Resumo: O artigo analisa a segmentação de clientes no sistema bancário brasileiro e as diferenças de atendimento entre agências personalizadas e de varejo. A pesquisa, realizada em 18 agências e um posto de atendimento em Minas Gerais, destacou disparidades significativas: nas agências personalizadas, destinadas a clientes de alta renda, observou-se menor tempo de espera, estrutura mais sofisticada e melhor relação cliente-gerente em comparação às agências de varejo. Além disso, identificaram-se práticas discriminatórias, como recusa de atendimento a clientes não segmentados, contrariando normas do Conselho Monetário Nacional. A discussão aponta que essa segmentação pode reforçar desigualdades e desrespeitar princípios constitucionais e normas do Código de Defesa do Consumidor. Por fim, sugere-se maior regulamentação para assegurar equidade no atendimento bancário.
Palavra-chave: Direito do Consumidor. Instituição Bancária. Discriminação Social. Direitos Constitucionais.
Introdução
A Lei nº 8.078/1990, que institui o Código de Defesa do Consumidor (CDC), define a relação de consumo entre fornecedores e consumidores, abrangendo também as atividades bancárias, conforme o artigo 3º, §2º. Nesse contexto, observa-se que as instituições financeiras têm implementado a segmentação de seus clientes com base em perfis socioeconômicos e comportamentais, prática que impacta diretamente na qualidade e na forma do atendimento prestado. Este estudo de caso visa analisar as diferenças de atendimento entre agências e clientes segmentados, investigando se tais práticas podem ser consideradas formas de discriminação social.
Metodologia
A análise baseia-se em um levantamento conduzido por fiscalizações do PROCON em diversas agências bancárias de Minas Gerais. Foram vistoriadas 18 agências e 1 posto de atendimento pertencentes a grandes instituições financeiras, incluindo Banco do Brasil, Itaú-Unibanco, Bradesco e Santander, além de Caixa Econômica Federal e Mercantil do Brasil. O foco do estudo concentrou-se na distinção entre agências personalizadas (Personnalité - Itaú, Select - Santander, Prime - Bradesco e Estilo – Banco do Brasil), destinadas a clientes de alta renda, e agências de varejo, voltadas ao atendimento do público geral. Para coleta de dados, foram utilizados formulários padronizados com questões sobre tempos de espera, estrutura de atendimento e características das agências.
Resultados
Os dados apontam disparidades significativas no atendimento entre os diferentes segmentos de clientes:
1. Agências Personalizadas vs. Agências de Varejo:
a) Nas agências personalizadas, a proporção de clientes por gerente variou entre 300 e 625, enquanto nas agências de varejo essa relação foi de 1.300 a 4.400 clientes por gerente.
b) Os tempos de espera nas agências personalizadas foram praticamente inexistentes, ao passo que nas agências de varejo chegaram a 35 minutos para atendimento gerencial e 30 minutos para atendimento em caixa.
c) As agências personalizadas oferecem ambientes sofisticados e privativos, em contraste com as agências de varejo, que apresentam baias abertas e maior aglomeração.
1. Segmentação dentro das Agências de Varejo:
a) Dentro das próprias agências de varejo, há uma subsegmentação, com atendimento diferenciado para clientes classificados como "personalizados" (renda entre R$ 4 mil e R$ 10 mil).
b) Esses clientes recebem senhas diferenciadas e atendimento prioritário em relação ao público geral, com tempos médios de espera reduzidos em até 130%.
2. Infrações Identificadas:
a) A ausência de senhas preferenciais e painéis eletrônicos em agências personalizadas dificulta o controle do tempo de espera.
b) Foi constatada a recusa de atendimento a clientes não segmentados em agências personalizadas, infringindo a Resolução nº 3.694/2009 do Conselho Monetário Nacional (CMN).
Discussão
A segmentação de clientes é uma prática consolidada no sistema bancário e visa atender às necessidades específicas de grupos distintos. Contudo, os dados evidenciam que essa prática, em alguns casos, compromete princípios de igualdade e transparência no atendimento. A segmentação interna nas agências de varejo, onde clientes de alta renda recebem atendimento prioritário em detrimento dos demais, levanta questionamentos sobre o cumprimento das normas de defesa do consumidor.
Ademais, a estrutura mais sofisticada e a rapidez no atendimento em agências personalizadas contrastam com as condições das agências de varejo, sugerindo uma segregação baseada no poder aquisitivo. Embora tal diferenciação possa ser interpretada como uma estratégia de negócios, ela também pode reforçar barreiras sociais e acentuar desigualdades.
Conclusão
Conclui-se que o atendimento diferenciado realizado pelas instituições financeiras, embora justificado pela segmentação de clientes, pode configurar discriminação social, sobretudo quando implica prejuízos ao acesso de clientes comuns aos serviços bancários, podendo caracterizar desrespeitos a princípios constitucionais como Igualdade, Dignidade da Pessoa Humana, e Solidariedade Social e princípios da Defesa do Consumidor como da Vulnerabilidade, Boa-Fé Objetiva, Práticas Abusivas e Igualdade nas Relações de Consumo. Para mitigar tais desigualdades, sugere-se a regulamentação mais rigorosa das práticas de segmentação, garantindo a observância das normas de defesa do consumidor e promovendo condições equitativas de atendimento.
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