A recente deliberação do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.495/ES, reavivou questões de indiscutível relevância no âmbito do direito tributário, especialmente no que se refere à validade de isenções concedidas a pessoas com deficiência. Em análise, estava a Lei Complementar nº 298/2004, oriunda do Estado do Espírito Santo, cuja compatibilidade com a Constituição Federal suscitou debate, notadamente em função da evolução legislativa e da exigência de autorização pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) para a implementação de benefícios fiscais.
A controvérsia iniciou-se com a alegação de que a norma estadual teria sido elaborada com violação à iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo local. No entanto, a Suprema Corte, com fundamento em jurisprudência consolidada, refutou tal entendimento. Restou consignado que o art. 61, § 1º, inciso II, alínea "b", da Carta Magna aplica-se exclusivamente ao âmbito federal, sendo inaplicável aos estados-membros. Ademais, frisou-se que a reserva de iniciativa prevista no art. 165, inciso II, não abarca normas tributárias materiais, direcionando-se às leis de diretrizes orçamentárias.
Todavia, a discussão de maior densidade jurídica concentrou-se na possível inconstitucionalidade material da legislação. Quando de sua promulgação, vigorava o Convênio ICMS nº 77/2004, que delimitava o benefício fiscal apenas às saídas de veículos destinados a condutores com deficiência física impossibilitados de dirigir automóveis convencionais. A norma capixaba, entretanto, ampliava o escopo, contemplando também pessoas com deficiência visual, mental severa ou profunda e indivíduos diagnosticados com transtorno do espectro autista, o que excedia os limites fixados pelo convênio então vigente.
A Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República subscreveram o entendimento pela inconstitucionalidade, em razão da inexistência de autorização expressa para tal extensão. Entretanto, no curso da análise, o Ministro relator Cristiano Zanin destacou que o panorama normativo havia sido substancialmente alterado pela edição da Lei nº 10.864/2017. Esta, ao reformular o texto da LC 298/2004, passou a espelhar de forma fidedigna as previsões do Convênio ICMS nº 38/2012, vigente à época da alteração legislativa, o qual autorizava expressamente a isenção também para os grupos mencionados.
Nesse sentido, revela-se elucidativo o seguinte trecho do voto: "em outras palavras, e embora haja inegável continuidade normativa da isenção de ICMS para pessoas com deficiência no âmbito do Estado do Espírito Santo, a alteração legislativa introduzida pela Lei n. 10.864/2017 supre, na minha compreensão, o vício de inconstitucionalidade formal da lei originária". Com efeito, tal pronunciamento reconhece a regularização do diploma normativo mediante sua adequação ao convênio vigente, configurando um caso exemplar de convalidação normativa superveniente. A edição de nova norma em consonância com os ditames constitucionais operou a superação do vício inicialmente identificado.
Essa conclusão, que alinha tecnicidade e sensibilidade institucional, demonstra a capacidade do STF em harmonizar a estrita observância à legalidade com a concretização de direitos fundamentais. Ao validar a isenção de ICMS concedida, a Corte prestigiou a inclusão social, reconhecendo no tributo não apenas uma função arrecadatória, mas também um instrumento de promoção da justiça social.
Não se limitando ao caso concreto, a decisão consolida referencial interpretativo para situações análogas, em que normas estaduais, editadas sem respaldo imediato de convênio, venham a ser oportunamente ajustadas. Tal compreensão assegura a continuidade normativa e respeita os balizamentos constitucionais que regem os benefícios fiscais, evitando soluções abruptas que possam comprometer políticas públicas de grande relevância social.
Esse entendimento consolida uma visão de Estado que, sem abrir mão da legalidade estrita, é capaz de corrigir o curso normativo em prol de finalidades constitucionais superiores.
Referências bibliográficas:
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3.495/ES. Rel. Min. Cristiano Zanin, j. 19 ago. 2024.
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