Resumo: O presente artigo visa analisar a mudança e evolução do tratamento dado pelo ordenamento jurídico brasileiro aos atos praticados com vícios e ilegalidade, analisando a mudança da legislação acerca do tratamento dos atos eivados de irregularidades, os efeitos da nulidade de tais atos, especialmente com a nova lei federal de licitações e contratos administrativos e o papel da advocacia pública em tal seara.
Sumário: Introdução. 1. O conceito de ato e de contrato administrativo. 2. A Lei 8.666/1993 e o tratamento da nulidade. 3. Da Lei 9.784/1999. 4. As alterações na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) e o avanço no tratamento da matéria. 5. Da Nova Lei de Licitações e a declaração de nulidade de contratos6.Do Papel da Advocacia Pública com o regime de nulidades da nova lei de licitações. Referências.
Introdução
O reconhecimento de nulidades no âmbito do direito administrativo tem sofrido grande mudança de tratamento ao longo do tempo, caminhando o direito administrativo para a estabilização dos efeitos dos atos praticados, em homenagem ao princípio da segurança jurídica. Tal evolução no tratamento busca privilegiar a execução de políticas públicas e a não paralisação de contratos em detrimento do interesse público. No presente artigo, será analisada tal evolução e o papel da advocacia pública na utilização de tal instrumental para a preservação de atos do Poder Público.
1. O conceito de ato e de contrato administrativo
Antes de passarmos à análise da evolução do regime de nulidade do direito administrativo é necessário rememorar o conceito de ato administrativo e os seus elementos.
O ato administrativo, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, é a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob o regime jurídico de direito público e sujeita ao controle pelo Poder Público.
A doutrina do direito administrativo indica a existência de elementos do ato administrativo que são: competência, forma, finalidade, motivo e objeto.
A competência refere-se ao sujeito legitimado por lei a praticar a determinado ato. Já a forma é a maneira que o ato administrativo se exterioriza, a exemplo de um edital, licença ou decreto de efeitos concretos.
Por outro lado, a finalidade é o interesse público que deve ser alcançado pelo ato administrativo. No que diz respeito ao objeto, é o conteúdo do ato, aquilo que ele dispõe como efeito produzido. É o resultado prático na esfera de direitos, seja a criação, modificação ou comprovação de situações jurídicas sujeitas ao Poder Público.
Por fim, o motivo é a situação fática e de direito que enseja a necessidade da prática do ato pela Administração.
Já o contrato administrativo é um acordo entre a Administração Pública e terceiros para a realização de atividades que visam o interesse público.
2. A Lei 8.666/1993 e o tratamento da nulidade
A hoje revogada Lei 8.666/1993 que disciplinava as normas gerais de licitações e contratos tratava da matéria de nulidade de maneira bastante rigorosa, estabelecendo, em resumo, que a prática de determinados vícios ensejava a nulidade de atos e contratos celebrados.
Por exemplo, no art. 7º, §6º, estabelecia-se que a infringência das disposições constantes no art. 7º da Lei ensejava a dos atos ou contratos realizados e a responsabilidade de quem lhes tenha dado causa:
Art. 7o As licitações para a execução de obras e para a prestação de serviços obedecerão ao disposto neste artigo e, em particular, à seguinte seqüência:
I – projeto básico;
II – projeto executivo;
III – execução das obras e serviços.
§ 1o A execução de cada etapa será obrigatoriamente precedida da conclusão e aprovação, pela autoridade competente, dos trabalhos relativos às etapas anteriores, à exceção do projeto executivo, o qual poderá ser desenvolvido concomitantemente com a execução das obras e serviços, desde que também autorizado pela Administração.
§ 2o As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando:
I – houver projeto básico aprovado pela autoridade competente e disponível para exame dos interessados em participar do processo licitatório;
II – existir orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus custos unitários;
III – houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços a serem executadas no exercício financeiro em curso, de acordo com o respectivo cronograma;
IV – o produto dela esperado estiver contemplado nas metas estabelecidas no Plano Plurianual de que trata o art. 165 da Constituição Federal, quando for o caso.
§ 3o É vedado incluir no objeto da licitação a obtenção de recursos financeiros para sua execução, qualquer que seja a sua origem, exceto nos casos de empreendimentos executados e explorados sob o regime de concessão, nos termos da legislação específica.
§ 4o É vedada, ainda, a inclusão, no objeto da licitação, de fornecimento de materiais e serviços sem previsão de quantidades ou cujos quantitativos não correspondam às previsões reais do projeto básico ou executivo.
§ 5o É vedada a realização de licitação cujo objeto inclua bens e serviços sem similaridade ou de marcas, características e especificações exclusivas, salvo nos casos em que for tecnicamente justificável, ou ainda quando o fornecimento de tais materiais e serviços for feito sob o regime de administração contratada, previsto e discriminado no ato convocatório.
§ 6o A infringência do disposto neste artigo implica a nulidade dos atos ou contratos realizados e a responsabilidade de quem lhes tenha dado causa.
Como se pode observar, não havia qualquer ponderação quanto à razoabilidade de manter os atos praticados, mesmo diante de casos de ilegalidade.
Mais grave, ainda, eram as disposições e consequências da nulidade do procedimento licitatório. O art. 49, §2º, estabelecia que a nulidade do procedimento licitatório induz à do contrato. Já o art. 59 estabelecia norma com consequências gravíssimas ao dispor que “a declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos.”
A ressalva para a preservação de efeitos apenas consistia na possibilidade prevista no parágrafo único do art. 59 que preservava o dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa.
O disposto no art. 49 citado, bem como a retroatividade da nulidade do contrato para desconstituir todos os atos praticados, bem como para impedir os efeitos jurídicos que deveriam ser produzidos representava verdadeira medida contrária ao interesse público em diversas ocasiões.
Em verdade, tal norma privilegiava exclusivamente o cumprimento do princípio da legalidade, sem levar em conta outros fatores como a segurança jurídica, a razoabilidade, a proporcionalidade, o interesse público na finalização dos contratos e na execução da política pública.
Ressalte-se que os questionamentos a editais e procedimentos licitatórios seja na esfera judicial ou no âmbito do controle externo normalmente não eram de rápida solução, sendo o julgamento realizado algumas vezes após longo tempo da prática do ato. Em alguns casos, o contrato já havia sido firmado e parcela relevante da obra ou serviço já tinha sido executada.
Em tal contexto, a declaração de nulidade do contrato induzida pela nulidade do procedimento licitatório muitas vezes não representava a medida que satisfaria o interesse público. Imaginemos uma obra sendo executada e que é proferida decisão pela nulidade do contrato. Haveria a paralisação da obra, com prejuízos à coletividade, que não teria a entrega da obra no prazo devido. Além disso, seria necessária a realização de nova licitação ou a convocação de outra licitante, o que acarretaria mais prazo, bem como custos de mobilização e desmobilização.
Ademais, havia consequências acerca da responsabilidade para a garantia da obra e/ou serviços, tendo em vista que a nova empresa assumiria a execução a partir de serviços já prestados, o que poderia ensejar discussões acerca de responsabilidade por eventuais defeitos.
Em tal contexto, houve a proliferação de obras inacabadas e não concluídas pelo Poder Público, seja por decisões que paralisavam a execução de contratos, seja por superveniente declaração de nulidades de contratos administrativos que somados a outros fatores contribuíram para elevado número de obras paradas[1].
3. Da Lei 9.784/1999
A Lei 9.784 de 1999, que regula o processo administrativo federal, configurou importante marco na evolução da matéria.
Isso porque passou a tratar expressamente da possibilidade de convalidação de atos administrativos:
Art. 55. Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração.
Da redação do citado dispositivo pode-se extrair que a convalidação somente seria permitida para os casos de atos praticados com defeitos sanáveis e desde que não houvesse lesão ao interesse público e nem prejuízo a terceiros.
Como se pode observar, não se analisava se a nulidade acarretaria lesão ao interesse público e sim se a convalidação acarretaria lesão ao interesse público. Ou seja, para convalidar era necessário demonstrar o interesse público na convalidação.
Cabe destacar que a lei utiliza a expressão defeitos sanáveis, sem estabelecer o que seria tal defeito. Antes de adentrarmos ao conceito do que seria defeito sanável, de acordo com a citada lei, os defeitos insanáveis não admitiram convalidação, nem se a manutenção do ato fosse mais benéfica ao interesse público que a declaração de nulidade.
A doutrina considera como vícios sanáveis aqueles relacionados aos elementos da competência e da forma, pois poderiam ser praticados novamente corrigindo-se o erro praticado. Já os vícios referentes à finalidade, motivo e objeto, regra geral, não comportariam convalidação.
Para Carvalho Filho (2004, p. 144) “a convalidação, também denominada por alguns autores aperfeiçoamento ou sanatória, é o processo de que se vale a Administração para aproveitar atos administrativos com vícios superáveis, de forma a confirmá-los no todo ou em parte”.
Decorre a possibilidade de convalidação e não declaração de nulidade a aplicação do princípio pas de nullité sans grief, princípio segundo o qual não se deve declarar a nulidade de um ato sem que seja comprovada a existência de prejuízo.
4. As alterações na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) e o avanço no tratamento da matéria
Considerando a insuficiência do instituto da convalidação para o tratamento da nulidade e buscando conferir maior segurança jurídica ao gestor público, bem como conceder ênfase no princípio da realidade e da preservação das políticas públicas, houve a edição de alterações na LINDB que mudaram substancialmente o tratamento legal das nulidades no âmbito do direito administrativo.
A citada norma estabeleceu uma série de precauções e salvaguardas para a invalidação de atos. Por exemplo, o art. 20 estabelece a necessidade de não se decidir com base em valores jurídicos abstratos, exigindo que sejam consideradas as consequências práticas da decisão:
Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) (Regulamento)
Já o parágrafo único do art. 20 estabelece exigências para a motivação de invalidação do ato, contrato ou ajuste ou de outra medida imposta, como a demonstração da necessidade e adequação, inclusive em face das possíveis alternativas:
Art. 20
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
Em tal contexto, o aplicador do direito na esfera do direito administrativo deve avaliar a necessidade e adequação de eventual medida de invalidação do ato, ponderando se aquela medida é a que melhor satisfaz o interesse público, sopesando tal medida com possíveis alternativas, a exemplo da glosa de valores indevidos, aplicação de sanções, mas preservando o contrato firmado, por exemplo.
Além disso, eventual decisão que decrete invalidação de ato ou contrato deverá indicar expressamente as consequências jurídicas e administrativas de tal decisão. Além disso, deve a autoridade avaliar se o caso concreto comporta indicação de condições para a regularização de modo proporcional, sem prejuízo à coletividade, sem a imposição de ônus e perdas anormais ou excessivos:
Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) (Regulamento)
Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
Assim, por exemplo, observada eventual irregularidade em uma licitação pode-se não decretar de imediato a nulidade da licitação e a suspensão do contrato e em vez disso conceder prazo para que a Administração lance uma nova licitação com a correção dos erros apontados e substitua o contratante após o fim da vigência do contrato firmado.
Ademais, o art. 22 e parágrafo 1º estabelecem que mesmo a análise do caso concreto para a análise da regularidade do ato ou contrato deve considerar as dificuldades reais e as circunstâncias práticas do caso:
Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. (Regulamento)
§ 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
Em tal contexto, pode o administrador público demonstrar que não havia outra conduta a ser adotada no caso concreto para melhor satisfazer o interesse público, mesmo não cumprindo integralmente procedimentos formais. Por exemplo, as contratações emergenciais por dispensa devem seguir procedimento de publicação de ato declarando a dispensa, mas pode ser que no caso concreto, a exemplo de combate a incêndios de gravíssima proporção, em que não haja tempo de formalizar adequadamente dispensa, podendo ser relevada alguma exigência em função das circunstâncias do caso concreto, com posterior formalização devida.
A LINDB também estabelece que, no caso de imposição de novo dever ou estabelecimento de nova interpretação deve-se prever regime de transição quando necessário para que o novo dever seja cumprido de forma proporcional:
Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais. (Regulamento)
Também preservaram-se atos cuja produção de efeitos já se completou, não cabendo a declaração de nulidade com base em mudança de interpretação. Neste caso, devem-se considerar as orientações existentes à época:
Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) (Regulamento)
5. Da Nova Lei de Licitações e a declaração de nulidade de contratos
A Lei 14.133/2021 avançando na linha da direção estabelecida pela LINDB inovou ao tratar do regime da nulidade dos contratos administrativos.
Antes da edição da citada Lei, constatou-se que, em algumas hipóteses de vícios insanáveis, o interesse público seria mais bem atendido com a estabilização dos efeitos do ato realizado, não sendo recomendável a declaração de nulidade do ato. Cite-se como exemplo a identificação de irregularidade formal na licitação identificada quando o contrato já estava em fase final de execução da obra. A declaração de nulidade da licitação e do contrato poderia acarretar mais prejuízos à coletividade que a sua continuidade e estabilização do ato praticado.
Cabe destacar que a Lei 14.133/2021, nova lei de licitações, estabelece novo parâmetro da análise da necessidade de declaração de nulidade de contratos, pois realiza a inversão da lógica anterior de nulidade, cabendo a declaração da nulidade apenas quando tal medida se mostrar realizadora de interesse público. Ou seja, é a hipótese de declaração de nulidade do contrato que deve comprovar que tal medida satisfaz interesse público, privilegiando-se de forma geral a continuidade dos contratos e das relações estabelecidas.
Nesse sentido é o disposto no art. 147 da Lei 14.133/2021:
Art. 147. Constatada irregularidade no procedimento licitatório ou na execução contratual, caso não seja possível o saneamento, a decisão sobre a suspensão da execução ou sobre a declaração de nulidade do contrato somente será adotada na hipótese em que se revelar medida de interesse público, com avaliação, entre outros, dos seguintes aspectos:
I - impactos econômicos e financeiros decorrentes do atraso na fruição dos benefícios do objeto do contrato;
II - riscos sociais, ambientais e à segurança da população local decorrentes do atraso na fruição dos benefícios do objeto do contrato;
III - motivação social e ambiental do contrato;
IV - custo da deterioração ou da perda das parcelas executadas;
V - despesa necessária à preservação das instalações e dos serviços já executados;
VI - despesa inerente à desmobilização e ao posterior retorno às atividades;
VII - medidas efetivamente adotadas pelo titular do órgão ou entidade para o saneamento dos indícios de irregularidades apontados;
VIII - custo total e estágio de execução física e financeira dos contratos, dos convênios, das obras ou das parcelas envolvidas;
IX - fechamento de postos de trabalho diretos e indiretos em razão da paralisação;
X - custo para realização de nova licitação ou celebração de novo contrato;
XI - custo de oportunidade do capital durante o período de paralisação.
Parágrafo único. Caso a paralisação ou anulação não se revele medida de interesse público, o poder público deverá optar pela continuidade do contrato e pela solução da irregularidade por meio de indenização por perdas e danos, sem prejuízo da apuração de responsabilidade e da aplicação de penalidades cabíveis.
Como se pode observar, para a decretação da nulidade primeiro é necessário verificar se a irregularidade pode ser objeto de saneamento.
Em seguida, deve-se realizar prévia análise se a declaração de nulidade é medida de interesse público. Tal análise deve considerar aspectos ambientais e sociais na paralisação da obra, deterioração das parcelas já executadas, custos para realização de nova licitação ou celebração de novo contrato, impactos econômicos e financeiros decorrentes do atraso na fruição dos benefícios do objeto do contrato, dentre outras relevantes questões.
A Lei 14.133/2021 agora inverte a lógica da Lei 9.874. Antes a convalidação somente seria realizada caso não ferisse o interesse público. Agora, a decretação de nulidade de contratos somente pode ser decretada se houver prévia análise do interesse público na anulação. Caso a nulidade não se revele medida de interesse público, a paralisação ou nulidade do contrato não poderá ser adotada.
Tal impedimento não exclui a necessária responsabilização e da aplicação das penalidades cabíveis.
Caso constatada que a nulidade seja a medida mais adequada a atender o interesse público, aí sim esta operará retroativamente, preservando-se o direito à indenização por perdas e danos:
Art. 148. A declaração de nulidade do contrato administrativo requererá análise prévia do interesse público envolvido, na forma do art. 147 desta Lei, e operará retroativamente, impedindo os efeitos jurídicos que o contrato deveria produzir ordinariamente e desconstituindo os já produzidos.
§ 1º Caso não seja possível o retorno à situação fática anterior, a nulidade será resolvida pela indenização por perdas e danos, sem prejuízo da apuração de responsabilidade e aplicação das penalidades cabíveis.
(...)
Art. 149. A nulidade não exonerará a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que houver executado até a data em que for declarada ou tornada eficaz, bem como por outros prejuízos regularmente comprovados, desde que não lhe seja imputável, e será promovida a responsabilização de quem lhe tenha dado causa.
Interessante regra é a possibilidade de que a declaração de nulidade só tenha eficácia em momento futuro:
Art. 148
§ 2º Ao declarar a nulidade do contrato, a autoridade, com vistas à continuidade da atividade administrativa, poderá decidir que ela só tenha eficácia em momento futuro, suficiente para efetuar nova contratação, por prazo de até 6 (seis) meses, prorrogável uma única vez.
Tal regra revela-se importante para que o contrato, que tenha prazo ainda restante, seja preservado e que haja o tempo necessário para a realização de uma nova contratação pela Administração, sem paralisação das atividades e prejuízos à coletividade.
6. Do Papel da Advocacia Pública com o regime de nulidades da nova lei de licitações
Considerando que a Lei 14.133/2021 exige que a declaração de nulidade seja realizada tão somente após a análise de interesse público da nulidade, foi conferido à advocacia pública arcabouço normativo fundamental para a sua atuação na defesa e manutenção de contratos firmados pelo Poder Público.
Para tanto, o advogado público deve buscar junto à Administração Estadual subsídios que demonstrem os severos impactos que a declaração de nulidade ocasionará à coletividade, a exemplo de prejuízos financeiros com a paralisação de obras, atraso na entrega de equipamentos públicos, deterioração de parcelas de obras já executadas, prejuízo com a realização de nova licitação ou novo contrato.
Assim, deve a advocacia pública com base em tais elementos instruir o processo em que os contratos do Poder Público são questionados para que os julgadores sejam devidamente informados dos prejuízos causados e possam preservar os atos do Poder Público quando demonstrado que a nulidade se revela mais prejudicial que a manutenção do contrato para a execução das políticas públicas.
Além disso, deve a advocacia se insurgir diante de decisões que sem a devida fundamentação de interesse público exigida na Lei 14.133/2021 suspendam ou anulem contratos por aspectos formais sem a análise das consequências de tais medidas.
Conclusão
Assim, por todas as razões expostas, apresentamos proposição no sentido de que a Lei 14.133/2021 representou grande mudança na lógica da declaração de nulidade de contratos administrativos fornecendo arcabouço normativo robusto para a preservação dos contratos do Poder Público ao exigir análise de que a declaração de nulidade é medida de interesse público, cabendo à advocacia pública papel fundamental em levar aos julgadores e instâncias decisórias os impactos, riscos e prejuízos que a declaração de nulidade pode causar com o fim de preservar a execução dos contratos e a efetividade das políticas públicas, evitando-se a proliferação de contratos suspensos e obras paralisadas.
Referências
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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
FERRAZ, Luciano. Nulidades na nova Lei de Licitações: antes nunc do que tunc. 2021. Disponível em https://www.conjur.com.br/2021-nov-11/interesse-publico-nulidades-lei-licitacoes-antes-nunc-tunc/.
TEIXERA JÚNIOR, Flavio Germano de Sena; NÓBREGA, Marcos. A TEORIA DAS INVALIDADES NA NOVA LEI DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS E O EQUILÍBRIO DOS INTERESSES ENVOLVIDOS. 2021. Disponível em https://ronnycharles.com.br/wp-content/uploads/2021/07/ARTIGO-A-TEORIA-DAS-INVALIDADES-NA-NOVA-LEI-DE-CONTRATAC%CC%A7O%CC%83ES-PU%CC%81BLICAS-E-O-EQUILI%CC%81BRIO-DOS-INTERESSES-ENVOLVIDOS-1.pdf
Procurador do Estado da Bahia. Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Pós-Graduado em Direito do Estado pelo JusPodivm. Pós-Graduado em Advocacia Pública pelo IDDE-Faculdade Arnaldo-Portugal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Ubenilson Colombiano Matos dos. Da mudança de perspectiva dos efeitos da nulidade no direito administrativo e a nova Lei de Licitações Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 mar 2025, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigo/68018/da-mudana-de-perspectiva-dos-efeitos-da-nulidade-no-direito-administrativo-e-a-nova-lei-de-licitaes. Acesso em: 11 mar 2025.
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