Introdução
No presente artigo será demonstrada a real ligação entre direito, educação e cidadania, e como esses conceitos se conversam para a formação de uma sociedade mais justa e democrática. A falta de conhecimento da população sobre os seus direitos gera muito prejuízo para o indivíduo. Assim, o artigo abordará um estudo sobre essa problemática. Além disso, a falta de conhecimento gera a manipulação dos indivíduos por notícias e fundamentações equivocadas sobre a Constituição Federal. Serão ainda apresentados, projetos independentes e voluntários que ensinam a milhares de estudantes brasileiros noções de Direito, Constituição e cidadania, os quais tem transformado a realidade de diversas comunidades e agregando aos alunos tanto conhecimentos que servirão para sua vida profissional quanto para sua consciência política.
1.Conceito de Direito, Educação e Cidadania.
O “Direito” é uma palavra derivada do latim “Directus”, que significa “reto” ou “em linha reta”. Em suma, é o conjunto de regras, a determinada “linha” na qual os homens devem andar, para que seja respeitada sua liberdade, para que haja efetividade do seu papel na sociedade e para que suas ações não firam a outrem.
Para Reale (1994, p. 97) “Direito é uma integração normativa de fatos segundo valores”, e para tanto entendemos a tríade fato, valor e norma, enquanto para Kant (2003, p. 407), “Direito é o conjunto de condições por meio das quais o arbítrio de um pode estar em acordo com o arbítrio de um outro, segundo a lei universal da liberdade” e finalmente segundo Radbruch (2007, p. 1) “ Direito é o conjunto das normas gerais e positivas que regulam a vida social”.
A verdade é que não existe uma definição única para esse termo. Há diversos autores, diversas interpretações e olhares sobre ele, mas há um ponto em que nenhum de nós pode discordar: o Direito é feito por homens, e para homens. A sociedade é o motivo e a destinatária dessa vasta área de estudo e aplicação.
Por outro lado, Educação, também proveniente do latim e significa “conduzir para fora”, e remete à disciplinar, ou preparar alguém para a vida em sociedade.
Eis aqui um dilema: nas escolas, onde desde criança aprendemos a ler, escrever, fazer contas, história, biologia, química, educação física, e até sobre sexualidade, entre outras coisas básicas para toda a vida acadêmica e social, não existe nenhuma matéria destinada a ensinar Direito, que é a base da vida em sociedade, contendo princípios fundamentais para esta.
A Constituição Federal é a carta magna, o pilar jurídico do país, onde estão descritos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, bem como as regras básicas políticas, ambientais, penais e civis do ordenamento jurídico brasileiro, e é um dever e um direito do cidadão conhece-la, estuda-la e fazê-la se cumprir, tornando-se assim um cidadão melhor em plena efetividade. Porém, a realidade brasileira é outra: grande parte dos cidadãos brasileiros não conhece, ou conhece muito pouco da lei maior de seu país. É o que prova pesquisa realizada pelo site DataSenado, feita para uma edição do Senado Notícias em 2013, na qual 811 brasileiros de diversas cidades, maiores de 16 anos, foram entrevistados sobre seu conhecimento em relação a Constituição Federal de 1988. Destes, 7,8% revelam não possuir nenhum conhecimento sobre o tema, e outros 35,1% afirmam baixo conhecimento sobre a Constituição. (DATASENADO, 2013)
O fato é que inexiste ação humana que não esteja atrelada a um ordenamento jurídico e qualquer conjunto de leis e regras acabará por definir as conseqüências e os limites das nossas ações, queiramos ou não. As leis, portanto, tratam essencialmente da problemática da extensão do controle institucional e suas subseqüentes relações de poder. Desconhecê-las é tornar a participação política sinônimo de alienação social. Esse conhecimento, então, deveria estar disponível a todos os cidadãos e não apenas a grupos restritos, já que estamos tratando do futuro ético de cada nação e, em um mundo globalizado, da humanidade, assim como estabelecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada pela ONU em 1948. (CHERUBIN, 2018).
A Constituição Federal de 1988 é considerada como “Constituição Cidadã”, pois é a mais democrática de toda a nossa história, permitindo em diversos momentos a participação do cidadão ativamente na vida política do país, trazendo inclusive, em seu Artigo 1º, inciso II, expressamente, a cidadania como um de seus fundamentos. (BRASIL, CF, 1988). Nas palavras de Silva (2006, p.36), cidadania:
Consiste na consciência de pertinência à sociedade estatal como titular dos direitos fundamentais, da dignidade como pessoa humana, da integração participativa no processo do poder com a igual consciência de que essa situação subjetiva envolve também deveres de respeito à dignidade do outro, de contribuir para o aperfeiçoamento de todos. Essa cidadania é que requer providências estatais no sentido da satisfação de todos os direitos fundamentais em igualdade de condições. (SILVA, 2006, p. 36)
Embora o Ministério da Educação e o Conselho Nacional de Justiça não esteja trabalhando com as ferramentas certas para alcançá-la e de certa forma omita-se na prática, conforme itens anteriormente expostos, Cidadania é uma das finalidades expressas da educação, constantes na LDB. É o que confirma o seu Art. 22: “a educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (BRASIL, Lei 9394, 1996)
2. O que é educação básica e qual é o seu objetivo.
De acordo com o Dicionário Michaelis, a Educação pode ser definida como “processo que visa ao desenvolvimento físico, intelectual e moral do ser humano através da aplicação de métodos próprios, com o intuito de assegurar-lhe a integração social e a formação da cidadania”. (MICHAELIS, 2015)
Vale também saber a definição a ela dada por alguns grandes pensadores e filósofos como Kant “O fim da Educação é desenvolver em cada indivíduo toda a perfeição de que ele seja capaz. "A Educação não é mais do que o desenvolvimento consciente e livre das faculdades inatas do homem”. Podemos assim dizer que a educação é o meio pelo qual se procura formar o ser humano para a boa vivencia, interação com o meio, e perpetuação de conhecimentos adquiridos ao longo dos tempos.
No ordenamento jurídico brasileiro, os objetivos da Educação estão elencados na Lei 4024 de 1961, Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB):
Art. 1º A educação nacional, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por fim: a) a compreensão dos direitos e deveres da pessoa humana, do cidadão, do Estado, da família e dos demais grupos que compõem a comunidade; b) o respeito à dignidade e às liberdades fundamentais do homem; c) o fortalecimento da unidade nacional e da solidariedade internacional; d) o desenvolvimento integral da personalidade humana e a sua participação na obra do bem comum; e) o preparo do indivíduo e da sociedade para o domínio dos recursos científicos e tecnológicos que lhes permitam utilizar as possibilidades e vencer as dificuldades do meio; f) a preservação e expansão do patrimônio cultural; g) a condenação a qualquer tratamento desigual por motivo de convicção filosófica, política ou religiosa, bem como a quaisquer preconceitos de classe ou de raça. (BRASIL, Lei 4024, 1961)
Mais à frente, em seus artigos 29 e 39, a LDB esclarece que a educação é um direito de todos, seja ela desenvolvida no lar ou na escola, sendo esta garantida pelo poder público, com liberdade também da iniciativa privada, assegurando oportunidades iguais a todos (LDB, 1961), mas na prática, infelizmente, não é bem assim que funciona. Nas palavras de Carlos Rodrigues Brandão:
Não há apenas idéias opostas ou idéias diferentes a respeito da Educação, sua essência e seus fins. Há interesses econômicos, políticos que se projetam também sobre a Educação. Não é raro que aqui, como em toda parte, a fala que idealiza a educação esconda, no silêncio do que não diz, os interesses que pessoas e grupos têm para os seus usos. Pois, do ponto de vista de quem a controla, muitas vezes definir a educação e legislar sobre ela implica justamente ocultar a parcialidade destes interesses, ou seja, a realidade de que eles servem a grupos, a classes sociais determinadas, e não tanto "a todos", "à Nação", "aos brasileiros". Do ponto de vista de quem responde por fazer a educação funcionar, parte do trabalho de pensá-la implica justamente em desvendar o que faz com que a educação, na realidade, negue e renegue o que oficialmente se afirma dela na lei e na teoria. (BRANDÃO, 1989, p. 27)
Para Luckesi, autor do livro Filosofia da Educação (1994, p. 138), nossa cultura divide-se entre material e cultura espiritual, esta última subdivida em cotidiana e elaborada. A cultura material refere-se a nossa realidade e os itens que a compõem, como nossa casa, medicamentos, vestuário, entre outros, já a espiritual está ligada ao nosso conhecimento, aos saberes, sejam eles provenientes de cultura cotidiana, ou seja, os conhecimentos aprendidos em casa e no meio em que vivemos, no dia a dia; ou seja de cultura elaborada, que exige sistematização, institucionalização, pois é complexa, elaborada, sendo dessa decorrente, as matérias ensinadas da instituição escolar.
A cultura elaborada é resultante da atividade humana em dar respostas aos múltiplos problemas e dificuldades que enfrenta, sejam decorrentes da natureza, sejam decorrentes da sociedade. Assim, emergiram áreas de conhecimentos, tais como Física, Química, Biologia, Sociologia, História, Antropologia, Filosofia; áreas de arte, tais como música, teatro, literatura, dança; áreas de cuidados do ser humano, tais como terapia, massagens, ginásticas. Todas elas procurando, intencional e sistematicamente, compreender a realidade e possibilitar formas de ação de forma crítica, consistente, orgânica. (LUCKESI, 1994, p. 139).
A cultura elaborada foi assim, construída, passada de geração a geração, ensinada como um legado, e a instituição escolar são a responsável, a mediadora da perpetuação desse tipo de cultura, onde é feita uma seleção de conteúdos a serem passados de geração a geração. (LUCKESI, 1994)
Então quem escolhe qual a grade de matérias do ensino básico brasileiro? Como são selecionadas as disciplinas obrigatórias, e fundamentais para o conhecimento e crescimento do cidadão, e por que não existe Direito Constitucional nessa grade?
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei 9394/1996, também conhecida como Lei Darcy Ribeiro, é a principal lei brasileira a tratar da educação no país. Para ela, a educação é composta por processos formativos, seja no âmbito familiar, convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino, na sociedade ou nas manifestações culturais. (BRASIL, Lei 9394, 1996)
Há aqui uma divisão da Educação com educação escolar. A primeira se dá no cotidiano e em diversos lugares, enquanto a educação escolar é aquela adquirida nas escolas e outras instituições de ensino.
O art. 2º da referida lei, traz em seu texto a finalidade da educação, sendo esta “o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
Mais à frente, em seu artigo 21, a lei traz a divisão de níveis escolares, sendo estes dois: educação básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) e ensino superior. Mas é em seu Art. 26 que encontramos respostas para as perguntas feitas anteriormente, trazendo em seus 9 artigos, as disciplinas obrigatórias do ensino básico, bem como devem ser trabalhos, suas exceções, entre outras particularidades.
Em suma, são obrigatórias pelo texto do Art. 26 da LDB, língua portuguesa, matemática, física, arte, educação física, história do Brasil, língua inglesa, e por último, conteúdos relativos a direitos humanos e prevenção à violência contra crianças e adolescentes. Estes últimos, que são os que mais se relacionam com o Direito Constitucional, são tratados como temas “transversais” como o próprio texto do artigo menciona.
3.Por que ensinar Direito Constitucional nas escolas?
A Constituição Federal é a lei maior, a carta magna de um país, e a nossa atual foi promulgada em 5 de outubro de 1988, mas antes dela tivemos outras seis constituições, desde a independência do Brasil: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988. Estas importantes leis foram substituídas ao longo dos anos por outra lei que melhor atendesse a realidade fática da sua época, ao governo vigente, à cultura do povo, entre outros motivos.
Na Constituição Federal de 1988 encontramos expressos os princípios fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro, os direitos e deveres individuais e coletivos, como deve se dar a organização do Estado, a organização dos três poderes (legislativo, executivo e judiciário), como deve ser feita a defesa do Estado e da democracia, como será a tributação e o orçamento do governo brasileiro, como se dá a ordem econômica e financeira em território nacional, conceitos e princípios básicos a serem seguidos pela ordem social (seguridade, previdência, saúde, educação, desporto, cultura, meio ambiente), entre outros assuntos importantíssimos para o desenvolvimento social, cultural, educacional e econômico do país. Ora, segundo a Convenção Internacional de Montevidéu de 1933, promulgada no Brasil em 13 de abril de 1937 pelo Decreto nº 1570, em seu artigo 1º, o Estado é uma entidade é feita de população permanente, território determinado, governo e capacidade de se relacionar com outros Estados. Desta forma, vemos que a população é parte substancial do Estado. Como pode a população, sendo uma parte grande e fundamental de um país, desconhecer as leis, as regras que regem toda a vida e as relações em seu território?
É que um dos obstáculos sociais que impedem o acesso à Justiça está também na desinformação da massa da população a respeito de seus direitos. Isso é uma questão de educação, que promova o pleno desenvolvimento da pessoa e a prepare para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, como determina formalmente a Constituição (Art. 205), mas que a prática não consegue efetivar. A situação de miséria desprepara e carência de milhões de brasileiros torna injusta e antidemocrática a norma do art. 3º da nossa Lei de Introdução ao Código Civil, segundo o qual ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. (SILVA, 2006, p. 16)
O desconhecimento por parte do brasileiro sobre seus direitos e deveres traz consequências sociais e políticas graves, como a mínima participação popular na política, na criação de leis, no alto índice de falta às urnas em dias de eleição, no baixo acesso à justiça.
Recentemente presenciamos a chamada “Greve dos Caminhoneiros” que uniu uma serie de pedidos da classe, com a grande insatisfação com o atual governo federal liderado pelo atual Presidente da República, Michel Temer, o que resultou em manifestações não só de caminhoneiros, mas de várias classes por todo país, grande parte delas com um pedido surpreendente: Intervenção Militar. Segundo uma pesquisa de opinião feita pelo Instituto Paraná, “43,1% dos brasileiros defendem a volta da intervenção militar provisória ao Brasil. 51,6% são contra e 5,3% não sabem ou não responderam”. (LONDRES, 2017)
Muitas foram as mensagens de compartilhamento nas redes sociais e palavras de ordem durante as manifestações pedindo a chamada “Intervenção Militar Constitucional”. Ora, não há previsão legal nenhuma que autorize as Forças Armadas Brasileiras a derrubar um governo democrático a fim de instaurar um novo governo, pelo contrário. Especialistas afirmam que, por afrontar a Constituição, pedir intervenção militar pode ser considerado crime, segundo a Lei 7.170 de 1983, Lei de Segurança Nacional, com pena de reclusão de até 4 anos. (VALENTE, 2018)
Os manifestantes utilizaram-se do artigo 142 da CF/88 para justificar seu pedido intervencionista:
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (BRASIL, Constituição Federal de 1988).
O texto constitucional supracitado deixa claro que é papel das Forças Armadas defender os poderes constitucionais, sendo eles o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, e quando chamadas por algum desses poderes, defenderá também a lei e a ordem do Brasil. Não existe portanto, previsão legal para que as Forças Armadas de própria iniciativa requeira os poderes, a lei ou a ordem. Essa é só mais uma grave situação que deixa clara a equivocada interpretação e o raso conhecimento sobre direitos constitucionais do brasileiro.
Quase todos os dias uma nova lei nasce no Brasil. Como vimos anteriormente, existe todo um tramite, um caminho, que uma proposição ou projeto percorre até que se torne uma lei. O que pouca gente sabe, é que a Constituição prevê, com alguns requisitos, que a população participe da criação das leis brasileiras. O desconhecimento gera pouca participação e envolvimento político. Em 30 anos de “Constituição Cidadã”, somente 4 projetos de iniciativa popular foram aprovados e se tornaram lei no Brasil, sendo eles Lei 8.930 de 1994 (Lei de Crimes Hediondos), Lei 9.840 de 1999 (Combate à compra de votos), Lei 11.124 de 2005 (Fundo Nacional de Habitacao de Interesse Social) e Lei Complementar 135 de 2010 (Lei da Ficha Limpa).
Ainda sobre a baixa participação política, segundo os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2014, de mais de 142 milhões de eleitores brasileiros, quase 30 milhões faltaram às urnas, isso sem contar os votos em branco e nulos.
Segundo a Constituição Federal (BRASIL, 1988) “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Ainda segundo a Constituição, em seu artigo 14, o povo é soberano, e essa soberania é exercida pelo sufrágio universal e pelo voto, mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular. (BRASIL, CF, 1988).
O voto é o principal meio de fazer-nos sermos ouvidos, de aplicar nosso poder, é mais uma expressão de cidadania, mas muitos tem se abstido desse direito-dever constitucional sem preocupar-se com importância que isso carrega e quanta luta foi necessária para tivéssemos esse direito.
No Brasil, a Educação Básica tem duração mínima de 12 anos e segundo os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), em 2017 foram 48,6 milhões de matriculados no ensino fundamental e 7,9 milhões no ensino médio. (MEC, 2018)
Fica evidente, até mesmo por se tratar de um direito social, que grande parte dos brasileiros têm passado pela escola, principalmente pelo ensino fundamental. A Educação é um papel da família, da sociedade e da escola, mas é na instituição escolar que a educação chega através de professores, pessoas qualificadas, com o conhecimento adequado. Portanto, é a escola o principal local de difusão do conhecer, do saber, e é esse o porquê da necessidade de se ensinar Direito Constitucional na instituição escolar, desde a mais tenra idade, nos ensinos fundamental e médio.
4.Projetos de lei que visam incluir matérias relacionadas a Direito e cidadania no currículo escolar brasileiro e sua tramitação.
Dentre os muitos projetos de lei com objetivo de alterar o Art. 26 da Lei 9394 de 1996, a LDB, podemos citar os PLs: 3993/2008, 4358/2008, 7113/2010, 7990/2010, 387/2011, 1609/2011, 1632/2011, 2576/2011, 2731/2011, 4744/2012, 4849/2012, 5116/2013, 6184/2013, 6954/2013, 403/2015, 1029/2015 e 1108/2015.
Em 26 de setembro de 2013, o senhor deputado Raul Henry, relator da então Comissão de Educação, votou pela rejeição de algumas das propostas acima expostas (PLs 4358/2008, 7990/2010, 1609/2011, 2731/2011, 4849/2012, 5116/2013, 6184/2013, entre outras), fundamentando sua avaliação no artigo 9º, § 1º, alínea c, da Lei 4024 de 1961, com redação dada pela Lei 9131 de 1995, a qual atribui ao Ministério da Educação e ao Conselho Nacional de Educação a definição de diretrizes curriculares e a base nacional comum da educação brasileira. (HENRY, 2013).
No decorrer do seu parecer, o relator Raul Henry ainda elogiou aos parlamentares autores dos referidos projetos, afirmando entender a importância de que o aluno brasileiro passe a aprender na escola sobre a Carta Magna, ter ciência de seus direitos e deveres, e a refletir sobre a atuação do Estado, mas apesar de reconhecer o mérito das proposições, afirma não poder aprová-las diante do artigo supracitado da Lei 9131, indicando as proposições para analise do Ministério da Educação em colaboração com o Conselho Nacional de Educação. (COMISSÃO DE EDUCAÇÃO, PRL 7, 2013).
5.Projeto de Lei do Senado nº 70 de 2015.
Ganhou grande destaque na mídia o Projeto de Lei do Senado nº 70 de 2015, de autoria do Senador Romário, propondo inicialmente a alteração dos artigos 32 e 36 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para inserir disciplina Constitucional como obrigatória nos currículos dos ensinos fundamentais e médios.
Como justificativa do projeto de lei, o autor objetiva “expandir a noção cívica dos nossos estudantes, ensinando-lhes sobre seus direitos constitucionais, como cidadão e futuro eleitor, e, em contrapartida, aprenderem sobre seus deveres”. (BRASIL, PLS 70, 2015).
Outro ponto da justificativa encontra-se na capacidade eleitoral aos 16 anos, idade em que o jovem já deve conhecer seu papel como cidadão consciente, bem como as consequências do seu voto para a gestão pública e sociedade em geral.
Este foi um projeto de lei protocolado no Senado no da 3 de março de 2015, aprovada em plenário no dia 19 de outubro de 2015 e, como foi inicialmente proposta no Senado, pelo trâmite, foi encaminhada para Câmara dos Deputados pelo então presidente do Senado Federal, senador Renan Calheiros.
Apesar da grande repercussão na mídia como proposta aprovada de inclusão de Direito Constitucional, o projeto só foi aprovado na casa inicial, o Senado, e segue na Câmara dos Deputados, onde há quase três anos aguarda por apreciação.
É importante dizermos que apesar desta proposição, a PLS 70 de 2015, ser nossa maior chance até o momento, de concretizarmos a idealizada inclusão de Direito Constitucional na educação básica, é necessário que tratemos com atenção sobre a omissão a respeito da formação mínimo do docente responsável pela aplicação dessa disciplina aos alunos.
Durante toda a educação básica e até mesmo superior, os estudantes brasileiros raramente recebem algum conceito voltado ao Direito. Nesse caso, os mais capacitados para essa tarefa seriam os graduados em Direito, ou que o Estado promovesse investimentos em cursos para Pedagogos, e de certa forma, consequentemente, que essa matéria fosse incluída nos cursos de licenciatura.
6.Ações e projetos independentes que ensinam Direito em escolas brasileiras.
Enquanto nenhuma lei sobre a obrigatoriedade do ensino constitucional no currículo educacional brasileiro é aprovada ou sancionada, diversos projetos independentes têm levado Direito Constitucionais e outros assuntos relacionados à área para escolas em diversos estados. Um deles é o projeto Constituição nas Escolas, criado pelo advogado Felipe Costa Rodrigues Neves, que começou esse trabalho voluntário na escola de sua filha, em 2014, e hoje atende cerca de 20 mil alunos em mais de 100 escolas de São Paulo. Desde sua criação, o projeto teve notável crescimento e conta com o trabalho voluntário de advogados.
Segundo o site oficial da prefeitura de Belo Horizonte, em seu artigo “OAB Vai à Escola”, em Minas Gerais, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, a Ordem dos Advogados do Brasil/Minas Gerais (OAB/MG) e a Secretaria Municipal de Educação trabalharam juntas para promover o projeto “OAB vai à escola”. O objetivo do projeto é proporcionar a crianças e jovens matriculados na educação básica, conhecimento jurídico e de cidadania, e é aplicado por advogados voluntários.
Em Itumirim, também em Minas Gerais, a OAB/MG criou um projeto que se transformou em lei municipal e hoje tem até processo seletivo para advogados que queiram lecionar. A ação é chamada “Programa Direito na Escola” e tem como objetivo ensinar aos alunos o significado de ser cidadão em uma sociedade democrática de direito. Inicialmente realizado através do trabalho voluntário de advogados da região, hoje o processo seletivo possui edital municipal e remuneração de 2 salários mínimos por 4 horas diárias de trabalho. (OAB-MG, 2018).
No ano de 2012, o então governador de Rondônia, Confúcio Aires Moura, sancionou a lei estadual nº 2788/2012 que estabeleceu a execução de palestras de cidadania com enfoque em Noções Básicas de Direito do Cidadão Brasileiro para alunos de toda a rede pública estadual. A lei implica que as palestras sejam ministradas por advogados indicados pela OAB – Rondônia, que não serão remunerados, e exige a inclusão das palestras no calendário letivo das escolas em questão. (RONDÔNIA, Lei 2788, 2012).
Em Tocantins, alunos de diversas cidades como Palmas, Colinas e Gurupi, têm participado nas escolas de um projeto intitulado “Aprendendo Direito e Resgatando Cidadania”. O projeto iniciado em abril de 2013 como uma parceria entre o Governo Estadual de Tocantins e o Ministério Público do Estado de Tocantins, promoveu palestras e diversas outras atividades que objetivaram ensinar aos alunos do ensino médio de escolas estaduais tanto seus direitos constitucionais quanto noções de carreira jurídica e de cidadania.
Esses projetos voluntários e ações de prefeituras têm feito diferença na educação e na vida de milhares de crianças e jovens brasileiros, além de transformar a realidade em que vivem, mas infelizmente, ainda existem milhões de alunos no Brasil sem nenhuma informação e formação do tipo. Até que haja iniciativa estatal para a obrigatoriedade desse ensino na educação básica, os alunos brasileiros dos ensinos fundamentais e médios estão à mercê da ignorância de suas leis e conseqüentemente, de seus direitos e deveres.
CONCLUSÃO
Existe um princípio romano antigo que foi adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, cujo qual ninguém pode alegar desconhecimento da lei, mas não há nenhum mecanismo de aprendizagem no Brasil hoje, que traga conhecimentos reais sobre o nosso ordenamento jurídico aos brasileiros. Com exceção dos estudantes do Ensino Superior de Direito ou de alguns outros poucos cursos superiores que incluem disciplinas de direito em sua grade curricular, os demais não encontram em sua vida acadêmica nenhuma disciplina que os apresente e aproxime de seus direitos, deveres, ou mais especificadamente, da Constituição Federal, que é a lei maior do país.
Esse desconhecimento traz reflexos negativos a toda sociedade no que diz respeito ao exercício de cidadania: o difícil acesso à Justiça, a pouca consciência eleitoral, a grande violação de Direitos Humanos e Sociais, a baixa participação política, entre outros fatores que depreciam e causam regresso à sociedade.
Existem alguns projetos de lei iniciados na Câmara dos Deputados e no Senado que tentaram de alguma maneira, trazer a obrigatoriedade de disciplinas de direito para a educação básica, sem nenhum, entretanto obter sucesso. Destaque-se o Projeto de Lei do Senado nº 70 de 2015 que foi aprovado no Senado, mas segue em silêncio na Câmara dos Deputados. Não há muita esperança, visto que todos os projetos nesse sentido propostos na Câmara foram reprovados pela Comissão de Educação. O argumento dos responsáveis pela reprovação é de que essa matéria cabe ser decidida pelo Ministério da Educação e não pela Câmara. Enquanto isso, o Ministério da Educação reforma o Ensino Médio, deixando-o cada vez mais proposto à formação de mão de obra e ao preparo dos alunos para o vestibular. Assim, os alunos seguem na ignorância de suas leis, de seus direitos e deveres.
Vendo essa deficiência do sistema educacional e reconhecendo a importância desse ensino, surgiram vários projetos independentes, fosse pela Ordem dos Advogados em parceria com prefeituras, fossem por operadores de Direito, como advogados, juízes, promotores, entre outros, através de ações voluntárias. Esses projetos têm transformado a vida de diversos alunos, além de trazer também transformação social. Infelizmente são poucos os alunos que têm esse privilégio, visto que, hoje são mais de 55 milhões de alunos da educação básica no Brasil, segundo o MEC. A melhor e mais eficiente maneira de se garantir essa formação cidadã, seria a real implantação da disciplina constitucional na BNCC, para que todos os alunos tenham acesso as mesmas informações, de forma igualitária e justa.
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Advogado. Formado em Direito na Unifor. Pós graduação em Direito Penal e Processo Penal na faculdade Única .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Rhuan Pádua Sales. A relação entre direito, educação e cidadania Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 dez 2024, 04:43. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigo/67291/a-relao-entre-direito-educao-e-cidadania. Acesso em: 17 dez 2024.
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