RESUMO: O presente artigo aborda o tema do instituto da delação premiada. Instituto este de importante contexto e atribuição no ordenamento jurídico brasileiro. Atualmente é bastante inserido na busca em solucionar investigações; a delação premiada é uma transação penal entre o Estado e um réu delator que resulta em benefício ao criminoso para que esse colabore com informações da sua prática criminosa e da terceiros, quando houver. Desse modo, a pesquisa tem o intuito de discorrer de forma sucinta e objetiva sobre o conceito, aplicação, vantagens e desvantagens da delação premiada, bem como a regulamentação legal que traz essa temática no meio jurídico, objetivando o conhecimento do cidadão brasileiro.
Palavras-chave: Delação Premiada. Benefícios. Réu. Organizações Criminosas. Instituto Jurídico.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Conceito e histórico da delação premiada; 3. Quais os requisitos? Quais os benefícios? E as consequências para o réu? 4. Pontos positivos e pontos negativos; 5. Críticas ao instituto da delação premiada; Considerações finais; Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Ao tratar de casos criminais brasileiros, principalmente os escândalos envolvendo personagens de organizações criminosas, é comum depararmos com a citação do uso da delação premiada para ajudar com elucidação dos fatos investigados. Muito se cita e noticia sobre grandes descobertas ocorridas durante a investigação de casos através de informações dadas pelo “delator”, todavia, pouco se discorre sobre a compreensão desse instituto jurídico.
Na delação premiada (ou colaboração premiada) o réu (delator) colabora com o Estado na investigação de um processo e em troca recebe um benefício por essa colaboração.
Com alguns requisitos e alguns tipos de benefícios, o instituto da delação premiada é previsto em diversas leis brasileiras no âmbito penal; leis de crimes hediondos, de drogas, de organizações criminosas, entre outras.
O que se discorre a seguir, traz esclarecimento sobre o surgimento, o conceito, a aplicação, as consequências e críticas sobre o assunto.
2 CONCEITO E HISTÓRICO DA DELAÇÃO PREMIADA
Delatar tem origem do latim delatare, diz respeito ao ato de denunciar, acusar, informar algo. Já prêmio, do latim praemium, corresponde a recompensa, dinheiro, vantagem.
Compreendendo, delação premiada é:
“[...] o meio de prova pelo qual o investigado ou acusado, ao prestar suas declarações, coopera com a atividade investigativa, confessando crimes e indicando a atuação de terceiros envolvidos com a prática delitiva, de sorte a alterar o resultado das investigações em troca de benefícios processuais.” (Mendonça, 2013).
Esse meio de prova ingressou no ordenamento jurídico brasileiro na época das Ordenações Filipinas (promulgado em 1603 e revogado em 1830). Atualmente é regulamentada por algumas leis: Código Penal (Lei 2.4848), Lei dos Crimes Hediondos e equiparados (Lei 8.072), Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850), Lei da Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613), Lei de Proteção a Testemunhas (Lei 9.807), Lei dos Crimes Econômicos (Lei 12.529), Lei de Drogas (Lei 11.343), Crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei 7.492), Crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo (Lei 8.137).
É indubitavelmente mais usada no nosso país em investigações contra as organizações criminosas. Inclusive a partir da lei 12.850, a delação premiada passou a ser regulamentada de forma mais precisa. Como é um crime que envolve muitas pessoas e, consequentemente engloba outros crimes, o instituto jurídico da delação premiada é útil e eficaz nesses casos. Dispõe o artigo 1º, §1 da lei:
Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção de prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.
§1º: Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
Sobre a delação premiada a mesma lei 12.850/2013 dispõe em seu art. 3º-A, “O acordo de colaboração premiada é negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova, que pressupõe utilidade e interesse público.”.
3 QUAIS OS REQUISITOS? QUAIS OS BENEFÍCIOS? E AS CONSEQUÊNCIAS PARA O RÉU?
A partir do estudo das diversas leis que contemplam esse tema, entende-se que existem alguns requisitos para o processo se sujeitar ao uso da colaboração do réu, em resumo, muitos doutrinadores ditam que o uso da delação premiada é aceito em último caso, após discutidas as outras formas de conduzir o investigado a relatar sobre o que se busca na investigação.
Enfim, para adentrar com a delação premiada existem duas formas:
a) Sugerida pelo promotor de justiça que está investigando o caso;
b) Através do pedido do próprio réu, feito formalmente por seu advogado.
Em relação ao pedido feito pelo réu, esse tem de ser feito de forma voluntária, espontânea e consciente, sem coação de terceiros.
Argumenta Guidi “o primeiro requisito a ser ressaltado é que a colaboração seja espontânea, de forma voluntaria” (2006, p. 169).
Outrora, no judiciário é de praxe o conhecimento da delação premiada ser decorrente de propositura de alguma autoridade, no caso o réu é aconselhado por um terceiro a fazer o pedido do benefício. Mas isso é possível isso? A legislação brasileira não trata do assunto com uniformidade. Algumas das leis já citadas anteriormente exigem expressamente a espontaneidade do acusado, enquanto outras leis contentam-se com a voluntariedade.
Importante destacar que no requerimento da delação o juiz não participa nas negociações do acordo, tudo se dá perante o acusado, seu advogado, o delegado de polícia e um representante do Ministério Público.
Posteriormente, é feito o encaminhado do acordo ao juiz, para que esse homologue ou não, tal pedido. Com o acordo reconhecido, obviamente o acusado não possui mais o direito ao silêncio e, portanto, é de suma importância que as próximas informações coletadas sejam eficientes e verdadeiras, com nexo de causalidade, “se forem secundários não será possível a concessão do benefício” (GUIDI, 2006, p. 201).
Os benefícios de que o réu pode se valer são:
a) Redução da pena de um a dois terços;
b) Cumprimento da pena em regime semiaberto;
c) Perdão judicial;
d) Extinção da pena.
A lei 12.850/2013 estabelece em seu art. 4º, caput e incisos sobre os benefícios citados acima, juntamente com os resultados que se esperam após a obtenção de informações do delator:
Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:
I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticados;
II – a revelação da estrutura hierárquica de da divisão de tarefas da organização criminosa;
III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;
IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;
V – a localização de eventual vitima com a sua integridade física preservada.
Como consequência se tais informações forem provadas falsas, o magistrado poderá aumentar a pena do acusado, como também acrescentar o crime de denunciação caluniosa, que prevê pena de dois a oito anos de prisão.
4 PONTOS POSITIVOS E PONTOS NEGATIVOS
Sobre qualquer assunto complexo ou polêmico sempre se há um debate entre os estudiosos, no estudo da delação premiada não é diferente. Há doutrinadores que participam do pressuposto que o instituto da colaboração premiada só traz malefícios ao ordenamento jurídico e há aqueles que defendem seu uso benéfico nos processos criminais.
Aos doutrinadores que defendem a linha de pensamento que o instituto da delação premiada somente possui efeitos negativos, estão aqui alguns aspectos elencados:
1. A delação premiada é uma forma antiética do comportamento social, pois advém de uma traição;
2. O instituto fere o princípio da proporcionalidade das penas, sendo que o delator irá ter uma pena mais branda mesmo tendo praticado o mesmo crime que seus comparsas;
3. A colaboração vista como traição seria um caso de aumento de pena e não de redução;
4. Existe a possibilidade de o delator usar do instituto para dar informações falsas com intuito de vingar-se de um desafeto.
Aos que acreditam na eficácia da delação premiada, elencam os seguintes pontos positivos:
1. Mesmo surgindo de uma traição, a delação premiada se usa dessa em aproveitamento para o bem, colaborando contra o crime e em favor do Estado e da sociedade;
2. Possibilidade de recuperar valores desviados pelo crime;
3. Com a quebra do sigilo entre comparsas criminosos, a justiça consegue chegar aos altos escalões das organizações criminosas.
Segundo pensamento de Beccaria (1764), esse ato do delator contribui para provar que, aquele que viola as leis, que são pactos públicos, também viola os pactos privados. Não podendo-nos citar relação de ética entre os criminosos.
No mais, seria inconsistente dizer que os efeitos do uso do instituto jurídico da delação premiada não atingem sua finalidade, embora haja discussões sobre a moralidade da ação, é contraditório assegurar que a delação premiada não cumpre com o papel designado, visto que a punibilidade e o combate ao crime são conquistados.
5 CRÍTICAS AO INSTITUTO DA DELAÇÃO PREMIADA
Como não há uma lei específica que dispõe a respeito da delação premiada no território brasileiro, também não há uma posição unânime entre os estudiosos doutrinadores, portanto, surge diversos pensamentos, discussões e críticas sobre o assunto.
O certo e o errado sempre existirão e, seus conceitos mudam conforme o tempo e o local. O ser humano é um ser social, um ser de escolhas e discordar faz parte do convívio social. O Brasil é um país politicamente de opinião, críticas sempre estarão presentes nos diversos meios e assuntos, cabe então dizer que atualmente entre as polêmicas processuais a delação premiada se encontra discutidas em vários centros de comunicação.
Partindo da perspectiva da colaboração na captura de criminosos e na quebra, principalmente das atuações das organizações criminosas, temos a delação premiada na visão de Nucci:
É o “dedurismo” oficializado, que, apesar de moralmente criticável, deve ser incentivado em face do aumento continuo do crime organizado. É um mal necessário, pois trata-se da forma mais eficaz de se quebrar a espinha dorsal das quadrilhas, permitindo que um de seus membros possa se arrepender, entregando a atividade dos demais e proporcionando ao Estado resultados positivos no combate à criminalidade (2007, p.716).
Já Luiz Flávio Gomes citou em seu blog Instituto Luiz Flávio Gomes, um artigo conferindo sua opinião de que há falha na atuação da delação premiada no Brasil:
O que se vê com facilidade é que a delação premiada (figura do direito estrangeiro) foi incorporada no direito pátrio de forma atabalhoada, enviesada. Sua aplicação massiva na Lava Jato está agora dando ensejo a previsíveis problemas processuais, que apenas estão começando a vir a público. (2019)
Pode-se dizer que grande parte das críticas atinentes a necessidade da utilização da delação premiada não diz respeito a sua regulamentação, mas sim, aos desvios em seu uso.
Utilizando de exemplo a Operação Lava Jato, é percebível a possibilidade de ocorrer problemas, como nesse caso citado, ocasionaram na identificação de diversas ilegalidades nos meios de obtenção de provas, contribuindo para a anulação de grandes processos.
Assim, segundo o advogado criminalista Leonardo Tajaribe Jr. (2023), a existência ou a regulamentação da delação premiada não é problema, mas sim a existência de manipulação ao utilizar esse meio de prova, sobretudo em grandes operações.
Por quanto, entende-se que o dilema que o instituto jurídico traz na área do direito é voltado especialmente no contexto da execução dos processos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim, pela compreensível apresentação acerca do instituto da delação premiada conclui-se que é proveitoso e essencial em nosso ordenamento jurídico, o mesmo apresenta formulação adequada e preenche todos os princípios que nossa Constituição Federal exige.
É um meio de obtenção de prova polêmico por ter de ser feito um acordo com um criminoso, portanto é um método que deve ser desenvolvido com todo cuidado e comprometimento das autoridades.
Embora encontramos nesse estudo alguns pensamentos conflitantes quanto a lesão à ética e do comportamento do delator, bem como alguns exemplos de casos embaraçosos, é correto dizer que o resultado almejado é eficaz.
Na busca de solucionar as violações contra as leis, a delação premiada colabora firmemente com a justiça no combate à criminalidade, principalmente nos crimes provenientes de organizações criminosas.
REFERÊNCIAS
BECCARIA, Cessare. Dos delitos e das penas. 2ª edição. São Paulo: Hunter Books. 2015 (1764).
BRASIL. Lei das Organizações Criminosas. LEI Nº 12.850, de 2 de agosto de 2013. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm
DELAÇÃO PREMIADA. Wikipédia, A enciclopédia livre. Última modificação em: há 3 meses Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_Geral_de_Proteção_de_Dados_Pessoais > Acesso em: 30/11/2024.
FILHO, Humberto Ferreira de Assis Lima. Análise da origem da delação premiada e suas influências no ordenamento jurídico brasileiro. Âmbito Jurídico. Revista 153, 2015. Disponível em https://ambitojuridico.com.br/analise-da-origem-da-delacao-premiada-e-suas-influencias-no-ordenamento-juridico-brasileiro/> Acesso em: 01/12/2024.
GOMES, Luiz Flávio. Lei da Delação Premiada: erro clamoroso. Instituto Luiz Flávio Gomes, 2019. Disponível em https://institutoluizflaviogomes.org/lei-da-delacao-premiada-erro-clamoroso/> Acesso em: 02/12/2024.
GUIDI, José Alexandre Marson: Delação Premiada: no combate ao Crime Organizado. São Paulo: Lemos & Cruz, 2006.
JUNIOR, Leonardo Tajaribe. A delação premiada é um problema?. Migalhas, 2023. Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/391161/a-delacao-premiada-e-um-problema> Acesso em: 02/12/2024.
MENDONÇA, Andrey Borges De. A Colaboração premiada e a nova Lei do Crime Organizado (Lei 12.850/2013). Custos legais: a revista do Ministerio Público. Vol. 4, 2013.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte geral. Parte especial. 3ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
Pós-Graduanda em Direito Penal e Processo Penal pela Gran Faculdade
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NATHALIA SOUSA FRANçA, . Delação premiada: uma análise sintética sobre o acordo entre o estado e o réu Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 dez 2024, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigo/67334/delao-premiada-uma-anlise-sinttica-sobre-o-acordo-entre-o-estado-e-o-ru. Acesso em: 18 dez 2024.
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