O ônus da prova deve ser entendido não como uma obrigação de provar, mas sim, uma necessidade de provar, havendo diferença entre ônus e obrigação no direito processual.
Portanto, a parte que tem o ônus de provar deve fazê-lo sob pena de ver sua pretensão negada por insuficiência de provas.
Conseqüentemente, após a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), surgiram divergências na doutrina e jurisprudência acerca do momento processual mais adequado para aplicação do quanto disposto no art. 6º, VIII se na sentença, ou antes da sentença (na ocasião do despacho saneador).
O legislador se omite quanto ao momento processual mais adequado para o magistrado decidir a respeito da inversão, o que causou divergências na doutrina e jurisprudência.
Há duas correntes nas quais juristas de renome se posicionam que o momento correto é antes da sentença, e outros, de que o momento adequado seria na sentença.
Para Nelson Nery Junior, o ônus da prova é regra de juízo devendo ser reconhecido na sentença, afirmando que a sentença é o melhor momento para a inversão. Sustenta este jurista que "a parte que teve contra si invertido o ônus da prova (...) não poderá alegar cerceamento de defesa porque, desde o início da demanda de consumo, já sabia quais eram as regras do jogo e que, havendo non liquet quanto à prova, poderia ter contra ela invertido o ônus da prova."
Compartilha de tal pensamento, João Batista Lopes, que assim ensina:
"...é orientação assente na doutrina que o ônus da prova constitui regra de julgamento e, como tal, se reveste de relevância apenas no momento da sentença, quando não houver prova do fato ou for ela insuficiente" e que "... somente após o encerramento da instrução é que se deverá cogitar da aplicação da regra da inversão do ônus da prova. Nem poderá o fornecedor alegar surpresa, já que o benefício da inversão está previsto expressamente no texto legal".
A segunda corrente entende em sentido contrário, alegando que por se tratar de matéria referente a prova, as partes devem ter ciência prévia de a quem incumbirá o ônus probandi e o deferimento da inversão deverá ocorrer entre a propositura da ação e o despacho saneador, sob pena de prejuízo para a defesa do réu, em nítido cerceamento de defesa.
O eminente processualista Carlos Roberto Barbosa Moreira :
“As normas de repartição do ônus probatório consubstanciam, também, regras de comportamento dirigidas aos litigantes. Se lhe foi transferido um ônus – que para ele não existiria antes da adoção da medida – obviamente deve o órgão jurisdicional assegurar a efetiva oportunidade de dele se desincumbir”.
Neste sentido, Desembargador Luis Antônio Rizzatto Nunes em trecho digano de nota, afirma que o momento adequado para a decisão sobre a quem cabe o ônus é o despacho saneador, verbis:
"o momento processual mais adequado para a decisão sobre a inversão do ônus da prova é o situado entre o pedido inicial e o saneador."
A jurisprudência igualmente se divide, conforme os julgados dos insignes relatores Ministros Sávio de Figueiredo, Nancy Andrighi e Humberto Gomes de Barros.
No sentido de que a inversão se trata de regra de julgamento e pode ser analisada no momento da sentença, seguem os entendimentos dos Ministros Sávio de Figueiredo e Nancy Andrighi, abaixo colacionados:
"... IV- Não há vício em acolher-se a Inversão do ônus da prova por ocasião da decisão, quando já produzida a prova." ( STJ – Ac. RESP 203225/MG, Quarta Turma, Rel. Min. Sávio de Figueiredo Teixeira, DJ 05.08.2002
"(...) Conforme posicionamento dominante da doutrina e da jurisprudência, a inversão do ônus da prova, prevista no inc. VIII, do art. 6.º do CDC é regra de julgamento (...)" (REsp 422.778/CASTRO FILHO, Relatora para acórdão a Ministra NANCY ANDRIGHI)
Em sentido contrário, de que a inversão constitui regra de procedimento e não de julgamento, entende o Ministro Humberto Gomes de Barros, que, no precedente acima, ressalvou a discordância do seu entendimento, cujo excerto diz o seguinte:
"Conclui, sem dúvidas, que a inversão do encargo probatório é regra de procedimento. É que sua prática envolve requisitos (verossimilhança da alegação ou hipossuficiência do consumidor) que devem ser ponderados em cada caso concreto. Tenho convicção que o processo não pode ser armadilha para as partes e causar-lhes surpresas inesperadas. Ora, a inversão do ônus da prova é exceção à regra prevista no Art. 333 do CPC, segundo a qual ao autor incumbe a prova do fato constitutivo do respectivo direito e ao réu cabe a prova referente à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Logo, se o caso se enquadra na previsão do Art. 6º, VIII, do CDC, é preciso que o Juiz declare a inversão clara e previamente ao início da instrução. Do contrário, cria-se insegurança as partes, compelindo-se uma das partes a, eventualmente, produzir prova contra si próprio por ter receio de sofrer prejuízo decorrente duma inversão de ônus no momento da sentença. A meu ver, a tese de que a inversão do ônus da prova é regra de julgamento não é compatível com o devido processo legal. A adoção dessa tese permite que o processo corra sob clima de insegurança jurídica, colocando ao menos uma das partes em dúvida sobre seus encargos processuais."
Finaliza o Ministro Humberto, concordando com a maioria:
“Rendo-me, entretanto, à orientação adotada pela maioria, para preservar a
higidez de nossa jurisprudência”.
Concluindo, a nosso ver, com respeito às doutas opiniões em contrário, entendemos que a inversão do ônus da prova em matéria de Direito do Consumidor deve ser entendida como matéria de instrução (ou procedimento)o momento mais adequado para sobre a inversão do ônus da prova é justamente no despacho saneador ou decisão saneadora, momento em que o magistrado constatará se estão presentes os requisitos, após verificar, segundo as regras de experiência, que as alegações do autor são verossímeis ou que o consumidor é hipossuficiente. e não matéria de julgamento e
O momento do saneador é adequado igualmente para a inversão do ônus da prova por ser o momento da fixação dos pontos controvertidos e anterior à instrução do processo, o que evita prejuízos à ampla defesa do réu (fornecedor/empresário).
No que diz respeito ainda à ampla defesa, entendemos que o fornecedor tem o direito de ser previamente informado do ônus que lhe foi carreado no momento da inversão, para que possa se defesa plenamente e produzindo todas as provas que pretender, podendo, inclusive, se insurgir contra a decisão interlocutória que aplica a inversão do ônus da prova através do recurso de agravo.
A inversão no saneador beneficia também o autor poderá o qual poderá evitar ser surpreendido ao final do processo com a não inversão do ônus da prova e havendo preclusão do seu direito de produção de prova, mormente diante de um Judiciário com acúmulo de serviço, onde determinadas decisões cruciais do processo passam despercebidas.
NOTAS:
Batista Lopes, João. A prova no Direito Processual Civil, 2ª ed, p. 51, Ed. RT, São Paulo, 2002.
Barbosa Moreira, Carlos Roberto. Notas sobre a inversão do ônus da prova em benefício do consumidor, In Revista de Direito do Consumidor, nº 22 abril-junho, 1997. Ed.RT.
AgI 179.184-1/4, 5ª Câm. Civ., Rel. Des. Marco César, j. 19.09.1992, in NUNES, Luiz Antonio Rizzato. O Código de Defesa do Consumidor e sua interpretação jurisprudencial. 2ª ed., ver. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2000.
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