GABRIEL E. FIGUEIREDO DA PURIFICAÇÃO[1]
(coautor)
Resumo: O presente estudo examina as recentes alterações normativas voltadas à ampliação da arbitragem no âmbito laboral, bem como as proposições legislativas que buscam intensificar seu emprego em dissídios trabalhistas, a exemplo do Projeto de Lei nº 3365/2020. Em contraste com o impulso modernizante defendido por setores do Legislativo, observa-se a resistência histórica da Justiça do Trabalho em aderir a procedimentos arbitrais, sobretudo diante da indisponibilidade de certos direitos e da hipossuficiência do trabalhador. A despeito dos benefícios apregoados, como celeridade e redução da sobrecarga judicial, questiona-se a legitimidade do consentimento do empregado, a onerosidade do procedimento e o efetivo equilíbrio entre as partes. Ao comparar experiências alienígenas e avaliar a eficácia prática das mudanças introduzidas pela Reforma Trabalhista, cumulados com a radiografia da estatística relacionada, o artigo revela que a arbitragem, se não acompanhada de salvaguardas adequadas, tende menos a democratizar o acesso à justiça e mais a reforçar desigualdades estruturais preexistentes.
Palavras-chave: Arbitragem trabalhista; Reforma Trabalhista; PL 3365/2020; Direitos indisponíveis; Hipossuficiência.
Abstract: The present study examines recent regulatory changes aimed at expanding arbitration in the labor sphere, as well as legislative proposals seeking to intensify its application in labor disputes, such as Bill No. 3365/2020. In contrast to the modernizing drive advocated by certain sectors of the Legislature, there is a historical resistance from the Labor Justice system to adopting arbitral procedures, particularly due to the unavailability of certain rights and the worker's vulnerability. Despite the touted benefits, such as speed and reduction of judicial backlog, questions arise regarding the legitimacy of the employee’s consent, the costs of the procedure, and the actual balance between the parties. By comparing foreign experiences and assessing the practical effectiveness of the changes introduced by the Labor Reform, coupled with a statistical analysis, the article reveals that arbitration, if not accompanied by adequate safeguards, is less likely to democratize access to justice and more likely to reinforce preexisting structural inequalities.
Keywords: Labor arbitration; Labor Reform; Bill No. 3365/2020; Unavailable rights; Vulnerability.
Sumário: 1. Introdução. 1.1. Contextualização e Relevância do Tema. 1.2. Objeto do Artigo. 1.3. Metodologia. 2. Fundamentos da Arbitragem Trabalhista. 2.1. Arbitrabilidade Objetiva e Subjetiva. 3. Inserção pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17). 4. Propostas do PL 3365/20 e suas respectivas Consequências. 5. Comparação com Modelos Internacionais. 5.1. O Modelo Francês de Arbitragem Trabalhista. 5.1.1. Arbitragem Trabalhista no Código do Trabalho Francês. 5.2. O Modelo dos Estados Unidos de Arbitragem Trabalhista. 5.2.1. The Federal Arbitration Act (FAA). 5.3. O Modelo Alemão de Arbitragem Trabalhista. 5.3.1. O Einigungsstelle. 6. Contraste ao Direito Internacional do Trabalho. 7. Controvérsias e Perspectivas da Arbitragem Trabalhista. 7.1. O Impacto da Reforma Trabalhista. 7.2. A Resistência da Justiça do Trabalho Brasileira à Arbitragem Trabalhista Individual. 7.3. Entre Custos, Celeridade e Acesso: A Arbitragem Trabalhista em Perspectiva. 8. Considerações Finais. 9. Referências Bibliográficas.
1.Introdução
Apesar de a Lei de Arbitragem[2] (LArb) ter oferecido, ao longo de quase três décadas, uma alternativa para a resolução célere de conflitos no âmbito civil e comercial, sua extensão ao domínio trabalhista permanece envolta em controvérsias. No contexto brasileiro, a tentativa de incorporar a arbitragem às relações laborais esbarra em desafios estruturantes: ao mesmo tempo em que se vislumbra a possibilidade de reduzir a sobrecarga do Judiciário, emergem questionamentos sobre a integridade de direitos tipicamente indisponíveis, a real voluntariedade do trabalhador e a adequação do instituto às assimetrias socioeconômicas que caracterizam o vínculo empregatício.
A Reforma Trabalhista[3] de 2017, ao introduzir o artigo 507-A da CLT, propôs critérios específicos para a adoção da arbitragem em contratos de trabalho, restringindo sua aplicação a faixas salariais superiores e exigindo consentimento expresso. Embora essa inovação tenha sido saudada por alguns como um passo rumo à modernização das relações laborais, sua eficácia prática mostrou-se limitada, reforçando a percepção de que, na esfera trabalhista, a arbitragem encontra dificuldades em harmonizar a autonomia da vontade com a proteção de direitos fundamentais.
A recente discussão envolvendo o Projeto de Lei nº 3365/20[4], que busca ampliar o acesso à arbitragem trabalhista por meio da redução do piso salarial exigido e da certificação do consentimento informado do empregado, sinaliza nova tentativa de democratizar o instituto. Entretanto, tais propostas suscitam dúvidas sobre sua efetividade: a elevação do número de potenciais usuários não garante a superação das barreiras financeiras, nem dissipa o receio de pressões veladas ou da conversão de direitos indisponíveis em moeda de troca.
Nesse sentido, o presente artigo debruça-se sobre um problema central: até que ponto as alterações legislativas recentes e as proposições do PL 3365/20 contribuem para uma democratização efetiva da arbitragem trabalhista, preservando a essência protetiva do Direito do Trabalho, ou acabam por reforçar desigualdades estruturais, inviabilizando seu acesso real por parte dos empregados? Sob esse prisma, parte-se da hipótese de que, embora haja esforços normativos no sentido de expandir a arbitragem no plano laboral, o elevado custo do procedimento, a fragilidade do consentimento do trabalhador e a própria natureza indisponível de certos direitos dificultam sua efetiva inserção como instrumento legítimo e equitativo.
O objetivo principal deste estudo consiste em avaliar criticamente o impacto dessas inovações sobre o uso da arbitragem trabalhista, considerando as implicações do artigo 507-A da CLT e a proposta do PL 3365/20. Como objetivos específicos, busca-se (i) examinar o arcabouço normativo que delimita a arbitrabilidade trabalhista; (ii) identificar os entraves práticos para o trabalhador, como custos e vulnerabilidade nas relações de emprego; (iii) compreender as tensões entre eficiência processual e tutela de direitos fundamentais; e (iv) indicar caminhos interpretativos ou normativos que busquem um equilíbrio mais sólido entre celeridade e proteção.
Metodologicamente, a pesquisa apoia-se em análise qualitativa de referenciais legislativos, doutrinários e jurisprudenciais, bem como em reflexões comparativas com modelos internacionais. Nesse percurso, a discussão estrutura-se de forma a primeiro contextualizar a arbitragem trabalhista no ordenamento brasileiro, evidenciando as resistências históricas.
Em seguida, serão abordadas as inovações introduzidas pela Reforma Trabalhista e as disposições do PL 3365/20, confrontando-as com as críticas fundadas no desequilíbrio entre as partes e na natureza indisponível dos direitos trabalhistas. Posteriormente, avaliam-se as experiências internacionais, a fim de relativizar o debate doméstico. Por fim, o estudo apresenta considerações sobre os desafios e contradições inerentes à adoção da arbitragem no âmbito laboral, sugerindo possíveis vias de aprimoramento.
Assim, mais do que um exame meramente técnico, esta investigação pretende contribuir para um debate que repercute sobre a própria concepção de acesso à justiça e proteção do trabalhador, propondo reflexões para que a arbitragem trabalhista não se converta em mera ilusão de celeridade, mas possa, caso viável, inserir-se harmonicamente no sistema jurídico brasileiro.
2.Fundamentos da Arbitragem Trabalhista
2.1 Arbitrabilidade Objetiva e Subjetiva
Em linhas gerais, os conceitos de arbitrabilidade objetiva e subjetiva são delineados pelo art. 1º da LArb, o qual postula que “pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis". A primeira parte grifada do trecho refere-se à arbitrabilidade subjetiva, ou seja, quem é capaz de figurar como parte em um procedimento arbitral. Já o segundo grifo, é atinente aos objetos que são passíveis de julgamento por um tribunal arbitral.
Em matéria trabalhista, o debate da arbitrabilidade objetiva reside na delimitação entre direitos patrimoniais disponíveis e indisponíveis. No Direito do Trabalho, a indisponibilidade de direitos está associada ao princípio da proteção, que visa salvaguardar o trabalhador em face de sua posição de vulnerabilidade quando comparado ao seu respectivo empregador. Direitos como salário mínimo, férias e verbas rescisórias são frequentemente classificados como indisponíveis, enquanto outros aspectos contratuais, como bonificações e benefícios negociados, podem ter caráter disponível, dependendo das circunstâncias[5].
A aplicação restritiva da arbitragem no campo trabalhista reflete o receio de que sua utilização possa enfraquecer as garantias fundamentais dos trabalhadores. Rememora-se que a arbitrabilidade objetiva compõe a vontade do legislador em permitir o crivo arbitral apenas em matérias balizadas pela legislação nacional. Ao contrário, a arbitrabilidade subjetiva comporta apenas o conceito de capacidade trazido pelo Código Civil, não apresentando uma redução significativa da aplicabilidade da arbitragem.
3. Inserção pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17)
A Reforma Trabalhista de 2017, ao prometer a modernização das relações de emprego no país, inaugurou significativas inovações, dentre as quais se destaca a incorporação da arbitragem aos contratos individuais de trabalho. Essa inserção, consolidada pelo artigo 507-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), passou a oferecer um novo caminho para a resolução de conflitos entre empregadores e empregados, ampliando o escopo dos meios alternativos de solução de controvérsias. O referido dispositivo estabelece que:
Art 507-A: Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, é facultado aos contratantes, de comum acordo, pactuar cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.
Com o teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) fixado em R$7.507,49 para o ano de 2024, o acesso à arbitragem trabalhista por meio do artigo 507-A da CLT tornou-se prerrogativa exclusiva de um grupo restrito de empregados, cuja remuneração supera o montante de R$15.014,98 mensais. Na prática, isso significa que apenas profissionais de elevada qualificação, como executivos e especialistas, podem usufruir dessa alternativa, ao passo que a imensa maioria dos trabalhadores permanece vinculada ao trâmite judicial tradicional.
Essa seletividade não apenas distancia a arbitragem do cotidiano da força de trabalho brasileira, mas também suscita indagações sobre a verdadeira capacidade do instituto em democratizar o acesso à justiça trabalhista. Afinal, se o propósito da arbitragem é conferir agilidade e eficiência à resolução de conflitos, o que dizer do contingente majoritário de empregados que continua alijado desse mecanismo? As implicações de tal exclusão demandam reflexão e apontam para a necessidade de repensar os critérios e as condições de sua aplicabilidade.
A previsão contida no artigo 507-A da CLT condiciona a instituição da arbitragem à anuência expressa do trabalhador, a qual, em tese, deveria ser fruto de uma decisão livre, informada e pautada na plena autonomia contratual. Todavia, a aparente voluntariedade desse consentimento revela-se questionável no contexto concreto das relações empregatícias.
Diante da desigualdade estrutural que caracteriza o vínculo laboral, o trabalhador frequentemente se encontra em situação de hipossuficiência, com limitadas oportunidades de influenciar os termos do contrato. Nesses casos, a aceitação da arbitragem tende a assumir contornos de formalidade, resultante não de uma deliberação efetivamente autônoma, mas do receio de retaliações, seja pela não renovação contratual, seja pela deterioração das condições de trabalho. Assim, o desafio reside em avaliar se a arbitragem, nesses moldes, não reforça o desequilíbrio inerente à relação de emprego, comprometendo sua legitimidade enquanto ferramenta de solução de conflitos.
A inserção da arbitragem no universo laboral traduz o esforço de transpor ao Direito do Trabalho uma lógica decisória consolidada nas esferas comercial e civil. Embora a Lei de Arbitragem (LArb) tenha erigido um importante marco regulatório, concebendo um mecanismo alternativo ao Poder Judiciário para a solução de disputas privadas, sua aplicação ao contexto trabalhista não é tarefa simples.
Em um campo normativo intrinsecamente marcado por garantias de ordem pública e pela tutela do hipossuficiente, o instituto enfrenta o desafio de adequar princípios baseados na autonomia da vontade a um cenário em que o trabalhador, posição mais vulnerável da relação empregatícia, demanda especial proteção[6]. Esse aparente paradoxo – entre a lógica consensual e a defesa irrenunciável de direitos fundamentais – ainda carece de arranjos que harmonizem celeridade e equilíbrio, sinalizando que a problemática permanece sem resposta plenamente satisfatória.
A autenticidade do consentimento, na prática, constitui outro ponto nevrálgico no debate sobre a arbitragem trabalhista. Embora o texto do artigo 507-A da CLT exija, em tese, a anuência expressa do empregado, a dinâmica das relações de trabalho raramente oferece condições efetivas de liberdade decisória. Com frequência, o trabalhador age sob o peso de pressões implícitas, receando consequências adversas, como o não prosseguimento do vínculo empregatício ou o agravamento das condições de labor.
Nesse sentido, não faltam vozes críticas na doutrina. Salienta-se o fato de que a assimetria de poder entre empregado e empregador tende a converter o consentimento em mera formalidade, em lugar de um ato verdadeiramente livre[7]. Similarmente, questiona-se a possibilidade do instituto da arbitragem[8], longe de representar um avanço, não acaba por aprofundar as disparidades já existentes. A promessa de uma solução mais ágil e eficiente para os dissídios laborais esbarra, assim, na constatação de que a autonomia do trabalhador, tal como concebida no modelo arbitral, pode ser mais aparente do que efetiva, comprometendo a própria legitimidade do instituto.
Outra dimensão sensível do debate em torno da arbitragem trabalhista reside nos custos inerentes ao procedimento. Ainda que a arbitragem, em teoria, ofereça soluções mais céleres e menos formais, essa aparente vantagem é acompanhada por um ônus financeiro significativo. Enquanto a Justiça do Trabalho assegura ao empregado, via de regra, acesso gratuito e proteção contra despesas processuais, a arbitragem se faz anteceder de honorários e taxas administrativas elevadas, que podem inviabilizar completamente o seu uso, sobretudo por trabalhadores de renda mais modesta. Assim, mesmo a parcela que se enquadra nos critérios salariais do artigo 507-A da CLT muitas vezes se vê alijada dessa alternativa. Paradoxalmente, portanto, o instituto acaba por servir aos poucos que já contam com meios para arcar com esses gastos, deixando de lado justamente aqueles que mais necessitariam de um caminho acessível, equilibrado e eficiente para solucionar seus litígios laborais.
Interessante examinar a natureza privada e sigilosa dos procedimentos arbitrais. Enquanto a Justiça do Trabalho desempenha uma função social de grande alcance, garantindo publicidade a suas decisões e, desse modo, construindo precedentes que orientam disputas futuras e influenciam práticas empresariais, a arbitragem segue caminho diverso. O procedimento arbitral, ao ocorrer de modo reservado, raramente projeta seus efeitos além das partes envolvidas, privando o sistema de referências interpretativas úteis. Essa dinâmica enfraquece o papel educativo e normativo exercido pela Justiça do Trabalho, que não apenas soluciona litígios específicos, mas também atua como importante agente na conformação das relações laborais em escala mais ampla.[9].
A arbitragem trabalhista, ao contrário do modelo consolidado no âmbito comercial, ainda percorre uma trajetória incipiente no Brasil, sem o suporte de um mercado estruturado ou de profissionais com expertise específica em Direito do Trabalho. A ausência de árbitros familiarizados com as nuances desse ramo jurídico pode dar ensejo a decisões pouco sensíveis às garantias e peculiaridades que visam proteger o empregado.
Diante desse quadro, não basta introduzir a arbitragem como via alternativa aos litígios laborais: torna-se imprescindível refletir, com rigor analítico, sobre os impactos de sua implementação. As dificuldades e paradoxos que emergem da tentativa de aplicar um instrumento concebido para relações paritárias a um cenário marcado pela hipossuficiência do trabalhador exigem atenção. Antes de se firmar como solução viável e justa, a arbitragem trabalhista demanda avaliação criteriosa, aperfeiçoamento prático e uma visão que assegure a manutenção dos direitos fundamentais em jogo.
4.Propostas do PL 3365/20 e suas respectivas consequências
O PL 3365/20 representa uma tentativa de democratizar o acesso à arbitragem no Direito do Trabalho, redefinindo o piso salarial necessário para a aplicação do artigo 507-A da CLT. A proposta reduz o limite de duas vezes para uma vez o teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), atualmente fixado em R$7.507,49. Essa alteração possibilita que um número significativamente maior de trabalhadores, em faixas salariais médias, tenha acesso à arbitragem como mecanismo de resolução de conflitos trabalhistas.
No entanto, o impacto dessa alteração precisa ser analisado com cautela. Embora amplie formalmente o acesso ao instituto, não resolve os desafios estruturais, como os altos custos envolvidos no procedimento arbitral e a vulnerabilidade de trabalhadores com menor capacidade financeira para arcar com esses encargos. Trabalhadores de baixa renda permanecem excluídos da possibilidade prática de optar pela arbitragem, perpetuando desigualdades existentes na relação entre empregadores e empregados.
O PL introduz a obrigatoriedade de certificação do consentimento informado, exigindo que o mediador ou árbitro assegure que as partes compreendam plenamente (i) a natureza privada da arbitragem, desvinculada do Poder Judiciário; (ii) a voluntariedade do procedimento arbitral; (iii) A liberdade das partes para escolher o árbitro ou mediador; e (iv) a ausência de obrigação do trabalhador em aceitar os termos de conciliação.
Essa medida, embora inovadora, levanta dúvidas sobre sua efetividade prática. O consentimento informado é uma premissa essencial para assegurar a legitimidade do procedimento, mas, em um ambiente de desigualdade estrutural, o trabalhador pode ainda assim sentir-se pressionado a aceitar a arbitragem como solução, especialmente em situações de instabilidade econômica ou após uma rescisão contratual.
Outra inovação relevante é a permissão para que trabalhadores com remuneração abaixo do novo piso proposto possam optar pela arbitragem apenas após a rescisão do contrato de trabalho, mediante termo específico. Essa disposição busca evitar a coação implícita no momento da pactuação inicial, quando o trabalhador está mais vulnerável às pressões do empregador. Contudo, ao limitar o uso da arbitragem a um contexto pós-contratual, o PL restringe seu potencial preventivo, um dos principais diferenciais do instituto em outros sistemas jurídicos.
Nessa esteira, a redefinição do piso salarial tem méritos aparentes, mas seus efeitos concretos precisam ser questionados. Ampliar formalmente o universo de trabalhadores elegíveis para a arbitragem não significa, necessariamente, democratizar o acesso. Os custos elevados do procedimento permanecem como um obstáculo central. Estudos apontam que, mesmo para trabalhadores com remuneração superior ao novo limite, os encargos financeiros do procedimento arbitral – incluindo honorários de árbitros e taxas administrativas – podem ser desproporcionais em relação ao valor dos litígios trabalhistas comuns, como verbas rescisórias ou disputas sobre horas extras[10].
Embora o consentimento informado seja um avanço normativo importante, a prática trabalhista brasileira demonstra que o desequilíbrio de poder entre empregadores e empregados pode tornar essa garantia ineficaz. A certificação formal não elimina as pressões implícitas que o trabalhador enfrenta ao optar pela arbitragem, especialmente quando o contrato de trabalho ainda está em vigor. Em muitas situações, o trabalhador pode assinar o termo de arbitragem por receio de represálias ou com a falsa expectativa de que a escolha pelo procedimento trará benefícios imediatos, como maior celeridade na resolução do litígio[11].
A possibilidade de pactuação da arbitragem após a rescisão contratual parece um caminho mais equilibrado, pois reduz o risco de coerção direta. Contudo, essa abordagem também apresenta limitações. O litígio pós-contratual tende a ser mais complexo e já está judicializado, diminuindo a eficácia preventiva da arbitragem. Além disso, em cenários de instabilidade econômica, o trabalhador desempregado pode ainda estar vulnerável a pressões econômicas para aceitar um procedimento arbitral custoso, sem plena consciência das implicações financeiras e jurídicas.
Ao expandir a arbitragem sem resolver questões estruturais como custos e desigualdades de poder, o PL corre o risco de comprometer o equilíbrio entre eficiência processual e proteção de direitos. A arbitragem trabalhista, como concebida no PL, pode se tornar uma ferramenta de esvaziamento gradual das garantias legais do trabalhador, transformando direitos protegidos por normas de ordem pública em objetos de negociação arbitral, enfraquecendo a função social do Direito do Trabalho[12].
5.Comparação com Modelos Internacionais
5.1 O Modelo Francês de Arbitragem Trabalhista
A arbitragem trabalhista, enquanto mecanismo alternativo de resolução de conflitos laborais, tem encontrado aplicações diversas ao redor do mundo, moldadas pelas tradições jurídicas e pelo contexto social de cada país. Na França, esse modelo é profundamente enraizado em uma filosofia que privilegia a proteção dos direitos sociais e a negociação coletiva, refletindo os valores históricos do sistema jurídico francês.
Diferentemente de sistemas em países de common law, onde a arbitragem tem aplicação abrangente, incluindo disputas individuais e cláusulas inseridas em contratos de trabalho, o modelo francês adota uma postura mais restritiva e cautelosa. Esta abordagem, em muitos aspectos, é mais do que uma simples escolha técnica: ela representa uma resposta ética e jurídica às assimetrias que caracterizam as relações de trabalho.
Se, em outras jurisdições, a arbitragem pode ser vista, ainda que de maneira precipitada, como uma forma de aliviar a sobrecarga dos tribunais, na França, seu papel é cuidadosamente delimitado a litígios cuja a elevada necessidade técnica se pressupõe, conforme os dispositivos do Code du Travail [13]e as características distintivas deste sistema.
Arbitragem Trabalhista no Código do Trabalho Francês
A regulamentação da arbitragem trabalhista na França é encontrada nos artigos L2524-1 a L2524-6 do Code du Travail. Esses dispositivos, embora concisos, traçam um quadro normativo robusto, evidenciando a integração entre arbitragem, negociação coletiva e outros métodos de resolução de conflitos. Confira o artigo L2524-1:
La convention ou l'accord collectif de travail peut prévoir une procédure contractuelle d'arbitrage et l'établissement d'une liste d'arbitres dressée d'un commun accord entre les parties.
Tradução: A convenção ou o acordo coletivo de trabalho pode prever um procedimento contratual de arbitragem e o estabelecimento de uma lista de árbitros elaborada de comum acordo entre as partes.
Esta legislação não apenas permite, mas encoraja a autonomia coletiva das partes envolvidas. A arbitragem, neste contexto, é apresentada como um mecanismo acessório, cuja força reside na voluntariedade e no consenso. Ao estipular que os árbitros sejam selecionados mutuamente, a norma não só evita imposições unilaterais, mas também fortalece a confiança das partes no processo.
Esse foco na negociação coletiva reflete uma característica singular do modelo francês: a crença de que os sindicatos e empregadores estão em melhor posição para decidir os métodos de resolução de conflitos, desde que isso ocorra dentro de um quadro capaz de respeitar os direitos trabalhistas.
Outro exemplo interessante é o artigo L2524-2. Neste, o procedimento arbitral se apresenta como uma segunda linha de defesa, ativada somente após o fracasso da mediação ou conciliação. Esse caráter subsidiário é um reflexo direto da cautela do legislador francês, que privilegia soluções consensuais antes de recorrer à arbitragem, especialmente em um cenário de desequilíbrios econômicos entre empregadores e trabalhadores. Veja a íntegra do dispositivo:
Lorsque la convention collective de travail ne prévoit pas de procédure contractuelle d'arbitrage, les parties intéressées peuvent décider d'un commun accord de soumettre à l'arbitrage les conflits qui subsisteraient à l'issue d'une procédure de conciliation ou de médiation.
Tradução: Quando a convenção coletiva de trabalho não prevê um procedimento contratual de arbitragem, as partes interessadas podem decidir de comum acordo submeter à arbitragem os conflitos que subsistirem após um procedimento de conciliação ou mediação.
Portanto, o modelo francês de arbitragem trabalhista, fundamentado na prudência e na proteção, prioriza o equilíbrio de poder entre empregadores e empregados, exigindo consenso mútuo e frequentemente a mediação sindical, em oposição à imposição unilateral de cláusulas arbitrais comuns em outros sistemas, como o norte-americano.
Essa abordagem reflete a preferência pelos Conseils de Prud’hommes, tribunais especializados compostos por representantes de trabalhadores e empregadores, que proporcionam uma resolução acessível, equitativa e amplamente reconhecida como mais justa e protetiva do que a arbitragem, reforçando o compromisso com a justiça social e a proteção do trabalhador.
5.2 O Modelo dos Estados Unidos de Arbitragem Trabalhista
Já no contexto dos Estados Unidos, a arbitragem trabalhista se consolidou como um dos métodos mais amplamente utilizados para a resolução de disputas entre empregadores e empregados. Regulamentada pela Federal Arbitration Act[14] (FAA), promulgada em 1925, a arbitragem foi projetada para fomentar soluções eficientes, reduzindo a carga dos tribunais públicos. Contudo, à medida que o procedimento se expandiu para o contexto trabalhista, surgiram questionamentos sobre a sua adequação em um ambiente marcado por desequilíbrios de poder, especialmente em contratos de trabalho individuais.
Ao longo do tempo, a FAA e as interpretações judiciais que a acompanharam moldaram um paradigma controverso. A promessa de eficiência e rapidez contrasta com críticas de que as cláusulas de arbitragem obrigatória impõem restrições severas ao acesso dos trabalhadores à justiça. Logo, de modo a compreender a lógica estadunidense, examinar-se-á os dispositivos centrais da FAA, as decisões judiciais relevantes e as implicações desse modelo no contexto trabalhista, oferecendo uma análise detalhada de suas virtudes e falhas.
The Federal Arbitration Act (FAA)
A FAA está codificada no Título 9 do Código dos Estados Unidos (U.S.C., Title 9, Sections 1-16). Seus dispositivos foram criados para validar e reforçar acordos de arbitragem, inicialmente destinados a transações comerciais. No entanto, eles foram progressivamente aplicados a contratos de trabalho, com impacto significativo nas relações laborais. Confira as nuances dos dispositivos:
Section 1:“‘Maritime transactions’, as herein defined, means charter parties, bills of lading of water carriers, agreements relating to wharfage, supplies furnished vessels or repairs to vessels, collisions, or any matters in foreign commerce which, if the subject of controversy, would be embraced within admiralty jurisdiction; and ‘commerce’, as herein defined, means commerce among the several States or with foreign nations, or in any Territory of the United States or in the District of Columbia, or between any such Territory and another, or between any such Territory and any State or foreign nation, or between the District of Columbia and any State or foreign nation, but nothing herein contained shall apply to contracts of employment of seamen, railroad employees, or any other class of workers engaged in foreign or interstate commerce.”
Tradução:"‘Transações marítimas’, conforme aqui definido, incluem contratos de afretamento, conhecimentos de embarque de transportadoras aquáticas, acordos relativos a docas, fornecimento de embarcações ou reparos em embarcações, colisões ou qualquer questão no comércio exterior que, se controvertida, estaria sujeita à jurisdição marítima; e ‘comércio’, conforme aqui definido, significa comércio entre os vários Estados ou com nações estrangeiras, ou em qualquer território dos Estados Unidos ou no Distrito de Colúmbia, ou entre esses territórios, ou entre esses territórios e qualquer Estado ou nação estrangeira, ou entre o Distrito de Colúmbia e qualquer Estado ou nação estrangeira, mas nada aqui contido se aplica a contratos de trabalho de marinheiros, empregados ferroviários ou qualquer outra classe de trabalhadores engajados no comércio exterior ou interestadual."
O recorte em tela exclui explicitamente contratos de trabalho de marinheiros, empregados ferroviários e trabalhadores engajados no transporte interestadual. O propósito original da exclusão era proteger classes de trabalhadores que, na época, já possuíam legislações específicas e acesso a métodos alternativos de resolução de disputas.
Contudo, essa exclusão foi reinterpretada pela Suprema Corte no caso Circuit City Stores, Inc. v. Adams[15](532 U.S. 105, 2001), que restringiu sua aplicação a trabalhadores diretamente envolvidos diretamente na logística de transporte interestadual. Ou seja, isso abriu as portas para que a maioria dos contratos de trabalho privados fosse abrangida pela FAA, permitindo a expansão da arbitragem obrigatória no setor trabalhista.
Ainda no âmbito do procedimento arbitral, ressalta-se a Section 2:
“A written provision in any maritime transaction or a contract evidencing a transaction involving commerce to settle by arbitration a controversy thereafter arising out of such contract or transaction, or the refusal to perform the whole or any part thereof, or an agreement in writing to submit to arbitration an existing controversy arising out of a contract, transaction, or refusal, shall be valid, irrevocable, and enforceable, save upon such grounds as exist at law or in equity for the revocation of any contract.”
Tradução: "Uma disposição escrita em qualquer transação marítima ou em um contrato que evidencie uma transação envolvendo comércio, para resolver por arbitragem uma controvérsia que surja posteriormente desse contrato ou transação, ou a recusa em cumprir a totalidade ou qualquer parte dela, ou um acordo escrito para submeter à arbitragem uma controvérsia existente decorrente de um contrato, transação ou recusa, será válida, irrevogável e exequível, salvo por motivos legais ou equitativos para a revogação de qualquer contrato."
Essa norma reforça a arbitragem como uma alternativa vinculativa aos tribunais. Em contratos trabalhistas, essa disposição tem permitido que empregadores incluam cláusulas de arbitragem como condição de emprego, geralmente em contratos de adesão. Embora legalmente válidas, essas cláusulas são frequentemente criticadas por sua natureza coercitiva, já que o trabalhador tem pouca ou nenhuma margem para negociar os termos do contrato.
Eficiência ou Renúncia de Direitos?
O modelo norte-americano de arbitragem trabalhista representa um dilema clássico entre eficiência e justiça. De um lado, a arbitragem oferece celeridade e menor custo; de outro, limita o acesso dos trabalhadores a tribunais públicos e enfraquece ações coletivas, instrumentos cruciais em disputas trabalhistas.
A decisão da Suprema Corte no caso Epic Systems Corp. v. Lewis[16] (2018) ilustra com prontidão esse debate. Ao validar cláusulas que obrigam trabalhadores a resolver disputas de forma individual, proibindo ações coletivas, a Corte reforçou a celeridade e o menor custo da arbitragem, mas ao mesmo tempo comprometeu instrumentos essenciais para a proteção de direitos trabalhistas, como as class actions. Essa prática, muitas vezes imposta unilateralmente em contratos de adesão, transforma um mecanismo originalmente pensado para ser consensual em uma ferramenta que potencializa desigualdades estruturais, limitando o acesso dos trabalhadores a soluções judiciais amplas e equilibradas.
5.3 O Modelo Alemão de Arbitragem Trabalhista
No cenário alemão, nação reconhecida por seu sistema jurídico sólido e pela cultura de diálogo social, impõe-se um modelo único de resolução de disputas trabalhistas que reflete valores profundamente enraizados na colaboração e no equilíbrio de poderes. Diferentemente de países onde a arbitragem é amplamente utilizada, como os Estados Unidos, na Alemanha o protagonismo é dos Arbeitsgerichte[17] (Tribunais do Trabalho), especializados em questões laborais.
No entanto, soluções alternativas não são totalmente ausentes. Em contextos coletivos, especialmente em conflitos envolvendo empregadores e Conselhos de Trabalhadores, Betriebsräte[18], uma espécie de conciliação - com aspectos inerentes à arbitragem - desempenha um papel essencial por meio do Einigungsstelle [19](Comitê de Conciliação). Esse modelo não é apenas um mecanismo técnico de resolução de disputas, mas um reflexo da filosofia de Mitbestimmung (co-determinação), que permeia o direito trabalhista alemão. A co-determinação garante aos trabalhadores voz ativa na gestão empresarial, equilibrando interesses em decisões estratégicas.
Estrutura Legal e Contexto Histórico
O modelo alemão de relações trabalhistas é sustentado por uma estrutura legal robusta, marcada pela interação entre empregadores e conselhos de trabalhadores em empresas de médio e grande porte. Essa interação é regulamentada por duas legislações principais: Betriebsverfassungsgesetz[20](BetrVG), lei da Constituição das Empresas, que regula a formação e os direitos dos conselhos de trabalhadores; e a Mitbestimmungsgesetz[21](MitbestG), lei da Co-determinação, que expande a participação dos trabalhadores em decisões estratégicas, especialmente em grandes empresas.
Ambas as leis refletem o compromisso histórico da Alemanha em promover uma cultura de diálogo e parceria, evitando confrontos adversariais por meio de processos participativos. Essa filosofia molda o papel do Einigungsstelle, o principal mecanismo de arbitragem em disputas coletivas, garantindo que empregadores e trabalhadores possam buscar soluções colaborativas quando o consenso não é alcançado.
O Einigungsstelle
O Einigungsstelle, previsto pela BetrVG, é um comitê de conciliação que atua como órgão de arbitragem para resolver disputas entre empregadores e conselhos de trabalhadores sobre questões que demandam co-determinação, como horários, políticas salariais e medidas disciplinares.
Composto por representantes de ambas as partes e presidido por um especialista neutro – frequentemente um juiz trabalhista –, o comitê assegura equilíbrio e imparcialidade no processo. Suas decisões são vinculantes, garantindo eficácia na resolução dos impasses, e só podem ser contestadas judicialmente em situações excepcionais, preservando a estabilidade do sistema.
Os procedimentos do Einigungsstelle são estabelecidos pelo § 76 da BetrVG, que determina:
“Zur Beilegung von Meinungsverschiedenheiten zwischen Arbeitgeber und Betriebsrat wird eine Einigungsstelle gebildet. Sie besteht aus einer gleichen Anzahl von Beisitzern der Arbeitgeber- und der Arbeitnehmerseite sowie einem neutralen Vorsitzenden.”
Tradução: “Para resolver divergências entre o empregador e o conselho de trabalhadores, é formado um comitê de conciliação. Ele é composto por um número igual de membros dos lados do empregador e dos trabalhadores, além de um presidente neutro.”
Além disso, o § 76a estipula que os custos do comitê devem ser arcados pelo empregador, fazendo com que o processo não seja demasiadamente oneroso aos trabalhadores, encorajando a participação. Veja:
“Die Kosten der Einigungsstelle trägt der Arbeitgeber.”
Tradução: “Os custos do comitê de conciliação são arcados pelo empregador.”
O modelo alemão de arbitragem trabalhista, centrado no Einigungsstelle, destaca-se por equilibrar eficiência, justiça e participação democrática. Com foco na co-determinação e em decisões vinculativas, promove o diálogo entre empregadores e trabalhadores como caminho para resolver conflitos coletivos.
Apesar de críticas quanto à complexidade e limitações em disputas individuais, o sistema demonstra que métodos alternativos de resolução de disputas como esse podem ser ferramentas de parceria, priorizando a legitimidade e o equilíbrio de interesses, ao invés de soluções monocráticas.
6.Contraste ao Direito Internacional do Trabalho
Nessa esteira, traz-se à baila as discussões que perpassam o âmbito do direito internacional do trabalho, na forma de convenções e tratados que visam resguardar garantias trabalhistas. Uma das influências mais notórias vislumbradas no ordenamento jurídico brasileiro é a Convenção Americana sobre Direitos Humanos - promulgada pelo Decreto nº 678/1992[22]. Dentre os diversos dispositivos apresentados pelo referido diploma legal, os mais caros ao presente estudo são aqueles que tangenciam o acesso à justiça - nomeadamente os arts. 8º[23], 24[24] e 25[25].
O primeiro artigo perpassa, de modo amplo, o direito fundamental de acesso à justiça e ao contraditório. Enseja, portanto, um conflito entre a celeridade processual que o PL busca trazer para os dissídios trabalhistas com a mera condição financeira para ingresso em uma arbitragem. Caso o trabalhador não possua recursos para custear o procedimento arbitral, haverá um impasse, pois a cláusula compromissória válida fulmina a possibilidade de ajuizamento de ação perante o Poder Judiciário.
Em complementação a esse pensamento, os arts. 24 e 25 permeiam o papel da função legislativa na proteção de seus cidadãos. A lei deve, por essência, assegurar a proteção dos trabalhadores para minar, ao máximo, as vulnerabilidade existentes em uma relação laboral. Nessa seara, lida-se com a subsistência de um indivíduo, o qual deve dispor de um meio factível para solução de litígios. E, na opinião dos autores, a arbitragem não constitui método viável para ser utilizado em larga escala em casos de dissídios trabalhistas.
Apesar da atratividade que a celeridade proporcionada pela arbitragem oferta a seus usuários, esta é acompanhada por um ônus que poderá privar trabalhadores de apresentarem seus respectivos pleitos. Nesse mesmo sentido, a Justiça do Trabalho segue posicionando-se similarmente.
7.Controvérsias e Perspectivas da Arbitragem Trabalhista
7.1 O Impacto da Reforma Trabalhista
Como visto, a Reforma Trabalhista de 2017 tentou integrar a arbitragem no Direito do Trabalho, por meio do art. 507-A da CLT. A norma autoriza a adoção de cláusulas compromissórias em contratos de trabalho de trabalhadores com remuneração superior a duas vezes o teto do RGPS. No entanto, os dados de 2023 mostram que essa alteração teve impacto prático pouco expressivo. Enquanto a Justiça do Trabalho julgou mais de 3,5 milhões de processos[26], apenas 308 procedimentos arbitrais trabalhistas foram realizados no mesmo período[27].
A reforma também inaugurou a figura do trabalhador hipossuficiente, a qual reside no art. 444 da CLT. Esse grupo possui, por sua vez, menos direitos e proteções trabalhistas previstas em lei, quando comparado ao grupo dos "hipersuficientes". Isso acarreta maior liberdade de negociação desse tipo de trabalhadores, em detrimento de sua proteção. Para que seja configurada a hipersuficiência, o trabalhador deve receber duas vezes o valor do RGPS e portar diploma de ensino superior[28].
Apesar disso, a doutrina ainda critica os critérios adotados pelo legislador, tendo em vista que não traduz a realidade fática do trabalhador[29]. Parece correto o posicionamento doutrinário, pois há diversas outras variáveis a serem consideradas, como a hierarquia do funcionário no âmbito da dinâmica laboral e as condições de trabalho[30]. Logo, é pacífico que deveria haver ainda mais requisitos para que se possa retirar proteções dos trabalhadores para lhes conferirem maior autonomia.
Mesmo retirando o juízo de valor acerca da escolha legislativa no estabelecimento do trabalhador hiperssuficiente, e seus respectivos requisitos, é evidente que o legislador objetivou reduzir a proteção apenas de trabalhadores com maior poder aquisitivo e conhecimento. Não à toa, a escolha do art. 507-A da CLT está alinhada com a remuneração delineada no art. 444 do mesmo diploma legal.
Utilizando-se da interpretação teleológica, faria pouco sentido a empreitada do supracitado Projeto de Lei em reduzir o piso para submissão de dissídios trabalhistas ao crivo arbitral. Em regra, a lógica do Direito do Trabalho segue o princípio da proteção, o qual deve ser assegurado pela legislação. Ao aumentar o quantitativo de trabalhadores que seriam abarcados pela mudança proposta pelo PL, haveria maior vulnerabilidade trabalhista.
Nessa esteira, entende-se que a vontade do legislador responsável pela Reforma Trabalhista é de reservar os dissídios individuais trabalhistas ao grupo mais próximo dos denominados hipossuficientes. Demonstrando, assim, uma incompatibilidade do PL com a legislação vigente.
7.2 A Resistência da Justiça do Trabalho brasileira à Arbitragem Trabalhista Individual
A resistência da Justiça do Trabalho à arbitragem em dissídios individuais permanece sólida no ordenamento jurídico brasileiro, mesmo após as inovações introduzidas pela Reforma Trabalhista de 2017.
Desde a promulgação da Lei de Arbitragem, a Justiça do Trabalho mantém uma postura reticente em relação ao uso da arbitragem para resolução de dissídios individuais. Essa relutância está fundamentada na ideia de que o Direito do Trabalho possui uma função social protetiva, construída para equilibrar as desigualdades estruturais entre empregadores e empregados.
A arbitragem, por deslocar o conflito para a esfera privada, é vista como potencialmente prejudicial ao trabalhador, especialmente por afastar o controle judicial das decisões. O artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal[31], que garante o acesso ao Judiciário, é amplamente utilizado como base para argumentar que a arbitragem, em certos casos, poderia limitar direitos fundamentais, fragilizando o papel do Estado como mediador imparcial e garantidor de direitos trabalhistas[32].
No núcleo do Direito do Trabalho está o princípio da indisponibilidade de direitos, o que significa que certos aspectos das relações laborais, como salários, férias, horas extras e verbas rescisórias, não podem ser renunciados ou transacionados. Esses direitos são protegidos por normas de ordem pública e representam uma barreira jurídica direta à aplicação da arbitragem, que depende da livre disposição das partes para negociar.
Essa limitação coloca o instituto da arbitragem em uma posição de incompatibilidade com a essência do Direito do Trabalho, já que a resolução de disputas em instâncias privadas frequentemente exige concessões que podem infringir tais garantias mínimas. Como consequência, decisões arbitrais que ultrapassem esse limite são consideradas nulas, o que reduz drasticamente o campo de atuação do instituto[33].
Embora o artigo 507-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) tenha estabelecido critérios específicos para a adoção da arbitragem trabalhista, condicionando sua aplicação ao patamar remuneratório do empregado, a jurisprudência insiste em reafirmar a competência estatal na solução desses conflitos, sobretudo diante da indisponibilidade dos direitos laborais e da hipossuficiência do trabalhador.
Nesse contexto, o Recurso Ordinário Trabalhista nº 0000221-18.2020.5.10.0021[34], julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, constitui exemplo paradigmático dessa postura, ao rechaçar a cláusula compromissória de arbitragem firmada fora dos parâmetros legais e contrária aos princípios fundantes do Direito do Trabalho.
A ementa do acórdão evidencia de forma nítida a posição do tribunal:
INCOMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. REJEITADA.
A questão acerca da cláusula compromissória para a arbitragem se situa, pertinente à causa trabalhista, na seara da competência da Justiça do Trabalho.
No âmbito trabalhista, as discussões acerca da arbitragem em dissídios individuais se centram, sobretudo, na questão da hipossuficiência obreira e no desequilíbrio potencial dos sujeitos envolvidos, pelo que sempre defendi que a via arbitral se deveria situar em autorização por norma coletiva, enquanto o legislador situou, desde logo, a questão em condições econômico-financeiras, permitindo que trabalhadores com maior remuneração, e assim presumidamente mais equilibrados perante o patronato, possam estabelecer cláusulas contratuais compromissórias para a arbitragem, como passou a definir o referido artigo 507-A da CLT, desde a vigência da Lei 13.467/2017.
No caso sob exame, contudo, o Reclamante situa-se em patamar remuneratório inferior ao exigido por lei do dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS, sendo inválida a cláusula compromissória firmada para o plano trabalhista. (grifo nosso)
O acórdão destaca que, embora presente uma cláusula arbitral, compete à Justiça do Trabalho decidir sobre a natureza da relação empregatícia, garantindo a tutela dos direitos indisponíveis do trabalhador. Nos termos do julgado:
Portanto, é certo que compete à Justiça do Trabalho decidir sobre a natureza da relação jurídica trabalhista entre particulares, como é o caso dos autos.
Essa afirmação ressalta o caráter cogente do Direito do Trabalho, informando que as normas laborais não podem ser afastadas por convenções particulares, sob pena de esvaziar o núcleo essencial de proteção ao hipossuficiente.
A decisão também reitera a incompatibilidade da arbitragem privada com a essência do Direito do Trabalho, salientando que a autonomia da vontade, característica da arbitragem comercial ou civil, não encontra plena correspondência no âmbito laboral. Segundo o acórdão:
A arbitragem de natureza privada e sem participação do Estado pelo Judiciário Trabalhista se mostra incompatível com a natureza cogente do Direito do Trabalho, de modo que a pactuação de cláusula compromissória relativa à arbitragem não afasta a atuação da Justiça do Trabalho [...].
Esse entendimento evidencia que, em se tratando de direitos indisponíveis e marcados pelo princípio protetivo, não há espaço para mecanismos privados que possam fragilizar a posição do trabalhador ou reduzir seu amparo legal.
A hipossuficiência do empregado constitui elemento central nessa análise. O tribunal ressalta a desigualdade intrínseca à relação de emprego, apontando que a arbitragem, ao pressupor uma certa equivalência entre as partes, não se ajusta ao cenário laboral. De acordo com os fundamentos do acórdão, a imposição da arbitragem somente encontraria alguma legitimidade se o legislador a condicionasse a autorizações normativas coletivas, o que não ocorre na sistemática inaugurada pelo artigo 507-A da CLT. Mesmo diante da tentativa do legislador, a aplicação do instituto tem sido limitada ao estrato de trabalhadores com remuneração mais elevada, partindo-se da presunção – questionável na prática – de que tais indivíduos gozariam de maior equilíbrio negocial.
No caso concreto, o julgado frisou a invalidez da cláusula arbitral, pois o reclamante não atingia o patamar remuneratório mínimo previsto em lei para o uso desse mecanismo. Ao declarar a cláusula nula, o tribunal não se restringiu a uma análise estritamente formal, mas ressaltou a importância de prevenir fraudes ou tentativas de desvirtuar a aplicação da legislação trabalhista. Ademais, a decisão criticou o uso da arbitragem como instrumento para mascarar relações de emprego, atraindo o instituto para hipóteses de fraude, vedadas pelo artigo 9º da CLT. Confira trecho do voto que, embora vencido, também traduz o espírito do acórdão:
No âmbito trabalhista, as discussões acerca da arbitragem em dissídios individuais se centram, sobretudo, na questão da hipossuficiência obreira e no desequilíbrio potencial dos sujeitos envolvidos, pelo que sempre defendi que a via arbitral se deveria situar em autorização por norma coletiva, enquanto o legislador situou, desde logo, a questão em condições econômico-financeiras, permitindo que trabalhadores com maior remuneração, e assim presumidamente mais equilibrados perante o patronato, possam estabelecer cláusulas contratuais compromissórias para a arbitragem, como passou a definir o referido artigo 507-A da CLT, desde a vigência da Lei 13.467/2017.
No caso sob exame, contudo, o Reclamante situa-se em patamar remuneratório inferior ao exigido por lei do dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS, sendo inválida a cláusula compromissória firmada para o plano trabalhista.
Assim, a posição da Justiça do Trabalho se consolida no sentido de garantir a jurisdição estatal como parâmetro mínimo de proteção, garantindo publicidade, precedentes e efeitos normativos que repercutem além do caso concreto. A arbitragem, por não produzir o mesmo impacto regulatório e educativo, mostra-se inadequada ao contexto trabalhista, tanto pela natureza indisponível dos direitos em discussão quanto pela necessidade de assegurar condições efetivas de igualdade e respeito ao trabalhador.
A atuação do Judiciário, nesse sentido, não se configura como mera formalidade, mas como elemento central para a efetivação dos princípios constitucionais que informam o Direito do Trabalho no Brasil, preservando a justiça social e o equilíbrio das relações laborais, sempre dentro do arcabouço estatal.
7.3 Entre Custos, Celeridade e Acesso: A Arbitragem Trabalhista em Perspectiva
A arbitragem trabalhista, embora apresente o atrativo da celeridade, encontra-se diante de desafios complexos quando cotejada com a estrutura da Justiça do Trabalho, sobretudo no que diz respeito à acessibilidade econômica e à efetividade na proteção dos direitos sociais. Os dados disponíveis indicam que o custo do procedimento arbitral, notadamente no contexto da CAMES, alcança montantes significativamente superiores aos usualmente verificados na via judicial. Enquanto a arbitragem pode chegar a cerca de R$ 21.500,00 em despesas — incluindo taxa de registro, taxa de administração e honorários do árbitro —, o recurso à Justiça do Trabalho, em cenários sem gratuidade, apresenta um patamar estimado entre R$ 6.500,00 e R$ 11.500,00, e, em casos de gratuidade judiciária, reduz-se a zero.
Tal discrepância financeira não se mostra mera inconveniência, mas verdadeiro óbice à democratização do instituto, impedindo seu emprego por trabalhadores que, muitas vezes, não dispõem de recursos suficientes para arcar com tais valores. Confira a tabela abaixo:
Tabela de Custos - Arbitragem x Justiça do Trabalho
Item |
Arbitragem (CAMES) |
Justiça do Trabalho (com gratuidade) |
Justiça do Trabalho (sem gratuidade) |
Taxa de Registro / Preparo da Inicial |
R$ 2.000,00 |
R$ 0,00 |
R$ 0,00 |
Taxa de Administração / Taxa Judiciária |
R$ 7.500,00 |
R$ 0,00 |
R$ 1.000,00 |
Honorários do Árbitro / Honorários Sucumbenciais |
R$ 12.000,00 |
R$ 0,00 |
R$ 2.500,00 a R$ 7.500,00 |
Outras Custas (eventuais) |
Variável |
Variável |
R$3.000,00 (Perícia, etc..) |
Total Estimado |
R$ 21.500,00 |
R$ 0,00 |
R$ 6.500,00 a R$ 11.500,00 |
Paralelamente, o volume dos procedimentos analisados pelas diferentes instâncias reforça a distância entre o potencial simbólico da arbitragem e sua efetiva inserção no cotidiano laboral. Em 2023, a Justiça do Trabalho apreciou cerca de 3.500.000 casos, ao passo que, no mesmo período, a arbitragem trabalhista na CAMES contabilizou apenas 308 procedimentos, enquanto o IMAP registrou 82 casos. A disparidade numérica revela não apenas uma questão cultural, mas também um indicativo de que o elevado custo e a ausência de garantias econômicas efetivas tornam a arbitragem um caminho pouco viável para a grande massa de trabalhadores.
A perspectiva temporal, por sua vez, adiciona mais uma camada ao problema. Embora a arbitragem trabalhista, de acordo com dados relativos à CAMES, possa resultar em uma solução em torno de 3,2 meses, a Justiça do Trabalho costuma demandar entre 8 e 12 meses para a resolução das lides. Esse contraste poderia, em tese, impulsionar a adoção da arbitragem, não fosse a barreira financeira anteriormente apontada. Tampouco a possibilidade de parcelamento dos custos arbitrais se revela suficiente para mitigar as assimetrias socioeconômicas inerentes à relação de emprego, sobretudo quando comparada à gratuidade judiciária fornecida pelo Estado.
A hipótese de redução do piso mínimo para a arbitragem trabalhista, proposta no PL 3365/20, busca atenuar tais obstáculos, ampliando o rol de potenciais usuários. Ainda assim, a queda do piso não altera a essência dos custos, tampouco elimina as pressões veladas que podem ser exercidas sobre o trabalhador, cuja margem de “consentimento” permanece questionável. Nesse contexto, a tentativa de democratizar o acesso à arbitragem ao simplesmente expandir seu alcance numérico não garante uma efetiva inclusão, pois subsistem tensões quanto à disponibilidade de direitos, ao desequilíbrio entre as partes e à natureza obrigacional implícita na contratação do procedimento.
Para ilustrar concretamente esse panorama, considere-se o caso hipotético de um empregado que, após ser dispensado sem justa causa, busca reparação de verbas rescisórias no valor de R$50.000,00. Mesmo situando-se em faixa salarial intermediária — acima do mínimo legal sugerido para a arbitragem —, esse indivíduo depara-se com a exigência de despender quantias consideráveis para viabilizar o procedimento arbitral. Embora a solução em três meses seja sedutora, a soma dos custos pode ultrapassar várias vezes sua renda mensal, inviabilizando a escolha pela via extrajudicial e empurrando-o de volta à Justiça do Trabalho, cujo trâmite, embora mais moroso, não exige aporte inicial.
Assim, a análise dos dados sugere que a mera redução do piso da arbitragem não se mostra suficiente para garantir seu uso efetivo e equitativo, tampouco para harmonizar a suposta autonomia da vontade com a preservação dos direitos indisponíveis do trabalhador. É preciso ir além, refletindo acerca da necessidade de políticas estruturantes, subsídios ou mecanismos compensatórios que assegurem a compatibilidade entre celeridade e proteção.
O cenário delineado reforça a questão central deste estudo: a arbitragem trabalhista, tal como atualmente concebida, não apenas falha em incorporar o trabalhador médio ao seu campo de atuação, mas corre o risco de converter-se em uma “solução” disfuncional, acessível apenas a segmentos privilegiados. Nesse sentido, o desafio consiste em repensar a engenharia normativa e institucional da arbitragem trabalhista, de modo a que sua celeridade não se converta em um privilégio de poucos, e sim em um instrumento verdadeiramente vocacionado à efetividade de direitos sociais, inserindo-se harmonicamente no sistema jurídico-laboral brasileiro.
8. Considerações Finais
A inserção da arbitragem no cenário trabalhista brasileiro ainda demanda um longo percurso de amadurecimento, exigindo uma leitura crítica tanto do perfil sociocultural do país quanto de seus arcabouços normativos. Se por um lado a arbitragem pode proporcionar celeridade e eficiência, por outro, a realidade empírica demonstra que o instituto, ao ser transposto sem as devidas salvaguardas, tende a reforçar desequilíbrios estruturais. Nesse sentido, não se trata apenas de ajustar pontualmente o texto legal, mas de repensar a engenharia institucional capaz de assegurar condições materiais para o efetivo exercício da autonomia do trabalhador, sem converter direitos indisponíveis em moedas de barganha.
Considerando a tradição brasileira de proteção ao hipossuficiente, bem como as experiências francesa e alemã pautadas pelo rigoroso escrutínio sobre os limites da arbitragem no ambiente laboral, revela-se imprescindível manter um filtro rigoroso sobre o alcance desse mecanismo. A restrição a faixas remuneratórias elevadas ou a trabalhadores situados em patamares qualificados da relação de emprego não deve ser vista como obstáculo ao acesso à justiça, mas sim como instrumento essencial para impedir que a arbitragem se torne instrumento de pressão econômica ou velada renúncia a direitos sociais básicos.
Nesse panorama, a moderação no uso da arbitragem trabalhista não significa negar os possíveis benefícios de sua aplicação. Pelo contrário, ao delimitar com clareza o universo de casos nos quais o instituto pode operar sem ferir o cerne protetivo do Direito do Trabalho, é possível construir uma via de resolução de conflitos mais dinâmica e proporcional às necessidades contemporâneas. Ademais, a crescente especialização de câmaras arbitrais, a adoção de critérios rigorosos para o consentimento do empregado e a observância de mecanismos de transparência tendem a consolidar uma arbitragem menos inócua e mais sensível à realidade laboral.
Qualquer tentativa de ampliar indiscriminadamente o escopo da arbitragem, como proposto pelo PL 3365/20, ao reduzir critérios e afrouxar garantias, implica afrontar um dos pilares fundamentais do Direito do Trabalho: a tutela do hipossuficiente. Portanto, a manutenção do cerco normativo em torno do instituto não se apresenta como atitude retrógrada, mas como medida de cautela, garantindo que o acesso a meios alternativos de resolução de disputas não se transforme em porta de entrada para o esvaziamento de conquistas históricas e direitos inalienáveis dos trabalhadores.
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[1]Bacharelando em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de Estudos Estrangeiros de Tóquio.
[2] Lei nº 9.307 de 23 de setembro de 1996, a qual inaugurou o primeiro diploma legal sobre arbitragem na jurisdição brasileira.
[3] Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017, a qual promoveu mudanças no texto da Consolidação das Leis do Trabalho.
[4] Projeto de Lei nº 3365, apresentado em 17.06.2020, o qual propõe alterações à Lei de Arbitragem e à Consolidação das Leis do Trabalho.
[5] VIDAL. Comentários ao veto presidencial que admitia a arbitragem no direito do trabalho para o administrador ou diretor estatutário. 2016.
[6] DELGADO. Curso de Direito do Trabalho. 2020.
[7] MARTINS. Direito do Trabalho. 2018.
[8] MALLET. Arbitragem nos Conflitos Trabalhistas. 2018.
[9] VIDAL. op. cit.
[10] VERÇOSA. Arbitragem para a resolução de dissídios individuais trabalhistas. 2019.
[11] YOSHIDA. A arbitragem e o judiciário trabalhista. 2005.
[12] TAVEIRA. Arbitragem, Empresas e Direitos Humanos: uma Análise das Cláusulas Modelo e das Regras da Haia. 2023.
[13] Trata-se do Código do Trabalho Francês, promulgado em 1973, o qual sofreu diversas alterações ao longo dos últimos anos. A cronologia das distintas versões do referido diploma legal pode ser consultada em: https://www.legifrance.gouv.fr/codes/texte_lc/LEGITEXT000006072050.
[14] Trata-se do diploma legal que disciplina o funcionamento da arbitragem nos Estados Unidos da América. Foi primeiramente promulgado em 1925, com alterações posteriores em 1947, 1951, 1954, 1970, 1988, 1990, 1992 e 2002. A íntegra do documento e sua respectiva cronologia podem ser consultadas em: https://www.govinfo.gov/content/pkg/USCODE-2019-title9/html/USCODE-2019-title9.htm.
[15] A decisão foi proferida em 21.03.2001 e tornou-se um divisor de águas para o viés sob qual o tema é enfrentado no país. Para mais informações sobre o caso, acesse: https://supreme.justia.com/cases/federal/us/532/105/.
[16] Outro caso extremamente relevante para o debate da utilização da arbitragem trabalhista nos Estados Unidos. A disputa trata especificamente de regras atinentes a dissídios coletivos, em especial no que tange à atuação de sindicatos. Todas as informações acerca do julgamentos encontram-se em: https://supreme.justia.com/cases/federal/us/584/16-285/.
[17] Nota-se que esse termo apenas abarca os tribunais de primeira instância, ainda havendo os tribunais de segunda instância (“Landesarbeitsgerichte") e o Tribunal Federal do Trabalho (“Bundesarbeitsgericht").
[18] Os Conselhos de Trabalhadores são organizações que se preocupam com as condições dos trabalhadores de uma única empresa. Em outras palavras, esse grupo de funcionários - os quais são eleitos a cada quatro anos - possui comunicação direta com gestores e pessoas em cargo de gerência. Não necessariamente possuem vínculo com sindicatos, os quais representam os trabalhadores de uma indústria como um todo.
[19] O Einigungsstelle afigura-se como procedimento estranho à jurisidição brasileira, apesar de estar presente em alguns países, principalmente no continente europeu. Importante destracar que esse instituto assemelha-se ao procedimento arbitral, tendo a composição do corpo julgador com a mesma lógica - destacado abaixo-, e tendo uma decisão por escrito e vinculante a ambas as partes.
[20] ALEMANHA. Betriebsverfassungsgesetz (BetrVG) – Lei da Constituição das Empresas, de 15 de janeiro de 1972, atualizada em 2021. Disponível em: https://www.gesetze-im-internet.de/betrvg/. Acesso em: 27 nov. 2024.
[21] ALEMANHA. Mitbestimmungsgesetz (MitbestG) – Lei da Co-determinação, de 4 de maio de 1976, atualizada em 2021. Disponível em: https://www.gesetze-im-internet.de/mitbestg/. Acesso em: 27 nov. 2024.
[22] PORTO, et.al. A proteção dos direitos dos trabalhadores pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
[23] “Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.”.
[24] “Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei.”.
[25] “Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.".
[26] Os números foram extraídos de levantamento realizado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) em 2023. Os relatórios desde o ano de 2003 podem ser consultados em: https://tst.jus.br/web/estatistica/jt/relatorio-geral.
[27] Informação retirada no Anuário de Arbitragem no Brasil do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA). O documento pode ser acessado em: https://cesa.org.br/comite/arbitragem/.
[28] BELMONTE. Hipersuficiência do trabalhador: presunção relativa ou absoluta? Limites à prevalência do negociado pelo hipersuficiente sobre o legislado. 2023.
[29] MARTINEZ. Curso de Direito do Trabalho. 2020.
[30] MANNRICH. Trabalhador hipersuficiente: reflexões acerca do parágrafo único do art. 444 da CLT. 2020.
[31] “XXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
[32] YOSHIDA. op.cit.
[33] VIDAL. op.cit.
[34]BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. Recurso Ordinário Trabalhista n.º 0000221-18.2020.5.10.0021. Relator: Desembargador Gilberto Augusto Leitão Martins. 21ª Vara do Trabalho de Brasília-DF. Brasília (DF), 31 de julho de 2024. Acesso em: 6 dez. 2024.
Acadêmico de Direito na UFRJ
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARROSO, Rafael Reis. Cara ou Coroa: As Controvérsias da Arbitragem Trabalhista no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 abr 2025, 04:41. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigo/68439/cara-ou-coroa-as-controvrsias-da-arbitragem-trabalhista-no-brasil. Acesso em: 28 abr 2025.
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