RESUMO: O artigo analisa o Direito Processual Penal, numa perspectiva constitucional, que a sua finalidade não visa a coerção, bem como a prisão como pressupostos ou funções, mas a Constituição da República define que as questões atinentes ao Direito Penal são voltadas ao direito que assegura o contraditório e a liberdade enquanto processo democrático.
A Constituição Federal, na perspectiva da aproximação do processo penal com o princípio democrático, e entre nós, inseriu o Direito Penal e o Direito Processual Penal a partir da contextualização mínima dos direitos fundamentais. Desse modo, o projeto constitucional, inserido no Ordenamento Jurídico, desenvolveu o pensamento de que as ciências penais devem ser visualizadas mediante o exercício do contraditório e da ampla defesa, bem como dos direitos mínimos da igualdade e liberdade.
Neste sentido, no decorrer do constitucionalismo, não prescinde destes ramos do Direito uma nova finalidade. Assim, o direito de um processo democrático inseriu o desenvolvimento pela busca de um fundamento, pelo qual seja adequado aos direitos e garantias mínimas. Pode-se afirmar que, o Direito Processual Penal não visa a coerção e a prisão como pressupostos ou funções, mas a Constituição da República define que as questões atinentes ao Direito Penal são voltadas ao direito que assegura o contraditório e a liberdade enquanto processo democrático.
Como se vê, a questão se refere acerca do fundamento da existência do processo penal, ou seja, qual seria a razão das ciências criminais? Por certo, se o texto constitucional é autoritário o processo penal também será, da mesma forma num Estado de direito, pois, se a Constituição é democrática o processo penal não será autoritário (LOPES JR, 2009).
Assim, aduz Lopes Jr (2009,p.7-8):
Somente a partir da consciência de que a Constituição deve efetivamente constituir (logo, consciência de que ela constitui-a-ação), é que se pode compreender que o fundamento legitimamente da existência do processo penal democrático se dá através da sua instrumentalidade constitucional. Significa dizer que o processo penal contemporâneo somente se legitima à medida que se democratizar e for devidamente constituído a partir da Constituição.
A partir daí, na perspectiva constitucional, é de suma relevância que o processo penal não seja interpretado como mero instrumento de realização do direito potestativo, mas enquanto um procedimento imprescindível na aplicação da pena. É de se destacar que, a validade/existência do devido processo penal legitima-se com a realização e o respeito dos direitos fundamentais garantidos constitucionalmente.
Não adianta um processo penal fundado na legalidade, ou que esteja em conformidade com as regras tipificadas no Código de Processo Penal, mas torna-se necessário, numa dimensão substancial e deontológica do direito, a adequação mínima aos direitos fundamentais e as regras constitucionais. Com isto haverá uma verdadeira filtragem constitucional do processo penal contemporâneo.
Assim, Lopes Jr salienta que a interpretação constitucional deve direcionar as regras do processo penal, nos seguintes termos:
[...] O dispositivos do Código de Processo Penal é que devem ser objeto de uma releitura mais acorde aos postulados dos democráticos e garantias na nossa atual Carta, sem que os direitos fundamentais nela insculpidos sejam interpretados de forma restritiva para se encaixar nos limites autoritários do Código de Processo Penal de 1941.
Em busca de sua finalidade, na perspectiva constitucional, ela é bem explicada no pensamento de Távora e Alencar (2011,p.39): "No que tange à finalidade do Direito Processual Penal, ela pode ser dividida em mediata e imediata: aquela diz respeito à própria pacificação social obtida com a solução do conflito, enquanto a última está ligada ao fato de que o Direito Processual Penal visualiza a aplicação do Direito Penal, concretizando-o".
Agora, passa-se a investigar qual o atual modelo de processo penal inserido constitucionalmente. Numa época em que o Estado brasileiro encontrava-se diante do aumento da criminalidade, bem como diante do desenvolvimento histórico, não seria desajustado o aumento das penas e de um processo penal inflexível (LOPES JR, 2009). Assim, certamente os modelos inquisitivo e acusatório são analisados como consequência do processo penal frente às condições estatais naquela época. Desse modo, a doutrina apresenta duas classificações atinentes ao processo penal, o sistema acusatório e inquisitivo. Assim, o primeiro é de origem romana, em que as pessoas participavam diretamente da atividade acusatória e daquelas atinentes à decisão. Este modelo é inerente ao princípio democrático, visto que a Constituição define a separação da atividade acusatória e de julgamento, bem como estabelece às partes a inciativa probatória, o contraditório, a igualdade processual, a ausência de hierarquia ou a denominada tarifa de provas, o direito à revisão recursal e dentre outros garantidos pela Constituição da República.
Mais uma vez, aduz Lopes Jr (2009, p. 61): "O sistema acusatório é um imperativo do moderno processo penal, frente à atual estrutura social e política do Estado. Assegura a imparcialidade e a tranquilidade psicológica do juiz que irá sentenciar, garantindo o trato digno e respeitoso com o acusado, que deixa de ser um mero objeto para assumir sua posição de autêntica parte passiva do processo penal".
Quanto ao sistema inquisitório, no sentido democrático do processo, pode-se afirmar que ele modifica completamente o cenário procedimental entre as partes, bem como a própria finalidade do processo. Se no acusatório vigorava a distinção entre as funções de julgamento e acusação, neste modelo inquisitivo tem-se um juiz inquisidor, cuja legitimidade autoriza a iniciativa probatória, resultando-se numa confusão entre as mencionadas atividades jurisdicionais. Ainda, certamente, este modelo enfraquece a posição processual do réu enquanto sujeito/pessoa, transformando-o em um mero objeto de investigação inquisitiva.
Apesar das críticas que definem o processo penal brasileiro como inquisitivo não será abordado devido à limitação do tema. Mas, cabe registrar que frente ao projeto constitucional, na perspectiva democrática/mínima dos direitos fundamentais, o processo penal deve adequar-se aos ditames constitucionais que prescrevem um modelo acusatório. Neste tocante, mais uma vez, salienta Lopes Jr (2009, p.78): "[...] a estrutura do Código de Processo Penal de 1.941 deve ser adequada e, portanto, deve ser conformada à nova ordem constitucional vigente, cujos alicerces demarcam a adoção do sistema acusatório. É uma imposição de conformidade das leis processuais penais à Constituição".
Neste sentido, vale registrar o pensamento de Távora e Alencar (2011,p.39):
O sistema acusatório é o adotado no Brasil tem por características fundamentais: separação entre as funções de acusar, defender e julgar, conferidas a personagens distintos. Os princípios do contraditório, da ampla defesa e da publicidade regem todo o processo; o órgão julgador é dotado de imparcialidade. O sistema de apreciação das provas é o princípio do livre convencimento motivado. E de se ressaltar que, contudo, que não adotamos o sistema acusatório puro, e sim, o não ortodoxo, pois, o magistrado não é espectador estático na persecução, tendo, ainda que excepcionalmente, iniciativa probatória, e podendo de outra banda, conceder habeas corpus de ofício e decretar prisão preventiva.
Desse modo, incumbe destacar que, frente ao comando constitucional, cuja constituinte assegura um padrão mínimo de um processo penal constitucionalizado, é imprescindível o combate contra as raízes inquisitivas ainda previstas no modelo processual. Por outras palavras, a conformidade com a Constituição da República é o caminho necessário de um Direito Processual Penal democrático justo.
Antes de analisar as funções do Juiz, do Ministério Público e do Réu. Segue uma breve abordagem constitucional e de sua relação principiológica. O processo penal, entre nós, tem experimentado uma filtragem constitucional, bem como uma nova estrutura processual assegurada pela Constituição Federal. Nesta perspectiva, salienta Lopes Jr (2009,p.115);
Lidamos com o processo penal desde um olhar constitucional, buscando efetivar a filtragem que o Código de Processo Penal exige para ter aplicação conforme a Constituição. Nessa tarefa, existem princípios que fundam a instrumentalidade constitucional e conduzem a uma (re)leitura de todos os institutos do processo penal brasileiro. Significa dizer que não se pode mais, por exemplo, pensar a prisão cautelar senão à luz da presunção (constitucional) de inocência; o princípio da jurisdição exige a observância do (sub)princípio do juiz natural; o inquérito policial deve ser constitucionalizado para permitir certo nível de contraditório e direito de defesa; e assim por diante.
Como se vê, é imprescindível que o processo penal passe por uma constitucionalização, sendo necessária uma adequada interpretação do código de processo penal em face da Constituição.
Agora, após esta breve análise, passa-se a investigar as respectivas funções do juiz, do Ministério Público e do Réu. A função do juiz, na passagem do modelo inquisitivo, configura-se como juiz parcial e detentor da inciativa probatória e dentre outras características desajustadas ao modelo processual penal constitucional.
Com o advento do modelo acusatório, como visto anteriormente, a função do juiz se insere no modelo constitucional, em outros termos, a Constituição determina que os direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata o que autoriza o entendimento de que a função do julgamento não é apenas uma decisão fundamentada, mas incumbe ao juiz atuar como garantidor da eficácia dos direitos mínimos dos acusados.
Neste sentido, mais uma vez, aduz Lopes Jr (2009,p.122):
Assume, assim, uma nova posição no Estado Democrático de Direito, sem que com isso sua atuação seja política, mas constitucional, consubstanciada na função de proteção dos direitos fundamentais de todos e de cada um, ainda que para isso tenha que adotar uma posição contrária à opinião da maioria. Deve tutelar o indivíduo e reparar as injustiças cometidas, absolvendo sempre que não existirem provas plenas e legais de sua responsabilidade penal.
Diante da relação democrática/processual, o projeto constitucional estabeleceu ao Ministério Público a titularidade da ação penal, cuja função é manter a ordem democrática, bem como a garantia dos direitos fundamentais. Desse modo, são peculiares ao titular da ação penal as seguintes regras, a saber: regra da oficialidade, como explicada anteriormente, refere-se ao Ministério Público como titular da ação. A segunda regra é a obrigatoriedade, em que presente os requisitos do lastro probatório mínimo (indícios suficientes da autoria e prova da materialidade do crime) a ação penal deverá ser oferecida mediante denúncia. Em seguida, decorrentes das regras anteriores, também são consideradas a indisponibilidade, pois, uma vez proposta a ação penal, não pode ele desistir da mesma. Quanto à regra da indivisibilidade, esta determina que a ação penal deve ser proposta contra todos os envolvidos que participaram na infração penal.
Por último, quanto à função do réu, pode-se afirmar que, os efeitos da relação inquisitiva refletiram uma postura garantista do legislador constituinte, isto porque, neste sistema o réu era visto como um mero objeto de investigação, sem qualquer garantia constitucional. Com o advento dos direitos fundamentais a posição do réu se inseriu em um cenário completamente diferente do inquisitivo, pois, a partir do projeto/comando da Constituição o réu passa a ser identificado como um sujeito/pessoa de direitos inerentes ao devido processo penal constitucional.
Neste sentido, portanto, a sua função aproxima-se com a natureza do réu enquanto pessoa e não como um mero objeto de investigação preliminar. Portanto, a identificação dele como um objeto autoriza o pensamento de que não existia naquele sistema uma função e muito menos direitos processuais. Por outro lado, na onda dos direitos mínimos, a posição do réu enquanto sujeito de direitos e garantias legitima o entendimento de que a sua função é exercida mediante defesa técnica, bem como da estrita obediência dos direitos inerentes ao devido processo penal justo.
REFERÊNCIAS
JR, Aury Loppes. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. Vol. 1 4°ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual penal. 5° ed. JusPodvm, 2011.
Pós-graduado latu sensu em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC Minas (2015). Graduação em Direito pela Faculdade Presidente Antônio Carlos, FUPAC/ UNIPAC (2013). Graduação interrompida em Filosofia pela Universidade Federal de Ouro Preto, UFOP (2015). Tem experiência acadêmica enquanto Professor de Filosofia e Sociologia. Dedica-se ao estudo nas áreas de Direito Penal e Processual, com foco na Psicanálise na Cena do Crime, inclusive, em pesquisas voltadas ao Direito Constitucional Comparado, Ambiental e Minerário. Autor de artigos científicos de revistas nacionais e internacionais, bem como autoria citada em Faculdades renomadas, como na Tese no âmbito do Doutoramento em Direito, Ciências Jurídico-Processuais orientada pelo Professor Doutor João Paulo Fernandes Remédio Marques e apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARQUES, Fernando Cristian. Constitucionalização do Direito Penal e do Processo Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 ago 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/40447/constitucionalizacao-do-direito-penal-e-do-processo-penal. Acesso em: 05 out 2024.
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