Resumo: Analisar-se-ão, no presente ensaio, alguns contos machadianos e a soberba que ronda muitos juristas brasileiros, sendo esta uma característica da cultura jurídica, também evidenciada nos contos de Machado de Assis.
Palavras-chave: Direito e literatura; Machado de Assis; Direito; Cultura jurídica; Brasil.
Já ouvi muitas, mesmo sendo estudante de Direito, a famosa frase de que "ninguém gosta de advogados" ou "advogados são muito soberbos e arrogantes". Em parte, há um quê de verdade nisso. Infelizmente, na cultura jurídica brasileira, há uma certa soberba e um sentimento de superioridade entre estudantes de Direito, influenciados pelos profissionais da área, como juristas e operadores do Direito, o que é lamentável.
Com o intuito de explicar esse fenômeno, trago alguns contos de Machado de Assis, unindo Direito e literatura brasileira, para ilustrar essa característica presente nas universidades do país e, consequentemente, a soberba da cultura jurídica no Brasil. Vale destacar que ambos os fatores se retroalimentam num fluxo contínuo e sem fim.
Machado de Assis foi um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos e, na minha opinião, um dos melhores do mundo. Escreveu romances memoráveis, como Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba e sua obra mais famosa, Dom Casmurro. Todavia, também foi um excelente contista. Sim, contos! Se seus romances são extraordinários, seus contos são verdadeiramente geniais. Dentre eles, comentarei dois de maneira mais específica: O Segredo do Bonzo e Teoria do Medalhão, ilustres obras do Bruxo do Cosme Velho.
O Segredo do Bonzo é narrado em primeira pessoa e relata as aventuras de Fernão Mendes Pinto, antigo explorador português do século XVI, no reino de Bungo. No início da história, ele anuncia uma nova doutrina repleta de benefícios e benesses. Em síntese, essa doutrina contrapõe aparência e essência, evidenciando a importância do discurso para cativar as massas e transformar uma "mentira" em "verdade" por meio da retórica e das aparências.
Diante disso, percebe-se que o Direito, na atualidade, está repleto desse mesmo fenômeno: muitos discursos, teatralização e soberba, mas pouquíssimo conhecimento. Há pouca substância e humildade. A doutrina enunciada por Fernão Mendes Pinto, em O Segredo do Bonzo, reflete a realidade da cultura jurídica brasileira: muita ostentação e aparência, mas pouco ou nenhum conhecimento teórico e prático — principalmente o primeiro.
Já em Teoria do Medalhão, a história gira em torno de um jovem que recebe conselhos de seu pai logo após completar 21 anos. O pai o instrui a ser como um medalhão: alguém que conquistou riqueza, sucesso e fama, mas que brilha apenas por fora. Ele sugere ao filho que mude seus hábitos, tenha um vocabulário mais pobre, um humor mais chulo e menos refinado e que evite ter muitas "ideias na cabeça".
Esse conto exemplifica bem a cultura jurídica brasileira: a busca por status e reconhecimento social, sem a devida preocupação com a profundidade intelectual. Muitos estudantes de Direito sonham (alto!) com cargos prestigiados, mas o curso está repleto de pais e professores que, assim como no conto Teoria do Medalhão, aconselham os jovens a ter pouco pensamento crítico, a "podar-se", a adotar um vocabulário jurídico rebuscado, mas sem profundidade. Ou seja, parecer, mas não ser.
Percebe-se que a cultura jurídica brasileira faz com que operadores do Direito e juristas desempenhem mais um papel social do que intelectual: parecem cultos, inteligentíssimos e geniais, mas, na realidade, muitas vezes não são nada disso. O meio jurídico, inclusive nas universidades, preocupa-se mais em criar uma "aura" de intelectualidade do que em formar verdadeiros juristas. Esse fenômeno é o oposto da essência: privilegia-se a aparência em detrimento do conhecimento real. Para superar essa cultura jurídica defasada, antiga e arcaica, é essencial que o foco seja direcionado à essência, e não à mera aparência.
Referências
ASSIS, Machado de. 50 contos de Machado de Assis. 1 ed. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2007.
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