LEI Nº 13.254, de 19 de agosto de 2009
“DISPÕE SOBRE AS RESTRIÇÕES AO USO DE PRODUTOS FUMÍGENOS NO MUNICÍPIO DE CURITIBA."
COMENTÁRIO:
1. Lei antifumo: tendência. Trata-se de uma tendência em várias partes do mundo. No Brasil, não podia ser diferente. O pioneirismo se deu no estado de São Paulo. Em seguida, vieram Rio de Janeiro (estado), Curitiba, Florianópolis e o estado do Rio Grande do Sul. Aos poucos, cidades e estados começaram a aderir. Como jogada de marketing, artistas são chamados para se manifestar favoravelmente à lei. Destarte tal fato, há gigantesca manifestação a ela contrária, com alegações de diversos tipos e argumentos sem embasamento.
2. Aspectos propedêuticos da lei – equívocos comuns. A chamada “lei antifumo” não acaba com a liberdade individual de fumar. Tampouco há penas para os fumantes que a descumprem (o alvo da fiscalização não são os fumantes, mas os estabelecimentos enquadrados na lei). Aspectos variados, que geram determinadas dúvidas, serão aqui sanadas.
3. Lei em Curitiba. A lei analisada é a de n. 13.254, de agosto de 2009, de Curitiba. Entretanto, a lei curitibana em muito se assemelha às outras (como a de São Paulo), pois todas estabelecem os mesmos mandamentos, com pequenas alterações de escrita, via de regra. Em São Paulo, a equivalente é a 13.541/09.
4. Cigarro e Brasil. A legislação antifumo não surge do nada, sempre há uma motivação. Notadamente, o Brasil é ativista contrário à empresa do tabaco, aumentando as taxas e, agora, com as legislações. Não é sem motivo: os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) são alarmantes.
“As taxas da produção do tabaco geram renda que chega a US$ 2,2 bilhões para o governo brasileiro em 2008, mas isto não significa que ele facilita o trabalho da indústria do tabaco”. Além disso, “de acordo com uma recente pesquisa feita pelo Banco Mundial no campo do controle do tabaco, a última decaída do uso do produto no Brasil foi entre o primeiro trimestre de 1991 e o primeiro de 1993, quando os preços subiram em 78,6% e o consumo diminuiu em mais de um quinto. A pesquisa recomenda um retorno à política de preços de 1993, estimando que tal aumento reduziria o consumo em aproximadamente 11% ou aproximadamente 100 cigarros legais per capita por ano” (Disponível no site da OMS, <http://www.who.int/bulletin/volumes/87/11/09-031109.pdf>; tradução livre).
“O Brasil tem uma situação social muito complexa, graças à sua enorme população, seu território continental, a grande diversidade ambiental e cultural, e suas profundas desigualdades e injustiças econômicas e sociais, que em muito afetam a saúde da população” (Disponível no site da OMS, <http://www.who.int/dietphysicalactivity/strategy/Brazil%20presentation_wha59.pdf>; tradução livre). Em resumo, fora do Brasil também são notados nossos índices (para mais informações, vide site da OMS: <http://www.who.int/en/>).
Na América Latina, é possível dizer que o Brasil está com os menores índices. O norte, deste modo, está sendo o correto. No site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é possível encontrar mais informações.
5. Motivação da lei. Muito aqui se poderia falar, mas a intenção maior é comentar e interpretar a presente lei, não justificá-la. Em poucas palavras, sua motivação é a defesa da sociedade. Já são sabidos pela sociedade os malefícios dos produtos fumígenos em geral. Cada vez mais a medicina mostra tais prejuízos. Além disso, não é equivocado afirmar que o câncer, doença que hoje muito preocupa, tem relação direta com o tabaco. Destarte as carteiras de cigarro terem avisos dos malefícios, o vício fala mais alto.
Mais que os indivíduos dependentes do fumo, existem também os fumantes passivos. A pesquisa no tema também tem alargado e, em progressão geométrica, a preocupação tem aumentado. Fumante passivo é o indivíduo que, apesar de não fumar, encontra-se exposto à fumaça de produto fumígeno, inalando-a e, deste modo, recebendo, de forma passiva, os malefícios do produto.
Imagine-se uma garçonete não-fumante que trabalha durante a noite em um bar que permite o cigarro. Ao final de seu expediente, a funcionária acaba como se tivesse fumado, apenas pela inalação da fumaça. Para estas pessoas, e para quaisquer outras que não desejam a exposição ao produto desta forma é que a lei vem, de forma a garantir a saúde da população. A sociedade, com a legislação antifumo, vem a ser protegida pelo Estado, para que aquela, por meio desta, tenha sua integridade (em termos de saúde) garantida, não deixando os indivíduos que não desejam serem fumantes passivos intactos e saudáveis. Não há proibição da utilização dos produtos fumígenos, este espaço da autonomia da vontade do sujeito permanece, a proibição é que os indivíduos usuários não prejudiquem a saúde dos outros. Foi necessário o agir do Estado em prol da garantia da saúde de sua sociedade.
6. Argumentos legais – Código de Defesa do Consumidor (CDC). A seção I do Capítulo IV do CDC estabelece uma parte específica do micro-sistema que garante a proteção da saúde e da segurança do indivíduos consumidores. É dever de um estabelecimento, uma lanchonete, por exemplo, garantir a saúde de seus clientes (consumidores), de acordo com o CDC. Não pode, deste modo, oferecer alimentos estragados. Numa hermenêutica extensiva, não pode também permitir que pessoas que não fumam fiquem expostas diretamente à fumaça das que fumam, em um mesmo recinto fechado – é dever dos responsáveis pelo recinto prezar pela saúde dos consumidores.
7. Argumentos legais – Constituição da República Federativa do Brasil (CR). Diversos são os aspectos que a CR estabelece a proteção à saúde, e há, portanto, um enorme feixe de hermenêuticas possíveis. Existem artigos positivados na Carta, estando explícitos na Seção II do Capítulo II do Título VIII.
8. Art. 196 da CR. Estabelece que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Os cidadãos tem direito à saúde, e é dever do Estado garantir tal direito. Para cumprir tal dever, cabe a ele políticas sociais e econômicas, para reduzir riscos de doenças. A fumaça de produtos fumígenos em recintos de uso coletivo fechados é um risco de doença, e a lei antifumo é uma política estatal para reduzir tal risco.
9. Art. 197 da CR. Diz que “são de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado”.
A legislação antifumo é uma regulamentação de tema de relevância pública (pois refere-se a serviços de saúde).
A CÂMARA MUNICIPAL DE CURITIBA, CAPITAL DO ESTADO DO PARANÁ, aprovou e eu, Prefeito Municipal, sanciono a seguinte lei:
Art. 1º É proibido o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos, ou qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, em todos os recintos de uso coletivo, público ou privado, independente de sua natureza ou razão jurídica, assim considerados, entre outros:
COMENTÁRIO:
1. É proibido. O operador deôntico primordial é “proibido”, ou seja, o teor é uma ação negativa, uma omissão dos indivíduos à lei submetidos. Não é possível aos sujeitos utilizar cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, na situação descrita.
2. Produtos proibidos – definições. Cigarro pode ser explicado como “pequena porção de fumo picado, enrolado em papel fino, ou em palha de milho para se fumar” (Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa, p. 150). Por sua vez, cigarrilha é um “cigarro cuja mortalha é um fragmento de folha de fumo” (Idem, ibidem), enquanto charuto é um “rolo de folhas secas de fumo”, cuja finalidade é fumar (Idem, p. 145). Finalmente, cachimbo é um “aparelho para fumar, composto de um fornilho, onde se põe o tabaco, e de um tubo, por onde se aspira o fumo” (Idem, p. 113).
3. Qualquer outro produto fumígeno. O legislador optou por não estabelecer um rol essencialmente taxativo numerus clausus a respeito dos produtos proibidos: cita os mais comuns, e, para evitar tentativas de burlar a lei, com produtos semelhantes que nas categorias não se enquadram, proibiu também outros produtos fumígenos, abrindo o leque de proibições. Os produtos podem ser ou não derivados do tabaco.
4. Proibição – em que condições? A proibição não é, entretanto, absoluta, pois se estabelece uma condição de proibição: que o lugar seja recinto de uso coletivo. Aspectos mais específicos de recinto de uso coletivo não são importantes: pode ser público, pode ser privado; e a natureza, assim como a razão jurídica, não importam. Nos parágrafos do artigo, mais detalhes da expressão são apresentados, para conceituá-la.
Em suma, nos recintos de uso coletivo, fica proibido o uso dos produtos fumígenos. Nos incisos abaixo, são apresentados alguns dos recintos.
I - instituições de ensino e de saúde;
II - hotéis, pensões e similares;
III - restaurantes, lanchonetes e similares;
IV - bares, cafés e similares;
V - as casas de música e de espetáculos, boates, danceterias e similares;
VI - os museus, teatros, salas de projeção, bibliotecas, cinemas, salas de exposições
de qualquer natureza e locais onde se realizam espetáculos circenses;
VII - mercados, supermercados e demais locais fechados de venda de alimentos;
VIII - ginásios esportivos, clubes e academias;
IX - os ambientes de trabalho, independentes de sua natureza, comercial, de serviço ou industrial e de manufatura, público ou privado, incluindo repartições públicas, salas de escritórios e similares;
X - shoppings centers e áreas comuns de edifícios e condomínios comerciais;
XI - áreas comuns de edifícios e condomínios residenciais;
XII - igrejas, templos e outras edificações de culto religioso;
XIII - o interior dos equipamentos do transporte coletivo;
XIV - táxis, ônibus, micro-ônibus e vans de transporte comercial, público e similares;
XV - elevadores;
XVI - postos de gasolina e demais ambientes, mesmo abertos, que por orientação de autoridade competente, sejam classificados com potencial de combustão, incluindo garagens públicas ou comerciais e dos condomínios residenciais.
COMENTÁRIO:
Mais uma vez, o legislador optou por não estabelecer um critério taxativo numerus clausus, na utilização de expressões como “similares”. A previsão é de situação análoga à seguinte: um indivíduo, fumante, vai a um hostel (que é um albergue para a juventude, uma espécie de hotel para jovens, que dormem no mesmo quarto), e, como a lei não incluiu a categoria, é possível fumar. Tal indivíduo está equivocado, pois, no inciso II do art. 1º, a lei estabelece a proibição em hotéis, pensões e similares – hostel encontra-se na classificação de similar. Mutatis mutandis, o mesmo é aplicável aos outros incisos que possibilitam os “similares”.
§ 1º Aplica-se o disposto no caput deste artigo aos recintos de uso coletivo, total ou parcialmente fechados em qualquer dos seus lados por parede, divisória, teto ou telhado, ainda que provisórios, onde haja permanência ou circulação de pessoas.
COMENTÁRIO:
O caput do artigo proíbe produtos fumígenos em recintos de uso coletivo. Neste primeiro parágrafo é apresentada uma especificação de recinto de uso coletivo em outros aspectos.
O fechamento pode ser total ou parcial do recinto, e pode ser por parede, divisória, teto ou telhado, que não precisam ser necessários, o que é preciso é que tenha permanência ou circulação de pessoas – para que o recinto seja de uso coletivo. Nesta situação é que a lei se aplica.
§ 2º Para efeito desta lei, inclui-se o conceito de ambiente ou recinto coletivo fechado, todo espaço coberto por um teto ou fechado entre uma ou mais paredes ou muros, independentemente do material utilizado para o teto, paredes e muros, bem como se a estrutura seja permanente ou provisória.
COMENTÁRIO:
Esta foi a primeira vez que a lei apresenta um conceito de recinto – ou ambiente, para não dar margem a interpretações indevidas – de uso coletivo. Mais que isso: a proibição dos produtos fumígenos se dá em determinado lugar, até agora tratado como “recinto de uso coletivo”. Com o segundo parágrafo, a expressão sofre uma pequena alteração, delineando melhor o conceito. O locus onde é proibido é ambiente ou recinto coletivo fechado. Note-se que o uso foi excluído no parágrafo, o que não significa que a questão do uso também fica excluída.
Ambiente (ou recinto) coletivo fechado é, pelo parágrafo 2º do art. 1º da lei, eminentemente múltiplo. Pode ser: todo espaço coberto por um teto; todo espaço fechado com uma parede; todo espaço fechado com um muro; todo espaço fechado por mais de uma parede; ou todo espaço fechado por mais de um muro. O teto, a(s) parede(s) e o(s) muro(s) independem do material que é utilizado. Além disso, o caráter temporal – provisório ou permanente – da estrutura também não importa.
Resumindo, ambiente coletivo fechado é um espaço coberto por um teto ou fechado com parede ou muro, não importando o material utilizado para cobrir ou fechar, tampouco o caráter temporal.
§ 3º Nos locais previstos nos parágrafos deste artigo deverá ser afixado aviso da proibição, em pontos de ampla visibilidade, com indicação de telefone e endereço dos órgãos responsáveis pela fiscalização, bem como será proibida a presença de cinzeiros nestes locais.
COMENTÁRIO:
1. Obrigações primárias dos responsáveis pelos locais. A lei não se restringe em proibir, ou seja, não apenas obriga uma omissão (de fumar) por parte de seus cidadãos; também exige um facere, um agir positivo por parte dos estabelecimentos – os mesmos estabelecidos nos incisos do art. 1º. Tal agir é tríplice: aviso de proibição; indicação de contato com a fiscalização; retirada de cinzeiros.
2. Aviso de proibição em pontos de ampla visibilidade. Os recintos de uso coletivo devem avisar a proibição do uso de produtos fumígenos. Destarte o princípio da “inalegabilidade da ignorantia iuris”, do art. 3º da LICC (para mais detalhes, vide nosso trabalho anterior, Direito, literatura e a Lei de Introdução ao Código Civil), os lugares são obrigados a evidenciar tal proibição, para (tentar) dar maior garantia que o uso não ocorrerá e, também, para demonstrar a boa-fé dos responsáveis pelo estabelecimento. O aviso também não pode ser em qualquer lugar, mas sim em “pontos de ampla visibilidade” – apesar do texto legal não determinar um critério exato, cabe aqui o bom-senso (muitas vezes, questões como boa-fé, bom-senso e moralidade acabam sendo critérios, mesmo que não objetivos. Por exemplo, é o critério apresentado por Roberto Senise Lisboa em sua obra Teoria geral do direito civil – a licitude do objeto, nos negócios jurídicos, compreende a moralidade deste, p. 336).
3. Como contatar os órgãos de fiscalização. No aviso (da proibição do uso dos produtos fumígenos) que os recintos são obrigados a apresentar, também é necessária a indicação de telefone e endereço dos órgãos que ficaram como responsáveis pela fiscalização (no caso de Curitiba, as denúncias para fiscalização por parte dos órgãos competentes deve ser feita pelo 156, ou pelo 0800 664 0041).
4. Retirada dos cinzeiros. Por fim, a última medida requisitada é que os recintos retirem os cinzeiros. A ideia principal é dificultar o uso de produtos fumígenos com tal medida, pois não permite aos usuários colocarem as cinzas em um lugar específico. A fiscalização, neste aspecto, tanto em Curitiba, quanto no Rio de Janeiro ou em São Paulo, estará cuidando de tal aspecto, afinal, um bar, v. g., que deixa cinzeiros nas mesas com a lei já em vigor não pode estar se apresentando de boa-fé para com a lei.
Art. 2º Os responsáveis pelos recintos de que trata esta lei, deverão advertir os eventuais infratores sobre a proibição nela contida, bem como sobre a obrigatoriedade, caso persista na conduta coibida, de imediata retirada do local.
COMENTÁRIO:
Muitas pessoas pensam que a sanção prevista pela lei aplica-se aos usuários de produto fumígeno no local proibido. Tal julgamento é equivocado, pois nenhuma lei antifumo impõe pena ao usuário, mas apenas ao estabelecimento.
Todavia, existe uma forma de sanção ao usuário que insista. Suponhamos a situação em que um indivíduo chega em uma lanchonete e, mesmo vendo o aviso da proibição de fumar, com os números de denúncia, e mesmo sem cinzeiros (ou seja, até este ponto a lanchonete cumpriu seu dever), acende seu charuto e começa a fumar. Neste caso, o procedimento correto é que algum sujeito responsável pelo atendimento na lanchonete, um garçom por exemplo, peça para que o cliente apague o charuto, advertindo-o da proibição legal. Caso o indivíduo fumante persista, é possível que o recinto (a lanchonete no caso) peça para que ele se retire do local imediatamente. A punição para o recinto só existirá se ele for conivente para com o cliente, permitindo-o o uso do produto.
Este é o que exprime o art. 2º da lei: os responsáveis pelos recintos devem advertir os infratores da proibição legal do uso, caso o indivíduo persista, obrigatoriamente deve se retirar de modo imediato do local.
Parágrafo Único - Os responsáveis pelos locais, que por ação ou omissão permitirem o fumo nos recintos de que trata a presente lei, ficarão sujeitos aos procedimentos administrativos e as sanções previstas na Lei Municipal nº 9000/1996 - Código de Saúde de Curitiba, sem prejuízo de outras penalidades de natureza civil ou criminal cabíveis.
COMENTÁRIO:
1. Ação e omissão. Aqui partiremos do auxílio da doutrina penal, que muito se concentrou em estudar a conduta.
Conduta divide-se em ação (ou comissão) e omissão. Ação, para ser conceituada, recebeu diversas teorias à conceituação dedicadas. A nosso ver, a melhor que aqui cabe é a teoria social, ou da ação socialmente adequada, ou ainda da adequação social, que ensina que ação é a “conduta socialmente relevante, dominada ou dominável pela vontade humana”. Além disso, “o Direito Penal só comina pena às condutas socialmente danosas”, e “socialmente relevante é toda conduta que afeta a relação do indivíduo para com o seu meio” (Julio Fabbrini Mirabete, Manual de direito penal, p. 89-90).
Note-se que a maior parte da doutrina penal adota a teoria finalista da ação, ditando que ação é “manifestação da vontade dirigida a um fim” (J. F. Mirabete, Idem, p. 89). Tal conceito aqui também cabe, mas, tendo em vista o objetivo da lei, a noção de “conduta socialmente relevante” revela-se mais adequada. Em resumo, o legislador crê que o uso de produtos fumígenos nos recintos supracitados é uma conduta socialmente relevante, tendo de ser, desta forma, vetada.
A ação não está presente apenas no indivíduo que, destarte a vigência da lei, utiliza os produtos, mas também por parte dos responsáveis pelos recintos, por exemplo, abrindo uma área para fumantes, o que é vedado.
Tais responsáveis pelos recintos também podem apresentar conduta por omissão, não atingindo os requisitos do caput do art. 2º, não colocando avisos, por exemplo. Omissão, novamente com o auxílio da doutrina penal, é a não concretização da ação devida e esperada. É devido e esperado por parte dos recintos apresentar os avisos da lei, caso não o façam (não o concretizem), encontram-se em conduta por omissão.
2. Permissão do uso nos recintos de que trata a lei. A permissão, como visto, pode se dar por ação (como no exemplo da área para fumantes, permitindo-os o uso por ação), ou por omissão (como no exemplo de não deixar avisos, ou mesmo de deixar cinzeiros). As possibilidades das condutas não podem aqui serem encerradas.
3. Sujeição aos procedimentos municipais. Não cabe aqui tratar de tais procedimentos, mas o legislador avisa que os infratores estarão sujeitos à legislação municipal. Adiante ver-se-á a pena, prevista nesta lei.
Art. 3º Qualquer pessoa poderá relatar ao órgão de fiscalização determinado pelo município fato que tenha presenciado em desacordo com o disposto nesta lei.
COMENTÁRIO:
Embora desnecessário, o legislador deixou explícito que não é necessário conhecimento específico ou condições exclusivas para os indivíduos relatarem uma eventual infração. O relato deve ser feito ao órgão de fiscalização do município, e deve seguir alguns requisitos formais.
Interessante notar o aspecto terminológico: ao invés de utilizar o termo “denúncia”, que possui carga semântica pesada, a opção foi por “relato”.
§ 1º O relato de que trata o caput deste artigo conterá:
I - a exposição do fato e suas circunstâncias;
II - a declaração, sob as penas da lei, de que o relato corresponde à verdade;
III - a identificação do autor, com nome, prenome, número da cédula de identidade, seu endereço e assinatura.
COMENTÁRIO:
1. Aspectos formais do relato. Não basta dizer que, em determinado lugar, a lei não está sendo cumprida. A lei estabelece alguns requisitos, formais e materiais, para o auxílio da fiscalização.
Primeiramente, é necessário que o indivíduo narre o que aconteceu, e qual era a conjuntura. Vale dizer, o sujeito conta a situação em todos os aspectos que considerar relevantes, desde o início. Depois, deve explicitar (declarar) que o que está sendo dito é integralmente verdadeiro, sendo submetido a uma potencial sanção em caso negativo. Por fim, a denúncia (ou, melhor dizer, o relato) não pode ser anônima – aqui cabe um diálogo constitucional, pois a CR veda o anonimato, em seu art. 5º, IV. Desta forma, o autor do relato deve declarar seu nome (o que comumente é considerado sobre nome), seu prenome (o que chamamos nome, quando na realidade não o é), o número da cédula de sua identidade, seu endereço, e ainda assinar.
2. Apontamentos críticos. Nos incisos deste parágrafo, e especificamente no inciso III, a lei mostrou-se demasiadamente rígida, ao exigir diversas informações do autor. A nosso ver, seria mais adequado deixar isso facultativo para os responsáveis pela fiscalização, pois o trabalho pode ser intenso e desgastante, e burocracias, como identificação completa do autor, apenas garantem maior lentidão aos fiscais em exercício de seu dever. No máximo o nome completo do autor e seu número de identidade bastariam.
3. Necessidade de formalidades. Extremos nunca estão plenamente corretos. Excesso de formalismo é danoso, e sua inexistência também gera prejuízo. Ao que parece, os dois primeiros incisos do parágrafo foram redigidos na medida certa, mas o inciso terceiro poderia ter sido menos rígido, conforme já dito.
A exposição do fato e a declaração de estar ciente de possíveis consequências em caso de inverdades ditas foram ótimas propostas, pois, ao mesmo tempo formaliza em um mínimo o procedimento, positiva aspectos procedimentais, e dá garantia de segurança.
§ 2º O relato feito nos termos deste artigo constitui prova idônea para o procedimento sancionatório.
COMENTÁRIO:
Prova, segundo Senise Lisboa, é o “conjunto de motivos produtores da certeza” (Roberto Senise Lisboa, Manual de direito civil, vol. 1, p. 448).
As formalidades exigidas pelo primeiro parágrafo deste artigo, per si, demonstram que há grande segurança, para provar que o ato de infração foi cometido, mesmo se houverem discórdias.
Deste modo, uma vez dado um relato, sujeito às formalidades, está provado que tal fato ocorreu, e o infrator encontra-se em situação que receberá sanção. Em outras palavras, um relato feito já é considerado prova para acarretar sanção a um infrator.
Art. 4º Esta lei não se aplica:
I - aos locais de culto religioso em que o uso de produto fumígeno faça parte do ritual;
II - às instituições de tratamento da saúde que tenham pacientes autorizados a fumar pelo médico que os assista;
III - às vias públicas e aos espaços ao ar livre;
IV - às residências;
V - aos estabelecimentos específica e exclusivamente destinados ao consumo no próprio local de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou de qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, desde que essa condição esteja anunciada, de forma clara, na respectiva entrada, definidos na razão social como tabacaria;
VI - nos quartos de hotéis, desde que utilizado pelo hóspede.
COMENTÁRIO:
1. “A lei é ‘injusta”. Ab initio, é muito comum as pessoas julgarem a lei “injusta”, pois proibiria determinados cultos religiosos. Para isso é necessário chegar na leitura até o art. 4º, pois este apresenta as exceções dos “recintos de uso coletivo”, que o legislador considerou plausível permitir o uso de produtos fumígenos.
2. O critério é taxativo. Diferentemente dos recintos proibidos, o critério utilizado é sim taxativo numerus clausus, afinal, a possibilidade de uso de produtos fumígenos é a exceção, a regra é sua impossibilidade.
3. Os lugares em que é permitido fumar. Alguns cultos religiosos têm como imprescindível a utilização de uso de produto fumígeno, fazendo parte de ritual – nestes casos, o uso ainda é permitido. Em caso de tratamento de saúde, o uso também é possível. Nos espaços ao ar livre é possível fumar porque a fumaça não fica mantida em um recinto de uso coletivo, pois o ambiente é aberto. Desta forma, não há problemas quanto à saúde da população. Residências, por serem lugares de cunho estritamente privado, e de uso, teoricamente, não tão coletivo, foram tidas pelo legislador como locus em que é possível a utilização. Em caso de proibição é que seria uma restrição muito ferrenha. Em tabacarias (desde que não dentro de, v. g., shoppings centers), não há que se questionar a plausibilidade do uso dos produtos fumígenos, afinal, são deles que os estabelecimentos dependem.
4. Equívoco do legislador. Por fim, a última exceção, a do inciso VI, foi, a nosso ver, um equívoco por parte do legislador. Quarto de hotéis são recintos de uso coletivo, e são fechados. A circulação de pessoas é grande, não num mesmo tempo, mas com considerável periodicidade (ou mudança, simplesmente), e há sim perigo pela saúde das pessoas que ficam no quarto após uma que lá fumou, afinal, mesmo após uma boa limpeza, vestígios permanecem.
Em outras palavras, mesmo após uma boa limpeza, um quarto de hotel, em que uma pessoa fumou, fica com vestígios do cigarro, mesmo se pequenos, o que pode ser danoso à saúde de outro hóspede.
Importante lembrar que existe a possibilidade de o hotel proibir o uso dentro dos quartos.
Parágrafo Único - Nos locais indicados nos incisos I, II, e V deste artigo, deverão ser adotadas condições de isolamento, ventilação ou exaustão do ar que impeçam a contaminação de ambientes protegidos por esta lei.
COMENTÁRIO:
Desta vez, o legislador mostrou-se precavido, e estabeleceu maiores condições às exceções do presente artigo.
Nos casos de locais de cultos religiosos em que produtos fumígenos fazem parte do rito, das instituições de saúde que necessitam de tais produtos também, e das tabacarias, é necessário que se estabeleça segurança a ponto que a fumaça fique em tais recintos, não afetando a saúde pública. Deste modo, os estabelecimentos precisam adotar medidas de isolamento, ventilação ou exaustão de ar eficazes o suficiente para impedir contaminação de ambientes protegidos.
Pode parecer desnecessário, mas a importância fica evidente com o seguinte exemplo: imagine-se um restaurante que fica ao lado de uma tabacaria. Se a tabacaria não estabelece tais medidas, a fumaça pode sair pela janela e chegar ao restaurante – note-se que não é obrigação do responsável pelo restaurante evitar que a fumaça lá chegue, mas sim do responsável pela tabacaria. Neste (e em outros) caso(s), é preciso a adoção das medidas supracitadas, para evitar tal fato.
Art. 5º Os infratores desta lei sujeitar-se-ão à multa de R$ 1.000,00 (um mil reais), aplicada em dobro na reincidência, devendo este valor ser reajustado anualmente pela variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, acumulada no exercício anterior, sendo que, no caso de extinção deste índice, será adotado outro criado por legislação federal e que reflita a perda do poder aquisitivo da moeda.
COMENTÁRIOS:
1. Infração e sanção. Como toda e qualquer lei, esta encontra-se submetida a possíveis infrações. No caso desta eventualidade, o precavido legislador estipulou uma multa de mil reais para tal caso. Na reincidência, o valor é dobrado.
É importante lembrar que quem é responsável pelo pagamento da multa é o estabelecimento (o bar, por exemplo), não a pessoa que no recinto fumou. É possível aduzir, deste modo, que a infração não se dá – ao menos nos termos da lei – por parte do indivíduo que fuma, mas sim o responsável pelo estabelecimento, que foi conivente com a atitude, cometendo a infração.
2. Quem deve ser o infrator? Legalmente, não há dúvidas que o infrator é considerado o responsável pelo recinto, por ser, como já dito, conivente.
No entanto, este demonstrou-se outro equívoco do legislador, ou até mesmo uma ingenuidade. É evidente que o responsável pelo estabelecimento é quem deve monitorar o cumprimento da lei dentro do local, mas a plenitude da certeza do cumprimento da lei (em especial em grandes bares e restaurantes) pode inexistir. Exemplificando, imagine-se o caso de um homem que fuma em um grande restaurante, sentado em uma mesa do fundo, escondendo o cigarro, e colocando as cinzas em um guardanapo. Por óbvio, é possível que as pessoas que se encontram perto denunciem o indivíduo, e também é dever do garçom notar. Mas não há total certeza que isso ocorreria.
Deste modo, seria mais plausível considerar um infrator plural – tanto o responsável pelo recinto, quanto o indivíduo fumando (e cabe aqui novamente o princípio da inalegabilidade da ignorantia iuris, já citado). Por outro lado, não há (ao menos ainda) lei que adote tal medida.
3. O valor da sanção é passível de alteração. O valor deve ser reajustado pelo IPCA, índice apurado pelo IBGE. IPCA é o Índice de Preços ao Consumidor Amplo, calculado desde 1980 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Reflete o custo de vida para as famílias com renda mensal equivalente a valor de um a quarenta salários mínimos. No caso do IPCA ser extinto, adotar-se-á o índice adotado na federação.
Art. 6º Esta lei entra em vigor no prazo de 90 (noventa) dias após a data de sua publicação, revogando a Lei nº 6167/1980 e suas alterações posteriores.
COMENTÁRIO:
1. Vacatio legis. Segundo Deocleciano Torrieri Guimarães, é o “período que decorre do dia da publicação da lei à data em que entra em vigência, durante o qual vigora a anterior sobre o mesmo assunto. No Brasil, em geral, a lei entra em vigor na data de sua publicação, sendo rara a vacatio legis” (Dicionário Técnico jurídico, p. 547).
Entretanto, existe legislação que determina a regra geral brasileira. É o que se depreende do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC): Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar no país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada. Existe, portanto, determinação legal de vacatio. Entretanto, como a própria lei afirma, é possível que o legislador determine a vacatio que considerar necessária.
“Após o cumprimento da sua vacatio legis, a lei deve ser aplicada indistintamente” (Diogo Rodrigues Manassés, Direito, literatura e a Lei de Introdução ao Código Civil), seja a vacatio legis “aconselhada” (já que não é compulsória, obrigatória) pela LICC, seja a vacância estabelecida pela própria lei.
2. Vacância da lei n. 13.254. Como o legislador tem o poder de decidir a vacância da lei, esta analisada teve como período determinado noventa dias. Desta forma, a vacatio legis da lei antifumo é de noventa dias.
3. Revogação da lei n. 6.167/80. Como é sabido, as novas leis possuem a faculdade de revogar, parcial ou integralmente, leis anteriores, normalmente quando tratam do mesmo tema. É o que ocorreu com a presente lei, revogando a anterior que tratava um pouco sobre o mesmo tema.
PALÁCIO 29 DE MARÇO, em 19 de agosto de 2009.
Carlos Alberto Richa
PREFEITO MUNICIPAL
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
A legislação antifumo, com toda a certeza, representa imensurável avanço ao Brasil (e aos outros países, que a adotam também). É louvável a atitude do Poder Público de admitir a necessidade de uma regulamentação mais rígida quanto ao tema, que se refere a questões eminentemente prática de questões cotidianas da saúde de sua população.
Finalmente o Poder Público sensibilizou-se pela saúde de seu povo, admitindo que o uso de produtos fumígenos pode ser danoso. Para não ser taxado de antidemocrático e injusto, teve o bom-senso de ainda permitir tais produtos, apenas restringindo seu uso. Logicamente, não se está aqui a defender a abolição dos produtos, ao revés, faz parte da discricionariedade individual deliberar quanto à sua própria saúde. No entanto, foi de extremo bom-senso por parte do Poder Público (no caso, em Curitiba) notar que o tema é de interesse geral, necessitando de regulamentação em prol da saúde geral – dos que não fumam e podem ter sua saúde afetada, em especial em decorrência do fumo passivo.
É este o tipo de avanço que é desejável. É este o Direito que o Brasil merece: de vanguarda, com preocupações sociais, com avanços e extremo bom-senso. E que assim continue.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
- GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário técnico jurídico. 10. Ed. São Paulo: Rideel, [s.d.].
- MANASSÉS, Diogo Rodrigues. Direito, literatura e a Lei de Introdução ao Código Civil: Um estudo reflexivo-comparativo acerca do Direito e da Lei de Introdução ao Código Civil, partindo do auxílio literário. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2329, 16 nov. 2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13845>. Acesso em: 26 nov. 2009.
- MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120 do CP. 25. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2009.
- SENISE LISBOA, Roberto. Manual de direito civil, v. 1: teoria geral do direito civil. 5. ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2009.
- Web site da OMS: < http://www.who.int/en/>
Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIOGO RODRIGUES MANASSéS, . Comentários à Lei n. 13.254/09, do município de Curitiba/PR Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 dez 2009, 08:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/18942/comentarios-a-lei-n-13-254-09-do-municipio-de-curitiba-pr. Acesso em: 23 dez 2024.
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