendo até o momento o entendimento de que a investidura no cargo de natureza policial e o exercício de suas funções preenchem os requisitos para a aposentadoria diferenciada a eles assegurada.
A despeito, não se conhece também jurisprudência sobre o tema, quem sabe pela ausência de discussão diante do entendimento pacífico mantido pela Administração e pelos Órgãos de fiscalização durante décadas. Em casos semelhantes, entretanto, no caso dos professores que têm garantia constitucional de aposentadoria especial, já existem pronunciamentos dos Tribunais a respeito, inclusive da Suprema Corte, no sentido que a função de magistério não se circunscreve à sala de aula, abrange todas as atividades relacionadas à escola, direção, coordenação e assessoramento, além da preparação de aulas, atendimento aos pais e correções de prova. Seguem duas decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça que, respeitosamente, transcrevo:
STF
ADI 3772 / DF - DISTRITO FEDERAL
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. CARLOS BRITTO
Relator(a) p/ Acórdão: Min. RICARDO LEWANDOWSKI
Julgamento: 29/10/2008 Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação
DJe-059 DIVULG 26-03-2009 PUBLIC 27-03-2009
REPUBLICAÇÃO: DJe-204 DIVULG 28-10-2009 PUBLIC 29-10-2009
EMENTA:
“ AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE MANEJADA CONTRA O ART. 1º DA LEI FEDERAL 11.301/2006, QUE ACRESCENTOU O § 2º AO ART. 67 DA LEI 9.394/1996. CARREIRA DE MAGISTÉRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL PARA OS EXERCENTES DE FUNÇÕES DE DIREÇÃO, COORDENAÇÃO E ASSESSORAMENTO PEDAGÓGICO. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 40, § 5º, E 201, § 8º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INOCORRÊNCIA. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE, COM INTERPRETAÇÃO CONFORME. I - A função de magistério não se circunscreve apenas ao trabalho em sala de aula, abrangendo também a preparação de aulas, a correção de provas, o atendimento aos pais e alunos, a coordenação e o assessoramento pedagógico e, ainda, a direção de unidade escolar. II - As funções de direção, coordenação e assessoramento pedagógico integram a carreira do magistério, desde que exercidos, em estabelecimentos de ensino básico, por professores de carreira, excluídos os especialistas em educação, fazendo jus aqueles que as desempenham ao regime especial de aposentadoria estabelecido nos arts. 40, § 5º, e 201, § 8º, da Constituição Federal. III - Ação direta julgada parcialmente procedente, com interpretação conforme, nos termos supra. “
STJ
Acórdão
RMS 26383 / SC
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA
2008/0036833-8
Relator(a)
Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (1131)
Órgão Julgador
T6 - SEXTA TURMA
Data da Publicação/Fonte
DJe 28/06/2011
Data do Julgamento
16/06/2011
Ementa
RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. APOSENTADORIA ESPECIAL.
FUNÇÃO DE MAGISTÉRIO. PEDIDO DE APOSENTADORIA NÃO EXAMINADO PELO
PODER PÚBLICO. OFENSA A DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
1. De acordo com o entendimento mais recente do Supremo Tribunal
Federal (ADI 3.772/DF, DJe 27/03/2009), para fins de concessão da
aposentadoria especial prevista no art. 40, III, "a" e § 5º, da
Constituição Federal, a função de magistério abrange não só o
trabalho em sala de aula, como também a preparação de aulas, a
correção de provas, o atendimento a pais e alunos, a coordenação e o
assessoramento pedagógico e a direção de unidade escolar, desde que
exercidos, em estabelecimentos de ensino básico, por professores de
carreira, excluídos os especialistas em educação.
2. A Administração deve apreciar o pedido de aposentadoria
voluntária especial da recorrente e conceder-lhe o benefício se
preenchidos os requisitos da Lei nº 11.301/2006.
3. Recurso ordinário em mandado de segurança a que se dá provimento.
Decisão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal
de Justiça: "A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso,
nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora." Os Srs. Ministros Og
Fernandes, Sebastião Reis Júnior, Vasco Della Giustina
(Desembargador convocado do TJ/RS) e Haroldo Rodrigues(Desembargador convocado do TJ/CE) votaram com a Sra. Ministra
O entendimento tanto do Supremo Tribunal Federal quanto do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido do não cabimento de interpretação extensiva que sugere levar em conta as atividades exercidas pelos servidores professores. Pelo contrário, suas decisões seguiram a linha de pensamento de que todas as atividades exercidas pelo professor relacionadas ao ensino, inclusive as funções gratificadas de Diretor, Coordenador e Assessoramento pedagógico se convergem para a atividade de ensino e são, portanto, consideradas exercício da função de magistério, vinculadas ao cargo de professor e preenchem os requisitos para fins de aposentação especial que lhes foi assegurada.
Os casos são semelhantes. Assim como na Escola, na Polícia todas as atividades exercidas pelas funções que compõem o organograma da Instituição confluem para uma só finalidade, a investigação e o cumprimento as ordens judiciais. Todas as atividades realizadas pelo servidor ocupante do cargo policial na Instituição, designado ou não para funções gratificadas, se dirigem ou se convergem para a o cumprimento do mister policial.
A função policial conta ainda com particularidades próprias que reforçam muito a conclusão: a primeira é constituída do fato de a atividade policial ser privativa do servidor policial civil; a segunda é constituída do dever de prontidão a que está sujeito para garantia das diligências imprevistas, mais de que comuns, rotineiras, uma vez que a atividade policial trabalha sempre com surpresas; a terceira é constituída pela proibição processual da participação de terceiros na produção da prova, fato que obriga a Administração manter sempre servidores policiais à disposição para emergências, uma vez que nenhuma atividade de natureza policial pode ser exercida por estranhos por ser vedada por lei (art. 3º da Lei nº 4.878/65).
Resta, portanto, a firme convicção que a Lei Complementar nº 51/85 não exige que o servidor investido no cargo de natureza policial e lotado em unidades da sua própria Instituição, exercendo ou não funções gratificadas quando designados pela Administração, sejam afastados das prerrogativas próprias e tenha os direitos inerentes aos cargos que ocupam mitigados. Ou então a Administração estaria promovendo desvio de função, impondo atribuições diversas ao servidor policial, afastando-lhe das funções de seu cargo, o que é expressamente vedado por lei (art. 4º da Lei nº 4.878/65).
De fato não há como ficar medindo atribuição por atribuição exercida pelo servidor. Cabe à Administração fiscalizar e cobrar o exercício a contento das diligências que lhe cabem em razão das funções do cargo que ocupa, impedindo desvios. Havendo desvio de função, aí sim cabe a ação do Órgão fiscalizador no sentido de orientar e/ou coibir. Este signatário está convicto de que no caso presente não está havendo desvio até porque a Administração tomou o cuidado de vincular formalmente as funções gratificadas criadas aos cargos de natureza policial já existentes, tudo por entender que todos os servidores estão obrigados a intervir, a qualquer tempo nas atividades policiais, inclusive nas imprevistas que são muitas.
Pensa-se que as exigências do Tribunal de Contas do Distrito Federal devem ser logo esclarecidas pela Instituição Policial, visto que as dúvidas criadas nos servidores sobre os direitos e prerrogativas inerentes ao seus cargos conduz prejuízo aos serviços, tendo em vista que a atividade policial depende, em grande parte, do estímulo e da motivação do servidor para bem realizar suas diligências.
Cumpre ainda observar que as exigências tendem a dividir o efetivo policial em servidor de atividade fim e servidor de atividade meio. Certamente o servidor policial que seria considerado administrativo de atividade meio, subtraído das prerrogativas e de direitos inerentes ao cargo, seria liberado também das rígidas restrições funcionais e regras disciplinares previstas na lei de regência (Lei nº 4.878/65) e ainda da obrigação de participar de missões extraordinárias em horários diversos, inclusive nos feriados e fins de semana, fato que arrastaria a Instituição para a vala comum da falta de gestão que têm assolado muitos dos órgãos públicos, o que prejudicaria sobremaneira a realização de suas atividades.
DA CONCLUSÃO
Diante de todos os argumentos fáticos e de direito postos, conclui-se que: a) o servidor policial que exerce as funções de seu cargo no âmbito da Instituição policial, bem como aqueles lotados em outros organismos integrantes do sistema de segurança pública, designado ou não pela Administração para quaisquer das funções gratificadas componentes de sua estrutura, está no exercício do cargo de natureza estritamente policial, preenchendo, portanto, os requisitos da Lei Complementar nº 51/85 para fins de aposentação; b) qualquer decisão em sentido diverso depende de edição legislativa precedente e seria contrária aos interesses da Instituição diante da natureza e forma de realização de seu trabalho; c) A exigência feita pela Corte de Contas do Distrito Federal verte-se para a divisão do efetivo policial em servidores de atividade meio e fim, o que, com o devido respeito é legalmente impossível e, ao que parece inconveniente para a Administração.
Muito embora esteja convicto de que qualquer mudança no sistema de apuração do tempo de serviço do servidor policial carece de mudança legislativa antecedente, pondera, por absoluta cautela, que o tema demanda grande reflexão, dado o seu alcance e recomenda o pronunciamento de todos os envolvidos, principalmente da Instituição Policial Civil, esta porque determina as lotações e designações para as funções gratificadas e concede as aposentadorias.
Mesmo entendendo impossível juridicamente, cumpre ainda advertir que, em caso de eventual mudança de interpretação com orientação diversa por parte da Corte de Contas, seus efeitos não retroagiriam, porque feririam direitos da maioria dos servidores policiais que durante suas carreiras foram designados, no interesse da Administração, para as funções gratificadas de gestão, ensino e assessoria. Eventual decisão deve ser modulada com efeitos ex nunc, conforme recomenda o artigo 2º, inciso XIII, da Lei Federal nº 9.784/99. A Polícia Civil deve ser imediatamente comunicada da decisão, para em caso nova interpretação, se reestruturar e se adequar à nova realidade, mudando as correlações legais das funções, inclusive cientificando os servidores eventualmente designados para as funções envolvidas sobre as novas conseqüências de seu exercício.
É o que tenho no momento.
Brasília, 22 de setembro de 2011
Geraldo Magela Salvador
ADVOGADO – OAB/DF
Advogado. Escritório: SRTVN, lote P, Ed. Brasília Radio Center, sala 3062.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SALVADOR, Geraldo Magela. Parecer: Aposentadoria do Servidor Policial Civil com requisitos diferenciados, cômputo do tempo de exercício de cargos comissionados e funções gratificadas. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 set 2011, 11:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Peças Jurídicas/25613/parecer-aposentadoria-do-servidor-policial-civil-com-requisitos-diferenciados-computo-do-tempo-de-exercicio-de-cargos-comissionados-e-funcoes-gratificadas. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Conteúdo Jurídico
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